quinta-feira, 29 de agosto de 2024

A. A. de Assis (O nosso português de cada dia) Um régulo na panturrilha

Não se assuste se ouvir alguém dizer que fulano tem um “régulo na panturrilha”. Significará apenas que o tal fulano tem um “reizinho na barriguinha”. 

Se os diminutivos em português fossem todos marcados por “inho” ou “zinho”, seria moleza (barquinho, barzinho). O problema é que muitos deles vieram prontos do latim, mantendo a forma erudita; outros chegaram até nós via espanhol, francês, italiano, e alguns nem parecem diminutivos. Por exemplo: é fácil entender que “caixinha” é diminutivo de “caixa”, porém nem todos percebem de imediato que “cápsula” (do latim “capsa” = caixa) é a mesma coisa, isto é, uma “caixinha”. 

Assim também acontece com “régulo”, diminutivo erudito de “rei”, e com “panturrilha”, palavra que pedimos emprestada ao espanhol e que em geral é empregada no sentido de “barriga da perna” (daí que os jogadores de futebol frequentemente se queixam de “contratura na panturrilha”). A palavra tem origem no latim “pantex” (= barriga), que virou “panza” em espanhol e “pança” em português. De “pantex” temos também os verbos “empanturrar” e “empanzinar”. 

Há muitos outros casos interessantes. Por exemplo: poucos percebem que o “asterisco” (*) é assim chamado por ser uma estrelinha. É um diminutivo do latim “aster” = astro, estrela. 

Só os mais antigos se dão conta de que “maçaneta” é um diminutivo de “maçã”. Nos velhos bons tempos as maçanetas das portas tinham o formato de uma maçãzinha. 

Desde também os velhos tempos foi sempre comum alguém dar uma gratificação a quem lhe prestasse um pequeno serviço. Dizia-se: “Leve pra molhar a gorja” (tomar uma cachacinha). “Gorjeta” é um diminutivo de “gorja” = “garganta”, “goela”. É uma “gargantinha”. 

Já reparou que a “cedilha” (aquele rabinho que vem embaixo do “ç”) na verdade é um pequeno “z”? Pois é... “cedilha” (em espanhol “zedilla”) é um diminutivo da letra grega “zeta”. A função do “z-zinho” (ç) é indicar que aquele “c” tem o som de “tz” (ss). 

“Aedes” (latim) é casa, edifício. O diminutivo de “aedes” (édis) é “aedicula” (edícula). Daí o nome daquela pequena casa habitualmente construída no quintal. 

“Boca” em latim é “os, oris” (de onde temos a palavra “oral”. “Ósculo” (diminutivo de “os”) é uma pequena boca. Mas em português “ósculo” é sinônimo de “beijo”. Explica-se: quando você vai beijar contrai os lábios, como que formasse uma boquinha... 

Na mesma linha, temos numerosos outros diminutivos curiosos: castanhola é uma pequena castanha. Donzela (diminutivo de “dona”) é uma doninha, uma senhorita. Opúsculo (pequena obra literária) é dimunitivo de “opus” = obra. Palito é diminutivo de “palus” = pau (é um pauzinho). Roseta é um diminutivo de rosa. Sarjeta é diminutivo de “sarja” = valeta, escoadouro de águas. Vesícula é diminutivo de “vesica” = bexiga (é uma bexiguinha). Vírgula é diminutivo de “virga” = vara (a vírgula tem a forma de uma varinha). E por hoje ficamos por aqui. Pax. 
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(Crônica publicada no Jornal do Povo – 29-8-2024)

Fonte: Texto enviado pelo autor

Antero Jerónimo (Lançamento do livro "Na pele do sentir", em Lisboa, 19 de outubro)


Recordando Velhas Canções (No bico da chaleira)


(Polca, 1909)

Compositor: Juca Storoni

Iaiá me deixe subir esta ladeira,
Que eu sou do grupo do pega na chaleira,
Iaiá me deixe subir esta ladeira,
Que eu sou do grupo do pega na chaleira.

