quarta-feira, 28 de agosto de 2024

Vereda da Poesia = 96 =


Trova de Pouso Alegre/MG

EDUARDO A. O. TOLEDO

Feito uma estrela vadia
que brilha até na alvorada,
sou filho da boêmia
e neto da madrugada!
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Poema de Lisboa/Portugal

ANTERO JERÓNIMO

Eros

À luz da vela titubeante
pasmado pela ciência dos antigos
convoco-te, deus do amor
ao palácio da minha ousadia
em concílio de desesperança

Não mendigo ambrósia e néctar
nem as graças do teu acolhimento
pois sou insignificante mundano
perdido no seio da adversidade

Desfecha tuas setas certeiras
no coração do homem descrente
de deuses de honra e de amor

Penetra no coração empedernido
ferindo de morte a cobiça vil
entorpecida em iludido sono estígio

Que a beleza da lenda
torne da razão a fantasia

Que o puro sentimento peregrino
seja conduzido nos braços
servis do gentil zéfiro
levando o mesquinho rastejar
à imortalidade alada da alma.
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Trova Humorística de Santos Dumont/MG

MÁRIO LUIZ RIBEIRO

Vendo o moço correr tanto,
julguei ser um campeão,
mas, foi grande o meu espanto
quando ouvi: - Pega o ladrão!
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Soneto de Magé/RJ

BENEDITA AZEVEDO

Vendaval

O vento frio açoitando meu rosto
Penetra na pele, mas também na alma
Fico parada só  a contra gosto
Querendo muito que a mim tragas calma.

A doença não há de me vencer
Tenho amigos com quem posso contar
Para tanto busco o que  merecer
Busco alívio e meto-me a trabalhar.

Os trovões retumbando ao longe trazem
Insegurança, inquietação e fazem
A angústia, a saudade da pátria aflorar.

Lá fora ruge o vento inquietante
Assustando o coração desta imigrante
Despertando o ensejo de à pátria voltar.
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Trova Premiada em Belém/PA, 2005

SÉRGIO BERNARDO 
Nova Friburgo/RJ

Descrente dos bens terrenos,
chego à tardia certeza
de quanto foram pequenos
meus delírios de grandeza...
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Poema de Campina Grande/PB

DANIEL RODAS

Descriação 

às vezes passo dias
procurando a palavra certa
o rumo certo

vasculho dicionários estéreis 
mergulho 
em versos frios e obscuros

mas nada encontro: nenhuma
semente do que queria
dizer

e o que me resta é olhar pela
janela

os bem-te-vis plantando flores
nos seus ninhos.
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Trova Popular

Bateram, abri por dó;
era a desgraça que entrou.
Fez-lhe pena ver-me só
e nunca mais me deixou.
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Soneto de de Santos/SP

CAROLINA RAMOS

Vila dos Andradas

Nasci naquela vilazinha feia, 
sem árvores nem flores nas calçadas.
Rua? Perdão! Errei se assim chamei-a, 
era apenas a Vila dos Andradas.

Saí criança e não voltei. Lembrei-a,
saudosa das cirandas nas calçadas.
Foi lá, que eu aprendi que a lua cheia
era a Mansão dos Sonhos e das Fadas!

Não mais existe a minha velha Vila,
mas, pobre e triste, seu passado atesta
que nela havia luz que ainda cintila

a ultrapassar os sóbrios horizontes:
- Naquela Vila, plácida e modesta,
viveu, rimou o nosso Martins Fontes!
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Trova do Rio de Janeiro/RJ

LUIZ POETA
Luiz Gilberto de Barros

Cada rastro no caminho
nos mostra novo trajeto,
mas Deus nos dá, com carinho
o caminho predileto.
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Spina de São Paulo/SP

SOLANGE COLOMBARA

Noite de inverno 

Decanto teus versos
em suaves nuances,
aquecendo a poesia 

que existe na noite fria.
Sinto os ecos do vento
açoitando no ar, tua ira.
Ouço o silêncio do luar,
sorrio... Ele é meu guia.
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Trova Humorística de São Paulo/SP

THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA

Pedir votos, não foi "canja"!
Um político safado
criou confusão na granja
e saiu "ovocionado!?
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Soneto de de São Paulo/SP

HUMBERTO – POETA
Humberto Rodrigues Neto

Flagelo

Do passado não deixes que a lembrança
te ponha o peito em pranto a flagelar
para a noite da dor não apagar
o antigo sol dos tempos de bonança.

