domingo, 17 de fevereiro de 2008

O Filósofo e o Poeta (Jean Lauand)

(originalmente, “Que há de comum entre estes dois senhores?” e “Filosofia e Poesia”, artigo publicados no Jornal da Tarde, resp. 15-8-81 e 19-6-82)

O filósofo - diz S. Tomás comentando Aristóteles - assemelha-se ao poeta; o filosofar e o ato poético têm algo em comum.

Para bem entender esta afirmação - clássica no pensamento ocidental - e que situará o filosofar mais próximo da poesia do que das ciências naturais ou exatas, começaremos por - seguindo de perto um ensaio em que Pieper trata do filosofar - descrever brevemente o conceito clássico de filosofar para, em seguida, compará-lo com algumas poesias de nossa música popular.

De início, pois, umas breves considerações sobre o filosofar.

Não se pense que indagando sobre o filosofar (seu princípio, seu fim, suas condições) estejamos lidando com questão menor ou secundária. Pelo contrário, “Nossa pergunta, `o que é filosofar?´, pertence ao campo da Antropologia Filosófica (...) nada se pode dizer sobre a essência da Filosofia e do filosofar sem, ao mesmo tempo, fazer uma afirmação sobre a essência do homem”.

Pieper, seguindo a sabedoria dos antigos e com os olhos voltados para a problemática atual, começa por confrontar o filosofar com o mundo do trabalho.

O mundo do trabalho é “o mundo do dia de trabalho, o mundo da utilidade da sujeição a fins imediatos, dos resultados, do exercício de uma função; é o mundo das necessidades e da produtividade, o mundo da fome e do modo de saciá-la”.

E filosofar é algo que transcende esse mundo do trabalho. Para entender essa afirmação dos antigos, Pieper sugere um interessante “experimento” filosófico: chegar ao coração do mundo do trabalho – um banco por exemplo, às 13h, em dia de pagamento – e, ao chegar sua vez na fila, formular ao inquieto caixa a questão filosófica: “Mas, por que, afinal existem coisas, e não só o nada?” “Eis a antiqüíssima questão filosófica que Heidegger designou como a questão fundamental de toda metafísica! Será necessário apontar ainda o que de incomensurável tem tal pergunta frente ao mundo diário das utilidades e das oportunidades? Se tal pergunta ressoasse inesperadamente em meio a homens ocupados na produção de bens úteis, será que seu autor não seria tido por louco?”.

Não se pense que a afirmação de que o ato de filosofar transcende o mundo do trabalho equivale a afirmar que aquele seja etéreo, alheio à realidade quotidiana. Platão, após narrar o episódio de Tales caindo no poço, explica o sentido para o que aponta a indignação filosófica (Teeteto, 175): o filósofo quer saber não se um rei que tem muito ouro é feliz ou não, mas o que é em si o poder, a felicidade e a miséria. Em si e em suas última razões.

Assim, o filósofo não se afasta de modo algum da realidade quotidiana, mas sim das interpretações e valorações quotidianas do mundo e do trabalho.

E aí temos já uma primeira característica comum, pois também o ato poético transcende o mundo do trabalho.

Ao aproximarmos Filosofia e Poesia não devemos perder de vista também aquilo que as diferencia: a Filosofia apreende a realidade em conceitos que não falam à imaginação, enquanto a Poesia pelo som, ritmo, rima e fluxo da linguagem atinge e apresenta a realidade de modo figurativo.

Mas, voltemos às semelhanças. O ato poético e o filosófico têm seu princípio no mirandum, naquilo que causa admiração.

O que é admiração? É um abalo que de subido nos faz reparar que o mundo, a natureza, as pessoas escondem um encanto inesperado, até então despercebido. Claro que o filósofo e o poeta não estão sob o influxo desse abalo 24 horas por dia. Claro que perceber esse misterioso encanto não é privilégio exclusivo de quem filosofa ou é poeta. Mas se todo homem potencialmente é abalável pelo maravilhoso, o filósofo e o poeta são aqueles que respondem a esse abalo de modos peculiares.

Por isso, na base da Filosofia e da Poesia encontra-se a sensibilidade, que é, na frase feliz do filósofo inglês Copleston, “reparar naquilo que todo mundo tinha visto (mas não notado)”. Acho que é isso o que Orwell queria dizer quando escreveu em seu 1984: “Os melhores livros são os que nos dizem o que já sabíamos”.

Tanto o filósofo como o poeta recusam-se a ter uma visão exclusiva e acabada do fato bruto, de um mundo de rotina onde tudo funciona “normalmente”.

Pieper, falando do filosofar, e da sensibilidade admirativa que essa atitude requer, põe o seguinte exemplo: um dia, ao saudar um amigo, “Como vai, meu amigo,”, uma pessoa pode sentir o abalo filosófico que o leva a perguntar pelo ser (“o que afinal é isto, em si e em suas últimas razões”) e indagar-se: Mas, afinal o que a amizade é? Que misteriosos e maravilhosos laços me unem à pessoa amiga fazendo-a minha?

Pode também perguntar “pelo ser do ter”: o que é, afinal ter? O que queremos dizer quando falamos em “meu” amigo, “minhas” idéias, “meu” amor, “meu” cigarro, “meu” Deus?

A admiração, gerando por exemplo poesia ou filosofar, abala a visão rotineira e quotidiana onde o “ter” não constitui problema algum.

Já o poeta e o filósofo (o exemplo é recolhido por Pieper) voltam-se para o maravilhoso e admirável caráter do ter, expresso no Hai-Kai:

“Meu jardim
disse o rico;
o jardineiro, sorriu...”


Mas precisemos um pouco melhor a essência do abalo admirativo: a admiração, fonte do filosofar, versa sobre coisas simples: “A questão filosófica, portanto, diz respeito ao que sucede todos os dias diante de nossos olhos; mas isto que está diante dos olhos... perde a opacidade, a concretitude, o aspecto definitivo, a evidência. As coisas começam a revelar um aspecto estranho, desconhecido, mais profundo”.

É também a temática de Heidegger em “O Caminho do Campo”: “O dom que (o Simples) dispensa se esconde na inaparência do que é sempre o mesmo”. Para em seguida fazer agudo diagnóstico dos males do nosso tempo: “O homem se dispersa e se torna errante. Aos desatentos o Simples parece uniforme. A uniformidade entedia. Os entediados só vêem monotonia a seu redor. O Simples desvaneceu-se. Sua força silenciosa esgotou-se. O número dos que conhecem o Simples como um bem que conquistaram diminui, não há dúvida, rapidamente. Esses poucos porém, serão, em toda a parte, os que permanecem”.

De fato, não é preciso muito esforço para verificar como, no nosso tempo, perdemos quase completamente a capacidade de admirar-nos com o Simples. Precisamos mais e mais do estapafúrdio (pense-se nos esoterismos e no pulular de seitas nos dias de hoje) para provocar algo assim como uma pseudo-admiração, prostituída, falsa, sucedâneo para a legítima admiração que reclama respostas filosóficas, poéticas, religiosas, amorosas: formas genuínas de respostas à verdadeira admiração.

“A admiração filosófica não é suscitada pelo ´nunca se viu tal coisa´, por aquilo que é anormal ou sensacional... Perceber no comum e no diário aquilo que é incomum e não diário, o mirandum, eis o princípio do filosofar. Nesse ponto, como dizem Aristóteles e S. Tomás, o ato de filosofar se assemelha à poesia”.

A letra de “Força Estranha” nos fala da arte e do artista, de seus temas, condição e missão: o que o poeta vê, como o vê e expressa. E o que se diz é que o tema e a inspiração da arte procedem da admiração das coisas simples que o poeta vê e – aí está o seu dom – repara: “Eu vi o menino correndo, os cabelos brancos na fronte do artista, a mulher preparando outra pessoa...”

Objetar-se-á que os exemplos – especialmente este último – parecem banais, pouco poéticos, (como dizíamos em artigo anterior), demasiadamente prosaicos (“olhar para aquela barriga”) para as delicadas musas. Como também o ver “muitos homens brigando”.

O poeta responde dizendo que a poesia não tem a necessidade – exageradamente romântica – de fugir à realidade pois “a vida é amiga da arte”. Mas também não precisa cair no estreito e grosseiro “realismo” insensível a tudo o que transcendia o plano meramente material, incapaz portanto de ver, por exemplo, o real encanto do menino correndo ou da nova vida que surge, ou, pelo seu contraste: ver a paz devida, ausente na luta dos homens.

A respeito de realidade e poesia, Caetano diz que é uma questão de sensibilidade, de abrir-se à luz do sol que brilha, ensina, dá a conhecer o jogo das coisas que são e mostra o seu valor.

E assim, podemos nos maravilhar com o menino, com os brancos cabelos do sempre jovem artista e com o surgir da nova vida, sem sermos acusados de querer fugir à realidade pois “aquele que conhece as coisas que são” sabe que há uma realidade de encanto nessas cenas. Note-se que “O tempo parou”, ou a “ausência de tensão do futuro”, é a caracterização que filósofos (como Von Hildebrand ou Pieper) utilizam para falar da contemplação da verdade ou da beleza.

E quem quer que no caminho, na estrada da vida não esteja totalmente cego para essa luz sentir-se-á arrastado – é a experiência relatada desde a Antigüidade por todos os genuínos poetas – por uma estranha força que o compele a externar (“por isso essa voz tamanha”) essas maravilhas.

Quando essa manifestação é de ordem primordialmente estética recebe o nome de arte e seus cultores têm o curioso dom da eterna juventude, por muito que o tempo não pare.

Mas, passemos a outros componentes da postura filosófica platônica. Se o princípio da filosofia é a admiração, seu fim (no sentido da meta) é a “theoria”. Teoria é o simples olhar, “simples visão” contemplativa, desinteressada, ou melhor, desinteresseira: a contemplação pura da verdade e do belo ainda que disso não resulte nada de útil para o “mundo do trabalho”, por exemplo, que não aumente o PIB, mas porque vale “em si”.

Assim Pieper situa a concepção clássica: “Somente aquele que admira consegue realizar em si a forma original de relação com o ser, que desde Platão se chama ´teoria´, isto é, aceitação puramente receptiva da realidade... Teoria só existe quando o homem não se tornou cego e insensível ao maravilhoso, ao fato de que alguma coisa existe”. E, noutra passagem, teoria, “contemplação é um conhecimento com amor. É a visão do objeto amado”. Confronte-se com a antológica “Que maravilha” de Jorge Ben:

Lá fora está chovendo
Mas assim mesmo eu vou correndo
Só para ver
O meu amor...
Que maravilha, que coisa linda
é o meu amor

Registre-se também a oposição que o poeta faz entre a “teoria” (“só para ver...”) e o mirandum (o maravilhoso, que maravilha...) e o “mundo do trabalho”:

Por entre automóveis
Bancários, ruas e avenidas
Milhões de buzinas
Tocando sem cessar...

Se a admiração nos levou à contemplação (teoria), leva-nos também a uma determinada afirmação do mistério como condição do filosofar.

Também aqui devem ser evitadas as confusões: mistério não deve ser entendido como algo esotérico, mas o mistério do simples, dessa realidade quotidiana que, pelo abalo da admiração, manifesta-se misteriosa: o que é o amor?, o que é a dor?, o que o homem é?

Filósofo algum jamais poderá dar resposta plena e acabada a essas e a tantas outras questões. Por isso, Platão personifica o filosofar em Eros, pois Eros é filho de Poro e de Pênia (da abundância e da penúria). Eros (o filosofar, o homem) herdou do pai, Poro, o desejo de conhecer que, nesta vida, não se realizará plenamente (pois Eros é também filho de Pênia).

O filosofar, dizíamos, manifesta o que o homem é. E nessa estrutura dual do mistério e da admiração, misto de ter e não-ter, ânsia de posse que não chega a se perfazer (“... amor é sede depois de se ter bem bebido” – Guimarães Rosa) manifesta-se a estrutura ontológica da criatura humana: uma estrutura de esperança, um não-ter-ainda, não-ser-ainda; intermediária entre a plenitude da divindade e a opacidade do bruto.

