quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Nicanor Filadelfo Pereira (Seleção Poética)

(id: MCCVII)
Imagem Transcendente

Como a luz que se esvai no espaço,
Absorvida pela negridão da noite,
A minh’alma, em delírios e cansaços,
Esvanece em murmúrios e pernoites.

Na busca incessante do amor ausente,
Entrego-me a buscar, no etéreo, a tua imagem
E a desfazer-me em lágrimas correntes,
Ao inundar-me os olhos, esta miragem.

Oh! Que insana a negridão profunda,
Na perene escuridão de tua ausência
Que, em dores e lamentos, meu peito inunda.

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Vida, Arte e Poesia

A vida é feita de arte,
A arte é fruto do engenho,
Engenho que a alma tem parte
E fruto do nosso empenho.

Façamos, todos, o empenho
De viver a nossa arte,
Pois, somos, de Deus, o engenho,
Compostos com muita arte.

A poesia, também, é arte,
De som, palavra, o engenho,
Dos sonhos que d’alma partem
Nascida do nosso empenho.
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Poetar

Alguém me perguntou, um dia,
onde poderia encontrar
uma escola de poesia
que lhe ensinasse a poetar.

Então, respondi: — não sei,
poesia jamais se aprende,
pois, que vem da inata lei,
que medra n’alma da gente.

Nasce no brilhar da estrela,
na branca altivez da lua,
quando nos propomos vê-la,
simplesmente de alma nua.

No cantar de um passarinho,
pousado em árvore frondosa,
que, paciente, constrói o ninho,
para a amada que desposa.

Nasce ao som da cachoeira;
nas cores de um colibri,
beijando a flor da amoreira;
No gorjeio de um bem-te-vi.

Nasce n’alma de quem ama,
que, da vida, vive o dom;
que, do beijo, sente a flama,
a aquecer-lhe o coração.

Poetar é o dom mais sublime
que, nos loucos devaneios,
das agruras nos redime,
dando azo a estes anseios.

É sonhar, viver, cantar,
embalando a saudade
num misto de bem estar,
com ar de felicidade.

É viver a vida em verso,
na melodia em que vem.
Fazer da dor o reverso
e transformá-la num bem.
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Carro de Boi

Vai... vai, meu moroso carro cantante,
pela estrada sinuosa de tua vida,
leva os sonhos de almas flamejantes
que deixaste, na tua despedida.

Segue em frente o destino que traçaste,
não te importes co’os ecos do destino,
não foras tu que a ele encomendaste
para, em mim, causares os desatinos.

Pois, a vida e os caminhos campesinos
são os maduros frutos do teu eco,
porque, em minh’alma, ressoam como um hino

as saudosas lembranças que deixaste,
tal qual — ao longe — um carrilhão de sinos...
dos, memoráveis, tempos de eu menino.
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Sonhar

Sonhar... É como viajar no etéreo,
nas suaves ondas da imaginação...
A prescrutar da vida os seus mistérios,
na mansa placidez da emoção.

Suprir de belo todos os desejos,
colorindo a vida com mil matizes
e valer-se de todos os ensejos
de recordar seus dias mais felizes.

Qual o cisme, na placidez do lago
que, enquanto a brisa lhe cobre com afagos,
altivo e sereno volteia, sem ter rumo.

E, ao léu, flutua em plenos devaneios,
como se, do lago, fora o seu fidalgo,
enquanto feliz, sonha, em real aprumo.
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A Bruma e a Saudade

Como a bruma, a pairar sobre a cidade,
assim, o tédio sobre a alma do poeta,
vai gerando em seu peito a saudade
como se, do algoz, fora a dura seta.

E, nesta bruma que o meu peito invade,
sinto, n'alma, a mais profunda dor...
Recordo triste a real felicidade
das floridas manhãs, ao sol do amor.

Foram-se, assim, os dias glamourosos,
foram-se os resplandecentes risos,
restando-me somente os brumosos.