Procura um outro amor pela esperança
de novas alegrias desfrutar,
pois diz velho provérbio popular
que aquele que algo espera sempre alcança.

Limpa da mente aquele antigo rosto
que agora só te traz mágoa e desgosto
e afasta da tua vida esse flagelo!

Varre, pois, da tua alma o sofrimento,
apaga da lembrança esse tormento
e exuma dela esse já morto anelo!
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Trova de Niterói/RJ

JORGE PICANÇO SIQUEIRA
Macaé/RJ, 1930 – 2006, Niterói/RJ

Todos dizem que saudade
é lembrança que se sente,
mas saudade, na verdade,
é saudade simplesmente.
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Poema de Curitiba/PR

RITA DELAMARI

Luminescência

Noite longa e misteriosa,
e o silêncio me consome...
Apareces por trás das nuvens,
fica a observar-me de longe.

Com teu brilho prateado,
banhas o céu totalmente.
Brincas de esconde-esconde,
que até parece se divertir.

Teimosa, se fazes presente,
e sorri bem sorrateira!
Conversas comigo, não queres partir
Solidão, não é mais companheira.

Consegues enxugar-me o pranto,
preenches todo meu pensamento.
Percebes que a ti tenho encanto!
Sabes como ninguém, seduzir.

Então, sem pedir licença
acalma a minha noite,
domina os meus sonhos...
Derrama sobre mim, sua luz!
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Trova de Campinas/SP

ARTHUR THOMAZ

No momento da partida,
o beijo cala um adeus
e uma lágrima incontida
vem molhar os lábios teus.
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Soneto de São Paulo/SP

FILEMON MARTINS

O Andarilho

“Não me fale de amor”, alguém me disse,
“o amor morreu, já não existe mais”.
E eu retruquei que aquilo era tolice,
– será pecado alguém amar demais?

Ficou parado ali, talvez me ouvisse
que o amor perdoa e espera, sem jamais
querer em troca o favo da meiguice
que perpetua a vida entre os casais.

O tempo foi passando e pela rua
eu vi aquele vulto olhando a lua
perambulando como um peregrino.

E percebi, então, que aquele rosto
marcado pela dor, pelo desgosto,
nunca teve um Amor em seu destino!
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Trova Premiada em Belém/PA, 2005

VANDA FAGUNDES QUEIROZ 
Curitiba/PR

Atrás dos sonhos correndo,
no meu delírio sem fim,
eu acabei me esquecendo
de passar perto de mim...
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Poema de Curitiba/PR

DANIEL MAURÍCIO

Desavisado
Trazia um beijo antigo 
Guardado no peito 
Mas ao te ver com outro
Fiquei tão sem jeito 
Que deixei que o beijo 
Caísse no chão.
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Trova de Saquarema/RJ

JOÃO COSTA

O tempo que tudo apaga,
  promovendo o esquecimento,
  em vez de apagar afaga
  teu nome em meu pensamento.
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Soneto de Caicó/RN

PROFESSOR GARCIA

Ilha de Sant’Ana

Tua origem, de fato, ninguém sabe,
mas nasceste das cinzas deste pó;
Ilha amada, em teu ventre, tudo cabe,
aos sussurros do velho Seridó!

Que teu nome, no tempo, não desabe,
nem te deixem viver assim tão só;
que o teu canto de amor, nunca se acabe,
ante o olhar de Sant'Ana, nossa avó!

Sob as bênçãos de nossa padroeira,
e os arpejos de cada cachoeira,
que deságua nas terras deste chão...

Quando o rio, de verde se reveste,
tens a imagem mais pura do Nordeste,
e és a Ilha mais linda do sertão!
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Quadra de São Paulo/SP

IDEL BECKER
Porto Casares/ Argentina (1910 – 1994) São Paulo/SP

Você diz que sabe muito,
há outros que sabem mais;
há outros que tiram pomba
do laço que você faz.
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Hino de Matinhos/PR

Ó berço romântico, de ingênuo fulgor.
Ó filha do Atlântico, ó paraíso em flor.
Na calma que anseias, escrínio do mar.
As tuas sereias são joias sem par.

