quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Rudinei Borges (Pequeno Bloco de Poemas)


O POETA

Parece estar
mais próximo do outro mundo. Está.
Quando dorme a profundeza do sono
o poeta rompe a porta das coisas
e vai às ilhas que ninguém conhece.

Vê na flor não o que a flor não é.
Vê na flor o singelo encanto
e furta das pétalas a luz do dia.

A lamparina acesa atravessa a madrugada.
Junta o alfarrábio e o tinteiro à escrivaninha.
Tece metáforas em silêncio
como se contasse segredos a ninguém.

Consigo já não pode. Nem com os demais.
Chora aqueles que perderam a amada.
Sente na mão a dor das chagas,
porque nele todas as dores se encontram.

Nasce a poesia.
E o poeta devolve às pétalas
a luz do dia
tecida em palavras.
====================

NASCIMENTO DE MARIA FERNANDA

Não tenho razões
para ser
maior que o tempo.
Nem menor
que o instante vago.
Sou apenas o vento
e estou onde quero
como se não quisesse nada.
==================

NASCIMENTO DE THIAGO GONÇALVES

Tenho que prenunciar o cais,
as mulheres grávidas,
o pasto e a cerca.
O ombro dos pais
quando é tempo de colheita.
A mão das mães
diante do fogão à lenha.

Tenho que prenunciar a tarde.
======================

CATEDRAL DE SANTA ANA

Quem é livre
quando calam os sinos
e os candelabros?
Quando a manhã parte
levando os montes?

Ninguém é livre
quando não ama
a intensidade da chama.

Só é livre
a alma branda
quando a paixão doma
a carne
e as marés lentas
tocam cítaras.
==============

ALTAR

Mãe rezava o rosário inteiro
antes de dormir.
E eu baixinho repetia
as palavras da mãe:
amar significa olhar para as coisas
sem sentir saudades delas.
==================

CANÇÃO DAS MÃES

Meu filho não é meu.
É do mundo.
Ele dorme no
meu colo
a viagem inteira.
como se fosse meu.

Logo irei soltá-lo
na estação.
Para onde irá
não sei.

Mas um dia
voltará.
E de novo no
meu colo
dormirá
o sono matinal.
================

O CEMITÉRIO DOS BICHOS

O fundo do quintal
era o cemitério dos bichos.
Quando morria gato e cachorro
era lá que a mãe enterrava.
Um dia morreu a nossa cadelinha
e não teve jeito: fiz promessa,
enxuguei lágrimas e rezei
para que Nossa Senhora
intercedesse por ela no céu.
===================

MENINOS DA SÉTIMA RUA

Tenho saudades do que é breve
e vai para além dos barcos.
Esvai com a alvorada.

Saudades do menino cálido,
que se perdeu nos campos
entre o cais e o beco
e a tenra ilusão dos fósseis.

Saudades daquele menino:
amante das ruas,
andarilho das tardes.
O meu menino.
Eu mesmo.
----------

Fonte:
Jornal de Poesia

Nenhum comentário: