sábado, 31 de agosto de 2024

Vereda da Poesia = 99 =


Trova de Pindamonhangaba/SP

JOSÉ OUVERNEY

Um buquê de romantismo
redesenhou o horizonte:
se a distância foi o abismo,
a saudade foi a ponte!...
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Poema do Rio de Janeiro/RJ

LAURA ESTEVES

Novas bandeiras

Vai, Bandeirante,
navega pelas sujas águas do Tietê.
Já foram limpas, eu sei.
Segue pela Raposo Tavares.
Não te iludas pelas estradas,
confia em teus olhos:
são fábricas de esmeraldas,
edifícios de diamantes.
Guarda tudo em teu alforje de couro.
Adiante! Adiante!
Pega a Fernão Dias e toma o caminho do ouro.
Cuidado com o automóvel, Bandeirante.
Como tu, ele também mata.
Em seguida, o sul, sempre.
Busca o que restou da tribo guarani.
Lá, vestígios dos Sete Povos,
e, coitado de ti, o fantasma de Sepé Tiaraju.
Extermina-o, rápido!
Pois eu te afianço, velho Bandeirante,
ele não te dará descanso.
E, como antes, na catedral flutuante
— sina? destino? herança? —
o sino estará chamando o povo
para a missa de domingo.
Uma orquestra de crianças,
cabelos negros, escorridos,
estará tocando, à tua passagem,
tambores, liras, violinos.
O toque será um só:
vingança, vingança, vingança!
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Trova de Curitiba/PR

VANDA ALVES DA SILVA

Sempre e sempre se convença
de que há distância infinita
entre aquilo que se pensa
e aquilo que a vida dita...
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Soneto do Rio de Janeiro/RJ

JOÃO DA ILHA
Ciro Vieira da Cunha 
São Paulo/SP, 1897 – 1976, Rio de Janeiro/RJ

Carnaval de um Pierrô

Carnaval! Carnaval! A turba louca
passa gritando pela rua em fora...
Nos "bares" e cabarés champanhe espoca
e a gente bebe até que venha a aurora...

Canta na rua um ébrio de voz rouca
versos canalhas que a ralé adora...
É quase madrugada... Em minha boca
amarga o sonho que meu peito chora...

Espero Colombina, alva de cal,
de olheiras de carvão e de olhos baços
que vem trazer-me ao quarto o Carnaval...

O doce Carnaval do meu desejo:
— As brancas serpentinas de seus braços
e o confete vermelho de seu beijo...
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Trova Premiada em Brumadinho/MG, 2004

LÓLA PRATA 
Bragança Paulista/SP

Calço as sandálias do sonho
e caminho solta ao vento
enquanto versos componho
em total deslumbramento.
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Poema de São Paulo/SP

SUELY DE FREITAS MARTÍ

Abismo de vidro

Caminho sobre o abismo de vidro
me despojando de tudo
o que algum dia tive:
nenhum dos meus sentidos
pode me ajudar agora.
Vazia
nada tenho a oferecer;
presa no não-tempo
tento enganar os guardiões
dessa noite longa
prestes a terminar.
Com um pé em cada dimensão
eu já não me importo:
só o que quero é voltar.
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Trova Popular

No coração da mulher,
por muito frio que faça,        
há sempre calor bastante
para aquecer a desgraça.
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Soneto de São Paulo/SP

COLOMBINA 
Adelaide Schloenbach Blumenschein
(1882 – 1963)

Esse amor...

Há um abismo entre nós. E apesar dessa falta
de ventura e de paz, nosso amor continua...
Cada dia é maior, é mais forte e mais alta
e imperiosa a paixão que em nosso sangue estua.

Longe de ti, meu ser emocionado exalta
em rimas de ouro e sol — cada carícia tua!
E em meu verso, integral, canta, fulge, ressalta
o infinito de amor que o teu nome insinua...

Não me podes amar como eu quisera. É certo.
Mas não existem leis, nem certidões, nem peias,
quando os teus olhos beijo e as tuas mãos aperto.

Tardas... Mas, quando vens, eu sinto que me queres,
que pela minha voz, pelo meu beijo anseias,
e sou a mais feliz de todas as mulheres!
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Trova do Rio de Janeiro/RJ

LUIZ POETA
Luiz Gilberto de Barros

Toda obra que façamos,
faz de nós um coautor.
Deus empresta o que criamos,
Ele, sim, é o Criador.
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Poema de São Paulo/SP

MÔNICA MONTONE

Meu jardim

Eu daria o mundo
Por um canto em mim
Um pedaço de alma qualquer
Onde eu pudesse plantar a calma
Enfeitar meus afetos
E caber dentro do meu coração

Mas minha terra úmida
Está sempre tomada por outros grãos
Sementes de medo
Casulos de seda
Sede de ser única

Vago pelas noites
Como um vaga-lume pelas manhãs

No espelho, não me vejo
Pressinto, apenas, o gosto do gozo
O delírio de aceitar-me
E caber, finalmente
Neste corpo quente que me aquece
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Trova Humorística de São Paulo/SP

THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA

Pede a graça ao padroeiro
e promete ao santo, à beça...
É um beato caloteiro
que não paga nem promessa!
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Soneto do Rio de Janeiro/RJ

CORINA REBUÁ
(1899 – 1957)

Que insônia!

Como faz frio neste quarto agora!
A chuva bate em cheio na vidraça.
E o relógio da igreja, de hora em hora,
Soa. Há passos na rua... E a ronda passa...

Não consigo dormir. Como demora
Esta vigília que me torna lassa!
Se abro um livro, não leio. E lá por fora
Chove. Há passos na rua... E a ronda passa...

Dormes? Não creio... Eu sei que estás velando,
Porque eu pressinto que, de quando em quando,
Vem o teu corpo fluídico e me enlaça.

O relógio da igreja está batendo.
São quatro horas... Que insônia! Está chovendo.
Ouço passos na rua... E a ronda passa.
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Trova Mineira

ARGEMIRO MARTINS CORRÊA
Caxambu/MG, 1918 – 1992, Cambuquira/MG

Não se sabe, na verdade,
se é chorando, se é sorrindo,
quando ela fala a verdade,
quando ela fala mentindo.
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Poema do Rio de Janeiro/RJ

JIDDU SALDANHA

poema noite

noite, canta pra mim
assim, grilo no telhado
centelha de vida e sonho
engendra suave desejo
velejando tua partitura

urdida de esperanças
canta teu silêncio ao grilo
brilhando suave e vazia
apaziguando as estrelas
estremecidas de frio
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Trova de Campinas/SP

ARTHUR THOMAZ

Meu amor, sejamos breves
para a dor não prolongar.
Que as palavras sejam leves
para o adeus não magoar.
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Soneto Mineiro

DIMAS GUIMARÃES
Fazenda Paraná/MG, 1922 – 2000, Nova Serrana/MG

Caleidoscópio

Outrora, foste a pérola mais pura
e mais bela dos mares do Japão,
messe dourada, fonte de ternura,
o tesouro encantado de Jasão.

E, sendo a mais perfeita criatura,
— flor adulta com ares de botão —
eras linda promessa de ventura,
gema rara da Líbia ou do Industão.

Mas veio o outono... As folhas amarelas
lembram extintos sonhos de donzelas...
Sonhos que o tempo rápido esfumou...

E, em vão, procuro pelo teu encanto,
e reparo — olhos úmidos de pranto —
nem a pureza o tempo conservou...
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Trova Premiada em Brumadinho/MG, 2004

RELVA DO EGIPTO REZENDE SILVEIRA 
Belo Horizonte/MG

O sonho é réstia de luz
na longa noite de um só:
é roteiro que seduz,
ouro de estrelas em pó!
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Poema de Bento Gonçalves/RS

HAIDÊ VIEIRA PIGATTO

Quintessência

Amores, todos doem um pouco
todos são laços de fita
correntes de ouro
calda de açúcar
vertem sucos
pelos poros
pelos olhos
pela noite adentro
e de manhã se esquecem
dos relógios implacáveis
parados na eternidade
em olhos de veludo.
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Trova de Maringá/PR

A. A. DE ASSIS

Coitado... tão pobrezinho, 
que até para dar risada 
tem que pedir ao vizinho 
a dentadura emprestada!...
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Glosa do Rio de Janeiro/RJ

GILSON FAUSTINO MAIA

MOTE: 
Quem não tem medo da morte, 
quem nunca faz nada em vão, 
quem, antes de tudo é um forte... 
Este é o homem do sertão! 
Renato Alves 
(Rio de Janeiro/RJ)

GLOSA:
Quem não tem medo da morte, 
querendo ir ao além, 
sem dinheiro, mas com sorte, 
vai de carona no “trem”. 