O mistério é o claro-escuro: sim, sabemos o que é por exemplo o amor, mas, ao mesmo tempo, não sabemos o que o amor é.
A razão pela qual a realidade é misteriosa para o homem não está na falta de luz mas no excesso, no fato de ter sido criada por Deus, fonte de luz-ser e de inteligibilidade. Como indicávamos (em artigo anterior) a realidade é cognoscível para o homem porque é criada por Deus. Uma afirmação que requer a devida complementação: a realidade é inexaurível para o homem porque é criada por Deus.

À luz destas considerações, trataremos a seguir do samba “Sei lá, Mangueira”.

SEI LÁ MANGUEIRA
(Paulinho da Viola – Hermínio B. de Carvalho)
Vista assim, do alto
Mais parece um céu no chão
Sei lá...
Em Mangueira a poesia
Feito o mar se alastrou
E a beleza do lugar
Pra se entender
Tem que se achar
Que a vida não é só isso que se vê
É um pouco mais
Que os olhos não conseguem perceber
E as mãos não ousam tocar
E os pés recusam pisar
Sei lá, não sei
Sei lá, não sei
Não sei se toda beleza
De que lhes falo
Sai tão somente do meu coração
Em Mangueira a poesia
Num sobe-desce constante
Anda descalça ensinando
Um modo novo da gente viver
De pensar e sonhar de sofrer
Sei lá, não sei
Sei lá, não sei não
A Mangueira é tão grande
Que nem cabe explicação

Esta canção está de tal modo marcada pelo sentido clássico de mistério, que, literalmente, podemos colocá-la lado a lado com trechos filosóficos de Pieper:

O filósofo:
O verdadeiro sentido da admiração é que o mundo é mais profundo, mais amplo e mais misterioso do que pode parecer ao conhecimento comum.

O poeta:
Sei lá, não sei
Sei lá, não sei
Não sei se toda a beleza
de que lhes falo
sai tão-somente do meu coração

O filósofo
“Mistério significa que uma realidade é inconcebível, porque sua luz é inesgotável e inexaurível. É o que experimenta quem se admira”

O poeta
Sei lá, não sei
Sei lá, não sei não
A Mangueira é tão grande
Que nem cabe explicação

Admiração, contemplação e mistério, bem como outros componentes do filosofar, apontam para algo ainda mais profundo: encarar o mundo como criação de Deus!

Só podemos maravilhar-nos, só é digno de contemplação, só há o excesso de luz e a grandeza do mistério, se o mundo possui algo do encanto de Deus.

Seja-me permitida ainda mais uma vez intercalar num parágrafo de Pieper trechos de “Sei lá Mangueira”.

Pieper
“Se dos antigos se aproximasse um discípulo dizendo que era sua intenção aprender e considerar um determinado objeto de maneira filosófica, os antigos mestres replicariam: ´Estás convencido de que a realidade do mundo é algo de divino...

Sei lá Mangueira:
Visto assim do alto
Mais parece um céu no chão...

Pieper:
... a realidade do mundo é algo de divino e, por isso mesmo, digno de veneração...´”

Sei lá Mangueira:
Que as mãos não ousam tocar
E os pés recusam pisar...


Pode-se dizer, pois, que o tema, - tão fundamental para os grandes antigos – da reverência como condição para o conhecimento (e que para o homem de hoje, é de tão difícil compreensão...) foi também plena e retamente captado por Paulinho-Hermínio:

Pra se entender
Tem que se achar
Que a vida não é só isso que se vê
É um pouco mais
Que os olhos não conseguem perceber
e as mãos não ousam tocar
...”

Fonte:
http://www.hottopos.com/

Artur da Tavola (Gatos)

Bichos polêmicos sem o querer, porque sábios, mas inquietantes, talvez por isso. Nada é mais incômodo que o silencioso bastar-se dos gatos. O só pedir a quem amam. O só amar a quem os merece.

O homem quer o bicho espojado, submisso, cheio de súplica, temor, reverência, obediência. O gato não satisfaz as necessidades doentias do amor. Só as saudáveis.

Lembrei, então, de dizer, dos gatos, o que a observação de alguns anos me deu. Quem sabe, talvez, ocorra o milagre de iluminar um coração a eles fechado? Quem sabe, entendendo-os melhor, estabelece-se um grau de compreensão, uma possibilidade de luz e vida onde há ódio e temor? Quem sabe São Francisco de Assis não está por trás do Mago Merlin, soprando-me o artigo?

Já viu gato amestrado, de chapeuzinho ridículo, obedecendo às ordens de um pilantra que vive às custas dele? Não! Até o bondoso elefante veste saiote e dança a valsa no circo. O leal cachorro no fundo compreende as agruras do dono e faz a gentileza de ganhar a vida por ele. O leão e o tigre se amesquinham na jaula. Gato não. Ele só aceita uma relação de independência e afeto. E como não cede ao homem, mesmo quando dele é dependente, é chamado de arrogante, egoísta, safado, espertalhão ou falso.

"Falso", porque não aceita a nossa falsidade com ele e só admite afeto com troca e respeito pela individualidade. O gato não gosta de alguém porque precisa gostar para se sentir melhor. Ele gosta pelo amor que lhe é próprio, que é dele e ele o dá se quiser.

O gato devolve ao homem a exata medida da relação que dele parte. Sábio, é espelho.
O gato é zen. O gato é Tao. Ele conhece o segredo da não-ação que não é inação.
Nada pede a quem não o quer.

Exigente com quem ama, mas só depois de muito certificar-se.
Não pede amor, mas se lhe dá, então ele exige.

Sim, o gato não pede amor. Nem depende dele. Mas, quando o sente,é capaz de amar muito. Discretamente, porém sem derramar-se. O gato é um italiano educado na Inglaterra. Sente como um italiano mas se comporta como um lorde inglês.

Quem não se relaciona bem com o próprio inconsciente não transa o gato. Ele aparece, então, como ameaça, porque representa essa relação precária do homem com o (próprio) mistério. O gato não se relaciona com a aparência do homem. Ele vê além, por dentro e pelo avesso. Relaciona-se com a essência. Se o gesto de carinho é medroso ou substitui inaceitáveis (mas existentes) impulsos secretos de agressão, o gato sabe. E se defende do afago. A relação dele é com o que está oculto, guardado, e nem nós queremos, sabemos ou podemos ver. Por isso, quando surge nele um ato de entrega, de subida no colo ou manifestação de afeto, é algo muito verdadeiro, que não pode ser desdenhado. É um gesto de confiança que honra quem o recebe, pois significa um julgamento.

O homem não sabe ver o gato, mas o gato sabe ver o homem. Se há desarmonia real ou latente, o gato sente. Se há solidão, ele sabe e atenua como pode (ele que enfrenta a própria solidão de maneira muito mais valente que nós). Se há pessoas agressivas em torno ou carregadas de maus fluidos, ele se afasta. Nada diz, não reclama. Afasta-se. Quem não o sabe "ler" pensa que ele não está ali. Presente ou ausente, ele ensina e manifesta algo. Perto ou longe, olhando ou fingindo não ver, ele está comunicando códigos que nem sempre (ou quase nunca) sabemos traduzir.

O gato vê mais e vê dentro e além de nós. Relaciona-se com fluidos, auras, fantasmas amigos e opressores. O gato é médium, bruxo, alquimista e parapsicólogo. É uma chance de meditação permanente a nosso lado, a ensinar paciência, atenção, silêncio e mistério. O gato é um monge portátil à disposição de quem o saiba perceber.

Monge, sim, refinado, silencioso, meditativo e sábio monge, a nos devolver as perguntas medrosas, esperando que encontremos o caminho na sua busca, em vez de o querer preparado, já conhecido e trilhado. O gato sempre responde com uma nova questão, remetendo-nos à pesquisa permanente do real, à busca incessante, à certeza de que cada segundo contém a possibilidade de criatividade e de novas inter-relações, infinitas, entre as coisas.

O gato é uma lição diária de afeto verdadeiro e fiel. Suas manifestações são íntimas e profundas. Exigem recolhimento, entrega, atenção. Desatentos não agradam os gatos. Bulhosos os irritam. Tudo o que precise de promoção ou explicação, quer afirmação. Vive do verdadeiro e não se ilude com aparências. Ninguém em toda natureza aprendeu a bastar-se (até na higiene) a si mesmo como o gato!

Lição de sono e de musculação, o gato nos ensina todas as posições de respiração ioga. Ensina a dormir com entrega total e diluição recuperante no Cosmos. Ensina a espreguiçar-se com a massagem mais completa em todos os músculos, preparando-os para a ação imediata. Se os preparadores físicos aprendessem o aquecimento do gato, os jogadores reservas não levariam tanto tempo (quase 15 minutos) se aquecendo para entrar em campo. O gato sai do sono para o máximo de ação, tensão e elasticidade num segundo. Conhece o desempenho preciso e milimétrico de cada parte do seu corpo, o qual ama e preserva como a um templo.

Lição de saúde sexual e sensualidade.
Lição de envolvimento amoroso com dedicação integral de vários dias.
Lição de organização familiar e de definição de espaço próprio e território pessoal.
Lição de anatomia, equilíbrio, desempenho muscular.
Lição de salto.
Lição de silêncio.
Lição de descanso.
Lição de introversão.
Lição de contato com o mistério, com o escuro, com a sombra.
Lição de religiosidade sem ícones.
Lição de alimentação e requinte.
Lição de bom gosto e senso de oportunidade.
Lição de vida, enfim, a mais completa, diária, silenciosa, educada, sem cobranças, sem veemências, sem exigências.
O gato é uma chance de interiorização e sabedoria posta pelo mistério à disposição do homem.

Fonte:
http://gatosbrasil.multiply.com/

Gilberto Freyre (Casa Grande e Senzala)

"Todo brasileiro traz na alma e no corpo a sombra do indígena ou do negro."

Mestre Gilberto Freyre... Escritor pernambucano, morador de Apipucos, no Recife. Era descendente de senhores de engenho. Conhecia bem os casarões...

Em 1933, após exaustiva pesquisa em arquivos nacionais e estrangeiros, Gilberto Freyre publica Casa-Grande & Senzala, um livro que revoluciona os estudos no Brasil, tanto pela novidade dos conceitos quanto pela qualidade literária.

Gilberto Freyre foi buscar nos diários dos senhores de engenho e na vida pessoal de seus próprios antepassados a história do homem brasileiro. As plantações de cana em Pernambuco eram o cenário das relações íntimas e do cruzamento das três raças: índios, africanos e portugueses.

Em Casa-Grande & Senzala, o escritor exprime claramente o seu pensamento. Ele diz: "o que houve no Brasil foi a degradação das raças atrasadas pelo domínio da adiantada" . Os índios foram submetidos ao cativeiro e à prostituição. A relação entre brancos e mulheres de cor foi a de vencedores e vencidos.

"Casa-Grande & Senzala foi a resposta à seguinte indagação que eu fazia a mim próprio: o que é ser brasileiro? E a minha principal fonte de informação fui eu próprio, o que eu era como brasileiro, como eu respondia a certos estímulos."

Havia tempos Gilberto Freyre procurava escrever sobre o ser brasileiro. Pressões políticas e familiares o levaram, entre 1930 e 1932, a viver o que chamou de "a aventura do exílio". Partiu para a Bahia e pesquisou as coleções do Museu Afro-Brasileiro Nina Rodrigues e a arte das negras quituteiras na decoração de bolos e tabuleiros. Observou que a culinária baiana era neta da velha cozinha das casas-grandes.

Depois da Bahia partiu para a África e Portugal. Iniciou em Lisboa as pesquisas e estudos que sedimentariam o livro Casa-Grande & Senzala. De Portugal foi, como professor visitante, para a Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, onde viajou pelo Sul e pôde constatar a existência, durante a colonização americana, do mesmo tipo de regime patriarcal encontrado no nordeste brasileiro.

"Eu venho procurando redescobrir o Brasil. Eu sou rival de Pedro Álvares Cabral. Pedro Álvares Cabral, a caminho das Índias, desviou-se dessa rota, parece já baseado em estudos portugueses, e identificou uma terra que ficou sendo conhecida como Brasil. Mas essa terra não foi imediatamente auto-conhecida. Vinham sendo acumulados estudos sobre ela... mas faltava um estudo convergente, que além de ser histórico, geográfico, geológico, fosse... um estudo social, psicológico, uma interpretação. Creio que a primeira grande tentativa nesse sentido representou um serviço de minha parte ao Brasil."