Que vem de lá,
Bela Iaiá,
Ó abre alas,
Que eu quero passar,
Sou Democrata,
Águia de Prata,
Vem cá mulata,
Que me faz chorar..
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Diariamente, o Morro da Graça no bairro das Laranjeiras no Rio de Janeiro era frequentado por dezenas de pessoas - senadores, deputados, juízes, empresários ou, simplesmente, candidatos a cargos públicos ou mandatos eletivos. A razão da romaria era que no alto do morro morava o general senador José Gomes Pinheiro Machado, líder do Partido Republicano Conservador, que dominou a política nacional no início do século.

Pois foi para satirizar o comportamento desses bajuladores que o maestro Costa Júnior (Juca Storoni) fez a animada polca "No Bico da Chaleira", sucesso do carnaval de 1909: "Iaiá me deixe subir nessa ladeira / eu sou do grupo que pega na chaleira...". E tamanha foi a popularidade da composição que acabou por consagrar o uso dos termos "chaleira" e "chaleirar" como sinônimos de bajulador e bajular. Isso porque, dizia-se na época, o pessoal que subia a ladeira da Graça disputava acirradamente o privilégio de segurar a chaleira que supria de água quente o chimarrão do chefe.

Com a morte de Pinheiro Machado, assassinado por um débil mental em 1915, deram seu nome à Rua Guanabara, onde começava a subida para sua casa, na qual passou a funcionar o Colégio Sacre Coeur e tempos depois uma empresa construtora.

quarta-feira, 28 de agosto de 2024

Ademar Macedo (Ramalhete de Trovas) 23

 

Edy Soares (Trovas em preto e branco)

O beija-flor à direita, é a ave símbolo do Espírito Santo

1
A memória enfraquecida,
a fronte calva, a bengala,
mostra no ciclo da vida
o velho que o neto embala.
2
A trapaça é artifício
do covarde sem pudor,
que sem nenhum sacrifício
quer se fazer vencedor.
3
Da semente, a nova planta;
da planta, a semente e o pão.
Do pão, a vida que encanta,
que planta e cultiva o chão
4
- Era profunda a raiz!
Disse o dentista ao cliente,
ao perceber que o nariz
saiu agarrado ao dente.
5
Eu... você... as confidências...
Que pena que o tempo passa!
Hoje vivo de aparências
e a vida já não tem graça…
6
Meu Noel é de dar dó...
Nesta crise, veio a pé,
sem renas e sem trenó...
E entalou na chaminé!
7
O chato que mais me irrita
e que mais me funde a cuca...
é aquela pessoa aflita,
que enquanto fala, cutuca.
8
Por egoísmo e ganância
a Terra está dividida.
Tanto poder e arrogância,
ante a pobreza sofrida.
9
Quer, ricos ou indigentes,
todos são filhos de Deus;
sejam mansos ou valentes,
sejam nobres ou plebeus.
10
Sem o amor do jardineiro,
o que seria da flor?...
Rosas não teriam cheiro,
jardins não teriam cor!…
11
- “Três dias de penitencia”,
pede o padre ao confessado.
- "Pode dobrar a exigência,
vou repetir o pecado!”
12
Velhas fotos no monóculo,
na gaveta de uma estante...
É como ver de binóculo,
um tempo já bem distante.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

AS TROVAS DE EDY SOARES EM PRETO E BRANCO
por José Feldman

AS TROVAS UMA A UMA

1. A memória enfraquecida
A primeira trova reflete sobre a passagem do tempo e a fragilidade da memória. A imagem do velho sendo embalado pelo neto simboliza a continuidade da vida e a relação entre gerações.

2. A trapaça é artifício
Aqui, o autor critica a covardia e a falta de ética. A trapaça é apresentada como uma solução fácil para quem não quer se esforçar, destacando a desonestidade como um caminho sem valor.

3. Da semente, a nova planta
Esta trova aborda o ciclo da vida e a conexão entre natureza e existência. A semente representa o potencial, enquanto o pão simboliza a vida e a sustento, enfatizando a importância da agricultura.

4. Era profunda a raiz!
Com um toque de humor, essa trova brinca com a relação entre dentista e cliente. A metáfora da raiz dental que "sai agarrado ao dente" retrata a relação entre dor e cuidado.

