quarta-feira, 14 de agosto de 2024

Dissecando a Magia dos Textos (“O homem do saco”, de Renato Frata)

Texto publicado neste blog, em 03 de agosto de 2024, no link

"O Homem do Saco", de Renato Frata, é uma narrativa que explora o medo infantil e as lições que a vida nos ensina.

TEMAS PRINCIPAIS
Medo e Inocência Infantil:
A figura do "homem do saco" simboliza os medos irracionais da infância, amplificados pelas histórias contadas pelos pais.


O pavor do protagonista é palpável e se reflete nas suas reações físicas, como o tremor e a vontade de se esconder.

Proteção Materna:
A mãe é uma figura central, que tenta proteger o filho do medo. Sua atitude, ao alimentar o homem, mostra uma complexidade na relação entre amor e proteção.

A dualidade entre o medo e o carinho maternal é um ponto crucial; a mãe ensina através da experiência, mesmo que essa experiência envolva dor.

Aprendizado e Crescimento:
A frase final destaca a lição aprendida: a dor pode ser um professor quando o amor não é suficiente.

O protagonista, ao final, reconhece a importância de entender e enfrentar seus medos.

Estrutura Narrativa
Introdução: A história começa com a descrição do "homem do saco", estabelecendo o clima de tensão e medo logo de início.

Desenvolvimento: O encontro com o homem intensifica o medo, levando a reações emocionais e físicas do protagonista. A narrativa é rica em detalhes sensoriais, que tornam o medo quase palpável.

Clímax: O momento em que o homem entra na casa e interage com o protagonista é o ponto alto, onde o medo se transforma em uma experiência real.

Conclusão: A lição final é uma reflexão sobre a maneira como o medo pode ensinar, criando um fechamento que ressoa com a experiência da infância.

ABORDAGENS
A interação com o homem pode afetar como o protagonista se relaciona com outros personagens, como amigos e familiares, e como ele lida com seus próprios medos no futuro.

A jornada do protagonista pode incluir pequenos momentos de bravura, onde ele tenta enfrentar seus medos, mesmo que de forma tímida.

O medo pode ser tanto um protetor quanto um limitador. Enquanto protege a criança de perigos, também a impede de explorar o mundo.

A figura da mãe representa a autoridade, mas também a vulnerabilidade. Isso pode levar a uma reflexão sobre como as crianças percebem as regras e as consequências.

O dilema entre obedecer e explorar pode ser um tema central, refletindo a tensão entre liberdade e segurança.

REFLEXÕES FINAIS

"O Homem do Saco" não é apenas uma história sobre medo; é uma reflexão profunda sobre crescimento, aprendizado e a complexidade das relações humanas. A narrativa de Renato Frata é uma rica exploração dos medos da infância e das lições que eles nos ensinam. Através de uma linguagem vívida e emocional, a história capta a essência do crescimento humano, mostrando que, muitas vezes, é preciso enfrentar nossos medos para aprender e crescer.

Fonte: José Feldman. Dissecando a magia dos textos: Contos e Crônicas. Maringá/PR. IA Open.
 Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

Recordando Velhas Canções (Fica comigo esta noite)


Compositor: Adelino Moreira / Nelson Gonçalves

Fica comigo esta noite
E não te arrependerás.
Lá fora o frio é um açoite;
Calor aqui tu terás.

Terás meus beijos de amor,
Minhas carícias terás;
Fica comigo esta noite
E não te arrependerás.

Quero em teus braços, querida,
Adormecer e sonhar;
Esquecer que nos deixamos
Sem nos querermos deixar...

Tu ouvirás o que eu digo;
Eu ouvirei o que dizes.
Fica comigo esta noite
E então seremos felizes.
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A Súplica Romântica de Nelson Gonçalves
A música "Fica Comigo Esta Noite", interpretada pelo icônico Nelson Gonçalves, é uma verdadeira ode ao amor e ao desejo de companhia. A letra é um convite apaixonado, uma súplica para que a amada permaneça ao lado do eu lírico durante a noite, prometendo calor e afeto em contraste com o frio que assola o exterior. A canção é marcada por uma atmosfera de intimidade e cumplicidade, sugerindo que a presença da amada é o único remédio para uma noite que seria, de outra forma, solitária e fria.

O refrão, repetido ao longo da música, reforça a promessa de que a amada não se arrependerá se aceitar o convite. O calor humano, as carícias e os beijos de amor são apresentados como garantias de uma noite de felicidade e conforto emocional. A música também toca na ideia de um amor que, apesar das circunstâncias que levaram ao afastamento do casal, permanece vivo e ardente, revelando o desejo de esquecer as mágoas e se entregar ao momento de paixão.

Nelson Gonçalves, conhecido por sua voz marcante e interpretações cheias de emoção, consegue transmitir a intensidade do sentimento do eu lírico. A música se torna um clássico do gênero romântico, refletindo a época em que foi lançada, quando as canções eram carregadas de sentimentos e melodias que falavam diretamente ao coração. "Fica Comigo Esta Noite" é um convite à reconciliação e ao reencontro, onde a música serve como ponte para a expressão dos sentimentos mais profundos.

Além de intérprete principal de Adelino Moreira, Nelson Gonçalves (foto) é seu parceiro em mais de vinte composições, entre as quais se destacam especialmente “Êxtase” e “Fica Comigo Esta Noite”: “Fica comigo esta noite / que não te arrependerás / lá fora o frio é um açoite / calor aqui tu terás...”.

Bem adequada ao estilo do cantor, com as frases iniciais explorando os graves de seu vozeirão, este samba-canção bisou em 61 o mega-sucesso de “Negue”, do inesgotável Adelino, no ano anterior.

Tema musical e título de um filme erótico, “Fica Comigo Esta Noite” é geralmente cantado como bolero, adaptando-se até melhor a esse ritmo.
Fontes:

segunda-feira, 12 de agosto de 2024

Varal de Trovas n. 608

 

Sílvio Romero (O irmão caçula)


(Folclore do Pernambuco)

Havia um homem que tinha três filhos: João o mais velho, o outro Manoel e o caçula José. 