Durante o período de estudos na universidade americana, o escritor elaborou uma linha de pensamento que diferenciava raça e cultura, separava herança cultural de herança étnica; trabalhou o conceito antropológico de cultura como o conjunto dos costumes, hábitos e crenças do povo brasileiro.

"Gilberto Freyre diz que Franz Boas foi a figura de mestre que nele ficou maior impressão, porque foi com Franz Boas que ele aprendeu a distinguir raça de cultura, e nessa distinção ele se baseou para escrever Casa-Grande & Senzala. Agora, o conceito de antropologia de Freyre era muito mais amplo, ele partiu para uma interpretação global do povo brasileiro. É uma história ao mesmo tempo econômica, religiosa, folclórica, sociológica."
Édson Nery da Fonseca, historiador (Olinda, PE)

"Quando, em 1532, se organizou econômica e civilmente a sociedade brasileira, já foi depois de um século inteiro de contato dos portugueses com os trópicos; de demonstrada na Índia e na África sua aptidão para a vida tropical. Formou-se na América tropical uma sociedade agrária na estrutura, escravocrata na técnica de exploração econômica, híbrida de índio, e mais tarde de negro, na composição."
Trecho de Casa-Grande & Senzala.

Portugal, um país largamente marítimo, recebia sempre povos de todos os lugares do mundo. Seus portos eram rota de comércio e de migrações. O contato com estrangeiros estimulava, no povo português, tendências cosmopolitas, imperialistas e comerciais. Na Península Ibérica as raças se misturavam havia milênios. O encontro das culturas árabes e romana impregnava a moral, a arte, a economia e a vida do português. Os árabes - excelentes técnicos navais - e os judeus - financistas e com altos cargos de administração, no conselho real -, emprestavam conhecimento e dinheiro para o empreendimento das navegações e dos descobrimentos. A burguesia comercial ganhava mais poder que a aristocracia territorial portuguesa e buscava no além-mar terras e riquezas nunca exploradas.

Além da mobilidade, o português tinha a capacidade de se misturar facilmente com outras raças. Os homens vinham sem família, sozinhos. Chegavam carentes de contato humano e começavam a se reproduzir primeiro com as índias e depois com as negras escravas. Era preciso povoar o território. No momento em que embarcou na aventura ultramarina, Portugal tinha três milhões de habitantes. O Brasil era imenso; então, como povoar esse território?
"Durante quase todo o século XVI a colônia esteve escancarada a estrangeiros, só importando às autoridades que fossem de fé católica. Temia-se no adventício acatólico o inimigo político capaz de quebrar aquela solidariedade que em Portugal se desenvolvera junto com a religião católica. Essa solidariedade manteve-se entre nós esplendidamente através de toda a nossa formação colonial."
Trecho de Casa-Grande & Senzala.

Foi aqui que chegou...dia 02 de março de 1535...um português chamado Duarte Coelho Pereira, viu essa bela vista e deu uma exclamação:Oh! linda situação para se construir uma vila. Por isso que a cidade se chama Olinda. Antigamente chamava Marino Caetês, habitada pelos índios. Em Pernambuco e no Recôncavo baiano, a colonização se desenvolvia à sombra das grandes plantações de cana-de-açúcar e das casas-grandes de taipa ou de pedra e cal, longe das cabanas de aventureiros e do extrativismo predatório.

"A casa-grande do engenho que o colonizador começou, ainda no século XVI, a levantar no Brasil - grossas paredes de taipa ou de pedra e cal, telhados caídos num máximo de proteção contra o sol forte e as chuvas tropicais - não foi nenhuma reprodução das casas portuguesas, mas expressão nova do imperialismo português. A casa-grande é brasileirinha da silva."
Trecho de Casa-Grande & Senzala.

Num processo de equilíbrio de antagonismos, o branco e o negro se misturavam no interior da casa-grande e alteravam as relações sociais e culturais, criando um novo modo de vida no século XVI. As relações de poder, a vida doméstica e sexual, os negócios e a religiosidade forjavam, no dia-a-dia, a base da sociedade brasileira.

A casa-grande abrigava uma rotina comandada pelo senhor de engenho, cuja estabilidade patriarcal estava apoiada no açúcar e no escravo. O suor do negro ajudava a dar aos alicerces da casa-grande sua consistência quase de fortaleza. Ela servia de cofre e de cemitério. Sob seu teto viviam os filhos, o capelão e as mulheres, que fundamentariam a colonização portuguesa no Brasil. Embora diretamente associada ao engenho de cana e ao patriarcalismo nortista, a casa-grande não era exclusiva dos senhores de engenho. Podia ser encontrada na paisagem do sul do país, nas plantações de café, como uma característica da cultura escravocrata e latifundiária do Brasil.

O clima tropical e as formas agressivas de vida vegetal e animal impossibilitavam a implantação de uma cultura agrícola, nos moldes do costume europeu. O português teve então de mudar seus hábitos alimentares. A mandioca substituía o trigo; no lugar das verduras, o milho; e as frutas davam um colorido novo à mesa do colonizador. Mas sua dieta ficava empobrecida, devido à ausência de leite, ovos e carne, que só apareciam em datas especiais, festas e comemorações. A terra foi usada para o cultivo da cana em detrimento da pecuária e da cultura de alimentos, o que provocou a apatia, a falta de robustez e a incapacidade para o trabalho. Males geralmente atribuídos à mestiçagem. Os portugueses não traziam para o Brasil nem separatismos político, nem divergências religiosas, e não se preocupavam com a pureza da raça. Assim o país se formava. E a unidade dessa grande extensão territorial com profundas diferenças regionais, garantida muitas vezes com o uso da força, aconteceu devido à uniformidade da língua e da religião.

A Igreja desenvolvia planos ambiciosos de evangelização da América Latina, toda ocupada por países de tradição católica. Nessa quase cruzada no Novo Mundo, os padres jesuítas desempenhavam um papel importante na tentativa de implantar uma sociedade estruturada com base na fé católica. Para catequizar os índios, os jesuítas decidiram vesti-los e tirá-los de seu hábitat. Já o senhor de engenho tentava escravizá-los. Nos dois casos, o resultado era o extermínio e a fuga dos primitivos habitantes da terra para o interior.

"Os portugueses, além de menos ardentes na ortodoxia que os espanhóis e menos estritos que os ingleses nos preconceitos de cor e de moral cristã, vieram defrontar-se na América com uma das populações mais rasteiras do continente... Uma cultura verde e incipiente, sem o desenvolvimento nem a resistência das grandes semicivilizações americanas, como os Incas e os Astecas."
Trecho de Casa-Grande & Senzala.

"O ambiente em que começou a vida brasileira foi de grande intoxicação sexual. O europeu saltava em terra escorregando em índia nua. Os próprios padres da Companhia precisavam descer com cuidado, se não atolavam o pé em carne."
Trecho de Casa-Grande & Senzala.

A sociedade brasileira, entre todas da América, era a que se formava com maior troca de valores culturais. Havia um aproveitamento de experiências dos indígenas pelos colonizadores. Mesmo quando inimigo, o índio não provocava no branco uma reação que levasse a uma política deliberada de extermínio, como a que ocorria no México e Peru. A reação dos índios ao domínio do colonizador era quase contemplativa. O português usava o homem para o trabalho e a guerra, principalmente na conquista de novos territórios, e a mulher para a geração e formação da família. Esse contato provocava o desequilíbrio das relações do índio com o seu meio ambiente.

"Eu sou índio da tribo pataxó. Eu aprendi com meus pais a fazer artesanato. A gente faz cocares..., a gente vive só disso, de artesanato, a não ser no inverno, quando a gente tem que pescar mucussu. Mucussu é peixe. A gente planta mandioca para fazer cuiúna, feijão e arroz. A gente fala em pataxó: jocana baixu significa mulher bonita e jocana baixa é mulher feia."
Paturi, índio pataxó (Coroa Vermelha, BA)

"A grande presença índia no Brasil não foi a do macho, foi a da fêmea. Esta foi uma presença decisiva, a mulher índia tomou-se de amores pelo português, talvez até por motivos fisiológicos, porque, segundo pude apurar quando escrevi Casa Grande & Senzala, as sociedades ameríndias ou índias, inclusive a brasileira, eram sociedades que precisavam de festivais como que orgiásticos para provocar nos homens, nos machos, desejos sexuais. O que há de acentuar é o grande papel da índia fêmea na formação brasileira, essa índia fêmea não só através do relacionamento mencionado sexual, mas através do papel social que ela começou a desempenhar magnificamente, tornou-se uma figura capital na formação brasileira."

"Da cunhã é que nos veio o melhor da cultura indígena. O asseio pessoal. A higiene do corpo. O milho. O caju. O mingau. O brasileiro de hoje, amante do banho e sempre de pente no bolso, o cabelo brilhante de loção ou de óleo de coco, reflete a influência de tão remotas avós. Ela nos deu, ainda, a rede em que se embalaria o sono ou a volúpia do brasileiro."
Trecho de Casa-Grande & Senzala.

A união do português com a índia havia gerado os mamelucos que atuavam como bandeirantes e, junto com os índios, formavam a muralha movediça da fronteira colonial. O mameluco e o índio, que excediam o português em mobilidade, atrevimento e ardor guerreiro; que defendiam o patrimônio do senhor de engenho contra o ataque de piratas estrangeiros, nunca firmaram as mãos na enxada. Os pés de nômades não se fixavam na plantação da cana-de-açúcar.

"Essa arte é descendência dos índios, né! Aí nós somos seguidores já dos índios. A gente ficou fazendo as panelas de barro, que eu aprendi com meu pai. Meu pai já trabalhava, aí eu fiquei trabalhando. Agora meus filhos também trabalham na mesma arte."
Zé Galego, artesão (Caruaru, PE).

Dos costumes dos primitivos habitantes da terra eram as relações sexuais e de família, a magia e a mítica que marcavam a vida do colonizador. A poligamia e a sexualidade da índia iam ao encontro da voracidade do português, ainda que a vida sexual dos indígenas não se processasse tão à solta quanto o relatado pelos viajantes que aqui estiveram. Para as tribos mais primitivas, a união do macho com a fêmea tinha época; o costume de oferecer mulheres aos hóspedes era prática de hospitalidade, quase um ritual. A mulher nativa resgatava o sonho da ninfa, que se banhava no rio e penteava os longos cabelos negros. Uma imagem deixada pela invasão moura na Península Ibérica e adormecida no inconsciente do português.

"Figura vaga, falta-lhe o contorno ou a cor que a individualize entre os imperialistas modernos. Assemelha-se nuns à do inglês; noutros, à do espanhol. Um espanhol sem a flama guerreira nem a ortodoxia dramática do conquistador do México e do Peru; um inglês sem as duras linhas puritanas. O tipo do contemporizador. Nem idéias absolutas, nem preconceitos inflexíveis. ...Um rio que vai correndo muito calmo e de repente se precipita em quedas de água..."
Trecho de Casa-Grande & Senzala.

Os portugueses davam uma contribuição criativa ao novo mundo através da produção de açúcar. E implantavam um sistema econômico que aprenderam com os mouros durante a ocupação da Península Ibérica. Os mouros, de grande tradição agrícola, introduziram a laranjeira, o limoeiro e a tangerina e implantaram a tecnologia do fabrico do açúcar em Portugal. O engenho mouro é avô do engenho pernambucano.

Essa contribuição criativa é que diferenciava o português do holandês e do francês, que para cá traziam apenas aperfeiçoamentos tecnocráticos. O choque das duas culturas, a européia e a ameríndia, no Brasil colônia, se dava mais lentamente, não por meio da guerra, mas nas relações entre homem e mulher, mestre e discípulo. A Igreja ganhava no Brasil capelas simples dentro do complexo arquitetônico da casa-grande. Lá morava o capelão, que dela tirava seu sustento. E essa mesma Igreja, através dos jesuítas, partia maciça e indiscriminadamente para a catequização dos índios.