Princesa do mar, de amenos caminhos.
Eu quero cantar tuas glórias Matinhos.

Na azul madrugada, tu a cintilar.
És sonho de fada que o sol faz dourar
Nas noites serenas, secreto rumor.
Escuta-se apenas, o mar teu cantor.

Princesa do mar, de amenos caminhos.
Eu quero cantar tuas glórias Matinhos.

Doçura sem conta, propício rincão.
Oásis que aponta a vasta amplidão
Teu mar sem fronteiras, excelso e viril.
Em ondas brejeiras, te beija sutil.

Princesa do mar, de amenos caminhos.
Eu quero cantar tuas glórias Matinhos.

Seus torvos cuidados, ó praia feliz.
Em ti namorados passeiam tão gentis.
Com rútila vida, mais bela não há.
Matinhos querida, gentil Caiobá.

Princesa do mar, de amenos caminhos.
Eu quero cantar tuas glórias Matinhos.
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Triverso de Curitiba/PR

VANICE ZIMERMAN

fim de tarde -
sutil gota d’água
na folha seca.
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Poema de Curitiba/PR

SONIA CARDOSO

Retinografia 

A névoa é densa 
Bastões longos e finos 
- Fixe o xis 
Laranjas e citrinos sobem 
E descem vertiginosos 
Aumentando a náusea 
Repentinamente a sensação 
Cessa dando lugar ao 
Caleidoscópio multicor 
Alabares delgados entopem 
As narinas em prata e rubi 
E as estrelas vem ao meu encontro.
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Trova de Natal/RN

JOAMIR MEDEIROS

A natureza agredida
por queimadas criminosas,
perde os encantos da vida,
perde a beleza das rosas!
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Fábula em Versos da França

JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry, 1621 – 1695, Paris

O carvalho e a cana

«Teu ser bem pouco à natureza deve!
— Disse o carvalho à cana.—
O pássaro mais leve,
Se pousa sobre ti, logo te abana;
Um ligeiro soprar
Que a face encrespa do regato, apenas,
Faz-te logo vergar
E obriga-te a sofrer bem duras penas;
Enquanto eu ergo a fronte com vaidade,
Do Sol detenho o raio
E afronto a tempestade!
Todo o vento é me um zéfiro de maio,
Para ti todo o vento é vendaval!
Se da minha ramada
Nascesses abrigada,
Não sofrerias um tamanho mal.
O fado foi contigo muito injusto!...
— A tua compaixão,
Lhe respondeu o arbusto,
Abona o teu sensível coração;
Mas tanto não te mates
Chorando as minhas penas:
Melhor que tu, do vento sofro embates;
Não quebro, dobro apenas.
Tens resistido a rígidas nortadas...
Porém atrás do tempo, tempo vem!»
Tais vozes acabadas,
Bóreas em seus furores se despica;
A pobre cana dobra,
Firme o carvalho fica.
Ativa Bóreas a feroz manobra,
Faz tão cruenta guerra,
Que deita enfim por terra
Quem com a fronte nos astros topetava
E no abismo as raízes ocultava!

Não consegue o seu fim na estância térrea
Quem tudo quer levar à virga-férrea;
E é de crer que bem pouco se moleste
O que se abaixa quando a onda investe.

O nosso português de cada dia (Expressões) = 3

CÃO DOS INFERNOS

Para animal ou pessoa muito brava.

A associação vem da mitologia, já que a porta do inferno é guardada por um cão chamado Cérbero. Na mitologia grega, era um monstruoso cão de três cabeças que guardava a entrada do mundo inferior, o reino subterrâneo dos mortos, deixando as almas entrarem, mas jamais saírem e despedaçando os mortais que por lá se aventurassem.

CAOS (ESTAR UM)

Bagunça generalizada, expressão usada, na maioria das vezes, no sentido hiperbólico.

Caos, na mitologia, é a personificação do vazio primordial, anterior a qualquer criação, no tempo em que, por não existirem os elementos, a ordem não havia ainda sido imposta. Ele criou Érebo, que representa as trevas infernais, Nyx, que é a noite, Hémera, representando o dia, e Éter, personificando o céu superior, onde a luz é mais pura do que no céu que está mais próximo da Terra.

CAROCHINHA (HISTÓRIAS DA)

Contos-de-fadas, histórias para crianças.

