A compra de orquídeas sempre traz consigo um certo sabor especulativo. Você tem diante dos olhos um pedaço amarfanhado de tecido vegetal marrom, e para todo o resto precisa confiar apenas no seu discernimento, ou no leiloeiro, ou em sua própria sorte, conforme lhe parecer mais adequado. A planta pode estar agonizante ou morta, mas também pode ter sido uma compra valiosa, por um preço justo, ou quem sabe — pois isto tem acontecido, o tempo todo — comece a desabrochar ali, diante dos olhos deliciados do feliz comprador, dia após dia, alguma nova variedade, alguma rara preciosidade, uma estranha torção no labelo, ou uma coloração mais sutil, ou um mimetismo inesperado. Orgulho, beleza e lucro florescem juntos num delicado talo verde, e quem sabe, até mesmo a imortalidade. Porque o novo milagre da Natureza pode necessitar de um nome específico, e que nome mais conveniente que o do seu descobridor? “Johnsmithia!” Ora, há nomes piores.
Talvez fosse a esperança de uma extraordinária descoberta desse tipo que fazia de Winter-Wedderburn um frequentador habitual desses leilões — essa esperança e também, talvez, o fato de que ele não tinha nenhuma outra coisa minimamente interessante para fazer neste mundo. Era um homem tímido, solitário, desprovido de talentos; dispunha de uma renda apenas suficiente para não permitir que passasse necessidades, e faltava-lhe a energia necessária para ir em busca de um trabalho mais exigente. Poderia ter sido um colecionador de selos ou de moedas, ou poderia ter traduzido Horácio, ou encadernado livros, ou inventado novas espécies de diatomáceas.
Acontece, no entanto, que ele cultivava orquídeas, e era proprietário de uma estufa pequena e ambiciosa.
— Tenho o pressentimento — disse ele, durante o café — de que alguma coisa vai me acontecer hoje.
Ele falava lentamente, tal como pensava e se movia.
— Oh! Não diga isto! — disse sua governanta, que era também sua prima distante. Porque “acontecer alguma coisa” era para ela um eufemismo que tinha apenas um significado.
— Você não me entendeu. Não quero dizer nada desagradável, embora eu não faça ideia do que possa ser. Hoje — prosseguiu ele — o Peters’ vai pôr à venda uma coleção de plantas das Ilhas Andamã e da Índia. Vou até lá para ver o que eles têm. Pode acontecer que eu compre algo interessante sem perceber. Pode muito bem ser isto.
Ele estendeu a xícara para servir-se de café pela segunda vez.
— São essas coisas que aquele pobre rapaz colecionava, aquele de quem você me falou outro dia? — perguntou a prima, enquanto enchia sua xícara.
— Sim — disse ele, contemplando meditativo uma fatia de torrada. — E depois de algum tempo comentou, como que pensando em voz alta: — Nunca acontece nada comigo. Fico pensando por quê. Acontecem coisas com todo mundo. Veja Harvey. Só na semana passada, na segunda-feira, ele achou na calçada seis pence; na quarta-feira suas crianças adoeceram; na sexta seu primo chegou da Austrália, e no sábado quebrou o tornozelo. Que turbilhão de emoções! Comparando comigo...
— Pois eu creio que passaria muito bem sem essas emoções todas — disse a governanta. — Não pode lhe fazer bem.
— Imagino que é algo que gera problemas. Mesmo assim... você sabe, nada me acontece. Quando eu era menino nunca sofri um acidente sequer. Quando cresci, nunca cheguei a me apaixonar. Não me casei. Imagino como deve ser quando alguma coisa nos acontece, alguma coisa extraordinária.
“Aquele colecionador de orquídeas tinha apenas trinta e seis anos, vinte anos mais novo do que eu, quando morreu. Tinha sido casado duas vezes, e divorciou-se uma; teve malária quatro vezes, e uma vez quebrou a coxa. Matou um homem, um malaio; e foi ferido por um dardo envenenado. E no fim de tudo foi morto por sanguessugas da floresta. Tudo isto deve ter lhe causado contratempos, mas também deve ter sido muito interessante, sabe, exceto talvez pelas sanguessugas.”
— Tenho certeza de que não fez bem a ele — disse a dama, cheia de convicção.
— É, talvez não. — Wedderburn olhou o relógio. — Passam vinte e três minutos das oito. Vou pegar o trem das 11h45, então tenho tempo de sobra. Acho que vestirei o meu paletó de alpaca, que é bastante quente, e meu chapéu de feltro cinzento, e sapatos marrons. Suponho que...
Olhou pela janela para o céu sereno e o jardim banhado de sol, e depois, com algum nervosismo, para o rosto de sua prima.