Todos eles se revoltaram contra o pai. Fugiram João e Manoel e ficou José. 

O pai o botou à procura dos irmãos. José ganhou o mundo e foi ter à casa de uma velha, que lhe disse: “Meu netinho, você o que anda fazendo por estas alturas?” 

— “Minha avó”, respondeu ele, “venho buscar meus irmãos que fugiram de casa de meu pai e ele quer que eu os descubra.” 

— “Pois dorme, meu netinho, que eu os farei te acompanhar.” 

No outro dia a velha, depois de lhe dar de comer, disse que ele fosse ao Reino das Três Pombas, onde encontraria os dois irmãos, porque havia ali uma grande festa para se tirar por sorte quem devia desencantar as três pombas, que estão dentro do mar. “Leva”, disse a velha, “esta vara e esta esponja com muito cuidado para que ninguém veja, porque teus irmãos te hão de caluniar ao rei, dizendo que tu te gabaste de ir ao fundo do mar quebrar a pedra e desencantar as três princesas. O rei te há de chamar, e tu deves sustentar que sim. Vai então à praia do mar e atira nele a esponja, a esponja há de boiar e a seguir, tu deves acompanhá-la; vai com a varinha e toca na pedra, que se partirá pelo meio, há de te aparecer uma serpente, toca com a varinha nela e ela há de adormecer; entra pela pedra adentro e tira de lá uma caixa, toca com a vara na caixa que há de se abrir, tira de dentro um ovo, este ovo tem três gemas, quando o quebrares dá a clara à serpente.” 

José foi e fez tudo quanto a velha lhe ensinou. Chegando ao reino viu lá a grande festa: por estar mal pronto os irmãos fingiram que o não conheciam, e trataram de intrigá-lo, dizendo ao rei que ele se atrevia a desencantar as princesas. O rei o mandou chamar e lhe perguntou. 

“Saberá, rei, meu senhor, que eu não disse tal, mas se o rei, meu senhor, assim o ordena, eu estou pronto.” 

Todos ficaram admirados e duvidavam. No outro dia apresentou-se ele para seguir, e o rei mandou pôr navios à sua disposição. Ele disse que não os precisava, porque iria a nado. Todos acharam impossível ir nadando até à pedra. Mas o José largou no mar a esponja e seguiu com ela até a pedra. Bateu nela com a varinha e ela se abriu, apareceu a serpente, bateu também nela e ela adormeceu. Bateu na caixa e ela se abriu, tirou o ovo e partiu, botou a clara na boca da serpente e as três gemas no chapéu e largou-se para trás. Chegando na praia bateu com a varinha nas três gemas, que se transformaram nas três moças mais bonitas do mundo. 

Chegando a palácio todos se admiraram da sua coragem. Ainda lhe levantaram os irmãos nova cal[unia, dizendo que o José tinha dito que era capaz de ir buscar no mar a própria serpente. Ele foi, fez o mesmo com a esponja e a varinha e trouxe a serpente. Como ainda quisessem mangar com ele, tocou com a vara em todos a começar pelo próprio rei, e os fez adormecer.

Mandou então agarrar os irmãos e levá-los a seu pai. 

O rei, quando voltou a si, mandou casar o José com a mais bonita das princesas. Ele tocou com a vara em todos os presentes e os fez adormecer. Mandou buscar o pai e os irmãos, casou estes com as outras duas princesas, e ficaram todos vivendo juntos.

Fonte: Sílvio Romero. Contos populares do Brasil. Publicado originalmente em 1885. Disponível em Domínio Público.

Dissecando a magia dos textos (“Um brinde à vida”, de Therezinha Dieguez Brisolla)

Crônica publicada neste blog em 2 de abril de 2024, no link https://singrandohorizontes.blogspot.com/2024/04/therezinha-dieguez-brisolla-um-brinde.html

A análise do texto "Um Brinde à Vida" revela uma reflexão profunda sobre a percepção da idade e o valor da vivência. A autora, ao se identificar como "idosa" e não "velha", destaca a importância de manter sonhos e uma atitude ativa diante da vida.


TEMAS PRINCIPAIS

Definição de Idade:
A distinção entre "velho" e "idoso" é central. Ser idoso implica vitalidade e esperança, enquanto velho sugere resignação.

Memórias e Nostalgia:
A autora evoca lembranças de tempos passados, como transportes antigos, danças e celebrações familiares, ressaltando a simplicidade e a alegria das interações humanas.

Adaptação às Mudanças:
A transição do uso de máquinas antigas para tecnologia moderna simboliza a capacidade de adaptação e aprendizado contínuo, mesmo em idades avançadas.

Relações Familiares:
A presença da família é fundamental, com referências a filhos, netos e bisnetos, mostrando a importância das gerações e do legado familiar.

Atitude Positiva:
A autora demonstra uma visão otimista sobre a vida, enfatizando que, apesar da idade, o amor e os sonhos permanecem vivos.

ESTILO E ESTRUTURA

Narrativa Pessoal:
O texto é autobiográfico, permitindo uma conexão emocional com o leitor.

Uso de Memórias:
As lembranças são descritas de forma vívida, criando uma sensação de nostalgia e valorização das tradições.

Citações:
A inclusão de uma citação de Mia Couto reforça a mensagem sobre a passagem do tempo e a importância de viver plenamente.

Reflexão sobre a Idade
A autora propõe uma visão positiva do envelhecimento. Ao se autodenominar "idosa", ela enfatiza que a idade não é um impedimento para sonhar e viver ativamente. Essa distinção é importante no discurso social, onde muitas vezes a velhice é associada a limitações.

Memórias e Cultura
As memórias da autora sobre tempos passados revelam um contexto cultural rico. Ao mencionar tradições como danças, festividades e práticas familiares, ela ilustra a importância das experiências coletivas e da convivência comunitária. Isso contrasta com a individualização da sociedade moderna, destacando o valor das relações interpessoais.