5. Eu... você... as confidências...
Refere-se à passagem do tempo e à superficialidade das relações modernas. O eu lírico lamenta que, apesar das confidências, a vida perdeu sua essência, tornando-se apenas aparência.

6. Meu Noel é de dar dó...
Essa trova traz uma crítica à realidade econômica, usando a figura do Papai Noel como símbolo de esperança que se tornou ineficaz. A imagem de Noel "entalado na chaminé" é uma metáfora para as dificuldades da vida.

7. O chato que mais me irrita
Aqui, o autor fala sobre a irritação causada por pessoas que não param de falar. A "cutucada" é uma metáfora para a insistência, destacando a falta de empatia.

8. Por egoísmo e ganância
Essa trova critica a desigualdade social. A Terra dividida simboliza a luta por poder e a arrogância dos que têm em contraste com a pobreza dos que não têm.

9. Quer, ricos ou indigentes
O autor reafirma a ideia de que todos são iguais diante de Deus, independentemente de sua condição social. A mensagem é de unidade e humanidade.

10. Sem o amor do jardineiro
Esta trova celebra a importância do cuidado e do amor. Sem o jardineiro, as flores não teriam seu valor; essa relação enfatiza a dependência entre amor e beleza.

11. Três dias de penitência
Com humor, essa trova aborda a hipocrisia nas práticas religiosas. O diálogo entre o padre e o confessado revela a ideia de que a penitência é muitas vezes superficial.

12. Velhas fotos no monóculo
Por fim, essa trova reflete sobre a nostalgia e a memória. As fotos guardadas simbolizam recordações de um passado distante, visto de forma distorcida, como se olhado através de um binóculo.

ABORDAGENS

As trovas de Edy Soares são uma expressão rica e multifacetada da poesia popular brasileira, refletindo tanto a simplicidade quanto a profundidade das experiências humanas.

Conexão com a Tradição Popular
As trovas se inserem na tradição da poesia popular, que é acessível e frequentemente recitada em diferentes contextos sociais. Essa conexão com o folclore e a oralidade confere às trovas um caráter atemporal.

Reflexão sobre a Condição Humana
Cada trova traz uma reflexão sobre a vida, abordando questões como a passagem do tempo, a fragilidade das relações e as desigualdades sociais. Essa capacidade de capturar a essência da experiência humana torna as trovas relevantes em diferentes épocas e contextos.

Humor como Ferramenta Crítica
O uso do humor e da ironia é uma característica marcante. A leveza com que Edy Soares aborda temas pesados permite que o leitor reflita sobre questões sérias sem sentir-se oprimido. O humor é uma forma eficaz de crítica social, tornando as mensagens mais impactantes.

Imagens e Metáforas
As metáforas utilizadas nas trovas são poderosas e evocativas, permitindo que o leitor visualize e sinta as emoções descritas. A utilização de elementos da natureza, por exemplo, serve para simbolizar experiências humanas, criando uma conexão íntima entre o homem e o meio ambiente.

Universalidade e Acessibilidade
A linguagem simples e direta torna as trovas acessíveis a um público amplo. Essa universalidade permite que pessoas de diferentes idades e origens se identifiquem com as mensagens, promovendo um sentimento de comunidade e pertencimento.

Impacto Emocional
As trovas conseguem tocar em questões emocionais profundas, provocando reflexões sobre amor, perda, nostalgia e esperança. Essa capacidade de evocar emoções é o que torna a poesia de Edy tão ressonante.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Essas trovas, com seu tom leve e crítico, oferecem uma rica reflexão sobre a vida, a sociedade e as relações humanas. Cada trova aborda temas universais, como a vida, a morte, as relações humanas e as questões sociais, muitas vezes com um toque de humor ou ironia. O uso de metáforas é comum, enriquecendo a mensagem e proporcionando múltiplas interpretações. Mensagens profundas transmitidas de maneira concisa e memorável.

Enfim, as trovas de Edy Soares são uma rica contribuição à literatura brasileira, combinando forma, conteúdo e emoção de maneira magistral. Elas não apenas entretêm, mas também oferecem uma profunda reflexão sobre a vida e a sociedade, tornando-se uma fonte de inspiração e aprendizado. A sua relevância perdura, mostrando que a poesia pode ser um meio poderoso de expressão e crítica.

