O POETA
Parece estar
mais próximo do outro mundo. Está.
Quando dorme a profundeza do sono
o poeta rompe a porta das coisas
e vai às ilhas que ninguém conhece.
Vê na flor não o que a flor não é.
Vê na flor o singelo encanto
e furta das pétalas a luz do dia.
A lamparina acesa atravessa a madrugada.
Junta o alfarrábio e o tinteiro à escrivaninha.
Tece metáforas em silêncio
como se contasse segredos a ninguém.
Consigo já não pode. Nem com os demais.
Chora aqueles que perderam a amada.
Sente na mão a dor das chagas,
porque nele todas as dores se encontram.
Nasce a poesia.
E o poeta devolve às pétalas
a luz do dia
tecida em palavras.
====================
NASCIMENTO DE MARIA FERNANDA
Não tenho razões
para ser
maior que o tempo.
Nem menor
que o instante vago.
Sou apenas o vento
e estou onde quero
como se não quisesse nada.
==================
NASCIMENTO DE THIAGO GONÇALVES
Tenho que prenunciar o cais,
as mulheres grávidas,
o pasto e a cerca.
O ombro dos pais
quando é tempo de colheita.
A mão das mães
diante do fogão à lenha.
Tenho que prenunciar a tarde.
======================
CATEDRAL DE SANTA ANA
Quem é livre
quando calam os sinos
e os candelabros?
Quando a manhã parte
levando os montes?
Ninguém é livre
quando não ama
a intensidade da chama.
Só é livre
a alma branda
quando a paixão doma
a carne
e as marés lentas
tocam cítaras.
==============
ALTAR
Mãe rezava o rosário inteiro
antes de dormir.
E eu baixinho repetia
as palavras da mãe:
amar significa olhar para as coisas
sem sentir saudades delas.
==================
CANÇÃO DAS MÃES
Meu filho não é meu.
É do mundo.
Ele dorme no
meu colo
a viagem inteira.
como se fosse meu.
Logo irei soltá-lo
na estação.
Para onde irá
não sei.
Mas um dia
voltará.
E de novo no
meu colo
dormirá
o sono matinal.
================
O CEMITÉRIO DOS BICHOS
O fundo do quintal
era o cemitério dos bichos.
Quando morria gato e cachorro
era lá que a mãe enterrava.
Um dia morreu a nossa cadelinha
e não teve jeito: fiz promessa,
enxuguei lágrimas e rezei
para que Nossa Senhora
intercedesse por ela no céu.
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Parece estar
mais próximo do outro mundo. Está.
Quando dorme a profundeza do sono
o poeta rompe a porta das coisas
e vai às ilhas que ninguém conhece.
Vê na flor não o que a flor não é.
Vê na flor o singelo encanto
e furta das pétalas a luz do dia.
A lamparina acesa atravessa a madrugada.
Junta o alfarrábio e o tinteiro à escrivaninha.
Tece metáforas em silêncio
como se contasse segredos a ninguém.
Consigo já não pode. Nem com os demais.
Chora aqueles que perderam a amada.
Sente na mão a dor das chagas,
porque nele todas as dores se encontram.
Nasce a poesia.
E o poeta devolve às pétalas
a luz do dia
tecida em palavras.
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NASCIMENTO DE MARIA FERNANDA
Não tenho razões
para ser
maior que o tempo.
Nem menor
que o instante vago.
Sou apenas o vento
e estou onde quero
como se não quisesse nada.
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NASCIMENTO DE THIAGO GONÇALVES
Tenho que prenunciar o cais,
as mulheres grávidas,
o pasto e a cerca.
O ombro dos pais
quando é tempo de colheita.
A mão das mães
diante do fogão à lenha.
Tenho que prenunciar a tarde.
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CATEDRAL DE SANTA ANA
Quem é livre
quando calam os sinos
e os candelabros?
Quando a manhã parte
levando os montes?
Ninguém é livre
quando não ama
a intensidade da chama.
Só é livre
a alma branda
quando a paixão doma
a carne
e as marés lentas
tocam cítaras.
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ALTAR
Mãe rezava o rosário inteiro
antes de dormir.
E eu baixinho repetia
as palavras da mãe:
amar significa olhar para as coisas
sem sentir saudades delas.
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CANÇÃO DAS MÃES
Meu filho não é meu.
É do mundo.
Ele dorme no
meu colo
a viagem inteira.
como se fosse meu.
Logo irei soltá-lo
na estação.
Para onde irá
não sei.
Mas um dia
voltará.
E de novo no
meu colo
dormirá
o sono matinal.
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O CEMITÉRIO DOS BICHOS
O fundo do quintal
era o cemitério dos bichos.
Quando morria gato e cachorro
era lá que a mãe enterrava.
Um dia morreu a nossa cadelinha
e não teve jeito: fiz promessa,
enxuguei lágrimas e rezei
para que Nossa Senhora
intercedesse por ela no céu.
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MENINOS DA SÉTIMA RUA
Tenho saudades do que é breve
e vai para além dos barcos.
Esvai com a alvorada.
Saudades do menino cálido,
que se perdeu nos campos
entre o cais e o beco
e a tenra ilusão dos fósseis.
Saudades daquele menino:
amante das ruas,
andarilho das tardes.
O meu menino.
Eu mesmo.
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Tenho saudades do que é breve
e vai para além dos barcos.
Esvai com a alvorada.
Saudades do menino cálido,
que se perdeu nos campos
entre o cais e o beco
e a tenra ilusão dos fósseis.
Saudades daquele menino:
amante das ruas,
andarilho das tardes.
O meu menino.
Eu mesmo.
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Fonte:
Jornal de Poesia
Jornal de Poesia
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