Quem só quer levar vantagem, 
quem nunca faz nada em vão, 
quem só pensa em vadiagem, 
não serve para o Sertão. 
De ninguém tem um suporte, 
vai seguindo a sua estrada. 
Quem, antes de tudo é um forte... 
Só teme a Deus e mais nada. 

Desce da fronte o suor, 
mas diz em sua oração: 
- Amanhã será melhor! 
Este é o homem do sertão! 
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Trova da Princesa dos Trovadores

CAROLINA RAMOS
Santos/SP

Ante a força intransigente,
para o caos a paz resvala...
- Deus, deste alma a tanta gente
que nem sabe como usá-la!
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Hino de Pomerode/SC

Foi em mil oitocentos e sessenta e três,
Que um povo alemão decidiu,
Cheio de esperança e de fé,
Fazer a sua história no Brasil.

Pomerode! Pomerode!
O teu povo se orgulha de ti,
Ó cidade mais alemã do Brasil,
De beleza e graça Deus te fez.

Com bravura e determinação sem par,
Construíram sua vida em enxaimel*,
Seus jardins e empresas floresceram,
Fizeram do lugar pequeno céu.

Pomerode! Pomerode!
O teu povo se orgulha de ti,
Ó cidade mais alemã do Brasil,
De beleza e graça Deus te fez.

Hoje os filhos dos bravos imigrantes
Preservam seu tesouro maior:
A cultura brasileira de origem alemã,
Fruto de trabalho e amor.

Pomerode! Pomerode!
O teu povo se orgulha de ti,
Ó cidade mais alemã do Brasil,
De beleza e graça Deus te fez.
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* Enxaimel = técnica de construção que utiliza madeira para criar estruturas de edifícios, como casas e galpões.
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Trova de São Paulo/SP

GIVA DA ROCHA

Se interrompe um falso sonho
e evita inútil calvário,
despedida é adeus tristonho,
amargo, mas necessário.
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Poema de Pelotas/RS

PAULO RENATO RODRIGUES

Pescar lembranças

No embornal,
levo minha nostalgia
e um ou dois sonhos de outros tempos.

É nessas tardes caídas
que busco nas águas do açude
um ou dois trechos da fugidia memória.

Nesse cenário azul
das fímbrias da Serra do Mar
cessam todos os ventos.

São horas de passar o fio
e fazer um colar
com as contas da própria história.
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Trova de São Paulo/SP

YEDDA PATRÍCIO

Que o viver nos seja lindo
e entre pessoas queridas,
com muitos “seja bem-vindo”
e bem poucas despedidas!
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Fábula em Versos da França

JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry, 1621 – 1695, Paris

A Fortuna e o rapaz

Sobre o bocal de um poço descansava
Um rapaz; a Fortuna o acordava,
Dizendo que se o moço se afogasse,
Não havia faltar quem a culpasse.

É pobre um, porque foi ao ócio dado;
Pergunta-se-lhe a causa da pobreza,
Responde-nos com toda a singeleza:
«A Fortuna me pôs em este estado.»

Outro está em galés por ser malvado;
Pergunta-se a razão de tal baixeza,
Responde-nos com rosto de tristeza:
«A Fortuna me fez tão desgraçado.»

Perversos dão em muitos precipícios
Pela sua vontade depravada;
Mas nunca hão de culpar seus maus ofícios;

A Fortuna há de ser sempre a culpada:
Tomando-se a Fortuna pelos vícios,
Outra culpa não há mais bem formada.

Silmar Bohrer (Croniquinha) 120

Quando lembro de Edgar Morin vou logo pensando num dos maiores pensadores das ciências em todos os tempos. Conhecido, admirado, respeitado pelas ideias tantas no campo do conhecimento e do saber. 

O francês chegou aos 103 anos na segunda (08 de junho) nos levando ao sociólogo, filósofo, antropólogo, humanista e educador com propostas como as dos seus "Sete saberes necessários para a educação do futuro". E outras mais... 

Mas quem pensa, pesquisa, escreve e também dissemina, tem sua diversidade de pensares, de interpretações e conhecimentos ligados ao lado pessoal. E nestes três anos de labor pós-centenário devemos lembrar do Morin humanista, relendo o que o também escritor escreveu sobre o viver. A vida de todos nós! 

"Às vezes me sinto esmagado pelo amor à vida. Que beleza, que harmonia, que unidade profunda, que complementariedade e solidariedade entre os seres vivos! Que força criadora para inventar miríades de espécies animais e vegetais singulares! Às vezes me sinto esmagado pela crueldade da vida, pela necessidade de matar para viver, por sua energia destruidora, seus conflitos, sempre com o triunfo da morte. Depois consigo reunir, manter, ligar indissoluvelmente as duas verdades contrárias. A vida é dádiva e fardo, a vida é maravilhosa e terrível ". 

Belos dias, bela vida, quantos ensinamentos!

Fonte: Texto enviado pelo autor 

O nosso português de cada dia (Expressões) = 5

CORTIÇO

Favela, casebres amontados, várias casas simples que dividem o mesmo terreno.

Cortiço é casa de abelhas, a expressão surge por aproximação e foi usada pela primeira vez para essa designação pelo escritor Aluísio Azevedo, em 1890, ao denominar assim um  romance que tratava justo deste tipo de habitação.

(SER) CRICRI

Dizemos de pessoas muito chatas, ranzinzas, que incomodam. 

O adjetivo cricri teve origem onomatopaica no barulho irritante produzido pelos grilos.

(SER) CURVA DE RIO

Pessoa de qualidade duvidosa, mau elemento, indesejado, pilantra.

Sua origem está associada à geografia dos rios que, correndo, viajam em linha reta e também fazem curvas e pela existência da força centrífuga tudo que está à flor da água é jogado para margem quando elas surgem. Portanto, tudo que não presta, tudo que não é água, para ali.

CUSPIDO E ESCARRADO

Duas pessoas que andam ou estão sempre juntas e que se parecem muito,

A expressão é resultado da deformação da original esculpido em carrara. Carrara é uma cidade italiana de onde se extrai, há mais de dois mil anos, um dos melhores e mais caros mármores. Esta pedra era usada como matéria-prima para os escultores renascentistas, que a utilizavam por ser dura, resistente e, depois de polida, ter a aparência de pele humana. Como a arte da renascença, de inspiração clássica, consistia em fazer cópias exatas ou fiéis de seus modelos (basta observar as produções de Michelangelo), o modelo e a estátua eram idênticos, daí dizer que pessoas muito parecidas eram como se tivessem sido esculpidas em carrara.

DA LATA

Muito bom, coisa de boa qualidade.

Esta expressão teve origem no fim dos anos 80, depois que o navio Solana Star, foi interceptado pela Guarda Costeira brasileira. A tripulação ciente de que transportava uma grande quantidade de maconha, resolveu jogar a mercadoria ilícita ao mar, para evitar que fossem presos. Dias depois, a muamba que estava acondicionada em latas lacradas, apareceu nas praias do Rio de Janeiro e foi logo recolhida e aproveitada pela população carioca. A notícia correu o Brasil, não só do fato. como da excelente qualidade da droga. Como as expressões se criam com muita facilidade, a partir daí o que é de boa qualidade para o Rio e o resto do país passou a ser da lata.

(USAR) DÁLÍAS

Na linguagem televisiva, "dália" é aquele cartaz que fica ao alcance dos olhos do ator para que ele possa se socorrer na hora em que esquece o texto.

Esse nome, Dália, surgiu depois de um "acidente de cena", muito comum nos tempos da TV ao vivo. Um ator bastante famoso da época, o Fregolente, tinha grande dificuldade em decorar suas falas, por isso, ele as escrevia sempre em pequenas cartolinas e colocava-as junto a um vaso de dálias, que fazia parte do cenário. Um belo dia, o contra-regra, sem querer, acabou levando o vaso com as dálias e, junto com elas, as cartolinas do Fregolente. Na hora em que o programa foi ao ar, na deixa do Fregolente, ele olhou para a mesa, não viu o vaso e, desesperado, falou, em alto e bom som: "Onde diabos meteram as minhas dálias?!" E assim que o nome "dália" acabou ficando até hoje.