Adaptação e Aprendizado
A narrativa sobre sua adaptação à tecnologia é inspiradora. A autora mostra que a disposição para aprender, independentemente da idade, é fundamental. Essa mensagem é motivadora, especialmente para aqueles que podem se sentir intimidados pelas mudanças tecnológicas.

Relações Intergeracionais
A presença da família ao longo do texto destaca a importância das relações intergeracionais. A interação com netos e bisnetos não apenas enriquece sua vida, mas também fortalece os laços familiares. Essa conexão é um fator crucial para o bem-estar emocional na terceira idade.

Mensagem de Esperança
A frase de Mia Couto no final encapsula a essência do texto: a vida é fugaz, e a alma pode permanecer jovem. Essa reflexão é um convite para todos, independentemente da idade, a viver com intensidade e aproveitar cada momento.

ABORDAGENS

1. A Evolução da Sociedade
A autora menciona várias transformações sociais e tecnológicas ao longo de sua vida. Desde os meios de transporte até a comunicação, essas mudanças refletem a evolução da sociedade. O contraste entre o passado e o presente destaca como a modernidade alterou hábitos, interações e a forma como vivemos.

2. Saudade e Nostalgia
A nostalgia permeia o texto, com a autora relembrando momentos simples e significativos. Essas memórias não são apenas pessoais, mas também coletivas, representando uma época em que a convivência e a alegria nas pequenas coisas eram mais valorizadas. A saudade é um sentimento que conecta gerações e reforça a importância das tradições.

3. Impacto da Tecnologia
A adaptação da autora à tecnologia é um ponto crucial. Ela não apenas aprende a usar ferramentas modernas, mas também integra essas novas habilidades em sua vida cotidiana. Isso serve como um modelo de resiliência e abertura para o aprendizado contínuo, algo que pode inspirar outras pessoas da mesma faixa etária.

4. A Importância da Comunidade
O texto ressalta a importância da comunidade e das relações sociais. As interações com vizinhos, amigos e familiares criam um suporte emocional que é vital para o bem-estar. Essa rede de apoio é frequentemente esquecida na vida moderna, onde a individualidade pode prevalecer.

5. Celebrando a Vida
A celebração da vida é um tema central. A autora não apenas vive o presente, mas também valoriza cada dia, cada interação e cada sonho. Isso a torna um exemplo de que a idade não deve ser um obstáculo, mas sim um convite para viver com mais intensidade.

6. Reflexão sobre o Legado
Por fim, a obra também provoca uma reflexão sobre o legado que deixamos. A autora, ao compartilhar suas experiências e aprendizagens, contribui para a memória coletiva e inspira futuras gerações a valorizarem suas próprias histórias e a importância de sonhar.

Conclusão

"Um Brinde à Vida" é mais do que um relato pessoal; é um manifesto sobre a beleza do envelhecimento, a importância das relações e a capacidade humana de se reinventar. A mensagem é clara: independentemente da idade, sempre há espaço para a alegria, o aprendizado e a esperança. Essa perspectiva oferece um olhar renovado sobre o envelhecimento, encorajando todos a viverem plenamente.

"Um Brinde à Vida" é uma celebração da experiência, da memória e da capacidade humana de se adaptar e continuar sonhando. A autora se apresenta como um exemplo de que viver plenamente é uma escolha, independentemente da idade. O texto é uma celebração da vida e uma afirmação da identidade da autora como uma mulher ativa e sonhadora. A mensagem central é clara: a idade não define a vitalidade e a capacidade de amar e sonhar. Essa perspectiva encoraja uma reflexão sobre o envelhecimento e a forma como valorizamos cada fase da vida.
Fonte: José Feldman. Dissecando a magia dos textos: Contos e Crônicas. Maringá/PR. IA Open.
 Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

Recordando Velhas Canções (Funeral de um lavrador)


Compositor: Chico Buarque e João Cabral de Melo Neto

Esta cova em que estás, com palmos medida
É a conta menor que tiraste em vida
É a conta menor que tiraste em vida
É de bom tamanho, nem largo, nem fundo
É a parte que te cabe deste latifúndio
É a parte que te cabe deste latifúndio

Não é cova grande, é cova medida
É a terra que querias ver dividida
É a terra que querias ver dividida
É uma cova grande pra teu pouco defunto
Mas estarás mais ancho que estavas no mundo
Estarás mais ancho que estavas no mundo

É uma cova grande pra teu defunto parco
Porém mais que no mundo te sentirás largo
Porém mais que no mundo te sentirás largo
É uma cova grande pra tua carne pouca
Mas a terra dada, não se abre a boca

É a conta menor que tiraste em vida
É a parte que te cabe deste latifúndio
É a terra que querias ver dividida
Estarás mais ancho que estavas no mundo
Mas a terra dada, não se abre a boca
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A Crítica Social em 'Funeral de Um Lavrador'
A canção 'Funeral de Um Lavrador', interpretada por Chico Buarque, é uma obra que transcende a mera descrição de um enterro para se tornar uma poderosa crítica social. A letra, que fala sobre a medição da cova de um lavrador, utiliza-se de uma metáfora para discutir as desigualdades sociais e a questão da reforma agrária no Brasil. A 'conta menor' que o lavrador 'tirou em vida' simboliza a pequena parcela de terra e as limitadas oportunidades que teve enquanto vivo, em contraste com os latifúndios, grandes extensões de terra pertencentes a poucos.

A repetição da ideia de que na morte o lavrador estará 'mais ancho' do que no mundo vivo é uma ironia amarga que destaca a liberdade que a morte traz, em comparação com a opressão sofrida em vida devido à concentração de terras e à exploração dos trabalhadores rurais. A música reflete o contexto histórico de luta pela reforma agrária no Brasil, onde a distribuição desigual de terras é um problema crônico, gerando conflitos e desigualdades sociais.

Chico Buarque, conhecido por suas letras engajadas e críticas à realidade social e política, utiliza a música como um veículo para denunciar e provocar reflexão. 'Funeral de Um Lavrador' é um exemplo de como a arte pode ser usada para comentar e influenciar questões sociais, mantendo-se relevante mesmo após décadas de sua composição. https://www.letras.mus.br/chico-buarque/45132/ 

domingo, 11 de agosto de 2024

Silmar Bohrer (Croniquinha) 118

Travessias são caminhos que usamos em andanças a qualquer momento. Sazonais muitas delas - em determinados dias, meses, anos. Nos levam no barco do tempo, e então dizemos que a vida é 
uma travessia. 