Como a cascavel, a oscilar seus guizos,
sinto, em meu peito, a latejante dor
e, desta névoa, o sabor mais amargoso...
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Relógio

Tic-tac, tic-tac...
É o teu falar, sem fim...
A cada toque,
uma pancada em mim.

E, esses tic-tacs,
constantemente assim,
vão ferindo minh’alma, enfim.

Há!... se, o calar tua voz
impusesse ao sofrimento um fim,
não hesitaria, eu, em dar-te um fim.

Mas, qual?... se, amar de longe é tão ruim,
que adianta dar-te um fim,
se, a dor da saudade...
Vai continuar... doendo em mim?!
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Crisálida

O mundo de nossos sonhos,
de alegres sons e matizes,
às vezes, são tão medonhos
e noutras, já, tão felizes.

Formam imagens etéreas,
diáfanas e coloridas,
esvoaçantes, aéreas,
que, jamais, delas se olvida.

Às vezes, são utopias,
sonâmbulos devaneios
que férteis imagens criam,
por força do nosso anseio.

Mas, se é medonho o teu sonho,
como lagarta voraz,
não fiques, assim, tristonho;
que em crisálida se faz.

E, quando o tempo passar,
que bela imagem verás!
A borboleta a voar,
preto, vermelho e lilás...

Então, verás que, no sonho,
como um casulo, contém
um mundo, já, tão risonho
àqueles que os sonhos têm.
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A Testemunha

Surgiu no céu a lua branca... toda airosa,
em celeste e belo manto estrelado...
E minh’alma, extasiada e radiosa,
recorda a mocidade, o seu passado.

No Sítio da Saudade... os arvoredos
pelos fúlgidos raios trespassados,
neste chão, assinalam os seus segredos
de felizes momentos, tão sagrados.

E a esplendorosa ninfa dos amantes,
testemunha ocular de doces beijos,
do alto trono sorri, por um instante,

ao saber que, nesta alma delirante,
vagueia, em recôndito benfazejo,
o mais sincero amor inebriante.
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O Poeta e o Pintor

À noite, olhando ao céu, disse o poeta:
Veja que linda estrela o céu ponteia,
seu brilho é tal que, n’alma, me desperta
rimas de amor que o próprio amor anseia.

Vênus cintila em coração amante,
como, nas claras noites de lua cheia,
dos namorados, as setas flamejantes,
os débeis corações de amor permeiam.

À noite, olhando ao céu, disse o pintor:
veja que linda estrela o céu ponteia,
seu brilho é tal que, na alma, me desperta
vivas cores de amor, em tela cheia.

O brilho de Vênus vou retratar,
na celeste imagem que ao céu clareia,
em novo tom, na essência o dom de amar,
sublime impulso que a alma incendeia.

Completando, disse o poeta ao pintor:
se, nas cores, tu vês o dom de amar,
és tu, como o poeta sonhador,
se, o amor és tu capaz de retratar.

O pintor, então, respondeu ao poeta:
se, com palavras, tu és capaz de pintar
as tão lindas cores que o amor desperta,
és tu, também, pintor que sabe amar...

Assim, houveram-se por concordar:
se é tão bela a vida para sonhar
e tão bonito o céu para se olhar,
mais belo será... para quem sabe amar!
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Pelas Estradas da Vida

Já fui menino, imberbe e sonhador.
vaguei pelas entranhas dos castelos,
nas urdidas tessituras do amor,
vivendo anseios cada vez mais belos.

Senti, em cada flor do meu jardim,
o perfume da vida em fantasias,
onde, os olores todos, para mim,
recendiam mil virtudes e alegrias.

Vivi o intenso amor, sem fingimento,
na estrada pedregosa desta vida,
trafegando com o coração sedento.

Vagando, hoje, com pés e alma ferida,
busco um pouso para o esperado fim,
ao encontro de bálsamo e linimento.
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Kasato-Maru

Com esperanças, deixando saudades,
do porto, zarpou o saudoso navio,
destino traçado, na rota o Brasil,
em busca dos sonhos de felicidades!

