segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Folclore Brasileiro (Quibungo)



É uma espécie de monstro, meio homem, meio bicho. Tem a cabeça enorme e um grande buraco no meio das costas, que se abre e fecha conforme ele abaixe e levante a cabeça. Come pessoas, especialmente crianças e mulheres, abrindo o buraco e atirando-as dentro dele.

O quibungo, também chamado kibungo ou chibungo, é mito de origem africana que chegou ao Brasil através dos bantus e se fixou no estado da Bahia. Suas histórias sempre surgem em um conto romanceado, com trechos cantados, como é comum na literatura oral da África. Em Angola e Congo, quibungo significa "lobo".

Curiosamente, segundo as observações de Basílio de Magalhães, as histórias do quibungo não acompanharam o deslocamento do elemento bantu no território brasileiro, ocorrendo exclusivamente em terras baianas. Para Luís da Câmara Cascudo, apesar da influência africana ser determinante, "parece que o quibungo, figura de tradições africanas, elemento de contos negros, teve entre nós outros atributos e aprendeu novas atividades".

Extremamente voraz e feio, não possui grande inteligência ou esperteza. Também é muito vulnerável e pode ser morto facilmente a tiro, facada, paulada ou qualquer outra arma. Covarde e medroso, morre gritando, apavorado, de forma quase inocente.

O Quibungo é uma espécie de Bicho-Papão negro, um visitante africano inesperado que acabou por se domiciliar na Bahia, onde passou a fazer parte do folclore local. Trata-se de uma variação do Tutu e da Cuca, cuja principal função era disciplinar, pelo medo, as crianças rebeldes e relutantes em dormir cedo.

O Quibungo faz parte dos contos romanceados, sempre com um episódio trágico ou feliz mas sem data que o localize no tempo. É um Velho do Saco para os meninos, um temível devorador de crianças, especialmente as desobedientes. Sem dúvida um meio eficaz de cobrar disciplina pela imposição do pavor.

Não há testemunho ocular de sua existência, mas, em meio ao universo infantil, existe como coisa concreta. Dentro dessas estórias tradicionais, contadas para as crianças inquietas, ou teimosas, ele se arrasta como um fantasma faminto, como um feroz devorador de meninos e meninas que desgrudam da guarda dos seus pais.

É uma figura da literatura oral afro-brasileira, com sua bestial voracidade, sua imensa feiúra, brutalidade e inexistente finalidade moral. Em quase todos os contos em que aparece o Quibungo há versos para cantar. Esse detalhe lembra as estórias contadas, declamadas e cantadas que ainda hoje podemos ouvir na África equatorial e setentrional e na China, ao ar livre, para um auditório sempre renovado das ruas e praças. É o famoso teatro dos bonecos ou marionetes, onde personagens encenam dramas épicos ou outros de finalidades morais, educativas ou retratando os problemas das comunidades

Em Alger ou Xangai, e mesmo nos países nórdicos, vivem ainda hoje estes artistas de rua, descendentes indiretos dos Mímicos da antiga Roma nos tempos do império. O Quibungo é um forte aliado dentro dessa literatura onde não existem limites para a imaginação.

No Congo e Angola, Quibungo significa "Lobo". Entre os povos da costa ocidental da África, existiam as hordas de salteadores vindos de outras regiões, e que comumente invadiam povoados e aldeias, saqueando tudo; se apossando de mulheres, crianças e demais pertences, e escravizando os homens e os velhos. A este tipo de agressão praticadas pelos grupos invasores eles chamavam de Cumbundo, e a cada indivíduo que faz parte do grupo, Quimbungo que pode ser interpretado como "invasor" ou "invadir", ou "aquele que vem de fora sem ser esperado ou convidado".

De tal sentimento de pavor que sentiam, inspirados pelo Quimbungo invasor, associados à ideia e ao terror inspirados pelo Chibungo, como eram chamados pelos povos negros o Lobo animal, nasceu evidentemente na imaginação popular a concepção dessa entidade estranha - O Kibungo. Os povos Bantus se encarregaram de transmitir às nossas populações do norte e nelas persiste, mesmo após o desaparecimento dos povos em que teve origem.

Desse modo o Quibungo baiano é ao mesmo tempo homem e animal. Espécie de lobo ou velho negro maltrapilho e faminto, sujo e esfarrapado, um verdadeiro fantasma residente nos maiores temores infantis.

Assim, o Quibungo baiano é só baiano, não existe em outros lugares do Brasil. É um bicho meio homem, meio animal, tendo uma cabeça muito grande e também um buraco no meio das costas, que se abre quando ele abaixa a cabeça e se fecha quando levanta. Engole as crianças abaixando a cabeça, abrindo o buraco e jogando-as para dentro. É também um feiticeiro, demônio, lobisomem, macacão, preto velho. No fundo continua sempre a ser um ente estranho e canibal que prefere a carne tenra das crianças.

Desse modo, ele herda aspectos do "Velho do Saco", do Lobisomem, etc. A referência à sua boca às costas, mais lembra o próprio Velho do Saco, que literalmente engolia as crianças pelas costas, uma vez que depois de ensacá-las, jogava o surrão sobre seu dorso e ia embora.

O Homem do Surrão ou "Velho do Saco" faz parte de estórias portuguesas e está em quase toda Europa. É um homem velho, esfarrapado, sujo, muito feio, que procura agarrar as crianças vadias ou descuidadas e metê-las num grande saco de couro, de abertura larga, pronta para este fim.