Navegamos até há pouco nos mares do outono, folhas caindo, galhos verdissecos, horizontes luminosos, céus negrumes, sol com chuva, casamento de viúva, verãozinho de maio. Ali dentro o braseiro do fogão, primeiras ameaças da invernia, os ventinhos, os sabores que aquecem até o coração - - vinhos, a graspa*, as canjebrinas**. 

Badalam os sinos de junho, chegamos à travessia do inverno com suas peculiaridades. Umidade, frio, geadas. As grimpas em fogaréu, a cinza dando o toque saboroso do pinhãozinho embaixo do pinheiro. 

Revisão da adega. As sopas - agnoline, legumes, feijão. O aconchego às roupas quentes, aos acolchoados, aos pijamas, o cobertor "pula-cerca", a preguiça de levantar cedo . . . 

A vida é farta de travessas, travessuras e travessias. 

Atravessemos entonces . 
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* Graspa = Aguardente feita através da destilação das borras do vinho.
** Canjebrina = (pop.) pinga.

Fonte: Texto enviado pelo autor 

Dissecando a magia dos textos (“O estraga-lar”, de A. A. de Assis)

Publicado neste blog em 22 de junho de 2024, no link https://singrandohorizontes.blogspot.com/2024/06/a-de-assis-o-estraga-lar.html

"O Estraga-Lar" é uma narrativa que explora temas como traição, masculinidade e o cotidiano das relações conjugais de forma humorística e crítica. Vamos analisar alguns aspectos importantes da história.

TEMAS PRINCIPAIS


Tradição e Modernidade:
O botequim é um espaço tradicional onde os homens se reúnem para desabafar e compartilhar experiências, refletindo as normas sociais da época.

A entrada de Dona Zuca simboliza uma quebra de padrões, trazendo uma nova dinâmica ao ambiente masculino.

Masculinidade e Vulnerabilidade:
Os homens se sentem à vontade para compartilhar suas "proezas", mas essa bravata esconde a vulnerabilidade de suas relações.

O papel de Dona Zuca provoca a reflexão sobre como as mulheres também estão cientes das fraquezas masculinas, muitas vezes subestimadas pelos homens.

Consequências da Traição:
O "Estraga-Lar" é um microcosmo das consequências da traição, onde a diversão se transforma em conflito.

As revelações dos homens culminam em uma reviravolta, mostrando que a deslealdade pode ter repercussões graves.

ESTRUTURA NARRATIVA

Introdução: A narrativa começa com a descrição do botequim e a famosa iguaria, estabelecendo um cenário familiar para muitos leitores.

Desenvolvimento: A entrada de Dona Zuca altera a dinâmica do grupo, levando os homens a se exporem. Os diálogos são ricos em humor e crítica social.

Clímax: O momento em que as esposas invadem o botequim, armadas com um gravador, é o ponto alto da história, trazendo um conflito inesperado que muda o tom da narrativa.

CARACTERIZAÇÃO DOS PERSONAGENS

Dona Zuca: Uma figura forte e astuta, que manipula a situação em seu favor. Ela desafia os homens, expondo suas fraquezas e revelando a hipocrisia.

Os Homens: Representam uma masculinidade frágil, que se exibe em bravatas, mas que é facilmente desmantelada pela presença de uma mulher. Cada um oferece uma visão diferente de como lidam com suas vidas conjugais.

DESENVOLVIMENTO DE TEMAS

1. Hipocrisia e Máscaras Sociais:
Os homens no botequim exibem uma postura de confiança enquanto compartilham suas infidelidades. Isso revela uma hipocrisia, pois, apesar da bravata, muitos têm medo das consequências.

Dona Zuca atua como uma força desmascaradora, revelando a vulnerabilidade por trás da fachada de machismo.

2. A Força Feminina:
Dona Zuca representa uma nova mulher, que não se cala diante das traições. Sua audácia desafia os estereótipos de gênero da época.

A chegada das outras mulheres no botequim demonstra a união e a força coletiva em face da traição, mostrando que as mulheres estão cada vez mais empoderadas.

ESTRUTURA NARRATIVA DETALHADA

Introdução do Botequim:
O ambiente é descrito de forma vívida, com sons e cheiros que criam uma atmosfera familiar. Isso ajuda o leitor a se sentir parte do cenário.

Dinâmica do Grupo:
As interações entre os homens são recheadas de humor e competitividade, o que estabelece a hierarquia e as regras não ditas do grupo.

Intervenção de Dona Zuca:
Sua entrada é um divisor de águas. Ela não só desafia os homens, mas também se diverte com suas confissões, criando uma tensão que culmina na invasão das esposas.

Clímax e Resolução:
O clímax traz uma reviravolta dramática que transforma a dinâmica do botequim. A pancadaria serve como uma metáfora para as consequências das ações dos homens.

REFLEXÕES FUTURAS
Após o Incidente poderíamos ver as repercussões na vida dos casais. Como cada homem lida com a descoberta de suas traições? Eles se tornam mais honestos ou continuam na mentira?

Os homens poderiam refletir sobre suas ações e tentar se redimir, levando a um questionamento mais profundo sobre a masculinidade e o que significa ser um bom parceiro.

REFLEXÕES FINAIS
"O Estraga-Lar" é uma obra rica em nuances que aborda a complexidade das relações humanas com humor e crítica. Através da figura de Dona Zuca, a narrativa desafia as normas sociais e apresenta um espaço onde a verdade, por mais dolorosa que seja, é essencial para o crescimento e a compreensão. É uma crítica perspicaz das dinâmicas de gênero e das relações conjugais. Através de humor e ironia, A. A. de Assis consegue provocar reflexões sobre a traição e a masculinidade, mostrando que, muitas vezes, as coisas não são o que parecem.