Fonte: José Feldman. 50 Trovadores e suas Trovas em preto e branco. IA Open. vol.1. Maringá/PR: Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

Mensagem na Garrafa = 133 =

RITA MOURÃO 
Ribeirão Preto/SP

Porque sou poeta

Era uma casinha modesta no meio do chapadão. Ali o sertão me cultivava. 

Lá fora, o vento com seus dedos esguios tocava a folhagem e as árvores gemiam. A noite passeava em mim e seguia seu curso em busca de um novo amanhecer. 

Tudo era um chamado à meditação, tudo mostrava um recado do Criador que, em minha precoce alma de poeta, eu procurava decifrar. 

O dia amanhecido me reerguia igual ao sol daquela manhã cheia de significados, enquanto eu, miúda de extravagâncias, deixava que a santidade do sertão me cultivasse de acordo com aquele momento sublime, vazio de ambições, mas repleto de Deus. E minha alma vagava pela imensidão dos campos verdes pisando aquela manhã orvalhada de poesia. 

Ali, nasceu meu jeito de ser poeta. Um poeta das miudezas, diante do imenso mundo que me cercava. 

Minha alma foi treinada para menos, sou abastada de conformidades, a poesia me fez terra, rio e sertão. Isso me basta. 

Sou poeta porque a natureza versa em mim.

Fonte: Texto enviado pela autora 

O nosso português de cada dia (Expressões) = 3

CÃO DOS INFERNOS

Para animal ou pessoa muito brava.

A associação vem da mitologia, já que a porta do inferno é guardada por um cão chamado Cérbero. Na mitologia grega, era um monstruoso cão de três cabeças que guardava a entrada do mundo inferior, o reino subterrâneo dos mortos, deixando as almas entrarem, mas jamais saírem e despedaçando os mortais que por lá se aventurassem.

CAOS (ESTAR UM)

Bagunça generalizada, expressão usada, na maioria das vezes, no sentido hiperbólico.

Caos, na mitologia, é a personificação do vazio primordial, anterior a qualquer criação, no tempo em que, por não existirem os elementos, a ordem não havia ainda sido imposta. Ele criou Érebo, que representa as trevas infernais, Nyx, que é a noite, Hémera, representando o dia, e Éter, personificando o céu superior, onde a luz é mais pura do que no céu que está mais próximo da Terra.

CAROCHINHA (HISTÓRIAS DA)

Contos-de-fadas, histórias para crianças.

Carochinha não é um ser imaginário ou um animal. Carocha quer dizer mulher velha, portanto carochinha é uma velhinha.

CARIOCA

Denominação genérica dada aos habitantes do Rio de Janeiro.

A palavra vem do nome dado pelos índios cari (branco) e oca (casa) à feitoria fundada por Gonçalo Coelho em 1504 e desativada por Cristóvão Jaques em 1516. No mesmo lugar, o atual Flamengo, foi construída uma casa-forte, um estaleiro e uma ferraria pela missão de Martim Afonso de Sousa, em 1531.

CARRANCUDO

Diz-se do indivíduo que está mau humorado, bravo, com a cara fechada.

A expressão se origina, por analogia, à aparência das carrancas, caras disformes de pedra, madeira ou metal, com que são ornadas bicas ou chafarizes. Carrancas ou cara de monstros são também bustos, emblemas ou florões que são colocados nas embarcações (no Rio São Francisco há muitas) para ornamentação ou, como querem alguns, para espantar os maus espíritos.

Fonte: Nailor Marques Jr. Será o Benedito?: Dicionário de origens de expressões. Maringá/PR: Liceu, 2002.