Do emblemático ninho do sol nascente,
saia um povo, com novo ideal,
buscando da vida, aqui, no ocidente,
fazer desta terra sua terra natal.

Aqui, aportaram, com fé e alegria.
Olharam pras serras, pras terras sem fim...
no peito, os anseios, também, nostalgia...
é a luta da vida... é a vida enfim!

Sonhavam o sonho de nova nação,
mas, criam, ainda, que lá voltariam
e a paz brotaria em seu coração:
já, a pátria querida de novo veriam...

Passaram os tempos... e, aqui, se firmou.
O povo plantou e colheu, com labor,
fincando as raízes, frutificou,
gerando a esta terra, também, seu amor.

Na pele e nos olhos, ficaram sinais,
marcando, com suor, o grande denodo:
bravura sem par dos seus ancestrais,
sanseis e nisseis formaram um todo.

De bola vermelha, aquela bandeira,
de verde e amarelo, aqui, se pintou,
formando esta grei que é brasileira,
de um novo povo que aqui se formou.

Nicanor Filadelfo Pereira (1939)

(id: MCCVI)

Poeta e cronista, nasceu em São Paulo em 19/08/39 e aos sete anos de idade foi residir em Jandira /SP onde cursou o primário, na Escola Mista da Parada Jandira, cursou depois o ginasial em Osasco e o Colegial (Clássico) no Colégio Campos Salles, na Lapa, São Paulo, capital. Foi correspondente dos jornais regionais: O Imparcial e O Suburbano da cidade de Itapevi/SP.

Aos dezoito anos ingressou na política partidária, tendo exercido diversos cargos na estrutura dos partidos de que fez parte, desde o PSB, PSP, posteriormente na Arena e, depois, no MDB. Foi vereador na cidade de Jandira, onde exerceu o primeiro mandato de Presidente da Câmara.

Sempre teve interesse especial pela Literatura, dedicando-se à escrita em prosa e verso. Em 1981 transferiu-se com sua família para Sorocaba, onde reside atualmente, mantendo, no entanto, seus vínculos com a cidade de Jandira, em função de suas atividades comerciais. Em Sorocaba faz parte das diretoria da CERES - Casa do Escritor da Região de Sorocaba, onde exerce o cargo de Diretor Executivo, é membro do Grupo Coesão Poética de Sorocaba e colunista dos sites: http://www.sorocult.com/ e http://www.joaquimevonio.com/

Fonte:
http://www.sorocult.com/

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Renato de Oliveira Leme na XX.Bienal Internacional do Livro

(id: MCCV)

O livro “A Baleia que aprendeu a voar” selecionado pela Comissão de Desenvolvimento da Cultura – CDC da Secretaria da Cultura e patrocinado pela Lei de Incentivo à Cultura – LINC, do escritor sorocabano Renato de Oliveira Leme, está na 20ª Bienal Internacional do Livro.

Nesta singela história de ficção, através da utilização de metáforas, o leitor é levado a refletir sobre seus objetivos pessoais, sonhos e conquistas. Nas conversas com o menino João, enquanto narra suas aventuras pelo oceano, a Baleia vai lentamente, transferindo ao rapaz, a essência de seu crescimento.

No início, todo vôo demanda um ousar, um distinguir-se dos demais, para alcançar o que almejamos. Satisfeita esta condição, percebe-se responsável pelo trabalho de elevar a condição humana em todas as suas dimensões. Conclui-se que, como num rio que se avoluma, mesmo que em desigualdade de entrega e mérito, ou todos participam, ou jamais alcançaremos o desaguar em Deus. Este livro de leitura fácil e direta, também consegue, com a mesma facilidade, prender a atenção de quem o lê. A cada capítulo, satisfaz uma pergunta ao mesmo tempo em que cria a necessidade de outra resposta.

Por fim, “A Baleia que aprendeu a voar” é uma obra destinada a aqueles que conseguem ler pelas entrelinhas, priorizando o implícito ao explícito. Modestamente, “A Baleia” se apresenta como adequada para quem se identifica como educador, porque procura restaurar no adulto, a capacidade de enxergar com os olhos de criança.