— Seria melhor levar um guarda-chuva, já que vai a Londres — disse ela, numa voz que não admitia recusa. — Lembre-se de que tem a caminhada daqui até a estação, e depois a volta.
Quando ele voltou, estava bastante animado. Tinha feito uma compra. Não era sempre que costumava tomar uma decisão de maneira tão rápida, mas desta vez tinha sido assim.
— Estas aqui são Vandas — disse —, esta é um Dendróbio, e estas aqui são Falenopses.
Examinou afetuosamente suas aquisições, enquanto tomava sopa. Estavam dispostas sobre a imaculada toalha de mesa, e ele contou toda a história à prima enquanto o jantar progredia sem muita pressa. Era seu hábito reconstituir suas idas a Londres, à noite, para o entretenimento da prima e o seu próprio.
— Eu sabia que alguma coisa ia acontecer hoje. E veja, comprei todas estas orquídeas. Algumas delas... algumas delas... tenho certeza, sabe, tenho certeza de que algumas delas devem ser extraordinárias. Não sei bem o que é, mas sinto uma certeza, como se alguém tivesse me garantido que algumas delas são fora do comum.
“Esta aqui”, prosseguiu, apontando um rizoma encarquilhado, “não foi identificada. Pode ser uma Falenopse, ou talvez não. Pode ser uma nova espécie, ou até mesmo um novo genus. E foi o último exemplar colhido pelo pobre do Batten”.
— Não gosto da aparência dela — disse a governanta. — Tem um formato tão feio.
— Para mim ela mal tem algum formato.
— Não gosto dessas coisas estendidas para fora.
— Amanhã vou colocá-la num pote.
— Ela parece — disse a governanta — uma aranha fingindo-se de morta. Wedderburn sorriu e examinou a muda de orquídea, inclinando a cabeça para um lado.
— Bem, é verdade que não é um objeto muito bonito — disse. — Mas nunca se deve julgar essas coisas pela aparência que têm quando estão secas. Ela pode vir a se tornar uma linda orquídea, sem dúvida. Puxa, amanhã vou estar muito ocupado. Hoje à noite verei exatamente o que preciso fazer com todas estas coisas, e amanhã... mãos à obra!
Depois de uma pausa, ele recomeçou:
— Encontraram o pobre Batten morto, ou moribundo, dentro de um mangue pantanoso, não lembro exatamente qual, com uma destas orquídeas esmagada sob o corpo. Ele já vinha adoentado havia alguns dias, com uma dessas febres nativas, e suponho que deve ter desmaiado. Esses mangues têm exalações muito doentias. E as sanguessugas do pântano, pelo que dizem, drenaram até a última gota que tinha nas veias. Ele deu a vida para conseguir uma planta, e talvez seja justamente esta.
— Nem por isso a vejo com bons olhos.
— Os homens devem lutar, mesmo que as mulheres chorem — respondeu Wedderburn, com profunda gravidade. — Imagine só, morrer longe de todo o conforto, num pântano repugnante! Imagine estar doente de febre, sem nada para tomar a não ser clorodina e quinino (se os homens fossem deixados em paz, eles poderiam viver somente de clorodina e quinino!), e tendo em volta apenas aqueles horríveis nativos! Dizem que os ilhéus de Andamã são os tipos mais repugnantes, e em todo caso dificilmente seriam bons enfermeiros, não tendo recebido o treinamento adequado. E todo esse sacrifício para que o povo da Inglaterra tivesse orquídeas!
“Não imagino que tenha sido algo cômodo, mas alguns homens gostam desse tipo de coisa”, disse Wedderburn. “De qualquer modo, os nativos que o acompanhavam foram civilizados o bastante para cuidar de sua coleção até que o colega dele, um ornitologista, voltasse do interior, embora eles não soubessem a que espécie pertencia a orquídea, e permitissem que ela ficasse ressequida. Isto torna as coisas mais interessantes.”
— Torna-as mais repulsivas. Eu iria imaginar que um pouco da malária aderiu a elas. E pense só, um cadáver ficou caído em cima dessa coisa horrorosa! Não pensei nisto antes. Ora! Não posso comer nem mais uma garfada do meu jantar.
— Posso tirá-las da mesa, se quiser, e colocá-las junto da janela. Posso vê-las do mesmo jeito.
Nos dias seguintes ele esteve atarefadíssimo em sua estufa quente e abafada, remexendo em carvão, pedaços de madeira, lodo e todos os demais mistérios do cultivador de orquídeas. Na sua avaliação, estava vivendo momentos muito movimentados. À noite, conversava com os amigos sobre suas novas orquídeas, e a toda hora voltava a se referir à sua expectativa de que algo estranho acontecesse. Algumas das vandas e o dendróbio morreram em suas mãos, mas depois de algum tempo a estranha orquídea começou a dar sinais de vida. Ele ficou entusiasmado e no momento em que fez a descoberta trouxe imediatamente a governanta, que estava fabricando uma geleia, para ver a flor.