Recordando Velhas Canções (Pelo telefone)


(Samba, 1917)

Compositor: Donga e Mário de Almeida

O chefe da polícia
Pelo telefone mandou me avisar
Que lá na carioca
Tem uma roleta para se jogar

O chefe da polícia
Pelo telefone mandou me avisar
Que lá na carioca
Tem uma roleta para se jogar

Ai, ai, ai
É deixar mágoas pra trás, ó rapaz
Ai, ai, ai
Fica triste se és capaz e verás

Tomara que tu apanhes
Pra nunca mais fazer isso
Tirar amores dos outros
E depois fazer teu feitiço

Ai, se a rolinha, sinhô, sinhô
Se embaraçou, sinhô, sinhô
É que a avezinha, sinhô, sinhô
Nunca sambou, sinhô, sinhô
Porque este samba, sinhô, sinhô
É de arrepiar, sinhô, sinhô
Põe perna bamba, sinhô, sinhô
Mas faz gozar, sinhô, sinhô

O peru me disse
Se o morcego visse
Não fazer tolice
Que eu então saísse
Dessa esquisitice
De disse-não-disse

Ah! Ah! Ah!
Aí está o canto ideal, triunfal
Ai, ai, ai
Viva o nosso carnaval sem rival

Se quem tira o amor dos outros
Por Deus fosse castigado
O mundo estava vazio
E o inferno habitado

Queres ou não, sinhô, sinhô
Vir pro cordão, sinhô, sinhô
É ser folião, sinhô, sinhô
De coração, sinhô, sinhô
Porque este samba, sinhô, sinhô
De arrepiar, sinhô, sinhô
Põe perna bamba, sinhô, sinhô
Mas faz gozar, sinhô, sinhô

Quem for bom de gosto
Mostre-se disposto
Não procure encosto
Tenha o riso posto
Faça alegre o rosto
Nada de desgosto

Ai, ai, ai
Dança o samba
Com calor, meu amor
Ai, ai, ai
Pois quem dança
Não tem dor nem calor
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O Samba Pioneiro de Donga: Uma Viagem ao Carnaval Antigo
A música 'Pelo Telefone', composta por Donga, é considerada por muitos historiadores como o primeiro samba gravado na história da música brasileira, datando de 1916. A canção é um marco na cultura nacional e reflete o ambiente boêmio e as rodas de samba do início do século XX no Rio de Janeiro. A letra da música traz à tona o cotidiano e as festividades cariocas da época, com uma linguagem que evoca o espírito do carnaval e a malandragem associada ao samba.

A letra menciona o 'chefe da polícia' que avisa, pelo telefone, sobre uma roleta para jogar na região da Carioca, um local conhecido no Rio. Isso pode ser interpretado como uma referência ao jogo do bicho ou outras formas de apostas que eram comuns e, muitas vezes, operavam à margem da lei. A música também aborda temas como traição amorosa e a busca por diversão e alegria, típicos do universo do samba. A expressão 'Ai, ai, ai' e o uso repetido de 'sinhô, sinhô' são elementos que reforçam a oralidade e a informalidade características do gênero musical.

Musicalmente, 'Pelo Telefone' possui uma estrutura rítmica que convida à dança e celebra a alegria do carnaval. A canção é um convite para deixar as mágoas para trás e se entregar à festividade, algo que é reforçado pelo refrão que incentiva a dança e a descontração. Donga, como um dos pioneiros do samba, contribuiu significativamente para a formação da identidade musical brasileira, e 'Pelo Telefone' é um testemunho vivo da riqueza cultural do país e da evolução do samba ao longo dos anos.

terça-feira, 27 de agosto de 2024

A. A. de Assis (Trovas em preto e branco)

A gralha azul à direita, é a ave símbolo do Paraná 

1
– Aceitas dar-me os deleites
da próxima contradança?...
– Aceito, desde que aceites
não me apertar contra a pança!
2
A história, através dos anos,
ensina a grande lição:
– o destino dos tiranos
será sempre a solidão!
3
Ah, poeta, como é lindo
teu trabalho, e quão fecundo...
– Noite e dia produzindo
sonhos novos para o mundo!
4
“Bem-vinda à vida, criança!”,
diz o parteiro sorrindo.
E a frase é um hino à esperança,
no seu momento mais lindo!
5
Coceirinha furibunda,
coça embaixo, coça em cima...
Quando coça na cacunda,
sinto cócegas... na rima!
6
“Deixe-o que faça e aconteça”,
diz a vovó com carinho...
E eis que de ponta-cabeça
vira-lhe a casa o netinho!…
7
Disseste, criança ainda:
"Sou tua... sempre serei!"
- Foi a mentira mais linda
que em minha vida escutei!…
8
Esta é uma antiga lorota,
que jamais se esclareceu:
– Se Judas nem tinha bota,
como foi que ele a perdeu?…
9
Hoje ainda a humanidade
vive o impasse decisivo:
– Parte atrás da liberdade
ou se apega ao paraíso?…
10
Movido a sonho, eu poeta,
porque amo a estrada, não canso.
– Mais importante que a meta
é cada passo que avanço.
11
Na biblioteca há mil sábios
a nosso inteiro dispor.
– Sem sequer abrir os lábios,
cada livro é um professor!
12
Nesta Terra outrora linda,
que aos pouquinhos se desfaz,
o lar é a ilha onde ainda,
às vezes, se encontra a paz.
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AS TROVAS DO ASSIS EM PRETO E BRANCO
por José Feldman

