quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

V Prêmio Escambau de Microcontos (Resultados I)

Elias Alves da Silva

Nos últimos metros da maratona, olhou para trás para conferir sua posição. Ninguém à vista. Faltava pouco. Era agora ou nunca – o sonho de uma vida. Ao cruzar a linha de chegada, os funcionários, que já retiravam os equipamentos do evento, assistiram ao seu momento de glória.

Laurel Cantuária

Achava que não sentiria mais nada. Porém, a nostalgia o abraçou quando a esposa lhe trouxe flores. Desejou estar vivo para recebê-las.

Zé Ronaldo

Ouviu o clique. Suou frio. Saci nunca poderia imaginar que membro fantasma pudesse acionar mina terrestre.

Francisco Petrônio

Adorava a casa dos tios: guerras de travesseiros, implicâncias mútuas. Bastou a primeira espinha, uns finos pelos no sovaco e as primeiras alterações na voz do primo para ser proibida de “ir para dormir”. Defrontava-se com a realidade de que sua liberdade termina quando começa a puberdade do outro.

Erinilton Gomes Soares

A prancha de surfe na parede. Recordação do tempo em que a filha era dele e não do mar.

Victor Tsuneichi Chida

A flauta empoeirada no canto da sala era um lembrete constante dos sonhos da juventude. Em seus ouvidos hoje, somente o apito marcando o início de mais um turno.

Thyago Costa

Essa foi a votação mais acirrada que já vi. Os a favor tinham total certeza que era o certo a se fazer, os contrários gritavam com raiva ao discordar. No fim o primeiro grupo venceu e eu já estava fora do meu corpo quando as máquinas que ainda faziam meu coração bater foram desligadas.

Thadeu Melo

Ariel, diante da tela, congela. “Não tenho certeza”, pensa. Recorda de sua vida. Que nunca ficou doente; Da sua aptidão nata para as exatas; De sua paixão pelo sci-fi. É a primeira vez que baixa nesse servidor e não sabe como proceder diante da frase no pop-up que pede seu clique: “Não sou um robô”.

Claudia Jeveaux Fim

Aquele café que a esposa serviu, lembrou sua infância.  A nostalgia disfarçou o sabor amargo do veneno.

Cristiane Dias

Respirou fundo e relaxou assim que a maratona acabou. Só de olhar aqueles atletas correndo já estava ficando sem ar.

Mariana Carolo

O amor é milagroso, ela disse. Tocando flauta, ele não a escutou. Sorrindo, ela entendeu que a supernova que criaram começava a se apagar. Nem os milagres são eternos. Ao final daquele ano, restou a escuridão do espaço e um silêncio que soprava ao longe.

Romeu Martins

“O surfe está nas minhas veias!”
“Percebi”, respondeu Drácula cuspindo parafina e fiapos de prancha.

Luiz Antonio Caldas Filho

Na noite boêmia, Lúcio encantava chorinhos em sua flauta transversal. No escuro do quarto, mais tarde, chorava baixinho a falta de Ester.

Emerson Conto

Terminada a votação, recebeu dos colegas de cela um olhar nulo. O código de honra havia sido quebrado e, para que a ordem fosse restabelecida, o eleito deveria morrer. No cárcere, o branco da paz se pintava com mais sangue.

Sá Tiro

Numa História alternativa, o soldado grego partiu de Maratona em corrida, para anunciar a vitória, mas enganou-se no caminho. Quando conseguiu chegar a Atenas, encontrou todas as mulheres e crianças degoladas. Era o combinado, para evitar a violação pelos Persas vencedores. Morreu de remorsos.

Isaac Morais

Com um corte resolveu o problema. Só assim para ter o poder de escolher não virar homem na puberdade.

Tatiana Alves

Achava que tudo na vida era passível de votação, com direito a recurso e a recontagem. Mas se meteu numa terra sem lei, pleito ou sufrágio. E nos olhos da amada vislumbrou abstenção.

Edweine Loureiro

Concluiu o percurso de quarenta e dois quilômetros em duas horas, dois minutos e cinquenta e oito segundos. Não bateu o recorde mundial da maratona, mas, pelo menos, deixara a polícia para trás.

Joaquim Carlos Trovador

Ela era uma costureira da alta sociedade. Ele era um famoso alfaiate. Ambos se amavam e se odiavam. Às vezes, por causa da rivalidade, perdiam a linha, mas entre uma alfinetada e outra eles se costuravam!

Mylena Oliveira

Vestiu seu vestido floral, arrumou o cabelo delicadamente, colocou os sonhos no bolso junto com seu RG onde ainda via escrito “Paulo Borges de Souza”. Foi trabalhar. Sua maior aventura era voltar viva pra casa.

Carolina Santos

Lutou incansavelmente por cada braça até receber do latifundiário os sete palmos que lhe eram de direito.