(SER) DALTÔNICO

Pessoa com dificuldades de reconhecer cores, principalmente o verde e o vermelho.

ü termo vem do nome do cientista britânico John Dalton que, em 1794, publicou um estudo no qual revelava ter dificuldades para reconhecer as cores verde e vermelha. Após sua morte, seus olhos foram doados para estudos e, a partir daí, os problemas semelhantes receberam seu nome.

DANTESCO

Horroroso, exagerado, diabólico, infernal.

O termo é derivado do nome do poeta italiano Dante Alighieri, 1.265 - 1321, considerado o precursor da literatura renascentista. A associação com o que é horrível diz respeito à sua obra Divina Comédia, mais especificamente à descrição que ele faz do inferno e suas desgraças.

DAR A MÃO À PALMATÓRIA

Reconhecer o próprio erro e aceitar o castigo.

Palmatóría era um instrumento de castigo para alunos até meados do século XX. Consistia num pedaço de madeira firme que terminava com faceta arredondada e chata, cheia de furos. Os alunos ofereciam as mãos e recebiam pancadas nas palmas. Os orifícios do instrumento puxavam a pele e isto provocava muita dor.

Fonte: Nailor Marques Jr. Será o Benedito?: Dicionário de origens de expressões. Maringá/PR: Liceu, 2002.

Recordando Velhas Canções (Noite dos mascarados)

(Marcha, 1967)


Compositor: Chico Buarque de Holanda

- Quem é você?
- Adivinha, se gosta de mim!

Hoje os dois mascarados
Procuram os seus namorados
Perguntando assim:

- Quem é você, diga logo...
- Que eu quero saber o seu jogo...
- Que eu quero morrer no seu bloco...
- Que eu quero me arder no seu fogo.

- Eu sou seresteiro,
Poeta e cantor.
- O meu tempo inteiro
Só zombo do amor.
- Eu tenho um pandeiro.
- Só quero um violão.
- Eu nado em dinheiro.
- Não tenho um tostão.
Fui porta-estandarte,
Não sei mais dançar.
- Eu, modéstia à parte,
Nasci pra sambar.
- Eu sou tão menina...
- Meu tempo passou...
- Eu sou Colombina!
- Eu sou Pierrô!

Mas é Carnaval!
Não me diga mais quem é você!
Amanhã tudo volta ao normal.
Deixa a festa acabar,
Deixa o barco correr.

Deixa o dia raiar, que hoje eu sou
Da maneira que você me quer.
O que você pedir eu lhe dou,
Seja você quem for,
Seja o que Deus quiser!
Seja você quem for,
Seja o que Deus quiser!
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Máscaras e Mistérios: A Essência do Carnaval em 'Noite dos Mascarados'
A música 'Noite dos Mascarados', composta por Chico Buarque, é uma obra que explora a temática do Carnaval, mas vai além da festividade, adentrando nos jogos de identidade e na liberdade de expressão que a ocasião permite. A letra apresenta um diálogo entre duas pessoas mascaradas que flertam e brincam com a ideia de esconder suas verdadeiras identidades, enquanto se permitem viver o momento de festa e sedução que o Carnaval proporciona.

O uso de máscaras é uma metáfora para as facetas que as pessoas podem escolher mostrar ao mundo, especialmente em um contexto de festa onde as convenções sociais são temporariamente suspensas. A música sugere que, sob a proteção das máscaras, as pessoas se sentem mais livres para expressar desejos e sentimentos que, em circunstâncias normais, poderiam ser reprimidos. A interação entre os personagens revela um jogo de adivinhação e charme, onde a identidade real é menos importante do que a experiência compartilhada naquele instante.

A repetição do verso 'Seja você quem for, seja o que Deus quiser!' reforça a ideia de entrega ao momento e à celebração, independentemente das diferenças individuais. Chico Buarque, conhecido por suas letras poéticas e críticas sociais, utiliza a canção para refletir sobre a natureza efêmera da vida e a importância de viver plenamente, mesmo que seja por uma noite de Carnaval. A música se torna um hino à liberdade, ao amor sem preconceitos e à alegria sem limites.

sexta-feira, 30 de agosto de 2024

Daniel Maurício (Poética) 75

 

Trovadora Homenageada do Dia: Mara Melinni (Trovas em preto e branco)