Fonte: José Feldman. Dissecando a magia dos textos: Contos e Crônicas. Maringá/PR. IA Open.
 Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.Fonte: Análise por José Feldman. Open IA .

Recordando Velhas Canções (A Festa do Bolinha)


Compositor: Roberto e Erasmo Carlos

Eu ontem fui a festa
Na casa do Bolinha
Confesso não gostei
Dos modos da Glorinha
Toda assanhada
Nunca vi igual
Trocava mil beijocas
Com Raposo no quintal...

Porém pouco durou
Aquela paixão
Pois, Bolinha com ciúmes
Formou a confusão
Aninha tropeçou
E os copos derrubou
E a casa do Bolinha
Num inferno se tornou...

Bolinha provou
Que é ciumento pra xuxu
E que não gosta da Lulu
Bobinha que por ele
Ainda chora...

Com tanto pão
Dando bola no salão
Luluzinha foi gostar
Logo de um Bolão...(2x)

(Repetir a letra)
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Ciúmes e Confusões na Festa do Bolinha
A música 'A Festa do Bolinha', é uma narrativa divertida e cheia de reviravoltas sobre uma festa que acaba em confusão. A letra descreve uma festa na casa do Bolinha, onde a protagonista observa comportamentos que a desagradam, especialmente os de Glorinha, que está 'toda assanhada' e trocando beijos com Raposo no quintal. Essa situação já cria um clima de tensão e desconforto, sugerindo que a festa não será tranquila.

A situação se agrava quando Bolinha, tomado pelo ciúme, causa uma confusão ao ver Glorinha e Raposo juntos. A confusão é tanta que Aninha tropeça e derruba os copos, transformando a festa em um verdadeiro caos. Esse trecho da música ilustra como o ciúme pode ser destrutivo e causar desordem, afetando não apenas os envolvidos diretamente, mas todos ao redor.

Além disso, a música também aborda o tema do amor não correspondido. Lulu, que ainda chora por Bolinha, vê-se em uma situação complicada, pois Bolinha não retribui seus sentimentos. Em vez disso, ele está mais preocupado com Glorinha e Raposo. A letra sugere que, apesar de haver muitas outras opções ('com tanto pão dando bola no salão'), Lulu escolhe gostar justamente de alguém que não a valoriza, o que é uma reflexão sobre as escolhas amorosas e a dor do amor não correspondido. https://www.letras.mus.br/trio-esperanca/926599/ 

Contos das Mil e Uma Noites (A história que é toda mentiras)

Certa noite, tomado de insônia, o califa Harun Al-Rachid mandou chamar o poeta Abu-Nauas e disse-lhe: - Ó Abu-Nauas, estou agitado e oprimido. A única coisa capaz de me divertir seria ouvir uma história tecida de mentiras da primeira à última palavra. Se puderes improvisar essa história, recompensar-te-ei generosamente; mas se puseres nela um grão de verdade sequer, juro que farei com que a tua cabeça se separe do teu corpo. 

Este estranho pedido fez o pobre Abu-Nauas sentir-se bem indisposto, especialmente na região do seu pescoço. Mas ninguém escapa à vontade de um califa. O poeta pediu vinho, bebeu e começou a falar: 

“Sabei, ó Comandante dos Fiéis, que quando meu pai nasceu, minha avó entregou-me a criança e me pediu que a distraísse. Levei meu pai no ombro e saí para a rua. Mas meu pai chorava, e chorava, e chorava; e nada conseguia acalmá-lo até que viu um cesto de ovos à porta de uma quitanda; então, sossegou de repente e, indicando o cesto, disse: “Quero um desses!”

“Comprei-lhe um ovo, e ele ficou radiante. Quando voltamos para casa, deixou cair o ovo. O ovo  quebrou-se, e dele saiu um pintinho. E o pintinho começou logo a crescer. Cresceu tanto que se tornou igual a um camelo. Não podeis imaginar, ó Comandante dos Fiéis, a quantidade de alimentos que esse pinto devorava. Meu avô começava a se preocupar quando uma boa ideia assomou-lhe à mente. Disse-me ele: “Meu filho, por que não levas esse galo pela manhã à floresta e o carregas de lenha para o fogão? 

“Assim o fiz; mas no dia seguinte, a ave amanheceu doente, com um ferimento nas costas. E imaginai a nossa surpresa quando deste ferimento vimos surgir, todo verde, um broto de nogueira. Dentro de pouco tempo, o broto tornou-se uma nogueira gigante, com doze ramos tão grandes e tão esparsos que não era possível ouvir-se de um ramo para outro.

“Quando chegou a época de colher as nozes, doze homens foram encarregados de proceder à colheita. E quando acabaram, meu avô mandou-me ver se não tinham esquecido algumas frutas entre a folhagem. Examinei a árvore e descobri apenas, uma noz, na ponta de um ramo. Apanhei o que me pareceu ser uma pedrinha e atirei-a de encontro à noz. A noz caiu. Mas, para meu deslumbramento, o que julgara ser uma pedra, era, na verdade, um torrão de lama seca que começou a se estender numa gigantesca planície até cobrir todos os ramos da nogueira. 

“Naturalmente, meu avô ficou encantado de ver tantas terras adicionadas às propriedades que já possuía. Mandamos construir escadas e subir o gado para cultivar a nova terra; e tão vasta era ela que precisamos de doze bois trabalhando um mês inteiro para lavrá-la. Quando o solo ficou pronto, perguntamos a alguns lavradores qual seria a plantação mais indicada. Todos aconselharam o sésamo (gergelim). Semeamos a área de sementes de sésamo. E mal tínhamos acabado de plantar, eis que vieram outros lavradores e perguntaram o que havíamos semeado. Quando respondemos: “Sésamo,” puseram-se a rir, dizendo: “Sésamo! Onde se viu plantar sésamo em terra virgem? Deveriam ter plantado melancia, que é a melhor planta para o solo virgem.” 