As trovas de A. A. de Assis (Antônio Augusto de Assis) revelam uma sensibilidade poética única, combinando humor, reflexão e crítica social.

AS TROVAS UMA A UMA

1. Contradança e leveza
A troca entre os interlocutores reflete a leveza da vida social. A dança simboliza a alegria e a liberdade, enquanto a referência ao "apertar contra a pança" sugere uma preocupação com a intimidade física, trazendo um toque humorístico.

2. Solidão dos tiranos
Esta trova aborda a inevitabilidade da solidão que acompanha o poder opressivo. A lição histórica indica que, apesar do domínio, os tiranos acabam isolados. A solidão é apresentada como um destino cruel, destacando a fragilidade do poder.

3. Poder da poesia
A dedicação do poeta à criação é exaltada. A ideia de produzir "sonhos novos" reflete a importância da imaginação e da arte na vida humana. O trabalho do poeta é visto como um serviço à sociedade, contribuindo para a renovação cultural.

4. Nascimento e esperança
A saudação ao nascimento é um momento carregado de significado. O parteiro, ao sorrir, simboliza a alegria da chegada de uma nova vida. A frase "um hino à esperança" sugere que cada nascimento é uma nova oportunidade e um desafio para o futuro.

5. Humor e rima
A brincadeira com as cócegas revela um lado lúdico e infantil da vida. A conexão entre corpo e rima cria uma experiência sensorial que reflete a alegria simples encontrada em momentos cotidianos. O humor é uma forma de explorar a leveza da existência.

6. Inocência infantil
A relação entre a avó e o neto ilustra a dinâmica familiar e a inocência da infância. A expressão "de ponta-cabeça" sugere a travessura típica das crianças, mostrando como a pureza infantil pode subverter a ordem estabelecida de forma carinhosa.

7. Promessas não cumpridas
Aqui, a reflexão sobre a sinceridade das promessas infantis revela uma faceta dolorosa da vida. A frase "mentira mais linda" sugere que, embora a promessa fosse vazia, sua beleza reside na esperança e no amor que a envolve, refletindo sobre a fragilidade das relações.

8. Mistério de Judas
A pergunta retórica provoca reflexão, instigando o leitor a considerar as nuances da história e a complexidade das escolhas humanas, desafiando a lógica tradicional.

9. Liberdade versus paraíso
Esta trova aborda um dilema existencial. A humanidade, dividida entre a busca pela liberdade e a busca pelo conforto do "paraíso", reflete uma tensão entre idealismo e materialismo, questionando as prioridades e valores da sociedade contemporânea.

10. Jornada poética
A ideia de que o processo é mais importante que a meta sugere uma filosofia de vida que valoriza a experiência e a reflexão. O "caminho" do poeta é um símbolo da jornada humana, onde cada passo é significativo e forma parte da construção do ser.

11. Sabedoria dos livros
A imagem da biblioteca como um espaço repleto de sabedoria enfatiza o valor do conhecimento. Cada livro, como um "professor", simboliza a educação e a aprendizagem, mostrando que a sabedoria está acessível a todos que buscam.

12. Busca pela paz
A reflexão sobre a transformação do mundo e a busca pela paz no lar destaca a importância do refúgio familiar. O lar é apresentado como um espaço de resistência, onde a paz é ainda possível em meio às turbulências da vida moderna.