O animalismo e a magia impregnavam a vida dos índios: desde o berço, quando a mãe entoava cantigas de ninar e, já meninos, nas brincadeiras de imitar animais. Entre os jogos infantis dos curumins, o jogo de cabeçada com a bola de borracha ficava como contribuição da cultura indígena. Apesar de crescerem livres de castigos corporais e de disciplina paterna, os meninos estavam sempre em contato com rituais da vida primitiva. Na puberdade eram levados para o baíto, a casa secreta dos homens, onde passavam por provas de iniciação à fase adulta. Para os padres da Companhia de Jesus, os índios acreditavam em tudo e aprendiam e desaprendiam os ensinamentos rapidamente. Havia uma enorme quantidade de aldeias espalhadas pela floresta, que falavam diferentes línguas. Era preciso unificar as tribos para poder pregar a doutrina católica. O menino indígena servia de intérprete aos jesuítas, que aprendiam com ele as primeiras palavras em tupi. Os padres puderam então escrever uma gramática, unificando a língua dos Brasis. Estava criando o tupi-guarani.

Tanto a Igreja quanto o senhor de engenho fracassavam nos esforços de enquadrar o índio no sistema de colonização que iria criar a economia brasileira. Fora de seu hábitat natural, o índio não se adaptava como escravo: morria de infecções, fome e tristeza. Para suprir a deficiência da mão-de-obra escrava, os senhores de engenho de Pernambuco e do Recôncavo baiano começavam a importar negros caçados na África. Agora, as escravas negras substituíam as cunhãs tanto na cozinha como na cama do senhor. Na agricultura, a presença do negro elevava a produção de açúcar e o preço do produto no mercado internacional. O Brasil, esquecido por quase duzentos anos, despertava finalmente o interesse do Reino de Portugal.

Entre os africanos que vinham para o Brasil, eram os negros muçulmanos, de cultura superior não só à dos índios como também à da maioria de colonos brancos, que aqui chegavam e viviam quase sem nenhuma instrução, que para escrever uma carta necessitava da ajuda do padre-mestre. O movimento malê da Bahia, em 1835, foi considerado um desabafo da cultura adiantada, que era oprimida por outra menos nobre. Contava-se que os revoltosos sabiam ler e escrever em alfabeto desconhecido. Eram negros que liam e escreviam em árabe.

"Pode-se juntar à superioridade técnica e de cultura dos negros sua predisposição como que biológica e psíquica para a vida nos trópicos. Sua maior fertilidade nas regiões quentes. Seu gosto pelo sol. Sua energia sempre fresca e nova quando em contato com a floresta tropical."
Trecho de Casa-Grande & Senzala.

O Brasil importava da África não somente o animal de tração que fecundou os canaviais, mas também técnicos para as minas, donas de casa para os colonos, criadores de gado e comerciantes de panos e sabão.Os negros vindos das áreas de cultura africana mais adiantada eram um elemento ativo, criador e pode-se dizer nobre na colonização do Brasil, degradados apenas pela condição de escravos. O negro escravo e a cana-de-açúcar fundamentavam a colonização aristocrática e a estrutura básica do mundo dos coronéis se repetiria nos ciclos do ouro e do café, em Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, com o mesmo fundamento: a ocupação da terra.

Na sociedade escravocrata e latifundiária que se formava, os valores culturais e sociais se misturavam à revelia de brancos e negros. Sua convivência diária favorecia o intercâmbio de culturas e gerava sadismos e vícios, que influenciavam a formação do caráter do brasileiro. A escravatura degradava senhores e escravos.

"Na verdade, senhores, se a moralidade e a justiça de qualquer povo se fundam, parte nas sua instituições religiosas e políticas, e parte na filosofia, por assim dizer doméstica de cada família, que quadro pode apresentar o Brasil quando o consideramos debaixo desses dois pontos de vista?"
Trecho de Casa-Grande & Senzala.

O senhor de engenho, um homem extremamente rico e poderoso, passava a maior parte do tempo deitado na rede, cochilando e copulando. Quando saía, a passeio ou em viagem, o negro era seus pés e mãos. O sinhô não precisava levantar-se da rede para dar ordens aos negros, bastava gritar. Os negros veteranos, os ladinos, iniciavam os recém-chegados na moral e nos costumes dos brancos. Ensinavam a língua e orientavam nos cultos religiosos sincretizados. Eram ainda os ladinos que ensinavam aos boçais a técnica e a rotina na plantação da cana e no fabrico do açúcar.

A escravidão desenraizava o negro de seu meio social e desfazia seus laços familiares. Além dos trabalhos forçados, ele era usado como reprodutor de escravos: era preciso aumentar o rebanho humano do senhor de engenho. As crias nascidas eram logo batizadas e ainda assim consideradas gente sem alma. A Igreja, esteio dos poderosos, agia da mesma forma no tratamento dado ao negro. A mulher escrava fazia a ponte entre a senzala e o interior da casa-grande e representava o ventre gerador. As negras mais bonitas eram escolhidas pelo sinhô para serem concubinas e domésticas. Objeto dos desejos sádicos dos homens, do senhor de engenho ao menino adolescente, a negra sofria por parte da mulher branca os castigos mais variados. Se a beleza dos seus dentes incomodava a desdentada sinhá, esta mandava arrancá-los. A escrava adoçava a boca do senhor e recebia chicotadas à mando da senhora, mas cumpria as tarefas que normalmente estariam destinadas à mãe de família. As damas da sociedade se casavam entre os doze e os quinze anos com homens muito mais velhos. O conhecimento que tinham da vida de casada, os acontecimentos de fora do engenho e outras histórias - nem sempre românticas - elas ouviam da boca das mucamas. As sinhazinhas sentadas à mourisca, tecendo renda ou deitadas na rede e as escravas a lhes catar piolho ou fazendo cafuné. Cedo se casavam e cedo morriam por causa de sucessivos partos ou se tornavam matronas aos dezoito anos. O ócio e a vida reclusa faziam das sinhás mulheres amarguradas. E ignorantes: era raro encontrar uma que soubesse ler e escrever. A presença da negra na vida do menino vinha desde o berço, quando ela o amamentava e acalentava o seu sono. A ama de leite ensinava as primeiras palavras num português errado, o primeiro "pai nosso", o primeiro "oxente", e amaciava com a própria boca a comida do menino de engenho. Os sofrimentos da primeira infância - castigos por mijar na cama e purgante uma vez por mês os meninos descontariam tornando-se pequenos diabos. O moleque, o pequeno escravo, companheiro do sinhozinho em brincadeiras e aventuras, servia também de saco de pancadas. Tornava-se objeto do prazer mórbido de tratar mal os inferiores e os animais, prazer de todo menino brasileiro filho do sistema escravocrata. Criança mimada e educada para ser o herdeiro todo-poderoso, o menino desde o início da adolescência era entregue aos cuidados eróticos da fulô.

"Costuma dizer-se que a civilização e a sifilização andam juntas. O Brasil, entretanto, parece ter-se sifilizado antes de se haver civilizado. A contaminação da sífilis em massa ocorreria nas senzalas, mas não que o negro já viesse contaminado. Foram os senhores das casas-grandes que contaminaram as negras das senzalas. Por muito tempo dominou no Brasil a crença de que para um sifilítico não há melhor depurativo que uma negrinha virgem."
Trecho de Casa-Grande & Senzala.

Os senhores de engenho casavam-se sucessivas vezes, sempre preferindo as jovens sobrinhas; exagerava-se, então, o sentimento da propriedade privada. As heranças eram disputadas por filhos legítimos e parentes próximos. Aos filhos bastardos, gerados nas casa-grande e paridos na senzala, restava a tolerância do senhor, que ao morrer os libertava. Nomes e sobrenomes se confundiam: os escravos mais próximos, que ganhavam a simpatia do senhor, conseguiam adotar o sobrenome dos brancos. Na tentativa de ascensão social, os negros imitavam dos senhores as formas exteriores de superioridade. Mas muitos nomes ilustres de senhores brancos vinham dos apelidos indígenas e africanos das propriedades rurais - a terra recriava os nomes dos proprietários à sua imagem e semelhança.

A música, o canto e a dança dos escravos tornavam a casa-grande mais alegre. A risada do negro quebrava a melancolia e o silêncio infinito do senhor de engenho. As mães negras e as mucamas, aliadas aos meninos, às moças das casas-grandes e aos moleques, corrompiam o português arcaico ensinado pelos jesuítas aos filhos do senhor. A nova fala brasileira não se conservava fechada nas salas de aula das casas-grandes, nem se entregava de todo à maior espontaneidade de expressão da senzala. Mas o modo carinhoso do brasileiro colocar os pronomes: me diga, me espere... vem do africano. Também do seu modo de falar ficaram as formas diminutivas: benzinho, nézinho, inhozinho.

Era um novo jeito de falar, um novo jeito de andar, um novo jeito de comer... A culinária da senzala aproveitava as sobras de carnes da casa-grande, usava o aipim indígena e as verduras, misturava aos temperos africanos, principalmente o dendê e a pimenta malagueta. Surgiam a feijoada, a farofa, o quibebe, o vatapá. Alimentos que combinavam com a dureza do trabalho no cativeiro. As crenças e magias trazidas pelos portugueses eram transformadas em feitiçaria nas mãos dos africanos. Aos negros feiticeiros recorriam os senhores brancos idosos a procura de afrodisíacos; as jovens sinhás, que não conseguiam engravidar; e as belas mucamas, que aprendiam a receita do café mandingueiro, um filtro amoroso feito com café bem forte, muito açúcar e sangue de mulata.

Na religião conviviam a cultura do senhor e a do negro. O catolicismo praticado aqui era uma religião doce, doméstica, de intimidade com os santos. Os padres se vangloriavam de conceder aos negros certas vantagens, como o direito de manifestar suas tradições nas festas do terreiro. Nasciam então as religiões afro-brasileiras: São Jorge é o orixá Ogum e Nossa Senhora é Iemanjá.

"Esse terreiro tem 110 anos. A minha avó era descendente de escravos. Tinha uma aldeia que se chamava Catongo. Nessa aldeia ela também cultivava os orixás, quando chegavam assim os escravos chicoteados de outros lugares, fazendas, engenhos, essas coisas. Aí ela curava com aquelas difusões de ervas, né, aqueles remédios das folhas, e curava esses escravos, que ficavam gratos e acabavam ficando com ela. Quer dizer, ela era assim uma espécie de protetora desses escravos. E a minha mãe falava que era uma senzala, onde ela abrigava esses escravos."
Ilza R.P. Santos, mãe-de-santo (Ilhéus, BA) (??)

"Não foi só de alegria a vida dos negros escravos dos ioiôs e das iaiás brancas. Houve os que se suicidaram comendo terra, enforcando-se, envenenando-se com ervas e potagens dos mandingueiros. O banzo deu cabo de muitos. O banzo - a saudade da África. Houve os que de tão banzeiros ficaram lesos, idiotas. Não morreram, mas ficaram penando."
Trecho de Casa-Grande & Senzala.

Os negros, muitos agora, libertos pela alforria, pela revolta ou pelas fugas, unidos nos quilombos, lutavam pelo fim da escravidão. Aliavam-se aos ideais libertários os filhos de poderosos senhores de engenho que se tornavam abolicionistas por motivos econômicos, humanitários ou, simplesmente, pelo apego que tinham às suas mães de leite.

" Os brancos diziam que em nenhum país do mundo essa nefanda instituição foi tão doce como no Brasil. Agora não me passa pela cabeça - não deve passar pela cabeça de ninguém - que essa nefanda instituição, como os próprios brancos chamavam a escravidão, que ela pudesse ser doce em algum lugar. Ela só pode ser doce da perspectiva de quem estivesse na casa-grande e não na perspectiva de quem estivesse na senzala."
Florestan Fernandes, cientista social.

Em 1984, numa de suas últimas entrevistas, o escritor Gilberto Freyre resumia o seu pensamento sobre a situação presente do negro, lembrando o abolicionista pernambucano Joaquim Nabuco:

"O problema é que a abolição da escravatura, embora tenha sido fato notável na história da formação brasileira, foi muito incompleta."