Carochinha não é um ser imaginário ou um animal. Carocha quer dizer mulher velha, portanto carochinha é uma velhinha.

CARIOCA

Denominação genérica dada aos habitantes do Rio de Janeiro.

A palavra vem do nome dado pelos índios cari (branco) e oca (casa) à feitoria fundada por Gonçalo Coelho em 1504 e desativada por Cristóvão Jaques em 1516. No mesmo lugar, o atual Flamengo, foi construída uma casa-forte, um estaleiro e uma ferraria pela missão de Martim Afonso de Sousa, em 1531.

CARRANCUDO

Diz-se do indivíduo que está mau humorado, bravo, com a cara fechada.

A expressão se origina, por analogia, à aparência das carrancas, caras disformes de pedra, madeira ou metal, com que são ornadas bicas ou chafarizes. Carrancas ou cara de monstros são também bustos, emblemas ou florões que são colocados nas embarcações (no Rio São Francisco há muitas) para ornamentação ou, como querem alguns, para espantar os maus espíritos.

Fonte: Nailor Marques Jr. Será o Benedito?: Dicionário de origens de expressões. Maringá/PR: Liceu, 2002.

Recordando Velhas Canções (Pelo telefone)


(Samba, 1917)

Compositor: Donga e Mário de Almeida

O chefe da polícia
Pelo telefone mandou me avisar
Que lá na carioca
Tem uma roleta para se jogar

O chefe da polícia
Pelo telefone mandou me avisar
Que lá na carioca
Tem uma roleta para se jogar

Ai, ai, ai
É deixar mágoas pra trás, ó rapaz
Ai, ai, ai
Fica triste se és capaz e verás

Tomara que tu apanhes
Pra nunca mais fazer isso
Tirar amores dos outros
E depois fazer teu feitiço

Ai, se a rolinha, sinhô, sinhô
Se embaraçou, sinhô, sinhô
É que a avezinha, sinhô, sinhô
Nunca sambou, sinhô, sinhô
Porque este samba, sinhô, sinhô
É de arrepiar, sinhô, sinhô
Põe perna bamba, sinhô, sinhô
Mas faz gozar, sinhô, sinhô

O peru me disse
Se o morcego visse
Não fazer tolice
Que eu então saísse
Dessa esquisitice
De disse-não-disse

Ah! Ah! Ah!
Aí está o canto ideal, triunfal
Ai, ai, ai
Viva o nosso carnaval sem rival

Se quem tira o amor dos outros
Por Deus fosse castigado
O mundo estava vazio
E o inferno habitado

Queres ou não, sinhô, sinhô
Vir pro cordão, sinhô, sinhô
É ser folião, sinhô, sinhô
De coração, sinhô, sinhô
Porque este samba, sinhô, sinhô
De arrepiar, sinhô, sinhô
Põe perna bamba, sinhô, sinhô
Mas faz gozar, sinhô, sinhô

Quem for bom de gosto
Mostre-se disposto
Não procure encosto
Tenha o riso posto
Faça alegre o rosto
Nada de desgosto

Ai, ai, ai
Dança o samba
Com calor, meu amor
Ai, ai, ai
Pois quem dança
Não tem dor nem calor
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O Samba Pioneiro de Donga: Uma Viagem ao Carnaval Antigo
A música 'Pelo Telefone', composta por Donga, é considerada por muitos historiadores como o primeiro samba gravado na história da música brasileira, datando de 1916. A canção é um marco na cultura nacional e reflete o ambiente boêmio e as rodas de samba do início do século XX no Rio de Janeiro. A letra da música traz à tona o cotidiano e as festividades cariocas da época, com uma linguagem que evoca o espírito do carnaval e a malandragem associada ao samba.

A letra menciona o 'chefe da polícia' que avisa, pelo telefone, sobre uma roleta para jogar na região da Carioca, um local conhecido no Rio. Isso pode ser interpretado como uma referência ao jogo do bicho ou outras formas de apostas que eram comuns e, muitas vezes, operavam à margem da lei. A música também aborda temas como traição amorosa e a busca por diversão e alegria, típicos do universo do samba. A expressão 'Ai, ai, ai' e o uso repetido de 'sinhô, sinhô' são elementos que reforçam a oralidade e a informalidade características do gênero musical.

Musicalmente, 'Pelo Telefone' possui uma estrutura rítmica que convida à dança e celebra a alegria do carnaval. A canção é um convite para deixar as mágoas para trás e se entregar à festividade, algo que é reforçado pelo refrão que incentiva a dança e a descontração. Donga, como um dos pioneiros do samba, contribuiu significativamente para a formação da identidade musical brasileira, e 'Pelo Telefone' é um testemunho vivo da riqueza cultural do país e da evolução do samba ao longo dos anos.

terça-feira, 27 de agosto de 2024

Trovador Homenageado do Dia: A. A. de Assis (Trovas em preto e branco)

A gralha azul à direita, é a ave símbolo do Paraná 

1
– Aceitas dar-me os deleites
da próxima contradança?...
– Aceito, desde que aceites
não me apertar contra a pança!
2
A história, através dos anos,
ensina a grande lição:
– o destino dos tiranos
será sempre a solidão!
3
Ah, poeta, como é lindo
teu trabalho, e quão fecundo...
– Noite e dia produzindo
sonhos novos para o mundo!
4
“Bem-vinda à vida, criança!”,
diz o parteiro sorrindo.
E a frase é um hino à esperança,
no seu momento mais lindo!
5
Coceirinha furibunda,
coça embaixo, coça em cima...
Quando coça na cacunda,
sinto cócegas... na rima!
6
“Deixe-o que faça e aconteça”,
diz a vovó com carinho...
E eis que de ponta-cabeça
vira-lhe a casa o netinho!…
7
Disseste, criança ainda:
"Sou tua... sempre serei!"
- Foi a mentira mais linda
que em minha vida escutei!…
8
Esta é uma antiga lorota,
que jamais se esclareceu:
– Se Judas nem tinha bota,
como foi que ele a perdeu?…
9
Hoje ainda a humanidade
vive o impasse decisivo:
– Parte atrás da liberdade
ou se apega ao paraíso?…
10
Movido a sonho, eu poeta,
porque amo a estrada, não canso.
– Mais importante que a meta
é cada passo que avanço.
11
Na biblioteca há mil sábios
a nosso inteiro dispor.
– Sem sequer abrir os lábios,
cada livro é um professor!
12
Nesta Terra outrora linda,
que aos pouquinhos se desfaz,
o lar é a ilha onde ainda,
às vezes, se encontra a paz.
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AS TROVAS DO ASSIS EM PRETO E BRANCO
por José Feldman

As trovas de A. A. de Assis (Antônio Augusto de Assis) revelam uma sensibilidade poética única, combinando humor, reflexão e crítica social.

AS TROVAS UMA A UMA

1. Contradança e leveza
A troca entre os interlocutores reflete a leveza da vida social. A dança simboliza a alegria e a liberdade, enquanto a referência ao "apertar contra a pança" sugere uma preocupação com a intimidade física, trazendo um toque humorístico.

2. Solidão dos tiranos
Esta trova aborda a inevitabilidade da solidão que acompanha o poder opressivo. A lição histórica indica que, apesar do domínio, os tiranos acabam isolados. A solidão é apresentada como um destino cruel, destacando a fragilidade do poder.

3. Poder da poesia
A dedicação do poeta à criação é exaltada. A ideia de produzir "sonhos novos" reflete a importância da imaginação e da arte na vida humana. O trabalho do poeta é visto como um serviço à sociedade, contribuindo para a renovação cultural.

4. Nascimento e esperança
A saudação ao nascimento é um momento carregado de significado. O parteiro, ao sorrir, simboliza a alegria da chegada de uma nova vida. A frase "um hino à esperança" sugere que cada nascimento é uma nova oportunidade e um desafio para o futuro.

5. Humor e rima
A brincadeira com as cócegas revela um lado lúdico e infantil da vida. A conexão entre corpo e rima cria uma experiência sensorial que reflete a alegria simples encontrada em momentos cotidianos. O humor é uma forma de explorar a leveza da existência.

6. Inocência infantil
A relação entre a avó e o neto ilustra a dinâmica familiar e a inocência da infância. A expressão "de ponta-cabeça" sugere a travessura típica das crianças, mostrando como a pureza infantil pode subverter a ordem estabelecida de forma carinhosa.