Edweine Loureiro

O casal vivia responsabilizando o Governo por todos os problemas que tinham. Até serem expulsos do Paraíso.

Mariana Carolo

A novidade brotando na barriga. Quanto mais cheia, mais vazia se sentia.

Aparecida Gianello

Teve um filho, escreveu um livro, plantou uma árvore. O filho cresceu, o livro não vendeu e a árvore agora era sua única esperança… Saiu pra comprar a corda.

Welington Moraes

O vaso quebrado. A cinta na mão. Um osso quebrado. Um olho vazado. O sangue no chão. Os anos de mocidade abreviados. A prisão. O choro. A mãe. O abandono. O caixão. O filho se vai. O pai fica. O resto é amargura e silêncio…

João Paulo Hergesel

A mãe vivia dizendo: “Bota, menino, uma cinta nessa calça! Coisa feia, a cueca aparecendo”.
Mas a mãe não entendia nada do que as meninas gostavam. Mãe nunca foi menina…

Laurel Cantuária

O espantalho comandava o governo. Afirmava proteger os milhos, mas vivia com os corvos sobre os ombros.

Carolina Santos

Um grupo de células se rebelaram contra o governo. Ao receber o resultado do exame descobriu em lágrimas que teria apenas alguns meses de vida.

Regina Ruth Rincon Caires

Com passos trôpegos, caminha pela areia. Fora levado a conhecer o mar. Novidade tardia. Fitando o horizonte, no encontro de céu e água, sente os olhos marejados. No peito, o mesmo encanto de quando conheceu um rio, lá atrás, na primeira pescaria com o pai.

Edweine Loureiro

Quando Yukiko mostrou pela primeira vez aquela cinta-liga vermelha sob o quimono, Hiro, seu namorado, não pôde conter-se: comprando logo, para ele, uma cinta do mesmo tipo.

Thadeu Melo

Cruza enfim a linha de chegada, vitorioso! Foi uma árdua maratona. O alívio vem ao subir o topo do pódio. Gozará agora de um longo repouso. Ouve-se um som de beep contínuo.
—Doutor, venha ver.
—Céus…
—Devo avisar os familiares?
—Não, não. Eu cuido disso. Apenas desligue os aparelhos.
—Sim, senhor.

Claudia Jeveaux Fim

Entrava em tubos, picos e até marolas…
A prancha de surfe na parede, o levava ao Secret Point, mesmo preso às máquinas.

Luiz Antonio Caldas Filho

— Alguém aqui sabe o que é puberdade?
— É quando o menino e a menina começam a ver aqueles videos?
— Qué isso, Pedrinho? Que vídeos?
— Do Bolsonaro, professora!

Clara Gianni

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Cristian X Baek

Rita, trinta e um tombo. Em nove anos de coma viveu inesquecíveis cem vidas, de pó a pó. Desperta agora em eterno déjà-vu, presa e livre. Nostalgia instantânea, um presente com gosto de passado. Futuro não há. Sem medos ou anseios, pois hoje o tempo é não-linear. Nada como o mesmo dia após o outro.

Luiz Antonio Caldas Filho

Encontrara a solução para sua nostalgia. Uma forma de viajar 100 anos no passado. Para azar de todos, não era cientista; apenas presidente.

Laurel Cantuária

Entre um clique e outro, Suzanna fotografou o casamento do homem com quem viveria pelo resto da vida.

Iolandinha Pinheiro

Foram cinco cliques, um para cada membro da família, e em poucos segundos era o herdeiro universal.

Jefferson Lemos

Imediatamente sentiu falta de casa, e ali, sozinho, a nostalgia era sua única companhia. Quão triste era o último homem da terra, preso na lua, vendo seu planeta se dissolver numa bola de fogo colossal.
Não tinha muito o que fazer; chorou.

Carolina Santos

Meu nome? Staphanie Granada. O que eu faço? Ah, eu pratico surfe de trem. Medo? Não tenho medo não. É no “back-side” do metal que toda parada acontece, agora se tomar a “vaca”, aí mano, já era, vira comida de trilho.

Aldenor Pimentel

Enfadado de lugares-comuns, o poeta refugiou-se nas montanhas. Do topo, mergulhou no mar de palavras já ditas. Encharcado delas, caminhou até a praia e as deixou cair na areia. Com a ponta dos dedos, enterrou-as no chão e viu brotarem neologismos. Para ele, reinventar o antigo não era novidade.

Thadeu Melo

 Nosso herói parte em sua busca pelo totem perdido. Escala montanhas, navega em águas turvas, atravessa pântanos, desertos… devasta vilas e castelos…
— Achou o grampeador?
— Ah… sim, sim.
— Certo. Às 6 quero aquele relatório.
O herói segue em sua aventura rumo à morte do tédio no dia-a-dia…

Junior Alves

Sem conseguir furtar nada, ele saiu da casa aos trancos e barrancos, quebrando tudo que pôde.
– Seja homem e saia já dessa árvore! – Berrou o velho em seu encalço, bufando ao ver para onde ele se refugiara.
– Meu bem… – Uma senhora gritou da porta – Deixe esse esquilo em paz e volte para dentro!