Com a abolição, os problemas do negro estariam apenas começando. Mas quem se interessou por isso? Ninguém se interessou. O negro livre deixou as fazendas e os engenhos e foi inchar as periferias das cidades. Abandonado, constituiu-se num sub-brasileiro.

"Todo mundo... não quer se encontrar com os pretos,
não quer, só quer se ligar aos brancos. Mas isso naquela época a Princesa Isabel libertou! Cabou-se, né! esse negócio de não querer se encontrar com o negro.
Porque tristes dos brancos se não fosse o sangue do negro
."
Maria Madalena Correia, cantora (Ilha de Itamaracá, PE).

Fonte:

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Hélder Santana (Conto: A Mocréia)

Quando entrou naquele ônibus lotado e percebeu que todos a olhavam, Gisele teve contato com um prazer maior que o sexual por alguns instantes. A cada olhada, discreta ou escancarada, cada comentário cochichado no ouvido ao lado, ela sentia um prazer indescritível, e até mesmo alívio por saber que sua qualidade mais marcante e mais querida estava lá,firme e forte: ela era feia. Incomparavelmente feia. E cada dia mais feia. Isso era seu orgulho, seu ponto de honra, sua filosofia de vida e sua glória.

Quando nasceu, era uma criança bonita, como outra qualquer. A medida que foi crescendo,foi se tornando terrivelmente feia. Seu rosto era a demonstração da crueldade e do mau gosto que a natureza pode exprimir em alguns casos. Um infortúnio, um verdadeiro castigo estético.

Certo dia voltou para casa chorando. Desesperada e aos prantos, gritou para a mãe:

— Nunca mais volto àquele lugar.

— Mas por quê?

— Não cansam de me chamar de mocréia, horrorosa. Ninguém gosta de ficar ao meu lado, porque eu sou feia.

A mãe não sabia mesmo como reagir. Se acostumara com o desastre que era o rosto da filha, passara a achar aquilo tão normal que nem pensara que na escola, sob os olhos cruéis dos inocentes, a história seria outra. Mas se Gisele era realmente tão horrorosa, por que então...? Foi direto ao ponto:

— E daí? Você deveria se orgulhar disto. Ser feia é um diferencial. Todo mundo quer ser bonito. Você não precisa ser escrava deste padrão. Quando alguém te chamar de mocréia, reaja com um sorriso. Mostre toda a sua feiúra e diga obrigado. Ser feia não é pecado. Se existe feiúra no mundo, ela tem o seu lugar. Imponha-se. Seja feia e seja feliz.

A partir desse dia ela mudou. Passou a olhar sua falta de beleza como um ponto forte. Toda vez que alguém a chamava de feia, Gisele recebia como um elogio. A feiúra era seu ponto de honra, seu toque original, sua marca registrada.

Nada a deixava mais irritada e deprimida que a idéia de receber cantadas.

Detestava que notassem qualquer traço de beleza em seu corpo. E cresceu feliz assim, já que ninguém a elogiava mesmo, muito menos recebia cantada de homem algum.

Os anos transcorriam tranqüilos. Gisele, trancada no seu mundo, estava satisfeita com sua feiúra, seu orgulho. Até que...

— Oi, a gatinha está sozinha?

Pânico! “Gatinha? Quem é esse animal? De onde saiu essa criatura grotesca e com quem ele pensa que está falando? Gatinha é a mãe!”

— Sim, estou sozinha e vou continuar assim.

— Mas por quê? Que desperdício. Uma mulher tão bonita assim, sozinha!

“Eu vou dar na cara desse animal. Pensa que está falando com quem? Mulher bonita é a puta que pariu.”

— Porque eu quero. Escuta, tem tanta mulher nesta festa e você cismou justamente comigo. Vai procurar outra pra cantar, vai.

Não adiantou. O cara cismou com Gisele. Descobriu seu celular, mandava cartões por correio eletrônico. E sempre com elogios: linda, gata. Não adiantava responder mal, ignorar, dizer desaforos.

Um dia ligou o computador e deparou com uma mensagem que a deixou emocionada, mais tocada que nunca. Mudou tudo em relação aquele homem. O texto de e-mail era curto mais contundente:

“Você é realmente uma estúpida. Grossa, insensível e além de tudo um canhão.
Não sei se alguém já te disse isso com todas as letras, mas você é uma
mocréia.”

Não. Ninguém jamais havia dito isso antes, pelo menos desta forma. Não! Como alguém tão insosso e inoportuno poderia ter mudado tanto a ponto de dizer coisas tão maravilhosas?

Ligou imediatamente para ele:

— Ricardo? Sou eu, Gisele.

— Desculpe, pela mensagem, eu estava nervoso e...

— Não, eu adorei.Adorei mesmo.

— Adorou...?

— É. Ninguém jamais tinha falado assim comigo antes!

Ele, desconfiando que tinha acertado no alvo:

— É... você é mesmo uma mocréia, mas eu gosto de você assim mesmo. Gosto desde a primeira vez que vi você.

— Jura?

— Juro!

— Eu quero te ver.

— Também quero te ver meu canhãozinho. Minha mocreinha!

O romance tomou pé. Os dois estavam cada vez mais apaixonados. Se viam todos os dias, sem falta. Toda vez que saia para encontrar o namorado, Gisele fazia questão de ir de ônibus. Tinha mais gente para reparar sua feiúra. Ela se sentia bem e chegava feliz da vida pra encontrar Ricardo. Principalmente naquele dia. Ela sabia que seria pedida em casamento.

Por isso, quando entrou naquele ônibus e percebeu o espanto de algumas pessoas, os olhares de estranhamento de outras. Ficou especialmente animada. Uma onda de euforia tomou-a de surpresa. Levantou-se do seu assento, foi para a frente do ônibus e gritou com toda força que pôde:

— Sou feia, mas sou feliz!

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Nota sobre o Autor:
Hélder Santana (1976) nasceu em Salvador (BA) e cresceu em Macaé (RJ). Formou-se em publicidade e propaganda pela Escola Superior de Propaganda e Marketing do Rio de Janeiro e passou a trabalhar como redator em uma agência de publicidade. Apesar de escrever há algum tempo, só agora passou a enviar textos para publicação, tendo seu conto “Helena” publicado no Macaé Jornal.
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Fontes:
http://www.releituras.com/

Plinio Marcos (1935 - 1999)

Plínio Marcos de Barros nasceu em Santos (SP) em 29 de setembro de 1935. Filho de família modesta, não gostava de estudar e terminou apenas o curso primário. Foi funileiro, sonhou ser jogador de futebol, serviu na Aeronáutica e chegou a jogar na Portuguesa Santista, mas foram as incursões ao mundo do circo, desde os 16 anos, que definiram seus caminhos. Aos 19 anos, já fazia o palhaço Frajola e pequenos papéis como ator em diversas companhias circenses e de teatro de variedades. Atuou em rádio e também na televisão local em Santos.

Em 1958, conhece a jornalista e escritora modernista Pagu — Patrícia Galvão. Ela e seu marido Geraldo Ferraz, também jornalista e escritor, abriram os horizontes intelectuais dos jovens atores envolvidos no movimento de teatro amador de Santos, inclusive Plínio, apresentando-lhes textos de dramaturgia moderna.

Nesse mesmo ano, impressionado pelo caso verídico de um jovem currado na cadeia, escreve "Barrela", cuja carreira seria premonitória da vida profissional do autor: por sua linguagem ela permaneceria proibida durante 21 anos.

Em 1960, com 25 anos, está em São Paulo, atuando inicialmente como camelô. Logo estaria trabalhando em teatro, como ator, administrador, faz-tudo em grupos como o Arena, a companhia de Cacilda Becker, o teatro de de Nídia Lycia. Desde 1963, produz textos para a TV de Vanguarda, programa da TV Tupi, na qual também atua como técnico. No ano do golpe militar, faz o roteiro do show "Nossa gente, nossa música". Em 1965, consegue encenar "Reportagem de um tempo mau", colagem de textos de vários autores, que fica um dia em cartaz.

Sob o signo da Censura, Plínio Marcos viverá até os anos 80 sem fazer concessões, sendo intensamente produtivo e sempre norteado pela cultura popular. "Dois perdidos numa noite suja" (1966), "Navalha na carne" (1967), "O abajur lilás" (1969) são sistematicamente perseguidos. Ele luta pela expressão com peças musicais como "Balbina de Iansã" (1970) e "Noel Rosa, o poeta da Vila e seus amores" (1977).

Escreve nos jornais “Última Hora”, “Diário da Noite”, “Guaru News”, “Folha de S. Paulo” (cadernos "Folhetim" e "Folha Ilustrada") e “Folha da Tarde” e também na revista “Veja”, além de colaborar com diversas publicações, como “Opinião”, “Pasquim”, “Versus”, “Placar” e outras. Em forma de livro, publica suas peças, os contos de “Histórias das quebradas do mundaréu” (1973) e o romance “Querô, uma reportagem maldita” (1976), depois adaptado para o teatro. O argumento original de “A rainha diaba” (1974) consegue chegar às telas.

Depois do fim da Censura, Plínio volta a impressionar com o romance “Na barra do Catimbó” (1984), peças como “Madame Blavatsky” (1985), textos de teatro infantil, a noveleta e depois peça “O assassinato do anão do caralho grande” (1995). Paralelamente, cresce sua presença como palestrante em várias cidades do país: ele chega a fazer 150 palestras-shows por ano, vestindo negro, com um bastão encimado por uma cruz e a aura mística de leitor de tarô — espécie de nova "personagem de si mesmo", como fora antes a imagem do palhaço.

Traduzido, publicado e encenado em francês, espanhol, inglês e alemão; estudado em teses de sociolingüística, semiologia, psicologia da religião, dramaturgia e filosofia em universidades do Brasil e do exterior; Plínio Marcos recebeu os principais prêmios nacionais em todas as atividades que abraçou em teatro, cinema, televisão e literatura, como ator diretor escritor e dramaturgo.

Desde sua morte aos 64 anos em São Paulo, em 29 de novembro de 1999, as homenagens ao autor e o interesse em torno de sua obra só fizeram crescer, alcançando suas parcerias musicais com alguns dos mais importantes nomes do samba paulista, bem como novas montagens e filmagens de seus textos. Ao mesmo tempo, seu nome foi adotado para batizar prêmios e espaços culturais pelo país afora — inclusive o Teatro Nacional Plínio Marcos, de Brasília.

Fonte:
http://www.releituras.com/

Plínio Marcos (Conto: Alvinho, bom palpite)

O Alvinho encarava um batente que não era mole. Se virava mais que charuto em boca de bêbado por uma grana muito mixuruca, que mal dava pra ele escorar os repuxos. Coisa que não é mole, hoje em dia, com a vida custando os olhos da cara como anda. Muito nego se abilola. Principalmente se o pinta é casado e tem montes de filhos pra sustentar. Às vezes, entra em bobeira e sai falando sozinho. E esse era o lance do Alvinho. Cheio de bronca com a sinuca de bico em que estava, ficava pelos botecos cavernosos e biroscas escamosas fazendo o maior quás-quás-quás da paróquia:

— Estou na piorada. Sei que estou. Mas um dia vira o jogo. Tem que virar. Do jeito que está não pode ser. Vê eu? Mino linha de frente, me atucanando nessa zorra encardida. Tá direito? Tá, não. Eu, Alvinho boa cuca, cheio de embaixada, perdido aqui nessa joça. Entregue às traças. A perigo perpétuo. Um dia tem que mudar.

E como esse papo que ele engrenava não dizia nada a ninguém, o jeito era ele mesmo continuar charlando:

— Nasci pra ser tratado a pão-de-ló. E, no entanto, estou só comendo capim pela raiz. Não dá pedal. Um dia me arrumo. Nem que precise fazer uma desgraça.

Claro que era conversa de bêbado. Nem o mais loque dos ouvintes botava fé. Estava tão escancarado que o bafo de boca do Alvinho era só desabafo que a curriola nem se tocava. E assim foi por anos e anos a fio. O Alvinho, na volta do trampo, parava na tendinha, enchia a fuça de cachaça e chorava as pitangas. Mas até araruta tem seu dia de mingau. Certa tarde, o Alvinho piou na parada e só deu um alô:

— Manda a penúltima.