— É apenas um botão — disse ele —, mas daqui a pouco tempo haverá uma porção de folhas ali, e estas pequenas coisas que estão saindo por aqui são as raízes aéreas.
— Parecem dedinhos saindo de dentro dessa parte marrom — disse a governanta. — Não gosto deles.
— Por que não?
— Não sei. Parecem dedos querendo nos alcançar. Eu gosto das coisas ou não gosto, não posso mudar.
— Não sei ao certo, mas não acredito que haja orquídeas com raízes aéreas como essas. Pode ser fantasia minha, claro. Veja, são meio achatadas nas extremidades.
— Não gosto delas — disse a governanta, estremecendo e virando as costas.
— Sei que é uma tolice da minha parte, e lamento, principalmente porque você gosta tanto dessa coisa. Mas não paro de pensar naquele cadáver.
— Mas não era esta planta específica, foi apenas uma suposição minha.
A governanta encolheu os ombros:
— Seja como for, não gosto dela.
Wedderburn sentiu-se um pouco magoado diante do desagrado dela, mas isto não o impediu de continuar conversando sobre orquídeas em geral, e aquela em particular, sempre que lhe aprazia.
— Existem coisas curiosas a respeito das orquídeas — disse ele um dia. — Muitas surpresas à nossa espera. Sabe, Darwin estudou sua fertilização, e demonstrou que a estrutura inteira de uma dessas flores estava compactada de modo a que uma mera mariposa fosse capaz de conduzir esse pólen de planta em planta. Bem, parece que há uma quantidade enorme de orquídeas conhecidas cuja flor não pode ser usada para fertilização dessa maneira. Algumas das Cipripédias, por exemplo; não se conhecem insetos capazes de fertilizá-las, e em algumas delas nunca foram encontradas sementes.
— Então, como formam novas plantas?
— Através de estolhos e de túberas, e outros tipos de protuberâncias. É algo que se explica facilmente. A questão é: para que servem as flores? É bem possível — prosseguiu ele — que minha orquídea tenha algum aspecto extraordinário desse tipo. Se for o caso, vou pesquisar. Sempre pensei em fazer pesquisas como as de Darwin, mas até hoje nunca tive tempo, ou sempre acontecia algo para me impedir. As folhas dela estão começando a se abrir agora, gostaria que você viesse vê-las!
Mas ela disse que o orquidário era quente a ponto de lhe dar dor de cabeça. Já vira a planta, uma vez, e aquelas raízes aéreas, algumas das quais tinham agora mais de trinta centímetros de comprimento, davam-lhe a desagradável impressão de tentáculos tentando alcançar alguma coisa; e tinham reaparecido em seus sonhos, crescendo com incrível rapidez em sua direção. Ela tinha, portanto, afirmado com absoluta convicção que não iria olhar para aquela planta novamente, e Wedderburn teria de contemplar sozinho suas folhas. Estas eram de um formato comum, largas, com um verde profundo e luzidio, cheias de pequenas manchas e pontos em vermelho vivo na direção da base. A orquídea estava colocada numa bancada baixa, perto do termômetro, e ao seu lado tinha sido feito um arranjo mediante o qual a água gotejava sobre canos aquecidos e
umedecia o ar. Ele passava agora suas tardes, regularmente, meditando no próximo desabrochar daquela estranha planta.
E por fim deu-se o grande acontecimento. No instante em que entrou no orquidário ele soube que a planta tinha brotado, embora sua grande Falenopse lowii ocultasse o canto onde estava sua nova favorita. Havia um odor novo no ar, um aroma rico, intensamente doce, que suplantava todos os outros no interior da estufa repleta e coberta de vapor.
Wedderburn percebeu isto de imediato ao caminhar na direção da estranha orquídea. E, vejam! Os longos espiques verdes exibiam agora três grandes florescências, das quais emanava aquele irresistível odor adocicado. Ele se deteve, num êxtase de admiração. As flores eram brancas, com raias de laranja dourado sobre as pétalas; o pesado labelo se contorcia numa intrincada projeção, e nele uma tonalidade maravilhosa de roxo misturava-se ao dourado. Wedderburn percebeu de imediato que se tratava de um novo genus. E aquele perfume insuportável! Como o local estava quente! As pétalas pareceram oscilar diante dos seus olhos.
Tinha que verificar se a temperatura estava correta. Deu um passo na direção do termômetro. De repente tudo parecia oscilar. Os tijolos do piso pareciam dançar para cima e para baixo. Então as florescências brancas, as folhas verdes à sua frente, o orquidário inteiro, pareceram deslizar para um lado, e depois fazer uma curva para cima.
