quarta-feira, 16 de outubro de 2024

José Feldman (Pafúncio e o Velório do Cantor)

 
Era uma manhã nublada quando Pafúncio, o jornalista da revista de fofocas, recebeu uma tarefa que o deixou em estado de choque: cobrir o velório de um famoso cantor pop que havia falecido. O editor da revista, em um momento de pura ousadia, achou que Pafúncio seria a pessoa perfeita para trazer um “toque especial” ao evento.

Com um terno que parecia ter sido herdado de um tio distante e uma gravata de estampas questionáveis, Pafúncio chegou ao local do velório. A atmosfera estava pesada, mas ele, em sua natureza despreocupada, acreditava que poderia trazer alguma leveza ao ambiente.

Assim que entrou na sala, Pafúncio se deparou com uma multidão de fãs chorando e uma série de flores e coroas espalhadas por todo o espaço. Ele se aproximou do caixão, onde o cantor estava descansando em paz, e começou a se preparar para tirar algumas fotos. “Isso vai render uma ótima matéria!” pensou, enquanto ajeitava a câmera.

No entanto, sua primeira trapalhada ocorreu quando, ao tentar ajustar a lente, ele acidentalmente ativou o flash. O estalo foi tão alto que muitos dos presentes se viraram, surpresos. 

“Desculpe, gente! Só capturando a luz do além!” Pafúncio gritou, fazendo alguns fãs rirem nervosamente.

Decidido a fazer uma reportagem que seria lembrada, ele começou a entrevistar os fãs que estavam ali. 

“O que você mais gostava no cantor?” perguntou a uma fã, que, em meio às lágrimas, respondeu: “A voz dele era como um anjo!”

“E como você acha que ele se sentiria se soubesse que você está aqui?” Pafúncio continuou, sem perceber que estava sendo totalmente insensível.

“Ele estaria feliz! Mas, por favor, é um velório…” a fã tentou responder, mas Pafúncio já estava distraído, tentando captar a emoção dela com a câmera.

Em sua busca por boas histórias, Pafúncio se aproximou de um grupo de músicos que estavam lamentando a perda do amigo. 

“Oi, posso perguntar como é ser parte da banda do ‘Cantor que Não Deveria Estar Morto’?” ele disse, sem pensar. 

Os músicos o olharam com uma mistura de indignação e surpresa.

“Ele não está ‘morto’! Ele só está descansando!” um deles gritou, enquanto Pafúncio tentava se explicar. “Eu quis dizer… é uma expressão! Como ‘partir para outra!’” ele balbuciou, mas a situação só piorou.

Pafúncio então decidiu que precisava fazer algo grandioso para a reportagem. Ele se lembrou de que o cantor havia escrito uma famosa balada sobre amor e, em um momento de pura inspiração, decidiu que seria uma boa ideia cantar um trecho da música no velório. Subindo em uma cadeira, ele começou a entoar a canção com toda a sua alma, mas sua voz era tão desafinada que os presentes começaram a olhar para ele com expressões de horror.

“Pafúncio, por favor, desça daí!” gritou um dos organizadores do velório, mas ele estava tão envolvido em sua performance que ignorou os avisos.

Depois de alguns versos desastrosos, ele perdeu o equilíbrio e caiu, derrubando uma mesa cheia de flores. As flores voaram pelo ar, caindo sobre o caixão e as pessoas ao redor. 

“Desculpe! Isso foi um… um tributo floral!” ele gritou, enquanto tentava se levantar, mas as pessoas já estavam em estado de choque.

Para piorar a situação, Pafúncio, tentando se desculpar, pegou um copo d'água para se refrescar e, sem querer, jogou o conteúdo todo na direção do caixão. O líquido escorreu pelo lado e atingiu a roupa do cantor. 

“Isso é um sinal! Ele está se mexendo!” alguém gritou, e as pessoas começaram a entrar em pânico.

Quando a situação parecia mais insustentável, algo realmente surpreendente aconteceu. Com um estalo, o caixão se abriu lentamente e, para espanto de todos, o cantor começou a se levantar. Com um olhar irritado, ele se virou para Pafúncio, que estava paralisado de medo.

“Pafúncio! Por favor, me deixe morrer em paz!” exclamou o cantor, claramente frustrado com toda a confusão. 

Ele olhou para a multidão, que estava em estado de choque, e disse: “Eu só queria um velório tranquilo, e você transformou isso em um show!”

A sala ficou em silêncio absoluto, e Pafúncio, com o rosto vermelho de vergonha, finalmente encontrou sua voz. “Desculpe! Eu só queria ajudar!” ele gaguejou.

O cantor, ainda visivelmente irritado, balançou a cabeça e se deixou cair de volta no caixão. “Você realmente não deveria estar aqui, Pafúncio,” ele disse, enquanto a tampa do caixão se fechava lentamente.

Com a tensão no ar, as pessoas começaram a rir nervosamente, e Pafúncio finalmente percebeu que havia se tornado o centro das atenções, mas não da maneira que esperava. 

“Acho que sou a última pessoa que deveria fazer reportagens sobre eventos tristes,” ele murmurou, enquanto começava a se afastar do caixão.

Saindo do velório, Pafúncio se sentiu aliviado, mas também um pouco triste. “O que será que vou escrever sobre isso?” ele pensou, enquanto se afastava, já pensando na manchete: “O cantor que não queria ser perturbado e o jornalista trapalhão que não sabia quando parar.”

E assim, mais uma vez, Pafúncio provou que, em sua vida cheia de desastres, sempre havia espaço para uma boa história — mesmo que essa história envolvesse um cantor ressuscitando para pedir paz. 

Fonte: José Feldman. Peripécias de um jornalista de fofocas & outros contos. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul, 2024.

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