7. Promessas não cumpridas
Aqui, a reflexão sobre a sinceridade das promessas infantis revela uma faceta dolorosa da vida. A frase "mentira mais linda" sugere que, embora a promessa fosse vazia, sua beleza reside na esperança e no amor que a envolve, refletindo sobre a fragilidade das relações.

8. Mistério de Judas
A pergunta retórica provoca reflexão, instigando o leitor a considerar as nuances da história e a complexidade das escolhas humanas, desafiando a lógica tradicional.

9. Liberdade versus paraíso
Esta trova aborda um dilema existencial. A humanidade, dividida entre a busca pela liberdade e a busca pelo conforto do "paraíso", reflete uma tensão entre idealismo e materialismo, questionando as prioridades e valores da sociedade contemporânea.

10. Jornada poética
A ideia de que o processo é mais importante que a meta sugere uma filosofia de vida que valoriza a experiência e a reflexão. O "caminho" do poeta é um símbolo da jornada humana, onde cada passo é significativo e forma parte da construção do ser.

11. Sabedoria dos livros
A imagem da biblioteca como um espaço repleto de sabedoria enfatiza o valor do conhecimento. Cada livro, como um "professor", simboliza a educação e a aprendizagem, mostrando que a sabedoria está acessível a todos que buscam.

12. Busca pela paz
A reflexão sobre a transformação do mundo e a busca pela paz no lar destaca a importância do refúgio familiar. O lar é apresentado como um espaço de resistência, onde a paz é ainda possível em meio às turbulências da vida moderna.

ESTRUTURA POÉTICA

1. Repetição e Paralelismo
A repetição de estruturas e ideias reforça temas e sentimentos. O uso de paralelismo, onde ideias ou frases semelhantes são apresentadas em sequência, cria uma cadência que enriquece a experiência do leitor.

"Movido a sonho, eu poeta,
porque amo a estrada, não canso.
– Mais importante que a meta
é cada passo que avanço."

O paralelismo entre as duas estrofes reforça a mensagem sobre a jornada.

2. Imagens e Metáforas
As trovas são ricas em imagens vívidas e metáforas que evocam emoções. A linguagem é acessível, mas carregada de significado, permitindo múltiplas interpretações.

"Na biblioteca há mil sábios
a nosso inteiro dispor.
– Sem sequer abrir os lábios,
cada livro é um professor!"

A metáfora da biblioteca como um espaço de sabedoria é poderosa.

3. Tom e Humor
O tom varia entre o lúdico e o reflexivo. O uso do humor, muitas vezes sutil, permite que o poeta aborde temas sérios de maneira leve, facilitando a conexão com o leitor.

"Coceirinha furibunda,
coça embaixo, coça em cima..."

Essa abordagem lúdica e humorística traz leveza ao texto, permitindo a identificação do leitor.

4. Tema e Mensagem
Cada trova aborda temas universais, como amor, liberdade, infância e solidão. A mensagem frequentemente reflete uma crítica social ou uma observação sobre a condição humana, proporcionando profundidade ao texto.

"Hoje ainda a humanidade
vive o impasse decisivo:
– Parte atrás da liberdade
ou se apega ao paraíso?…"

A reflexão sobre a escolha entre liberdade e conformismo é um tema profundo e universal.

5. Diálogo e Vozes
A interação entre personagens, como em diálogos, cria dinamismo e envolvimento. Essa técnica permite que diferentes perspectivas sejam exploradas, enriquecendo a narrativa.

"Deixe-o que faça e aconteça,
diz a vovó com carinho..."

O diálogo entre a avó e o neto dá vida à cena, mostrando diferentes perspectivas.

Esses elementos fazem das trovas de A. A. de Assis não apenas uma expressão artística, mas também uma forma de reflexão sobre a vida e as relações humanas, mantendo um equilíbrio entre estética e conteúdo.

CONCLUSÃO

As trovas de A. A. de Assis representam uma rica expressão da poesia brasileira, combinando humor, lirismo e crítica social de forma acessível. Através de sua estrutura poética bem definida, com rimas, imagens vívidas e diálogos dinâmicos, Assis consegue transmitir reflexões profundas sobre a condição humana, as relações interpessoais e as complexidades da vida.