ESTRUTURA POÉTICA

1. Repetição e Paralelismo
A repetição de estruturas e ideias reforça temas e sentimentos. O uso de paralelismo, onde ideias ou frases semelhantes são apresentadas em sequência, cria uma cadência que enriquece a experiência do leitor.

"Movido a sonho, eu poeta,
porque amo a estrada, não canso.
– Mais importante que a meta
é cada passo que avanço."

O paralelismo entre as duas estrofes reforça a mensagem sobre a jornada.

2. Imagens e Metáforas
As trovas são ricas em imagens vívidas e metáforas que evocam emoções. A linguagem é acessível, mas carregada de significado, permitindo múltiplas interpretações.

"Na biblioteca há mil sábios
a nosso inteiro dispor.
– Sem sequer abrir os lábios,
cada livro é um professor!"

A metáfora da biblioteca como um espaço de sabedoria é poderosa.

3. Tom e Humor
O tom varia entre o lúdico e o reflexivo. O uso do humor, muitas vezes sutil, permite que o poeta aborde temas sérios de maneira leve, facilitando a conexão com o leitor.

"Coceirinha furibunda,
coça embaixo, coça em cima..."

Essa abordagem lúdica e humorística traz leveza ao texto, permitindo a identificação do leitor.

4. Tema e Mensagem
Cada trova aborda temas universais, como amor, liberdade, infância e solidão. A mensagem frequentemente reflete uma crítica social ou uma observação sobre a condição humana, proporcionando profundidade ao texto.

"Hoje ainda a humanidade
vive o impasse decisivo:
– Parte atrás da liberdade
ou se apega ao paraíso?…"

A reflexão sobre a escolha entre liberdade e conformismo é um tema profundo e universal.

5. Diálogo e Vozes
A interação entre personagens, como em diálogos, cria dinamismo e envolvimento. Essa técnica permite que diferentes perspectivas sejam exploradas, enriquecendo a narrativa.

"Deixe-o que faça e aconteça,
diz a vovó com carinho..."

O diálogo entre a avó e o neto dá vida à cena, mostrando diferentes perspectivas.

Esses elementos fazem das trovas de A. A. de Assis não apenas uma expressão artística, mas também uma forma de reflexão sobre a vida e as relações humanas, mantendo um equilíbrio entre estética e conteúdo.

CONCLUSÃO

As trovas de A. A. de Assis representam uma rica expressão da poesia brasileira, combinando humor, lirismo e crítica social de forma acessível. Através de sua estrutura poética bem definida, com rimas, imagens vívidas e diálogos dinâmicos, Assis consegue transmitir reflexões profundas sobre a condição humana, as relações interpessoais e as complexidades da vida.

Em resumo, as trovas de A. A. de Assis não são apenas um testemunho da habilidade poética de seu autor, mas também uma valiosa contribuição à literatura que continua a inspirar, provocar e entreter. Sua relevância perdura, fazendo delas uma parte essencial da herança literária brasileira e uma fonte de reflexão contínua para o mundo contemporâneo. Elas promovem um sentimento de identidade cultural e pertencimento, ligando gerações por meio de uma linguagem comum e experiências compartilhadas.

A obra de Assis serve como um modelo para novos poetas e escritores, demonstrando que é possível abordar questões sérias de forma criativa e envolvente.

Fonte: José Feldman. 50 Trovadores e suas Trovas em preto e branco. vol.1. Maringá/PR: Plat.Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

segunda-feira, 26 de agosto de 2024

Carolina Ramos (Trovando) “23”

 

Renato Alves (Trovas em preto e branco)