Não se sabe como morrem as crianças. Se o homem as devora ou mata-as pelo prazer de matá-las. Cada criança que o Homem segura é sacudida no surrão que se fecha. Para este movimento é preciso que o Homem baixe a cabeça. Então o surrão abre-se. Presa a criança, fechado o saco, o Homem ergue a cabeça. São as mesmas atitudes do nosso Quibungo com sua suposta imensa bocarra. Pela descrição, a boca do Quibungo é um saco.

Outro ponto digno de menção sobre o Quinbungo é sua completa vulnerabilidade. Pode ser atacado por qualquer meio, arma branca ou de fogo. Morre gritando, espavorido, acovardado, como o mais inocente dos monstros que a imaginação infantil dos povos já criou.
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Muita gente nunca ouviu falar no quibungo, mas antigamente os supersticiosos diziam que ele existia e era um bicho muito esquisito.

Os velhos escravos, jurando muitas vezes que já tinham visto o quibungo, assim o descreviam: é um bicho meio homem, meio animal; tem uma cabeça enorme e um grande buraco bem no meio das costas. Esse buraco se abre quando o quibungo abaixa a cabeça e se fecha quando a levanta:

— E que fazia o quibungo?

— Que fazia? Pois fazia muita malvadeza, carregando as crianças que encontrava no seu caminho.

Ao ouvir de pai João, essas palavras as crianças que o rodeavam puseram-se a rir, não acreditando em nada do que ele estava contando.

— Pois não é mesmo para nhonhozinho acreditar... Isso tudo é brincadeira de negro velho, para ir matando o tempo...

— Conte, pai João, conte a história do quibungo, pediram as crianças. Conte só mais essa!

Pai João começou a contar a história que ele ouvira, quando criança, de seus pais, lá bem longe na sua terra, sob o teto de uma palhoça... Terra que ele nunca mais pudera ver; palhoça que lhe vinha à lembrança vagamente, entre sombras de palmeiras...

— E seus pais?

— Deus levou...

De olhos muito baços, úmidos sempre, com a voz trêmula e arrastada, Pai João foi contando:

— Quibungo, bicho danado, carrega as crianças! Abaixa a cabeça, abrindo o buraco das costas e dentro vai jogando as que pode pegar...

Pois um dia, um homem que tinha três filhos saiu de casa para ir trabalhar.

Em casa ficaram os três filhos e a mulher.

Ficaram muito sossegados, os meninos brincando, a mãe cuidando da comida.

Mas o quibungo andava ali por perto, rondando a casa, à espera da hora em que pudesse chegar sem perigo e carregar os três meninos.

Mal viu sair o dono da casa e percebeu que as crianças se distraíam com seus brinquedos e a mulher cuidava do serviço, foi se chegando até à porta e perguntou, cantando:

— De quem é esta casa, auê
Como gerê, como gerê, como erá?

Ouvindo aquele canto tão feio, a mulher logo percebeu que era o quibungo. Então, com muito medo, ela fez o que era preciso. Respondeu ao bicho também cantando:

— A casa é de meu marido, auê
Como gerê, como gerê, como erá?

A resposta agradou ao quibungo, que perguntou:

— De quem são esses meninos, auê
Como gerê, como gerê, como erá?

A mulher respondeu, a tremer de susto:

— Estes meninos são meus filhos, auê
Como gerê, como gerê, como erá?

Sempre cantando, o quibungo disse que queria carregar os três meninos.

Era inútil à mulher tentar resistir, porque ninguém podia com o bicho.

Então ela, também cantando, mas com lágrimas nos olhos, pelo amor dos filhos repondeu que o quibungo podia levá-los...

Mais que depressa ele abaixou a cabeça, abrindo o buraco das costas, onde jogou os três meninos, que desapareceram no mesmo instante. Levantou em seguida a cabeça e o buraco se fechou.

Então o quibungo perguntou de quem era a mulher.

Prevendo seu triste fim, ela respondeu que era de seu marido, e o quibungo resolveu carregá-la também.

Mas na hora em que avançou para a mulher, chegou o dono da casa, com uma espingarda, arma de que o quibungo tem medo como ninguém.

Vendo o homem armado e pronto para dar-lhe um tiro, o quibungo não sabia como fugir. Correu para um canto da casa, a ver se podia sair pela porta do fundo. Mas não havia outra porta, nem janelas, porque a casa só tinha a porta da frente.

Vendo-se perdido, o quibungo cantou:

— Arrenego desta casa, auê
Que tem uma porta só, auê
Como gerê, como gerê, como erá...

O dono da casa não quis saber de cantigas com o quibungo.

Ficou em pé no meio da porta, para que o bicho não pudesse fugir. Com toda a calma, apontou a espingarda bem na cabeça do quibungo, que nem se mexia de tanto medo. E contou: um, dois e... três!

O tiro foi tão forte que a palhoça tremeu.

O quibungo nem teve tempo de soltar um gemido.

Então, o homem, com um facão, abriu o buraco das costas do quibungo, salvando a mulher e os três filhos.

Entrou por uma porta e saiu por um canivete; mandou o rei, meu senhor, que conte sete.

Fontes:
"O quibungo". Correio Paulistano. São Paulo, 04 de maio de 1952.
http://www.jangadabrasil.com.br/
http://pt.fantasia.wikia.com/wiki/
http://sitededicas.uol.com.br/

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