“Meu avô olhou para mim com tristeza e mandou-me apanhar todas as sementes de sésamo que tínhamos semeado na imensa planície. Obedeci e apanhei todas as sementes sem um murmúrio sequer. Quando tinha reunido todas elas, meu avô contou-as e achou que faltava uma, e mandou-me procurá-la. Busquei-a por toda parte, mas não houve meio de encontra-la. À tardinha, porém, quando voltava para casa desesperado, vi uma formiga arrastando a semente perdida. “Não me escaparás,” gritei-lhe, e tentei apoderar-me do sésamo, puxando-o para meu lado; mas a formiga não o largava e o puxava também. Nenhum de nós se dava por vencido até que, por fim, o sésamo partiu-se em dois e, por Alá, um rio de óleo de sésamo espalhou-se entre a formiga e eu. Sem exagero, ó Comandante dos Fiéis, era um rio tão largo e profundo quanto o próprio Tigre. Então, plantamos novamente a terra, desta vez com sementes de melancia. E quando as melancias amadureceram, fui encarregado de vigiá-las. 

“Certo dia de calor, quis comer uma melancia. Passei a vista por todo o campo e escolhi a maior de todas. Depois, saquei da minha adaga e tentei abrir a melancia. Mas a minha adaga entrou na fruta e desapareceu. Não podia eu segui-la, dentro da melancia, e deixar minhas plantações sem vigia. E não queria perder meu facão. Pensei e pensei e então tive uma ideia luminosa: decidi cortar a minha cabeça, com a minha espada, e pô-la por cima da torre de vigia. Assim ficava livre para ir procurar a minha adaga.

“Sem hesitar, pus meu plano em execução. Quando entrei na melancia, achei-me dentro de uma cidade. Tudo nela era-me novo e desconhecido. As ruas estavam cheias de gente. Todavia, olhando com atenção, verifiquei que todos aqueles homens eram, como eu próprio, sem cabeça, embora parecessem acertar o caminho sem dificuldade. Comecei a andar e, logo depois, dei com uma multidão reunida em volta de um pregoeiro que perguntava em alta voz: “Quem perdeu uma cabeça?” Quando me aproximei, vi que se tratava da minha cabeça. Gritei-lhe: “Essa é a minha cabeça.” Mas outros reclamavam a mesma cabeça. Então o pregoeiro gritou: “Lançarei esta cabeça ao ar e, no pescoço onde ela cair, ficará.”

“A cabeça subiu no ar e, quando desceu, veio diretamente para o meu pescoço. Olhei em volta de mim e, pela vida do meu senhor, não havia nem cidade, nem campo de melancia, nem nogueira, nem galo do tamanho de um camelo; nem pai recém-nascido, nem nada de todas as coisas que lhe contei, ó Príncipe dos Fiéis!”

Harun Al-Rachid ficou de tal maneira satisfeito que desatou a rir. E acrescentou: “Não é sem razão que te chamam o príncipe dos poetas. Nunca ouvi história tecida de tantas mentiras. E embora pusesses nela alguma verdade lá pelo fim, fizeste-o com tanta habilidade que não te pedirei conta disto e te compensarei conforme mereces.” 

E Harun Al-Rachid premiou Abu-Nauas com um rico traje de seda e um saco cheiro de ouro.

Fonte: As Mil e uma noites. (tradução de Mansour Chalita). Publicadas originalmente desde o século IX. Disponível em Domínio Público

sábado, 10 de agosto de 2024

Ademar Macedo (Ramalhete de Trovas) 21

 

Arthur Thomaz (Velho Maracanã: reminiscências)

Em uma manhã de domingo, ecoa uma voz longínqua. Começa, então, a dura missão de afastar a ressaca resultante da balada da noite anterior. 

Ninguém levanta até que se ouve a frase mágica: “vai dar praia”.

Traje regulamentar: sunga, bermuda, chinelo, uma camiseta surrada e 10 cruzeiros no bolso interno da sunga.

Para completar: pingado e pão com manteiga na padaria mais próxima. Caminhando, até que surge o local mágico, a tão almejada e ensolarada praia.

Um mergulho e a ressaca vai embora. Em instantes está formado um time de futebol de areia. Gordos, magros, jovens, idosos, mulheres e crianças, em um elenco heterogêneo e democrático.

O jogo transcorre maravilhosamente, até que do nada aparece um vendedor de cerveja. Pausa para reidratação preconizada pela FIFA.

Mais alguns minutos de jogo, até que alguém grita que é hora do Maraca. Fila para a ducha gelada, trajes recolocados e seguir para o almoço no primeiro “buteco” encontrado.

Uma cachaça antes de um PF (Prato Feito), digno dos grandes chefs. Feijão preto ao fundo, coberto com arroz, um bife que é impossível de ter sua origem determinada, e por cima, uma salada que consistia em uma equilibrada rodela de cebola sobre uma de tomate.

Tudo isso pelo módico preço de 1 cruzeiro.

Um ônibus lotado com bandeiras e cantos dos hinos de ambos os times. Fila na bilheteria, e enfim, hora de garantir um assento naquilo que poderia ser comparado ao trono da rainha da Inglaterra, o quentíssimo cimento da arquibancada.

Então, começa o espetáculo mágico de 100 mil pessoas, cantando e tremulando suas coloridas bandeiras, enquanto os jogadores desfilam majestosamente no gramado. São 90 minutos de êxtase total.

Ao final da peleja, na descida da rampa, iniciam-se debates democráticos e sadios que se estenderão pela semana inteira.

Correr para o ônibus que levará à rodoviária, e de lá, embarcar no último “Viação Valenciana”. Passar a semana estudando e sonhar com o próximo fim de semana mágico.

Fonte: Arthur Thomaz. Leves contos ao léu: imponderáveis. Volume 3. Santos/SP: Bueno Editora, 2022. Enviado pelo autor

Recordando Velhas Canções (Gasparzinho)


Compositor: Renato Correa

Gasparzinho, fantasminha camarada
Que só quer com as pessoas conversar
Mas coitado do Gaspar só dá mancada
Quando aparece todos correm a gritar

Noutro dia, passeando na cidade
Gasparzinho numa festa entrou
Mas quando viram nosso alegre amiguinho
Todos correram e a festa se acabou.