O português do boteco fez a vontade do freguês. Botou a pinga, o Alvinho virou num gole e deu uma dica que fundiu a cuca de muito xereta:

— Inté. Vou cuidar de mim, que tou na bica pra ficar rico. E, sem maiores explicações, se picou. Largou a patota se badalando no seu destino:

— Não gostei dessa história do Alvinho.

— Nem eu. Ele não é de sair daqui antes das nove.

— Não vai ele, com essa mania de se acertar, entrar em canoa furada.

— Que ele pode fazer?

— Sei lá. Com essa mania de ficar rico, ele pode aprontar.

— Quê? Meter a mão grande em cima dos outros?

— E não pode querer sair por aí?

— Não ele. O Alvinho é de coisa nenhuma.

— Já vi muito papagaio enfeitado endoidar e fazer façanha.

— Isso eu também vi. Mas deixa andar. A cabeça dele é o seu guia. Se arrumar sarna, que se coce.

Mas não tinha chaveco nenhum na esperança do Alvinho. Acontece que, naquela semana, inaugurava a Loteria Esportiva. E como todo o povão das quebradas do mundaréu, desde onde o vento encosta o lixo até onde o vagau pisa devagarinho, o Alvinho via naquele babado a chance de tirar o pé do lodo. E, na cisma firme, se vidrou na loteria. Dali pra frente, até deixou de beber. Nem estrilava mais. Seu negócio era saber quem era o A.B.C. do escambau, o Lagarto da Barra do Catimbó, Nacional do fim da linha e tal e coisa. Então, era tentar a sorte. Sacrificava a família, deixava os mumus sem gororoba, mas arriscava seu palpite. Se alguém botava areia, ele descurtia:

— Que nada! Um dia eu faço treze pontos. Um dia dá eu na cabeceira. E tem um negócio: se eu beliscar uma nota, que nem precisa ser grande, pode ser dividida com um gango, eu nunca mais fico duro. Podem crer. Eu sei de mim. Se meu orixá me valer, eu faço e aconteço. Juro por essa luz que me ilumina.

E por nada desse mundo saía da cola. Estava rente. Fazia doze, onze, nunca menos de dez pontos. E, com essas e outras, o bruto sofria. Torcia. Passava o fim de semana inteiro com um brinco de malandro pendurado na orelha. Só de radinho de pilha, conferindo o resultado. E, remando a catraia em águas barrentas, o Alvinho ficava plantado na boca de espera.

E ficou nesse chove-não-molha até que veio o teste 44. Fanático como era, o Alvinho manjou o cartão e urrou. Se pudesse fazer três triplos, era barbada. Não teria erro. Contou sua grana e se apavorou: só tinha dois pixulés muito sem-vergonhas. No desespero, saiu caitituando pra cima do seu irmão e do seu cunhado. Azucrinou tanto os parentes que conseguiu dobrá-los. Conseguiu a bufunfa, apostou. Ficou na moita e se deu bem. Treze pontos. Uma glória! Treze pontos. Porém (e sempre tem um porém), mais novecentos e sessenta e oito negos, além dele, fizeram os treze pontos. A parte que lhe tocou foi de treze mil e novecentas jiripocas. Como teve que rachar por três, ficou com quatro milhos e caqueiradas. Quase nada. Mas, pra ele, que era salário-mínimo, era uma fortuna. E, sem se afobar, anunciou pros cupinchas:

—Como falei, nunca mais vou ficar duro.

E, mesmo a moçada do pedaço estranhando, o Alvinho meteu os peitos. Jogou o emprego pro alto. Comprou uma bicheira Buick 58, se encheu de roupas e virou outro Alvinho. Se embandeirou. Estava sempre à vontade. Sem ter que levantar cedo pra trabalhar, o pinta ficou um alegrão. E, de tanta folga que ele tinha, despertou inveja. Os bochichos começaram:

— Pombas! Quatro milhos dá pra tanto luxo?

— Sei lá. Eu nunca tive.

— Já faz tempo que ele ganhou na loteria.

— Pra tu ver. Já dava pra ter torrado a bufunfa.

— Principalmente gastando como gasta.

— E sem trampo.

— Deixa ele. Está com a vida que pediu a Deus.

E tanto o povaréu cortou o assunto que a pala bateu nas antenas de um cachorrinho. O cagüeta alertou o tira que era seu chapa. O tira precisava mostrar serviço e se botou na campana do Alvinho. O pesqueiro dele era maconha. Sem rodeio, o tira deu a dura. Flagrou o vencedor da loteria com a boca na botija. E foi cana dura.

No aperto, o Alvinho se abriu:

— Sabe como é. Arrumei a grana, me botei no comércio. Agora, ele vai puxar um tempão na galera gelada. Talvez dê pra ele se mancar que grana em bolso de otário atrapalha paca.

Fonte:
Histórias das quebradas do mundaréu", Mirian Paglia Editora de Cultura Ltda. - São Paulo, 2004. http://www.releituras.com/

Plínio Marcos (Conto: Amor é Amor)

Mulher gamada é fogo. Elas, quando se vidram e se amarram num homem, são capazes de fazer das tripas coração pra defender seus interesses. Uma mulher apaixonada se transforma dos pés à cabeça. Se é classuda, cai da panca e, sem vacilar, apronta os maiores salseiros. Se é acanhada, endoida e não regateia pra fazer um escândalo. Esse lance de que a mulher mesmo muito ligada num homem e tal e coisa, se enruste e se fecha em copas porque tem categoria é papo furado. Mulher que deixa o amor no barato não está toda na parada. Que nada! Às vezes, está por solidão, por simpatia, por conveniência e os cambaus. Nunca por gama. É isso. Não tem erro. Sou eu que afirmo, e de mulher eu entendo. Mas deixa isso de lado. O que quero contar e o que pesa na balança é a história da Dilma Fuleira e da Celeste Bicuda, duas flores da Barra do Catimbó que se unharam e se dentaram por amor ao Ariovaldo Piolho, um vagau de pouca presença física, mas de muita embaixada. Ele lidava com seu rebanho com mil e um macetes e, por essas e outras, sempre foi muito considerado pelo mulherio. É verdade que esse perereco se deu nas quebradas do mundaréu, onde o vento encosta o lixo e as pragas botam os ovos, mas, se acontecesse nos salões da mais fina gente da sociedade, não me causava nenhum espanto. Mulher é mulher em qualquer lugar. Mestre Zagaia, velho cabo-de-esquadra que navegou sem bandeira por muita água barrenta e que bateu perna à toa pelos caminhos mais escamosos, esquisitos e estreitos do roçado do bom Deus, viu quizilas de assombrar negos de patuá forte, embrulhou sua solidão em muito lençol encardido e escancarou nas Tabuadas das Candongas uma dica sobre o assunto:

— Depois dos panos arriados, o espetáculo é sempre o mesmo.

E, se Mestre Zagaia falou, tá falado. Mulher é sempre mulher. E a Dilma Fuleira e a Celeste Bicuda também são, embora à primeira vista não pareçam. Sabe como é. Elas nasceram lesadas da sorte e só pegaram a pior. Bagulho catado no chão da feira nunca fez bem à beleza de ninguém.

Porém (e sempre tem um porém), não foi a condição de bagulho que impediu que elas tivessem grandes ilusões a respeito de amor. E o galã dos sonhos das duas era, como já disse, o Ariovaldo Piolho. Esse vagau se serviu das duas sem a mínima cerimônia. Foi ali na base do agrião. Como as duas estavam a fim dele, o danado negociou. Fez valer a velha e tinhosa lei da oferta e da procura. Se fingia de morto e esperava pra ver quem comparecia no seu enterro.

Como quem não quer nada, pegava a grana na mão da Dilma, cumpria a obrigação e ia buscar os pixulés com a Celeste. E se o dinheiro compensava, não deixava ela em falta. Até que o caldo engrossou.

Bateu sujeira. O doutor Delerusca resolveu acabar com o pesqueiro das piranhas e a Dilma Fuleira e a Celeste Bicuda se viram no papo-de-aranha. Escaparam da cana, mas o faturamento caiu às pamparras. E, no meio disso tudo, o Ariovaldo Piolho sentiu o aroma da perpétua. Vagau escolado por muitos anos de janela é sempre cem por cento profissional. Sem pagório, deixou as mulheres na saudade. E se deu o esquinapo.

A Dilma Fuleira achou que o Piolho não queria nada com ela porque estava enredado pela Celeste Bicuda. Procurou a rival e, sem conversa, deu-lhe uma tremenda biaba. A Celeste Bicuda era encardida. Encarou, mas não deu nem pra saída. A Dilma Fuleira era gordona e alta. A Celeste, baixinha e só pele e osso. Teve que apanhar e correr. Porém, como não era de engolir nada enrolado, a Celeste Bicuda tramou a forra. Foi na macumba levar o nome da Dilma Fuleira pra sua mãe-de-santo enterrar no cemitério. Feita a façanha, a Celeste Bicuda se botou a boquejar nos botecos. Garantia pra quem duvidasse que a Dilma Fuleira ia murchar até morrer. E não faltou fuxiqueiro pra ir rapidinho envenenar a Dilma. E ela, que já estava atolada até o gogó no pântano, acreditou que a bananosa toda que curtia era devido à mandinga da Celeste. Se picou de raiva e jurou pela luz que a iluminava que ia pegar a inimiga e dar pancada até ela desenterrar seu nome. E foi pra guerra.

A Dilma encontrou a Celeste no seu barraco e nem pediu licença. Entrou na força bruta e foi botando pra quebrar. De repente, a Celeste Bicuda deu uns gritos, uns pulos pro alto e, quando desceu, era uma fera batusquela. Passou a mão numa enxada e tocou o bumba-meu-boi no lombo da Dilma, que se viu obrigada a dar pinote. Mas a Celeste foi na captura e derrubou o barraco da Dilma a enxadada. Em desespero e apavorada com a fúria da Celeste Bicuda, a Dilma se refugiou na casa do Piolho. A Celeste não tomou conhecimento. Aliás, ainda ficou mais endoidada de ver a rival junto do homem da sua gama. Aumentou o escarcéu.

O Ariovaldo, sem se afobar saiu de fininho e chamou a polícia. A cana chegou e ferrou a Celeste e a Dilma. No Distrito, a Celeste falou que não tinha nada com a briga. Foi o exu da sua crença que encarnou nela pra acabar com a Dilma. A Dilma, de zoeira, entregou tudo como era. Disse pro doutor que a bronca era por causa do Piolho, que estava na fita como testemunha. O delegado quis saber se o Piolho tinha emprego. Não tinha. Entrou em pua e as mulheres foram dispensadas. Mas continuam pelejando por amor. Uma visita o vagau às quartas-feiras; a outra, aos domingos. E todas as duas levam o santo dinheirinho de presente pro Ariovaldo Piolho, o bom amante.

Fonte:
Histórias das quebradas do mundaréu", Mirian Paglia Editora de Cultura Ltda. - São Paulo, 2004, págs. 153.
http://www.releituras.com/

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

John Ronald Reuel Tolkien (O Senhor dos Anéis)

O Senhor dos Anéis (The Lord of the Rings) é um romance de fantasia criado pelo escritor e acadêmico inglês J.R.R. Tolkien. A história começa como seqüência de um livro anterior de Tolkien, O Hobbit (The Hobbit), e logo se desenvolve numa história muito maior. Foi escrito entre 1937 e 1949, com muitas partes criadas durante a Segunda Guerra Mundial. Embora Tolkien tenha planejado realizá-lo em volume único, foi originalmente publicado em três volumes entre 1954 e 1955, e foi assim, em três volumes que se tornou popular. Desde então foi reimpresso várias vezes e foi traduzido para pelo menos 38 línguas, tornando-se um dos trabalhos mais populares da literatura do século XX.

A primeira edição em português, da extinta editora Artenova (tradução de Antônio Rocha e Alberto Monjardim), era constituída por seis volumes, o primeiro dos quais intitulava-se "Terra Mágica". A segunda edição em português foi editada em Portugal durante os anos de 1980, pela editora Europa América.