Em resumo, as trovas de A. A. de Assis não são apenas um testemunho da habilidade poética de seu autor, mas também uma valiosa contribuição à literatura que continua a inspirar, provocar e entreter. Sua relevância perdura, fazendo delas uma parte essencial da herança literária brasileira e uma fonte de reflexão contínua para o mundo contemporâneo. Elas promovem um sentimento de identidade cultural e pertencimento, ligando gerações por meio de uma linguagem comum e experiências compartilhadas.

A obra de Assis serve como um modelo para novos poetas e escritores, demonstrando que é possível abordar questões sérias de forma criativa e envolvente.

Fonte: José Feldman. 50 Trovadores e suas Trovas em preto e branco. IA Open. vol.1. Maringá/PR: Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

segunda-feira, 26 de agosto de 2024

Carolina Ramos (Trovando) “23”

 

Trovador Homenageado do Dia: Renato Alves (Trovas em preto e branco)


1
Ao repensar minha história,
encontrei com emoção
por trás de cada vitória
um mestre no coração! 
2
“Conhecer não é saber”
- ensina a douta ciência...
”Pôr alma no que aprender” ,
isto, sim, é sapiência!
3
De meu pai herdei o nome,
de minha mãe, a ternura;
da pobreza herdei a fome,
a minha herança mais dura!
4
Escute a voz da razão:
– Nunca esmoreça, persista!...
É com determinação
que o sonho vira conquista.
5
Mesmo em meio à dura lida,
fazer versos nos renova:
– Cabe todo o bem da vida
nas quatro linhas da trova!
6
Mil livros já devorei,
mas neles não achei graça,
até hoje eu nada sei...
– Muito prazer, sou a traça!
7
Não diga que é velho alguém
pela idade transcorrida...
Só é velho quem não tem
mais sonhos em sua vida!
8
Ninguém há que saiba tudo,
nem tudo pode saber...
Muito se aprende e, contudo,
há sempre o que se aprender!
9
O mar geme nos rochedos
prantos tão desconsolados,
pois guarda muitos segredos
e sonhos dos afogados…
10
O trabalho é punição,
uma herança do passado...
Deus quis castigar Adão,
e sobrou pro nosso lado!..
11
Pode ser pobre ou poeta,
sem perder a autoestima;
mas há de ter como meta
não ter pobreza na rima.
12
Ser poeta é transformar
a palavra em brasa ardente
para com ela queimar
a emoção que está na gente!
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SOBRE AS TROVAS DO PROFESSOR RENATO ALVES
por José Feldman

As trovas do Professor Renato Alves capturam emoções profundas e reflexões sobre a vida, a sabedoria e a poesia. Cada uma delas traz um ensinamento valioso, seja sobre a importância dos sonhos, a busca pelo conhecimento ou a transformação da dor em arte.

TEMAS ABORDADOS

Sabedoria dos mestres: 
A importância dos mestres em nossa jornada. A figura do mestre é central em várias trovas, destacando como as influências positivas moldam nosso caminho. A valorização do aprendizado e da orientação é um convite para que reconheçamos aqueles que nos guiaram.

Conhecimento e emoção: 
A ideia de que saber não é o mesmo que conhecer profundamente nos lembra que a educação deve ser acompanhada de paixão e vivência. O aprendizado se torna significativo quando é vivido com intensidade.

Heranças e Identidade:
Renato Alves fala sobre como as heranças familiares, sejam boas ou desafiadoras, moldam nossa identidade. Isso nos leva a refletir sobre como cada aspecto de nossa vida contribui para quem somos. Nossas origens moldam quem somos.

Persistência e Sonhos:
A determinação é uma mensagem recorrente. Acreditar em nossos sonhos e lutar por eles, mesmo diante das dificuldades, é fundamental para a realização pessoal.

Renovação através da Arte:
A poesia é apresentada como uma forma de renovação e superação. Escrever e expressar-se artisticamente pode ser um caminho para lidar com as adversidades da vida. A poesia e a arte oferecem renovação e reflexão. A autoestima é essencial para a criatividade. Ser poeta, ou artista, é um ato de coragem e autovalorização.

Humor e Autodescoberta:
O uso de humor, como na metáfora da "traça", traz leveza e nos lembra que todos enfrentamos desafios e que o aprendizado é um processo contínuo. Nunca paramos de aprender, independentemente de nossas experiências.