Então o pobre do Gaspar que é tão bonzinho
Ficou sozinho, tão tristonho a chorar
Embora seja um fantasminha camarada
Não consegue perto de ninguém chegar. }bis
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 

Gasparzinho: O Fantasminha Incompreendido do Trio Esperança
A música 'Gasparzinho' do Trio Esperança narra a história de um fantasma amigável que enfrenta dificuldades em se relacionar com as pessoas devido ao medo que sua aparência provoca. Gasparzinho, o fantasminha camarada, deseja apenas conversar e fazer amigos, mas sua presença assusta todos ao seu redor, levando-os a fugir e deixando-o solitário. A letra destaca a ironia de sua situação: apesar de ser bondoso e inofensivo, ele é constantemente rejeitado e mal compreendido.

A canção utiliza a figura do fantasma, um ser tradicionalmente associado ao medo e ao sobrenatural, para explorar temas de solidão e exclusão social. Gasparzinho é um personagem que, apesar de suas boas intenções, não consegue se integrar à sociedade devido a preconceitos e estereótipos. A festa mencionada na letra simboliza um espaço de socialização e alegria, mas a chegada de Gasparzinho transforma o ambiente em um cenário de pânico e dispersão, evidenciando a dificuldade que ele enfrenta em ser aceito.

O Trio Esperança, conhecido por suas harmonias vocais e letras que muitas vezes abordam temas lúdicos e infantis, utiliza essa narrativa para transmitir uma mensagem sobre aceitação e empatia. A tristeza de Gasparzinho ao final da música reflete a dor da rejeição e a necessidade de compreensão mútua. A música, embora simples, carrega uma profundidade emocional que ressoa com qualquer pessoa que já se sentiu excluída ou incompreendida.

Aparecido Raimundo de Souza (Capela Mortuária)

OLÁ, POR GENTILEZA, com todo respeito, deixem-me apresentar a todos vocês. Pelo amor de Deus, não se assustem. Venho em paz! Não tenho nome de batismo, nem certidão de nascimento. Sou conhecida por todos como Capela Mortuária. No meu caso, uma Capela Mortuária de um cemitério de periferia. Vivo incrustada aqui nesse bairro pobre e humilde, cercada de pessoas boas e gentis que sabem o valor da vida e me aceitam como se eu fosse um ser de carne e osso que algum dia ajudará na preparação da última viagem para algum lugar que não sei exatamente onde é ou para que lado fica. Acredito, para alguns, eu seja uma figura esquisita, chata, pegajosa, rabugenta e inconstante. Para outros, obviamente eu represento a paz da serenidade e o atalho para o encontro com as almas que já desencarnaram e hoje descansam nos afagos do Poderoso 

Quero que compreendam, apesar da minha aparência, muito me alegro (sim, isso mesmo, muito me alegro) com a tristeza e a desgraça das pessoas. Como assim, “me alegro”? Tal coisa é possível?! Eu explico: vamos ver a Capela como um todo, indistintamente. Vou me descrever e situar entre as pessoas que orbitam ao meu redor. A Capela Mortuária é um local solitário, triste e impregnado de lágrimas e lembranças daqueles “mais chegados” que vieram dar o último adeus à uma personalidade querida que o Pai Maior chamou para morar junto com Ele lá no distante intransponível. Em face desse particular, eu me regozijo porque é nessas horas que as pessoas (as mais soberbas e de narizes em pé) se lembram que o outro lado sombrio e misterioso existe. Ninguém aparece por aqui para me dar bom dia. Ninguém sequer vislumbra que eu passo os dias dentro de um cemitério. 

Sei que a morte é uma perda dolorida e irreparável. Um elo que as pessoas não gostariam jamais de ver se romper e sentir essa contristação se estraçalhando na própria pele. Ainda mais quando o que vai viajar é um personagem querido e admirado por todos, com uma legião imensa de amigos e admiradores. Todavia, não fosse a minha presença (ainda que para alguns “macabra”), acredito que ninguém daria as caras só para ver se eu ainda estou no mesmo lugar. Me alegro, pois, porque quando sei que vai acontecer um velório, eu me regozijo. Nessa hora, vejo gente de toda espécie. Percebo a algazarra das crianças correndo, gritando, festejando a alegria da vida plena, e isso me tira do chão, aviva o meu “eu” interior. Me perdoem por dizer certas coisas, porém, se eu não existisse, se não houvesse uma Capela Mortuária, parem e reflitam, meus amigos e amigas, não seria realizado aquele rito fúnebre, menos ainda o derradeiro tchau ao defunto. 

Ele ficaria sem significado algum em exposição solitária, ou, no pior dos mundos, simplesmente não se alegraria em rever, pela última vez, as pessoas que faziam parte do seu dia a dia. Vamos aproveitar o ensejo e entender o meu significado pelo outro lado da moeda. É aqui nas minhas dependências que as pessoas (ainda que magoadas) se respeitam, trocam olhares amedrontados e, no fim, diante do inevitável, se abraçam, se beijam, trocam palavras carinhosas e, às vezes, até se perdoam. Aqui é onde todos prestam reverência, conforto, solidariedade, tudo num pacote destinado a proporcionar um elo de contemplação em harmonia diante da austeridade do adeus de uma pessoa querida. Em muitas culturas, eu desempenho um papel crucial no centro geográfico do luto, oferecendo um ambiente onde a comunidade pode se reunir para prestar suas últimas homenagens e refletir sobre a vida que o “de cujus” viveu enquanto se fazia entre nós. 

Esses espaços, meus prezados, são projetados para acolher os enlutados com dignidade e serenidade. A minha arquitetura, se pararem para observar com mais acuidade, é frequentemente caracterizada por sua simplicidade e elegância, buscando criar uma atmosfera de ataraxia (tranquilidade) que facilite a introspecção e o consolo. A iluminação é suave e o uso de cores neutras ajuda a transmitir uma vibração de leveza, enquanto os elementos decorativos, como flores e símbolos religiosos, adicionam um toque de deferência e veneração à lembrança daquele que embarcará na viagem sem volta. Além da sua função estética e funcional, eu, Capela Mortuária, me vejo como uma reclusão momentânea de profundo simbolismo. Sou, sem dúvida alguma, o ponto de encontro onde se materializa a aquiescência coletiva e se compartilham memórias, onde amigos e familiares podem se unir em um ato de solidariedade e empatia. 