 1
A ausência é tanta, em verdade,
que a minha desilusão
tem a forma da saudade
e os braços… da solidão!!!
2
A passagem mais sofrida,
que nós fazemos a sós,
é ver o alcance da vida
sair do alcance de nós...!
3
A velha esquina esquecida
toda enfeitada de flor,
sem querer, fez-se guarida
de nossa história de amor.
4
Da linda infância de outrora,
guardo os brinquedos diversos,
na lembrança, que hoje mora,
no doce encanto… dos versos!
5
Eu sinto a força da vida
e a mão divina de Deus,
em cada manhã florida,
na aurora… dos versos meus!
6
Mar adentro, mundo afora,
a distância aumenta mais…
e enquanto a saudade chora,
um lenço acena no cais.
7
Meu senhor, por caridade,
não me julgue em atos vãos…
Trago a minha identidade
nos calos das minhas mãos.
8
O tempo passa, é verdade,
levando tudo o que sou…
mas só não passa a saudade
que o próprio tempo deixou!
9
Quando a saudade vagueia
pelas noites, nos meus ais,
o encanto da lua cheia
acalma os meus madrigais.
10
Queimando em silente chama,
a floresta, em triste sina,
caindo ao chão, ainda clama
pela vida... que termina...!
11
Saudade – quantos desejos
por esta espera sem fim…
Relembrando os teus arpejos,
hoje sou refém… de mim!
12
Vida: caminho que alcança
na esquina a sua metade;
de um lado, vive a esperança,
do outro, dorme a saudade.
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AS TROVAS DE MARA MELINNI EM PRETO E BRANCO
por José Feldman

TEMAS ABORDADOS

As "Trovas de Mara Melinni" capturam emoções profundas como saudade, solidão e a passagem do tempo.

Saudade e Solidão: 
A presença constante da saudade se reflete na solidão, mostrando como a ausência de alguém pode moldar nossos sentimentos.

Memórias da Infância: 
A nostalgia pela infância é retratada com carinho, destacando a importância das lembranças e dos momentos simples.

Relação com o Tempo: 
O tempo é um tema central, simbolizando a transitoriedade da vida, mas também a permanência das memórias e da saudade.

Natureza e Vida: 
A conexão com a natureza é evidente, enfatizando a beleza e a tristeza que coexistem na vida.

Identidade e Luta: 
A identidade é apresentada através das experiências vividas, refletindo a luta e a resiliência.

AS TROVAS UMA A UMA

1. A ausência é tanta, em verdade
Reflete a dor da ausência, onde a desilusão se transforma em saudade. A solidão é personificada, mostrando como a falta de alguém amado pode preencher o espaço emocional.

2. A passagem mais sofrida
Explora a ideia da vida como uma jornada solitária. A metáfora do "alcance" sugere que a vida se torna cada vez mais distante e inatingível, intensificando a sensação de perda.

3. A velha esquina esquecida
A esquina, um símbolo de memórias compartilhadas, representa a história de amor que perdura, mesmo em um espaço aparentemente comum, tornando-se um refúgio emocional.

4. Da linda infância de outrora
A nostalgia é palpável nesta trova. Os brinquedos simbolizam a simplicidade e a alegria da infância, enquanto os versos expressam a conexão afetiva com essas memórias.

5. Eu sinto a força da vida
Aqui, a vida é vista como um presente divino, manifestando-se nas manhãs. Os versos tornam-se uma forma de expressar gratidão e reconhecer a beleza da existência.

6. Mar adentro, mundo afora
A distância é um tema recorrente, e o lenço acenando simboliza a saudade e a despedida. O mar representa tanto a separação quanto a vastidão das emoções.

7. Meu senhor, por caridade
Uma súplica por compreensão. A identidade é revelada através das experiências difíceis, e os "calos" simbolizam luta e resiliência, desafiando preconceitos.

8. O tempo passa, é verdade
Reflete sobre a inevitabilidade do tempo, que leva tudo, exceto a saudade. Essa permanência da saudade sugere um vínculo emocional que transcende o tempo.

9. Quando a saudade vagueia
A saudade é personificada, e a lua cheia traz um senso de calma. A natureza se torna um consolo nas horas de dor, mostrando a conexão entre emoções humanas e o mundo natural.