Juventude do Espírito:
A mensagem de que a idade não determina a vitalidade é inspiradora. Manter sonhos vivos é o que realmente nos mantém jovens. 

Natureza e Seus Segredos:
As imagens do mar evocam mistério e beleza, sugerindo que a natureza guarda histórias e emoções que muitas vezes não são visíveis à primeira vista. 

Trabalho e Legado:
A relação entre trabalho e castigo é uma crítica social que provoca reflexão sobre a história e o significado do trabalho em nossas vidas.

Transformação pela Palavra:
A capacidade da palavra de evocar emoções e transformar experiências é um dos pontos altos da poesia. Isso nos convida a explorar e expressar nossos sentimentos.

Esses temas fazem das trovas de Renato Alves uma rica fonte de reflexão sobre a condição humana, incentivando a busca por conhecimento, a valorização da arte e a importância de sonhar.

CONCLUSÃO

Essas trovas são um convite à introspecção e à valorização da vida, inspirando-nos a abraçar nossa jornada com coragem e criatividade. Ao refletir sobre esses ensinamentos, podemos encontrar novos caminhos para nosso próprio crescimento pessoal e artístico.

Fonte: José Feldman. 50 Trovadores e suas Trovas em preto e branco. IA Open. vol.1. Maringá/PR: Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

Laé de Souza (E se o mundo acabasse)

Aquele dia foi de alvoroço. Cruzei com um amigo acostumado à prosa, estava numa correria e recusou-se a conversar, alegando que não podia perder tempo, pois tinha algumas coisas a concluir antes de começar a escurecer. Espantou-se com a minha ignorância de que o mundo estava prestes a acabar. (Preciso encontrá-lo para ver o que tanto não podia ficar sem fazer). 

Por preguiça, não escrevi naquele momento. Se acabasse mesmo, seria desperdício de tempo. Mas entre a dúvida de ficar no meu canto a rezar e sair a indagar e a observar, venceu a curiosidade.

Uma mulher que tinha um caso antigo com um vizinho, convenceu-o a se levantar bem cedo e, sem dar satisfação aos cônjuges, dirigiram-se a um jardim e com olhos fixos no firmamento, de mãos dadas, esperavam a chegada do Senhor.

Uns doaram bens numa atitude desesperada da busca do paraíso. Juliano vendeu esperanças e garantiu lugar privilegiado a quem tinha posses. Aos de menos recursos, por preço camarada, um lugar mais na frente da fila. E faturou um troco legal.

Mães-de-santo cobraram uma fortuna para prorrogar o fim, O pastor Queixada me garantiu que o mundo só não acabou como previsto por sua intercessão e para que desse tempo a alguns irmãos de se arrependerem. Mas me avisou que não vai dar para segurar por muito tempo, portanto, desapeguem-se dos seus bens.

Muitos rezaram, confessaram e se arrependeram.

Minha filha me fez perguntas que nunca ousara. Minha mulher me questionou umas coisas esquisitas, que prometi responder assim que escutasse a primeira trombeta tocar e visse os anjos descendo do céu.

Gumercindo não despregava os olhos do relógio e de nada resolveram os calmantes. Chorava que dava dó, pedia perdão à mulher por falhas e contou coisas que só se conta na hora da morte, e morte certa mesmo.

Chiquinho abriu as gaiolas, soltou todos os pássaros e se escondeu debaixo da cama. Roberval, devedor contumaz, fez mais compras e mandou que todos os credores viessem no dia seguinte. MAS NÃO ACABOU!

Assim, por culpa de um tal de Nostradamus, o que ia até mais ou menos se encrencou. A mulher do Gumercindo retirou o perdão e foi para a casa da mãe com as crianças, não sem antes dar uma bofetada no sujeito e ameaçá-lo de proibir visitas aos filhos.

Chiquinho chora a falta dos pássaros e Roberval se esconde dos cobradores. A mulher e o vizinho tiveram que juntar as trouxas e fugir. Eu ando me esquivando da minha mulher, mas sinto que a qualquer hora ela vai me pegar de jeito e vou ter que responder àquela pergunta, e aí, não sei não… Por tudo isso, Manelão interrogou-se:

"Ele erra na profecia e nóis é que se ferra?”

Fonte: Laé de Souza. Acredite se quiser. SP: Ecoarte, 2000. Enviado pelo autor.