Aos que desejarem conferir, este livro sorocabano está exposto na prateleira de auto-ajuda do Stand das Edições Loyola, localizado no cruzamento da Rua H com a Avenida 5 do Pavilhão de Exposições do Anhembi, onde se realiza a 20ª Bienal. Outras informações poderão ser esclarecidas através do e-mail abaleiaqueaprendeuavoar@uol.com.br

Fonte:
Douglas Lara. In
http://www.sorocaba.com.br/acontece
Capa do Livro: http://www.ottonieditora.com.br

José Verdasca (Parabens Sorocaba)

(id: MCCIV)

Bela terra de tropeiros
Albergaste os pioneiros
Oh lugar de gente fina
Tua cultura erudita
Torna a terra tão bonita
Como a mais bela menina

Neste seu aniversário
Vamos honrar o Sacrário
Que guarda nossa cultura
Visita de gente pobre
À terra de gente nobre
Onde a convivência é pura
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15 de agosto, a cidade de Sorocaba completou 354 anos (veja postagem sobre a cidade em 31 de julho)
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Fontes:
Colaboração do escritor e divulgador Douglas Lara. In http://www.sorocaba.com.br/acontece

Gustavo Dourado (Cordel: do sertão nordestino à contemporaneidade da Internet... )

(id: MCCIII)

Os Doze Pares de França, O Pavão Misterioso, Juvenal e o Dragão, Donzela Teodora, Imperatriz Porcina, Princesa Magalona, Roberto do Diabo, Côco Verde e Melancia, João de Calais, O Cachorro dos Mortos, A Chegada de Lampião no Inferno, Viagem a São Saruê… São livros do povo (alicerçado no pensamento do mestre Luís da Câmara Cascudo e deste poeta cordelista). Fontes da Poesia Popular do Nordeste do Brasil. Quintessências da Literatura de Cordel.

Origens do Cordel

Cordel: vem de corda, cordão, cordial, toca o coração.

Os folhetos eram expostos em cordões, lençóis, esteiras, nas feiras, praças, portas das igrejas, bancas e nos mercados. Literatura de cordel, poesia de cordel, romance, folheto(s), arrecifes, abcs, "folhas volantes" ou "folhas soltas", "littèrature de colportage", "cocks" ou "catchpennies", "broadsiddes", "hojas" e "corridos"…

São nomes que a poesia popular recebeu ao longo do tempo, na Europa e nos países latino-americanos.

No Brasil, o termo cordel se consagrou como sinônimo de poesia popular. O cordel apresenta-se em narrativas tradicionais e fatos circunstanciais, em folhetos de época ou "acontecidos".

As origens da literatura de cordel estão na Europa Medieval. Tem suas bases na França (Provença), do século XI e posteriormente na Espanha, Portugal, Itália, Alemanha, Holanda e Inglaterra. Chegou ao Brasil Colônia com os portugueses, depois incorporou a poética nativa do índio, a criatividade e o ritmo da poesia do negro e dos vaqueiros e tropeiros (o aboio).Tornou-se um ritmo sertanejo-tropical, integrando-se a outros ritmos como o baião, o xote, o xaxado e o forró. Ganhou uma característica especial com o advento da xilogravura, na ilustração das capas de milhares de folhetos.

Polêmica e complexidade dos ciclos temáticos.