A história de O Senhor dos Anéis ocorre em um tempo e espaço imaginários, a Terceira Era da Terra Média, que é um mundo inspirado na Terra real, mais especificamente, segundo Tolkien, numa Europa mitológica, habitado por Humanos e por outras raças humanóides: Elfos, Anões e Orcs. Tolkien deu o nome a esse lugar a palavra do inglês moderno, Middle-earth (Terra-Média), derivado do inglês antigo, Middangeard, o reino onde humanos vivem na mitologia Nórdica e Germânica. O próprio Tolkien disse que pretendia ambientá-la na nossa Terra a aproximadamente 6000 anos atrás, embora a geografia e a historia correspondentes com a geografia e a história do mundo real fosse frágil.

A história se foca em várias raças, Humanos, Anões, Elfos, Ents e Hobbits lutando contra Orcs para evitar que o "Anel do Poder" volte às mãos de seu criador Sauron, o Senhor do Escuro, e no conflito contra o mal que se alastra pela Terra-média. Partindo dos começos quietos no Condado, a história muda através da Terra-média e segue o curso da Guerra do Anel através dos olhos de seus personagens, especialmente do protagonista, Frodo Bolseiro. A história principal é seguida por seis apêndices que fornecem uma riqueza do material de fundo histórico e lingüístico.

Junto com outras obras de Tolkien, O Senhor dos Anéis foi objeto de extensiva análise de seus temas e origens literários. Embora um grande trabalho tenha sido feito, a história é meramente o resultado de uma mitologia na qual Tolkien trabalhava desde 1917. As influências neste antigo trabalho, e na história do Senhor dos Anéis, englobam a filologia, mitologia, industrialização e religião e também trabalhos de fantasia antigos e as experiências de Tolkien na Primeira Guerra Mundial. O Senhor dos Anéis teve um efeito grande na fantasia moderna, e o impacto de trabalhos de Tolkien é tal que o uso das palavras “Tolkienian” e “Tolkienesque” ("Tolkieniano" e "Tolkienesco") ficou gravado no dicionário Oxford English Dictionary.

A enorme e permanente popularidade de O Senhor dos Anéis levou a numerosas referências na cultura popular, a fundação de muitas sociedades de fãs do trabalho de Tolkien e à publicação de muitos livros sobre Tolkien e seu trabalho. O Senhor dos Anéis inspirou (e continua inspirando) trabalhos de arte, a música, cinema e televisão, os jogos de vídeo games e uma literatura paralela. As adaptações do livro foram feitas para o rádio, o teatro e o cinema. Em 2001 – 2003 foi lançado o extensamente aclamado filme A Trilogia de O Senhor dos Anéis (The Lord of the Rings film trilogy), que promoveu uma nova explosão de interesse pelo Senhor dos Anéis e pelas outra obras de Tolkien.

Escrevendo

O Senhor dos Anéis foi iniciado como um seqüência para o Hobbit, história publicada em 1937 que Tolkien tinha escrito e tinha sido lida originalmente por muitos jovens. A popularidade de O Hobbit levou seu editor a pedir por mais histórias sobre hobbits, de modo que o mesmo ano Tolkien, com 45 idade, começou a escrever a história que se transformaria no Senhor dos Anéis. A história não seria terminada até 12 anos mais tarde, em 1949, e não foi publicado antes de 1954, quando Tolkien tinha 63 anos de idade.

Tolkien originalmente não pretendia escrever um seqüência para O Hobbit, e nesse tempo dedicou-se mais a histórias infantis, tais como Roverandom e Mestre Gil de Ham. Como seu trabalho principal, Tolkien esboçava a história de Arda, das Silmarils e das raças que habitavam a Terra. Tolkien morreu antes de terminar e unir este trabalho, conhecido hoje como o Silmarillion, mas seu filho Christopher Tolkien editou o trabalho do seu pai e publicou-o em 1977. Alguns biógrafos de Tolkien consideram O Silmarillion como o verdadeiro “trabalho de seu coração", fornecendo o contexto histórico e lingüístico para seu trabalho mais popular e para suas línguas criadas, que ocupavam a maior parte do tempo de Tolkien. Em conseqüência O Senhor dos Anéis terminou acima dos últimos movimentos do legendário de Tolkien e em sua própria opinião “muito maior, e eu espero também na proporção do melhor, do ciclo inteiro.”

Persuadido por seus editores, começou “um novo Hobbit” em dezembro de 1937. Depois que diversos começos falsos, a história do Um Anel logo emergiu e o livro mudou de uma seqüência do Hobbit, para mais uma seqüência do ainda não publicado Silmarillion. A criação do primeiro capítulo (Uma festa muito esperada) sucedeu bem, embora as razões por atrás do desaparecimento de Bilbo, do significado do anel e do título do Senhor dos Anéis não chegassem até a primavera de 1938. Originalmente, planejou escrever uma outra história em que Bilbo tinha esgotado todo seu tesouro e procurava uma outra aventura para ganhar mais; entretanto, recordou-se do anel e seus poderes e decidiu-se escrever preferivelmente sobre ele. Começou com o Bilbo como personagem principal, mas decidiu-se que a história era demasiada séria usar um hobbit divertido e amoroso e assim que Tolkien procurou usar um membro da família de Bilbo. Pensou sobre usar um filho de Bilbo, mas isto gerou algumas perguntas difíceis, tais como local onde encontrou sua esposa e se esta deixaria seu filho entrar em perigo. Assim procurou um personagem alterno para carregar o anel. Nas legendas gregas, era o sobrinho do herói que ganhava o artigo de poder, e assim que o hobbit Frodo surgiu.

A escrita era lenta devido ao perfeccionismo de Tolkien e foi interrompida freqüentemente, por suas obrigações como professor e por outros deveres acadêmicos.

Ele abandonou O Senhor dos Anéis durante a maior parte de 1943 e o reiniciou somente em abril de 1944. Christopher Tolkien e C.S. Lewis recebiam notícias sobre a história freqüentemente - Tolkien enviava para o filho uma série de cópias dos capítulos enquanto os escrevia, quando Christopher estava servindo na África do Sul na Força Aérea Real. Prosseguiu outra vez em 1946, e mostrou uma cópia do manuscrito a seus editores em 1947. A história foi eficazmente terminada o ano seguinte, mas Tolkien não terminou de revisar as últimas partes do trabalho até 1949.

Uma disputa com seus editores Allen & Unwin fez com que Tolkien oferecesse o livro à Collins em 1950. Tolkien pretendia que o Silmarillion (com a maior parte ainda não revisada até neste momento) fosse publicado junto com O Senhor dos Anéis, mas a Allen & Unwin se recusava a fazer isto, e mais: queriam que O Senhor dos Anéis fosse dividido em três partes para baratear os custos. Depois que seu contato em Collins, Milton Waldman expressou a opinião de que O Senhor dos Anéis "necessitava urgentemente de uma redução", e exigiu finalmente que o livro fosse publicado em 1952. Não fizeram isso, e assim Tolkien escreveu a Allen & Unwin novamente, dizendo que "consideraria satisfatória a publicação de qualquer parte do material.". Desse modo, A Sociedade do Anel e As Duas Torres foram publicados em 1954 e O Retorno do Rei, depois de revisões nos apêndices, foi publicado em 1955.

Publicação

Na publicação, a maior parte dos custos foi devido à falta (e preço) do papel no pós-guerra, mas para manter o preço baixo da primeira edição, o livro foi dividido em três volumes: A Sociedade do Anel, publicado em 1954, As Duas Torres, publicado alguns meses depois, O Retorno do Rei e mais seis apêndices, publicado em 1955. O atraso na produção dos apêndices, dos mapas e especialmente os índices resultou que fossem publicados mais tarde do que esperado - em 21 de julho de 1954, em 11 de novembro de 1954 e em 20 de outubro de 1955, respectivamente, no Reino Unido. O Retorno do Rei foi especialmente atrasado. Tolkien inclusive não gostou muito do título de O Retorno do Rei, acreditando que era demasiado afastado da linha da história. Tinha sugerido originalmente o título A Guerra do Anel, que foi rejeitada por seus editores.

Os livros foram publicados sob um arranjo de “partipação nos lucros”, por meio do qual Tolkien não receberia um adiantamento ou direitos autorais até que os livros cobrissem os gastos, depois do qual teria uma parte grande dos lucros. Um índice para os três volumes, que viria no fim do último, já fora prometido à época do lançamento do primeiro volume, mas provou-se ser imprático para compilá-lo num período razoável. Em 1966, quatro índices, não compilados por Tolkien, foram adicionados ao Retorno do Rei.

O Senhor dos Anéis sempre foi um livro bastante controverso. Sob rótulos de "Lixo Juvenil", mas também alumiado por elogios fervorosos, essa obra ainda sobrevive para que possa receber as mais diversas opiniões.

Começando pelas críticas favoráveis (que, diga-se, são mais numerosas), destacamos algumas das mais importantes.

O jornal Sunday Telegraph se manifestou à época do lançamento do livro dizendo que ele estava "entre os maiores trabalhos de ficção do século XX". A conclusão parecida, conquanto mais teatral, chegou o Sunday Times, afirmando que "o mundo do Inglês está dividido entre aqueles que leram O Senhor dos Anéis e O Hobbit, e aqueles que ainda vão ler".

W.H.Auden escreveu ao New York Times: "A primeira coisa que pedimos é que a aventura seja [...] empolgante; sob este aspecto a inventividade do Sr. Tolkien é incansável [...e] o leitor exige que pareça real [...] O Sr. Tolkien tem a sorte de possuir um espantoso dom de dar nomes e um olho [...] exato para descrições. [...] O conto mostra no espelho a única natureza que conhecemos: a nossa própria; também nisto o Sr. Tolkien teve um êxito soberbo. O que ocorreu no Condado [...] na Terceira Era [...] não somente é fascinante em A.D. 1954, mas é também um alerta e uma inspiração." Sobre a capacidade de inventar nomes, O Senhor dos Anéis conta com 301 nomes de pessoas e animais, e 433 nomes de lugares.

Donald Barr falou, no New York Times também, sobre uma coisa que Tolkien muito amava: "O Sr. Tolkien é um afamado filólogo britânico, e a linguagem de sua narrativa nos recorda que um filólogo é um homem que ama a língua."

E John Gardner escreve sobre o livro, falando sobre a rica caracterização, o brilho imagético, um senso de lugar vigorosamente imaginado e detalhado, e [a] aventura brilhante.

Mas nem tudo era elogios. Richard Jenkyns escreveu ao The New Republic que os personagens e o próprio trabalho de Tolkien são "anêmicos, e carentes de fibra".

A crítica mais ácida veio talvez de Edmund Wilson, ao The Nation: "Ficamos perplexos ao pensar por que o autor terá suposto que escrevia para adultos. [...] Exceto quando é pedante e também aborrece o leitor adulto, há pouca coisa no Senhor dos Anéis acima da inteligência de uma criança de sete anos. [...]A prosa e o verso estão no [...] nível de amadorismo profissional. [...]Os personagens falam uma língua de livro de histórias [...e] não se impõe como personalidades. Ao final deste [...] romance, eu ainda não tinha uma concepção do mago Gandalph [sic]. [...] Esses personagens estão envolvidos em intermináveis aventuras, a pobreza de invenção demonstrada nas quais, é [...] quase patética. [...] Como é que esses extensos volumes de [...] baboseiras provocam tais tributos [...]? A resposta [...] é que certas pessoas [...] têm um apetite vitalício por lixo juvenil."."

Repare em como ele escreveu o nome do mago Gandalf, chamando-o Gandalph. Além disso, as línguas de livros de histórias geralmente não possuem uma estrutura sólida gramatical, fonológica e de vocabulário, que é o que acontece com as línguas élficas Quenya e Sindarin.

Influência

O Senhor dos Anéis começou como uma exploração pessoal de Tolkien de seus interesses na Filologia, religião (particularmente Igreja Católica), Contos de fadas, assim como a Mitologia nórdica, mas também foi influenciado, de forma crucial, pelos fatos que ocorreram do seu serviço militar durante a Primeira Guerra Mundial. Tolkien criou um universo fictício completo e altamente detalhado (Eä), onde O Senhor dos Anéis ocorreu, e muitas partes deste mundo eram, como ele admitia livremente, influenciado por outras origens.