Às quatro e meia sua prima preparou o chá, de acordo com o costume invariável da casa. Mas Wedderburn não veio. “Está adorando aquela orquídea horrorosa”, disse ela para si mesma, e esperou dez minutos. “O relógio dele deve ter parado. Vou chamá-lo.”
Foi direto para a estufa, e, ao abrir a porta, chamou-o pelo nome. Não houve resposta. Ela percebeu que o ar estava muito carregado, e saturado de um perfume intenso. Então viu alguma coisa sobre os tijolos do chão, entre os canos de água aquecida.
Durante um minuto, talvez, ela permaneceu imóvel.
Ele estava caído, com o rosto para cima, ao pé da estranha orquídea. As raízes aéreas semelhantes a tentáculos já não oscilavam soltas no ar, mas amontoavam-se num emaranhado de cordões cinzentos, e estavam retesadas, com as extremidades coladas ao queixo, ao pescoço e às mãos do homem caído.
Ela não compreendeu. E então viu que de um daqueles tentáculos exultantes sobre o rosto dele escorria uma gota de sangue. Com um grito inarticulado ela precipitou-se e tentou arrastá-lo para longe daquelas sanguessugas. Partiu dois dos tentáculos, e a seiva que escorreu deles era rubra. Então o irresistível cheiro das flores começou a fazer sua cabeça girar.
Como aquelas coisas estavam agarradas a ele! Ela puxou os fios, tão resistentes, e o homem e as florescências brancas pareceram balançar diante dos seus olhos. Sentiu que ia desmaiar, mas não podia deixar que isso acontecesse. Deixou-o ali e foi às pressas abrir a porta mais próxima, e depois de aspirar o ar puro por alguns momentos teve uma ideia brilhante. Erguendo um vaso de flores, despedaçou as janelas de vidro no fundo da estufa. Só depois entrou novamente. Desta vez arrastou com força renovada o corpo imóvel de Wedderburn, fazendo a orquídea cair ao chão com violência. A planta ainda se agarrava obstinadamente à sua vítima. Com uma energia frenética, ela conseguiu arrastar o homem e a planta para o ar livre.
Então ocorreu-lhe atacar aquelas cordas cinzentas uma por uma; e um minuto depois ele estava livre, e ela o arrastava para longe daquele horror. Wedderburn estava lívido, e sangrava por uma dúzia de pontos em forma de círculo.
O caseiro estava chegando ao jardim, atraído pelo estardalhaço dos vidros quebrados, quando a viu emergir da porta da estufa, arrastando o corpo inanimado, com as mãos tintas de sangue. Por um instante, coisas impossíveis passaram pela cabeça dele.
— Traga água! — gritou ela, e o som de sua voz varreu da mente dele quaisquer suposições. Quando, com uma alacridade fora do normal, ele voltou com a água, encontrou-a chorando de excitação, com a cabeça de Wedderburn pousada no joelho, limpando o sangue do seu rosto.
— O que aconteceu? — disse Wedderburn, abrindo fracamente os olhos, e fechando-os de novo em seguida.
— Vá dizer a Annie que venha me ajudar, e depois corra a chamar o dr. Haddon, agora mesmo! — disse ela para o caseiro, assim que recebeu a vasilha com água, e completou, vendo que ele hesitava: — Quando voltar eu explico tudo.
Por fim Wedderburn abriu os olhos novamente, e vendo seu olhar espantado diante da posição em que se encontrava ela explicou:
— Você desmaiou dentro da estufa.
— E a orquídea?
— Depois eu lhe mostro.
Wedderburn tinha perdido uma boa quantidade de sangue, mas afora isto não tinha sofrido nenhum ferimento grave. Deram-lhe conhaque misturado com um extrato de carne de cor rósea, e levaram-no para sua cama no andar de cima. A governanta contou sua incrível história, de modo fragmentado, ao dr. Haddon.
— Venha até o orquidário e veja — disse ela.
O ar frio de fora entrava soprando pela porta escancarada, e aquele perfume doentio se dissipara quase por completo. A maior parte dos filamentos aéreos da planta já estava encarquilhada, por entre as manchas escuras dos tijolos. O talo da planta tinha se partido na queda, e as flores pendiam moles, com as bordas das pétalas já escurecidas. O doutor inclinou-se para examiná-la, então viu que uma das raízes ainda se movia debilmente, e hesitou.
Na manhã seguinte a estranha orquídea ainda estava lá, agora negra e putrescente. A porta batia de modo intermitente com a brisa da manhã, e toda a coleção de orquídeas de Wedderburn estava ressequida e prostrada. Mas ele em pessoa estava radiante e loquaz no andar de cima, inundado pela glória de sua estranha aventura.
Fonte:
H. G. Wells. O País dos Cegos e Outras Histórias. RJ: Objetiva, 2014.
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