10. Queimando em silente chama
A floresta, símbolo de vida, está em sofrimento. Essa imagem evoca a fragilidade da natureza e a perda inevitável, refletindo a tristeza da vida que termina.

11. Saudade – quantos desejos
A saudade é descrita como uma prisão emocional. Os "arpejos" sugerem lembranças musicais, evocando a beleza de momentos passados que agora geram um desejo profundo.

12. Vida: caminho que alcança
Uma reflexão sobre a dualidade da vida: esperança e saudade coexistem. A esquina simboliza a escolha e a bifurcação entre o que se deseja e o que se perdeu.

RELAÇÃO DAS TROVAS DE MARA COM OUTROS POETAS

As trovas de Mara Melinni dialogam com diversos poetas, refletindo temas universais como saudade, solidão, e a passagem do tempo.

Fernando Pessoa
Mara fala sobre a saudade e a solidão, similar ao que Pessoa expressa em seus poemas sobre a fragmentação do eu e a busca por significado. Ambos exploram a dor emocional e a introspecção. Como por exemplo, em “Tabacaria”, de Pessoa, a solidão e a busca por identidade ecoam a saudade e a desilusão nas trovas.

Cecília Meireles
A nostalgia presente nas trovas ressoa com a obra de Cecília Meireles, que também aborda a infância e as memórias afetivas. Ambas celebram a beleza efêmera da vida e dos momentos passados. Comparado ao poema "Ou isto ou aquilo", de Cecília, a nostalgia pela infância revela como as memórias moldam a identidade e os anseios.

Adélia Prado
A relação com a natureza em Melinni ecoa a poesia de Adélia Prado. A busca por identidade e sentido na vida é um tema comum. Na "A alegria de viver", de Adélia,  há um entrelaçamento entre o cotidiano e o divino ressoando com a natureza e a espiritualidade nas trovas acima .

Vinicius de Moraes
A melancolia do amor e a saudade são centrais nas obras de ambos. Vinicius, com sua musicalidade romântica, complementa a sensibilidade das trovas de Mara, podemos citar por exemplo “Soneto da Separação”, de Vinicius.

Carlos Drummond de Andrade
Como o poema de Drummond “No meio do caminho”, a reflexão sobre o tempo e a transitoriedade da vida em Mellini coincide com a obra de Drummond, que frequentemente explora a condição humana e a passagem do tempo com uma profundidade semelhante.

MARA MELINNI E A POESIA CONTEMPORÂNEA

Alguns poetas contemporâneos podem ser vistos como imbuídos em uma relação com os temas abordados pelas trovadora. Como exemplo, podemos citar:

Mariana Enriquez, com a exploração da memória e da perda.

Assim como Mara, poetas como Ana Cristina Rodrigues e Tatiana Nascimento abordam a saudade e a nostalgia, refletindo sobre experiências pessoais e coletivas. Ana Cristina Rodrigues, e a relação entre o cotidiano e a profundidade emocional, com um foco na saudade. Tatiana Nascimento, numa busca por identidade e a resiliência em meio à solidão.

Rafael Alvim, com a musicalidade dos versos e a reflexão sobre a vida e o tempo. Melinni e poetas contemporâneos, como Rafael, frequentemente utilizam imagens da natureza para expressar sentimentos humanos, criando um elo entre o interno e o externo.

Bruna Lombardi, que se insere numa intersecção entre amor, natureza e introspecção. Poetas como Bruna utilizam a sonoridade para intensificar a emoção, semelhante à fluidez das trovas de Mara.

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

As trovas aqui expostas oferecem uma rica tapeçaria emocional que explora a complexidade da experiência humana. Com um lirismo delicado, a trovadora aborda temas universais como saudade, solidão e a efemeridade da vida, revelando a profundidade de suas emoções e reflexões.

Os diálogos com outros poetas mostram como a poesia de Mara Melinni se insere em um contexto mais amplo, dialogando com temas e emoções que permeiam a literatura brasileira, enriquecendo a compreensão da experiência humana. As imagens naturais e cotidianas que permeiam suas trovas criam uma conexão íntima entre o eu lírico e o mundo ao seu redor, ressaltando a interdependência entre as emoções humanas e a natureza.

A musicalidade nas trovas de Mara é única e profundamente ligada à sua temática emocional. Ela se destaca pela estrutura das trovas e pela fluidez melancólica, enriquecendo a diversidade da poesia contemporânea. Em suma, as trovas não apenas expressam a dor e a beleza da vida, mas também convidam o leitor a uma jornada de autodescoberta e reflexão. Elas nos lembram que, apesar das perdas e da solidão, a poesia tem o poder de capturar a essência da vida, transformando a saudade em arte e oferecendo consolo nas intersecções do tempo e da memória.

Fonte: José Feldman. 50 Trovadores e suas Trovas em preto e branco. IA Open. vol.1. Maringá/PR: Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

Renato Frata (Renascimento de Matilde)

Ninguém saberia dizer o porquê de ela se vestir de preto de segunda a segunda, uma vida toda, como luto antecipado de si mesma a chorar a própria perda. Trazia os lábios pálidos, dentes pretejados e carregava um ar tímido num longo vestido preto de golas altas, meias de seda preta, sapatos pretos e nenhum acessório que não uma fita preta cingindo-lhe a cintura. Minto. Cruzava o corpo a alça longa da bolsa tão negra quanto o que lhe compunha a postura triste de quem tinha a vida como vã passagem.

Esmolava vida, tão grande sua carência.

Chamava-se Matilde, cujo significado "força na batalha, guerreira forte", contrastava com seu ser, um contrassenso, até que certo dia, por volta das nove da manhã, bateu no seu portão um homem musculoso e negro como sua vestimenta, que lhe pediu trabalho.

Capinaria e limparia todo o quintal por um prato de comida.

Viu fome nos olhos dele e cedeu.

Mas não ficaria bem uma mulher sozinha com um desconhecido pelas cercanias, sabia, porém, olhando para o quintal coberto de mato necessitando limpeza, deixou-o entrar, deu-lhe a enxada e o autorizou a iniciar a tarefa. Trancou-se, fechou as cortinas, meteu os ferrolhos nas portas. Pudica como era, não daria azo às vizinhas faladoras.

Lá pelas onze, com a comida pronta, olhou pela fresta e, temerosa, notou que o homem já havia capinado grande área do quintal. Abriu mais a cortina e confirmou; ele trabalhava bem e, como estava envolvido na tarefa, não lhe ofereceria perigo, afinal, era somente um faminto a procurar trabalho.

Então lhe preparou um belo farnel cuja fumaça espalhava o perfume da comida, e um copo de limonada. Com cuidado, levou o almoço até onde ele estava, e foi ali ao lhe passar o prato e o copo que ela, com os olhos cor de garapa saltando das órbitas brancas como louça, pôde contemplar, extasiada, a massa de músculos negros banhada de suor. Sensação que, aliás, nunca havia sentido.

Viu-se diante de um verdadeiro príncipe de ébano, se é que podia dizer isso, E se arrepiou por inteira, com o frio que instantaneamente lhe nasceu no espinhaço, percorreu-a de ponta a ponta e lhe pôs um tremor.

- Ora veja - disse ele, - Muito obrigado, senhora. Não sabe como a fome castiga! - deitou a enxada, desembrulhou o farnel e, sem se fazer de rogado, se pôs a comer. Era tão grande a fome que nem teve como se preocupar com ela, porém, ela não parava de olhá-lo.

Nunca, em toda a vida, estivera tão próxima de músculos tão fortes, rijos, inspiradores e sublimes. E sofreu gastura enquanto esperava, até que num momento ele entornou o copo de refresco e aí sim, olhou firmemente, compenetrado, sorrindo, enquanto lhe devolvia os objetos.

- É a refeição mais gostosa que já tive!

Receosa em lhe dar trela, tremeu como a sentir movimentos peristálticos em todos órgãos do corpo, o que a fez voltar às pressas. Mas não fechou a porta, nem as janelas, nem as cortinas. Deixou que o vento entrasse e a abanasse para amenizar o encantamento do másculo que suava capinando mato, e saísse pelas janelas levando a nebulosa solidão que tanto a martirizava.

Na manhã seguinte Matilde, enfim, fez jus à força do nome; no varal não pendurou somente roupas pretas estendidas ao sol, mas deixou, balançando silente ao vento, uma cueca verde, já gasta pelo uso, que registrava seu renascimento.

Fonte: Renato Benvindo Frata. Fragmentos. SP: Scortecci, 2022. Enviado pelo autor