Uma vez, Tolkien descreveu O Senhor dos Anéis ao seu amigo, o padre jesuíta Robert Murray, como “um trabalho fundamental religioso e Católico, inconscientemente no início, mas cientemente na reavaliação.” Há muitos temas teológicos subjacentes na narrativa, incluindo a luta de bem contra o mal, o triunfo do excesso vaidade na humanidade e a atividade da Graça Divina. Além disso a orações do Senhor “e não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal” estava sempre presente na mente de Tolkien quando descreveu luta de Frodo de contra o poder do Um Anel.

Os motivos religiosos não Cristão também tiveram fortes influências na terra média de Tolkien.

Impacto na cultura popular

O Senhor dos Anéis promoveu uma grande mudança bastante grande na cultura popular, desde os anos 50, quando foi publicado, mas principalmente nos anos 60 e 70. Pode-se encontrar tal influência em exemplos como jogos de tabuleiro baseados no livro e em paródias como Bored of the Rings (no Brasil, O Fedor dos Anéis), o episódio de South Park, O Retorno do Senhor dos Anéis às Duas Torres, e o musical da Revista Mad nomeado O Anel e Eu. Graças ao trabalho de Peter Jackson, muita dessa influência voltou a ser sentida hoje.

Música

Muitos músicos e bandas também inspiraram-se não só no Senhor dos Anéis como em outras obras de Tolkien. As letras de músicas de algumas bandas dos anos 70 é recheada de referências à obra do autor. Led Zeppelin é provavelmente o mais famoso grupo diretamente inspirado em Tolkien, e possui quatro músicas com referências explícitas, como Ramble On e The Battle of Evermore. Outras bandas dos anos 70 inspiradas no autor são Camel, Rush e Styx. The Beatles pode até não ter sido musicalmente influenciados, mas eles tinham a intenção de fazer um filme baseado em O Senhor dos Anéis. A idéia não saiu do papel, se é que chegou a ele.

Mais tarde, nos anos 80 e 90, bandas de metal encontraram lugar para Tolkien em suas músicas, muitas vezes usando a parte má da obra dele, os personagens e hostes ruins. A banda alemã Blind Guardian possui, entre outras referencias a Tolkien, o álbum Nightfall in Middle-Earth, que conta a história das Silmarils e a finlandesa Nightwish (que possui a música Elvenpath, que faz alusão a Elbereth e a Lórien) são duas famosas bandas de metal.

Fora do rock, muitos artistas New Age foram influenciados pelo trabalho Tolkieniano. Enya escreveu uma música chamada Lothlórien, e compôs duas músicas para o filme A Sociedade do Anel: May It Be, cantada em Inglês e em Alto-élfico e Aníron, cantada em Élfico-cinzento. Além dela outros muitos artistas encontraram na obra de Tolkien a inspiração para sua música.

Adaptações do Livro

O Livro foi adaptado para o rádio três vezes. Em 1955 e em 1956, a BBC passou O Senhor dos Anéis, uma adaptação em doze partes da história para o rádio, da qual nenhuma gravação sobrou. Em 1979, uma dramatização da história foi transmitida nos Estados Unidos e depois colocadas em fita e CD. Em 1981, a BBC transmitiu uma nova dramatização em 26 partes de meia hora.

As adaptações para a tela incluem uma animação em 1978, quando Ralph Bakshi produziu a primeira versão em desenho animado sobre o Senhor dos Anéis. A produção não foi um sucesso. Seguindo o enredo de A Sociedade do Anel e de As Duas Torres, devia ser dividido em duas partes. O desenho tinha muitos cortes e a qualidade da animação não era muito boa, mas serviu como uma alavanca para uma maior abrangência dos livros. Porém, mesmo e principalmente entre os fãs, nunca houve grande aceitação sobre essa animação. A outra parte, O Retorno do Rei, em 1980, foi um especial animado para a TV por Rankin-Bass, que tinha produzido uma versão similar a O Hobbit em 1977.

Em 1999, o diretor Peter Jackson resolveu adaptar O Senhor dos Anéis para o cinema. A trilogia foi filmada simultaneamente, e está entre os recordes de bilheteria, além de ter acumulado dezessete Oscars, 4 para o primeiro, 2 para o segundo e 11 para o terceiro. A empresa que realizou os filmes chama-se WETA Workshop Ltd..

Já houve muitas produções teatrais baseadas nos livros. Três foram apresentadas em Cincinnati, Ohio, Estados Unidos: A Sociedade do Anel (2001), As Duas Torres (2002) e O Retorno do Rei (2003). Um musical de O Senhor dos Anéis foi apresentado em 2006 em Toronto, Ontario, Canadá.

Os Livros
O Senhor dos Anéis, A Sociedade do Anel. Livraria Martins Fontes Editora Ltda.. ISBN 85-336-1337-7.
O Senhor dos Anéis, As Duas Torres. Livraria Martins Fontes Editora Ltda.. ISBN 85-336-1338-5.
O Senhor dos Anéis, O Retorno do Rei. Livraria Martins Fontes Editora Ltda.. ISBN 85-336-1339-3.

Estrutura da obra e pano de fundo da história

Já foi dito que a obra deveria ser lançada em um único volume, mas foi dividido em três como forma de baratear os custos (havia racionamento de papel na Inglaterra do pós-guerra). Cada volume é dividido em dois tomos ou "livros".

O primeiro volume, A Sociedade do Anel, publicado em 1954 contém um prólogo, no qual são dadas as características dos Hobbits.

O segundo volume, as Duas Torres, publicado alguns meses depois de A Sociedade do Anel, também em 1954, continua a história original com mais personagens.

A saga termina com a publicação em 1955 do terceiro volume, intitulado O Retorno do Rei que contém diversos apêndices explicativos sobre a história, as línguas, a cronologia da narrativa e outras informações adicionais sobre a mitologia criada por Tolkien para a sua Terra-Média.

O pano de fundo da história é revelada enquanto o livro progride, e elaborada também nos apêndices e no Silmarillion e em Contos Inacabados, os últimos publicados após a morte de Tolkien. Começa milhares dos anos antes da ação no livro, com a ascensão do epônimo senhor dos anéis, senhor escuro Sauron, um encarnação de uma malévola entidade espiritual imortal possuidora de grandes poderes supranaturais, que governava o temido reino de Mordor. No fim da primeira era da Terra Média, Sauron sobreviveu à catastrófica derrota e o exílio de seu mestre, a figura fundamental do mal, Morgoth e durante a segunda era Sauron planejou ganhar o domínio sobre a Terra Média. Sob aparência de "Annatar" ou senhor dos presentes; ajudou os elfos ferreiros de Eregion, e fomentou a forja dos anéis mágicos que conferenciaram vários poderes e habilidades aos seus portadores, mas Celebrimbor, líder dos elfos ferreiros (era talentosíssimo, e era neto de Fëanor, um importante elfo da primeira era), os tinha forjado independentemente de Sauron. Os mais importantes destes foram os dezenove anéis do poder ou os grandes anéis.

Então Sauron forjou secretamente um grande anel para si próprio, o Um Anel, pois planejava escravizar os portadores dos outros anéis do poder. Este plano falhou em parte porque os elfos tomaram ciência dele e esconderam seus anéis, os Três Anéis Élficos, dando-os aos Sábios de seu tempo (Galadriel, Círdan e Gil-Galad). Esses, Sauron jamais voltou a tocar. Sauron lançou se então a guerra, durante a qual capturou dezesseis dos anéis do poder e os distribuiu aos senhores e aos reis dos anões e dos homens, estes anéis foram conhecidos como os sete e os nove respectivamente. Os Senhores Anões se provaram demasiado resistente a escravização, embora seu desejo natural para a riqueza, especialmente ouro, aumentasse; isto trouxe muitos conflito entre eles e outras raças. Dos sete Anéis que tinham sido dados aos Senhores Anões, Sauron recuperou os que não tinham sido destruídos, e dos nove Anéis presenteados aos Homens, Sauron trouxe todos para sua custódia. Esses humanos portadores dos Nove Anéis lentamente se corromperam com tempo e transformaram-se consequentemente nos morto-vivos Nazgûl, os Espectros do Anel, os servos mais temidos de Sauron.

Após 1.500 anos, o Númenorianos enviaram uma grande força para destruir Sauron, conduzida por seu poderoso monarca Ar-Pharazôn, o Dourado. abandonado por seus servos, Sauron rendeu-se e foi feito prisioneiro de Númenor. Entretanto, com o perspicácia e força de vontade, começou a aconselhar o rei e envenenou as mentes do Númenorianos contra os Valar. Iludiu seu rei, aconselhando-o a invadir as Terras Imortais para conseguir ser imortal como os Valar e os elfos. Os Valar, ao saberem da invasão, invocaram Eru Ilúvatar, que causou um deslizamento de terras sobre os Númenorianos, e abriu uma grande abismo no mar, destruindo Númenor e separando as Terras Imortais das Mortais. O corpo físico de Sauron foi destruído, mas seu espírito retornou a Mordor e assumiu um nova e terrível forma. Algum Númenorianos (chamados de Fiéis por não terem deixado de adorar Ilúvatar) também obtiveram sucesso em escapar para a Terra-média. Foram conduzidos por Elendil e seus filhos Isildur e Anárion.

Depois de cem anos, Sauron lançou um ataque de encontro aos Númerianos exilados. Elendil formou a Último Aliança dos Elfos e dos Homens com o Elfo-rei Gil-galad. Marcharam de encontro a Mordor, derrotando os exércitos de Sauron na planície de Dagorlad e sitiaram a fortaleza Barad-dûr, onde Anárion morreu. Após sete anos sitiado, o próprio Sauron foi forçado a vir para fora e entrar num combate com os líderes. Gil-galad e Elendil foram mortos enquanto lutavam com Sauron e a espada de Elendil, Narsil, quebrou-se. O corpo de Sauron foi subjugado e morto [3] e Isildur cortou o Um Anel de sua mão com que sobrara da espada, Narsil; quando isto aconteceu, o espírito de Sauron fugiu e não reapareceu por muitos séculos. Isildur foi aconselhado a destruir o Um Anel arremessando-o no vulcão da Montanha da Perdição onde foi forjado, mas atraído pela sua beleza Isildur preferiu conservá-lo para que fosse a herança de seu povo.

Começou assim a Terceira Era da Terra-média. Dois anos mais tarde Isildur e seus soldados foram atacados em uma emboscada por um bando de Orcs no que foi chamado posteriormente do Desastre dos Campos do Lis. Quase todos os homens foram mortos, mas Isildur escapou pondo o Anel, que torna invisível quem o coloca. Mas o Anel traiu o seu portador, escapando do dedo de Isildur, que foi visto e flechado pelos orcs, e o anel foi perdido por dois milênios.

Foi então encontrado, por acaso, no rio por um ancestral dos hobbits chamado Déagol. Seu parente e amigo Sméagol o estrangulou para roubar o Anel. Sméagol fugiu para a Montanhas Sombrias depois de ter sido expulso de casa, e nas raízes das montanhas se transformou numa criatura repulsiva e nojenta chamada Gollum.

Em O Hobbit, aproximadamente 60 anos antes dos eventos do Senhor dos Anéis, Tolkien relacionou a história do encontro aparentemente acidental do Anel por um outro hobbit, Bilbo Bolseiro, que o leva para seu casa, o Bolsão. Foi somente durante a criação de O Senhor dos Anéis que Tolkien relacionou as histórias. Nem Bilbo nem o mago Gandalf estavam cientes neste momento que o anel mágico de Bilbo era o Um Anel, forjado pelo senhor do escuro, Sauron.

A Saga do Anel conta, no final da Terceira Era, a luta entre os povos livres da Terra-média contra Sauron, que procura pelo Um Anel e tem o intuito de dominar toda a Terra-média, assim como seu mestre, Morgoth, tentara.
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Nota: A biografia de Tolkien foi postada em 29 de dezembro de 2007.