Gina Eugênio Girão

“Por destino, uma Parca fiandeira – porém, corto, do vestido, a anágua”, declamou ela, costureira de si mesma, tecituras ao tempo da maturidade. E arrematou: “Necessário, também, bordar e pintar, tricotar, bricolar, rasgar e remendar!”

Natalia Vale

Linha a linha, ponto a ponto, nó a nó, a obra nasce. A costureira olha-a, embevecida, como se de um filho se tratasse. Mas, tristemente, perde-lhe o rasto. Resta-lhe a memória, que também se vai desvanecendo.
Letra a letra, o livro surgiu. Perdeu-se, igualmente, no tempo.

Denise Andressa Gonsalez Santos

Pimenta no copo, feijão na garrafa e chita na braça, assim eram vendidas as coisas no armazém do Seu Tião. O velho coronel media e precificava bicho, coisa e gente com a exatidão dos próprios critérios. O trinta e oito e alguns jagunços garantiam isso.

Regina Ruth Rincon Caires

Como podia, um homem tão miúdo, ser respeitado por dizer: “óia” a cinta?! E era… Como era! Nunca desferiu uma lambada. O corretivo ficava na competência da mãe. Nas mãos dela, o couro comia…

Rita Zuim Lavoyer

Romântico, Enzo sonhou uma liberdade utópica. Fugiu para a natureza. Com ela identificou-se. Fixou-se ali. Fez parte dela. Viu-se árvore. Debaixo dela fez o balanço da sua existência. Regresso, concluiu: há sonhos possíveis. Agora, lança sementes. Quer ser árvore e sombra para quem dele precisar.

Nilo Paraná

Procurou pelos confins do universo, mas foi no seu planeta natal que ele encontrou a árvore da vida. Quase seca, morrendo, assim como seu desértico mundo. Cada folha que caia era mais uma galáxia destruída. O fim dos tempos chegara. Abriu sua cova e deitou-se. A última folha veio cobri-lo.

Tatiana Alves

Manter o governo daquela embarcação era quase impossível. A prudência já o abandonara havia muito tempo. A obsessão por aquela baleia controlava seu coração e, desde então, seus atos adernavam tanto quanto o navio em dia de tempestade.

Carolina Santos

 A aventura era diária. Às cinco da manhã equilibrava a criança no ônibus cheio, escalava a escada para limpar vidros de elite, abdominais que lustravam o chão, percorria trilhas de desgostos sorrindo. À noite, em sonho, subia a mais alta montanha e respirava liberdade.

Junior Alves

 Já destemido ele nasceu. Um só frio na barriga, jamais sofreu. Segunda enfrentava dragões, terça demônios exorcizava, quarta estudava os males e quinta os experimentava. Sexta matava inimigos, sábado os carregava e domingo, as moças ele cortejava. E só quando morreu, o que era aventura ele entendeu.

João Paulo Hergesel

Maria segurava o envelope com a novidade em uma das mãos; com a outra, alisava a barriga. Quando o marido chegou, abraçaram-se e derramaram algumas lágrimas. Depois de nove meses, o câncer intestinal a levou.

Romeu Martins

— Que estresse este trabalho sobre sistemas de medidas!
— Por que, amor?
— Olha essa tal de braça, usada no campo: “comprimento de dois braços abertos, como num abraço”. Seria como usar a duração de um beijo pra medir o tempo! Que tipo de mundo usa abraços e beijos como padrão?
— Um mundo melhor?

Regina Ruth Rincon Caires

 Audacioso?! Não, isso Nicanor nunca foi. Mas, quando descansou os olhos naquele rosto aformoseado pelo véu preto, na missa de domingo, perdeu o juízo. Estonteado, jogou-se na aventura. Não sabia que era a mulher do açougueiro. Hoje, Nicanor figura na estatística dos desaparecidos.

Claudio Antonio Mendes

Quando alguém pediu para a costureira uma mortalha, ela não imaginava que seria para si mesma. Alguns babados do passado ficaram sem arremates.

Thadeu Melo

Enquanto isso, na vila:
– Braça! Você não sabe o que é braça? — pergunta Seu Barriga.
— É a mulher do braço? — responde Chaves.
(Ah não, Thadeu! É esse o microconto? Tu fazes melhor que isso!)
Exausto e cego pelo nevoeiro, desistiu e afogou-se à distância de uma braça da baía.
(Agora sim!)

Emerson Conto

A mãe fingia não entender como Danilo, educado para ser um bom cristão, tornara-se um assassino. Já o rapaz atribuía seu comportamento justamente à criação que tivera:
- A cinta do pai foi minha igreja - balbuciou diante do homem enforcado pela moral de couro que lhe sustentava as calças.

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