É um recinto como qualquer outro, onde os envolvidos comem, bebem, contam piadas, vigiam atentamente a viúva, ou as filhas adolescentes, falam de aconchegos, e o silêncio reverente permite que os sentimentos da perda sejam expressos de todas as formas conhecidas. Cada irmã minha espalhada mundo afora pode refletir (e de fato reflete) a diversidade cultural e religiosa da comunidade em que se encontra. Em algumas tradições, minha clausura é adornada com ícones e imagens específicas, enquanto em outras, a simplicidade bucólica e a ausência de símbolos são preferidas para permitir uma abordagem mais universal do luto. Esses detalhes, embora variados, têm o objetivo comum, sempre, de honrar a memória do extinto e proporcionar, sobretudo, um ambiente neutro que solidifique o assédio irreversível de despedida. O meu papel, como Capela Mortuária, vai além de um simples local físico. 

Por fim, considero esse refúgio como um ninho acolhedor único, agradável e sofisticado, que ajuda a transformar o que se chama de “luto pesado” em uma experiência compartilhada e significativa. Aqui, nas minhas entranhas, os rituais de despedida são executados com o cuidado de preservar a dignidade do “de cujus” e apoiar os enlutados em sua jornada para a aceitação e a cura da alma frangalhada. Em resumo, eu, a Capela Mortuária, me vejo e me sinto como um teto alvissareiro de amplidão profunda e, logicamente, de importância emocional e cultural. Não sou apenas um lugar comum onde se realizam cerimônias funestas. Em absoluto. Me vejo acima das aparências, como um habitat que proporciona a reflexão para acalentar instantes inesquecíveis e de elevada melancolia. Ao oferecer este mimo de serenidade e comunhão, eu me engrandeço – acreditem – e me sinto alegre e realizada. Por mais que falem de mim, tenho a consciência objetiva de que desempenho um papel crucial na celebração da vida e na facilitação do trajeto envolvido no embarque do seu parente amado para os confins do Além-túmulo. Em vista de tudo o que eu disse, por favor, não me desprezem. Sou, a luz da verdade, uma espécie de mal necessário.

Fonte: Texto enviado pelo autor 

sexta-feira, 9 de agosto de 2024

Daniel Maurício (Poética) 73

 

Monsenhor Orivaldo Robles (Admiração ou deboche)

Sempre gostei de ler. Desde criança lia tudo o que me caía sob os olhos. Concluído o grupo escolar, antes de ir para o seminário, trabalhei dois meses no Bazar Temer. No meio da infinidade de artigos à venda, descobri alguns livros de aventuras, que assanharam a minha curiosidade. Mais de uma vez o bom Temer, pai da nossa pediatra Elen Nemer, teve a paciência de me explicar que ali eu era funcionário para atender clientes, não leitor de obras de uma biblioteca. Naquela época ninguém fazia restrição ao criterioso emprego de crianças. Era pedagógica forma de inculcar o valor do trabalho, sem o qual nenhuma grandeza, inclusive financeira, se constrói. Na entrada da imponente sede do seu banco, na Cidade de Deus, bairro de Osasco (SP), o lendário Amador Aguiar, fundador do Bradesco, fez erguer a estátua de um burro de carga, sob a qual mandou escrever: “Só o trabalho produz riqueza”. Pena que hoje muitos desejem que a riqueza lhes caia do céu no colo. De preferência, sem que façam esforço algum.

Criado no meio do cafezal, na antiga Alta Araraquarense do interior paulista, era inevitável que eu sofresse com a chegada das ferramentas de conhecimento e comunicação deste mercante universo de hoje. As pessoas da minha idade o progresso atropelou sem pedir licença nem dar chance de adaptação. Não adianta; continuo fiel ao livro impresso. Sendo bom, a espessura dele não me assusta. Agora mesmo, estou lendo um de 633 páginas. Nem cheguei ao meio. Ir até o fim vai me custar um tempão, mas será uma alegria.

Da fartura de ferramentas e aplicativos que nossa garotada comanda brincando consegui aprender dois ou três nomes. Blog e Facebook, por exemplo. Mas não tenho nenhum. Não adianta. Logo aparecerão outros. Não dou conta de acompanhar. Se não me entendo com os existentes, imagine com novos! Li não sei onde que o Twitter é preferido pelos jovens; o LinkedIn, pelos mais velhos, e o Facebook, por ambos. Mas redes sociais aparecem e somem como bolhas de sabão. O Orkut ainda existe? E para que servem Instagram, Flickr, MySpace, iTunes, Tumblr, Badoo… e sei lá quantos palavrões esquisitos?

Amigos generosos postam textos meus em seus blogs. Sinto-me envaidecido. Blog é um espaço curioso: pertence a todos e não pertence a ninguém. Cada um pode meter lá a sua colher, desde que o dono do blog concorde. Alguns, sob a capa do anonimato ou do pseudônimo, desancam adversários reais ou imaginários. Já passei por isso. É o risco de quem se dispõe a dizer o que pensa.

Sobre a minha crônica da semana passada, este blog estampou um comentário emitido por alguém que me deve dedicar especial consideração. Bem maior, com certeza, da que eu mereço. A respeito de pessoas que se beneficiam do meu serviço de padre, informou-me ele: “São as mesmas que debocham de seus comentários que remetem à sua infância e origem pobre”. Não duvido. Admito que ele esteja falando do que teve ocasião de comprovar.

Ligue não, amigo. Não vale a pena. Quando me tornei padre, eu sabia que ia colher, vida afora, mais deboche que admiração. Ao completar 47 anos de ministério – justamente hoje; coincidência, não? – já tenho o couro curtido. Aplauso ou zombaria, pouco importa. Uma pancada a mais ou a menos não vai fazer diferença.