1
Ao repensar minha história,
encontrei com emoção
por trás de cada vitória
um mestre no coração! 
2
“Conhecer não é saber”
- ensina a douta ciência...
”Pôr alma no que aprender” ,
isto, sim, é sapiência!
3
De meu pai herdei o nome,
de minha mãe, a ternura;
da pobreza herdei a fome,
a minha herança mais dura!
4
Escute a voz da razão:
– Nunca esmoreça, persista!...
É com determinação
que o sonho vira conquista.
5
Mesmo em meio à dura lida,
fazer versos nos renova:
– Cabe todo o bem da vida
nas quatro linhas da trova!
6
Mil livros já devorei,
mas neles não achei graça,
até hoje eu nada sei...
– Muito prazer, sou a traça!
7
Não diga que é velho alguém
pela idade transcorrida...
Só é velho quem não tem
mais sonhos em sua vida!
8
Ninguém há que saiba tudo,
nem tudo pode saber...
Muito se aprende e, contudo,
há sempre o que se aprender!
9
O mar geme nos rochedos
prantos tão desconsolados,
pois guarda muitos segredos
e sonhos dos afogados…
10
O trabalho é punição,
uma herança do passado...
Deus quis castigar Adão,
e sobrou pro nosso lado!..
11
Pode ser pobre ou poeta,
sem perder a autoestima;
mas há de ter como meta
não ter pobreza na rima.
12
Ser poeta é transformar
a palavra em brasa ardente
para com ela queimar
a emoção que está na gente!
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SOBRE AS TROVAS DO PROFESSOR RENATO ALVES
por José Feldman

As trovas do Professor Renato Alves capturam emoções profundas e reflexões sobre a vida, a sabedoria e a poesia. Cada uma delas traz um ensinamento valioso, seja sobre a importância dos sonhos, a busca pelo conhecimento ou a transformação da dor em arte.

TEMAS ABORDADOS

Sabedoria dos mestres: 
A importância dos mestres em nossa jornada. A figura do mestre é central em várias trovas, destacando como as influências positivas moldam nosso caminho. A valorização do aprendizado e da orientação é um convite para que reconheçamos aqueles que nos guiaram.

Conhecimento e emoção: 
A ideia de que saber não é o mesmo que conhecer profundamente nos lembra que a educação deve ser acompanhada de paixão e vivência. O aprendizado se torna significativo quando é vivido com intensidade.

Heranças e Identidade:
Renato Alves fala sobre como as heranças familiares, sejam boas ou desafiadoras, moldam nossa identidade. Isso nos leva a refletir sobre como cada aspecto de nossa vida contribui para quem somos. Nossas origens moldam quem somos.

Persistência e Sonhos:
A determinação é uma mensagem recorrente. Acreditar em nossos sonhos e lutar por eles, mesmo diante das dificuldades, é fundamental para a realização pessoal.

Renovação através da Arte:
A poesia é apresentada como uma forma de renovação e superação. Escrever e expressar-se artisticamente pode ser um caminho para lidar com as adversidades da vida. A poesia e a arte oferecem renovação e reflexão. A autoestima é essencial para a criatividade. Ser poeta, ou artista, é um ato de coragem e autovalorização.

Humor e Autodescoberta:
O uso de humor, como na metáfora da "traça", traz leveza e nos lembra que todos enfrentamos desafios e que o aprendizado é um processo contínuo. Nunca paramos de aprender, independentemente de nossas experiências.

Juventude do Espírito:
A mensagem de que a idade não determina a vitalidade é inspiradora. Manter sonhos vivos é o que realmente nos mantém jovens. 

Natureza e Seus Segredos:
As imagens do mar evocam mistério e beleza, sugerindo que a natureza guarda histórias e emoções que muitas vezes não são visíveis à primeira vista. 

Trabalho e Legado:
A relação entre trabalho e castigo é uma crítica social que provoca reflexão sobre a história e o significado do trabalho em nossas vidas.

Transformação pela Palavra:
A capacidade da palavra de evocar emoções e transformar experiências é um dos pontos altos da poesia. Isso nos convida a explorar e expressar nossos sentimentos.

Esses temas fazem das trovas de Renato Alves uma rica fonte de reflexão sobre a condição humana, incentivando a busca por conhecimento, a valorização da arte e a importância de sonhar.

CONCLUSÃO

Essas trovas são um convite à introspecção e à valorização da vida, inspirando-nos a abraçar nossa jornada com coragem e criatividade. Ao refletir sobre esses ensinamentos, podemos encontrar novos caminhos para nosso próprio crescimento pessoal e artístico.

Fonte: José Feldman. 50 Trovadores e suas Trovas em preto e branco. IA Open. vol.1. Maringá/PR: Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.