quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

L. P. Baçan (O Comerciante e o Gênio)

       
   Havia um comerciante que possuiu grande riqueza, tanto em terras, mercadorias como também em dinheiro. Ele era obrigado, de tempos em tempos, a viajar para cuidar de seus negócios. Numa dessas vezes, ele montou seu cavalo, levando com ele uma sacola pequena na qual ele tinha posto alguns biscoitos e tâmaras, porque teria que atravessar o deserto, onde nenhuma comida poderia ser encontrada. Ele chegou ao seu destino sem qualquer infortúnio e, tendo terminado seus negócios, partiu em retorno. No quarto dia da jornada, o calor do sol era muito grande e ele decidiu descansar debaixo de algumas árvores. Ele achou, ao pé de uma enorme nogueira, uma fonte de água clara e corrente. Ele desmontou, amarrou seu cavalo a um galho da árvore e se sentou junto à fonte, depois de ter tirado da sacola algumas tâmaras e alguns biscoitos. Quando ele terminou de comer, lavou a face e as mãos na fonte.

          De repente, ele viu um gênio enorme, pálido de fúria, vindo para ele, com uma cimitarra nas mãos.

          — Levante-se! — ordenou o gênio, com uma voz terrível. — Deixe-me mata-lo como você matou meu filho!

          Ao dizer estas palavras, ele deu um grito horroroso. O comerciante, totalmente petrificado diante da face horrorosa do monstro e com as palavras contra ele, respondeu tremulamente:

          — Ai, meu bom senhor bom, o que posso eu ter feito a você para merecer esta morte horrorosa?

          — Eu o matarei! — repetiu o gênio. — Da mesma forma como você matou meu filho.

          — Mas — disse o comerciante, — como possa eu ter matado seu filho se não o conheço e nunca o vi até agora?

          — Quando você chegou aqui, você não se sentou no solo? — perguntou o gênio. — E você não apanhou algumas tâmaras de sua sacola e, ao come-las, não lançou os caroços fora?

          — Sim, eu certamente fiz isso — confirmou o comerciante.

          — Então, eu lhe falo você matou meu filho. Enquanto atirava os caroços fora, meu filho passou a sua frente e um deles o acertou no olho, matando-o. Assim, eu também matarei você.

          — Ah, senhor, me perdoa! — implorou o comerciante.

          — Não terei clemência com você — respondeu o gênio.

          — Mas eu matei seu filho sem querer, assim eu imploro que me poupe a vida.

          — Não! Eu o matarei como matou meu filho!

          Dizendo isso, ele amarrou os braços do comerciante, lançando-o ao solo. Ergueu a cimitarra para lhe a cabeça. O comerciante protestou mais uma vez sua inocência e lamentou as crianças de sua esposa, tentando evitar seu trágico destino. O gênio, com a cimitarra erguida acima de sua cabeça, esperou até que ele tivesse terminado, nem um pouco sensibilizado com as súplicas do outro.

          Quando o mercador percebeu que o gênio estava determinado a lhe cortar a cabeça, ele disse:

          — Só mais um pedido, eu peço. Conceda-me um adiamento, apenas um pouco de tempo para eu ir para casa dizer adeus a minha esposa e filhos e fazer meu testamento. Quando eu fizer isto, eu voltarei aqui e você me matará.

          — Se eu lhe conceder o adiamento que me pede, temo que você não volte mais aqui.

          — Eu lhe dou minha palavra de honra — respondeu o comerciante. — Eu voltarei sem falta.

          — Quanto tempo você quer? — perguntou o gênio.

          — Eu lhe peço a graça de um ano — respondeu o comerciante. — Eu lhe prometo que, daqui a doze meses, eu o estarei esperando debaixo desta árvore para lhe entregar a minha vida.

          Nisso o gênio o deixou perto da fonte e desapareceu. O comerciante, tendo se recuperado do susto, montou seu cavalo e retomou seu caminho. Quando chegou em casa, a esposa e as crianças o receberam com a maior das alegrias. Mas em vez de abraçá-los, ele começou a se lamentar amargamente. Eles adivinharam logo que algo terrível havia acontecido.

          — Fale, conte-nos o que aconteceu! — pediu a esposa dele.

          — Ai! — respondeu-lhe. — Eu só tenho um ano para viver.

          Então ele lhes contou o que tinha acontecido entre ele e o gênio, e como ele tinha dado sua palavra de voltar ao término de um ano para ser morto. Quando eles ouviram esta notícia terrível, entraram em desespero e lamentaram muito. No dia seguinte, ao retomar seus negócios, a primeira coisa que o comerciante começou a fazer foi pagar suas dívidas. Deu presentes para os amigos e grandes esmolas para os pobres. Ele determinou a liberdade de seus escravos e cuidou para nada faltasse à esposa e aos filhos.

          O ano passou logo, obrigando-o a partir. Quando ele tentou dizer adeus, quase foi vencido pelo sofrimento e, com dificuldade, tomou a direção de seu destino final. Quando lá chegou, ele desmontou e se sentou junto à fonte, onde ele esperou a chegada do gênio terrível. Estava ali, esperando, quando um homem velho que conduzia uma corça veio até ele. Saudaram-se e então o velho indagou:

          — Deixe-me perguntar, irmão, o que o trouxe a este lugar do deserto, onde há tantos gênios maus? Vendo estas belas árvores, qualquer um imagina que o local é habitado, mas, na verdade, é um lugar perigoso para se parar por muito tempo.

          O comerciante falou para o velho por que era obrigado a estar ali. O outro o ouviu com surpresa.

          — Mas esse é um acontecimento maravilhoso! Eu gostaria de ser testemunha de seu encontro com o gênio — falou o velho, sentando-se ao lado do comerciante.

          Enquanto eles conversavam, um outro velho chegou, seguido por dois cachorros negros. Ele os saudou e perguntou o que eles estavam fazendo naquele lugar. O velho que estava conduzindo a corça lhe contou a aventura do comerciante com o gênio. O segundo velho, que jamais ouvira uma história semelhante, também decidiu ficar para ver o que iria acontecer. Sentou-se junto aos outros e estavam conversando, quando um terceiro velho chegou, trazendo em seus braços um pote amarelo. Ele perguntou por que o comerciante que estava com eles parecia tão triste. Eles lhe contaram a história e ele também decidiu ficar para ver o que aconteceria entre o gênio e o comerciante.

          Estavam esperando, quando viram uma fumaça espessa, como uma nuvem de poeira. Aquilo foi se aproximando cada vez mais e então tudo desapareceu repentinamente. Eles viram o gênio que, sem falar com eles, se aproximou do comerciante, com espada na mão. Segurando-o pelo braço, disse:

          — Levante-se e me deixe matá-lo como você matou meu filho.

          O comerciante e os três velhos começaram a lamentar e gemer. Então o velho que conduzia a corça se lançou aos pés do monstro e suplicou:

          — Príncipe dos Gênios, eu imploro que detenha sua fúria e me escute. Eu vou lhe contar minha história e a da corça que tenho comigo. Se você achá-la maravilhosa, eu peço que anule um terço do castigo do comerciante que está a ponto de matar!

          O gênio considerou algum tempo, e então disse:

          — Muito bem, eu concordo com isso.

          — Eu vou começar minha história agora — disse o velho. — Por favor, ouça-me com atenção! — pediu ele e iniciou sua história.

continua...

Fontes:
BAÇAN, L. P. Lendas árabes. Pérola/PR: Ed. do Autor, 2007.
Imagem: http://um-livro-de-coisas.blogspot.com

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