Os principais temas e ciclos do cordel (minha classificação) abordam vários assuntos: abcs; religiosidade; costumes; romances; história; heroísmo (façanhas); cavalaria (vaqueiros, bois, cavaleiros, tropeiros); valores, moral e ética; atualidades; circunstâncias; fatos e acontecidos; sociais e noticiosos, louvações; fantasias(fantástico, maravilhoso); profecias, apocalipse e fim do mundo; biografias e personalidades; poder, estado e governo; política e corrupção; exemplos; intempéries e fenômenos da natureza (secas, inundações, maremotos, terremotos etc); crimes; coronelismo; cangaço, valentia, banditismo e jagunçagem (Lampião, Maria Bonita, Antônio Silvino, Corisco e Dadá, Sinhô Pereira, Jesuíno Brilhante, Quelé do Pajeú, Lucas de Feira); Padre Cícero (O Santo do Juazeiro); Frei Damião; Getúlio Vargas (Estado Novo, conquistas trabalhistas); Antônio Conselheiro (Canudos); Coluna Prestes e Revoltosos; Juscelino Kubitschek (construção de Brasília); Lula; televisão e cinema; ciência e tecnologia; Internet; crítica e sátira; humor, obscenidade, putaria e sacanagem (pornocordel); terrorismo (atentados) e guerras; modernidade e contemporaneidade; desafios, cantorias e pelejas, entre outros menos conhecidos e ainda não catalogados etc.

Classificação dos ciclos temáticos do cordel, por Ariano Suassuna:

1) "Ciclo heróico, trágico e épico;
2) Ciclo do fantástico e do maravilhoso;
3) Ciclo religioso e de moralidades;
4) Ciclo cômico, satírico e picaresco;
5) Ciclo histórico e circunstancial;
6) Ciclo de amor e de fidelidade;
7) Ciclo erótico e obsceno;
8) Ciclo político e social;
9) Ciclo de pelejas e desafios."

Mitologia e Trovadorismo…

A Literatura de Cordel, mais que centenária no Brasil (ultrapassou cem mil títulos publicados, segundo Joseph Luyten), tem suas origens ocidentais e pré-medievais, no universo poético de Provença, França, com os trovadores albigens (com destaque para Arnaud Daniel, Bertran de Born, Guiraut de Bornelh e Rimbaud Daurenga).

Entre os trovadores portugueses, precursores da Literatura de Cordel e do Repente, vêm-me à memória Martim Soares e Paio Soares de Taiverós, além dos célebres reis-trovadores Dom Diniz e Dom Duarte. As influências sobre o cordel e a poesia popular contemporânea são multidiversas: desde a poesia mesopotâmica árabe-fenício-semítica, mediterrânea, hindu e persa, à poética egípcio - caldaica – hebréia – greco - latina e afro - indígena…

Não se pode esquecer a influência bíblica (Salmos de Davi, Provérbios de Salomão, Cântico dos Cânticos, Apocalipse), do Lunário Perpétuo, enciclopédias, dicionários, almanaques, dos grandes livros religiosos e belos cânticos de todos os tempos, presentes nas diversas civilizações ao longo do processo histórico.

Os chineses e indianos devem ter tido significativa influência nas origens e desenvolvimento da poesia popular, por sua antigüidade e por tantos escritos primordiais como os Vedas, Gita, Upanishads, Mahabarata, Ramayana, I Ching, o Zen e o Tão – Te - King, via Confúcio, Lao-Tse, Buda, Krishna, Rama e outros sábios do velho e mágico Oriente, tão incompreendido pela cultura ocidental.

A Poesia de Cordel demonstra a sua força e pujança na expressão ibero-lusitana - afro - brasilíndia e galego - castelã… Sem esquecer da verve provençal e italiana (latina). Os romanos com suas epopéias fecundaram a semente da poesia ocidental, herdada dos gregos, etruscos, celtas, gauleses, bretões, normandos, nórdicos e dos povos bárbaros da antiga Europa, Ásia e África.

Foi nesse espaço mitológico que surgiu a poética mágica de Dante e a verve inventiva do mestre Leonardo da Vinci e dos grandes artistas italianos. Entretanto, foi na Espanha de Quevedo e Cervantes (Quixote) e em Portugal de Pessoa, Camões e Gil Vicente, que o cordel ganhou feição popular e postura lítero-poética.

É na poesia cavalheiresca e trovadoresca que o cordel se inspira e alimenta-se de forma histórica, principalmente a partir dos Doze Pares da França (que retrata os tempos do Imperador Carlos Magno), das gestas e epopéias, dos bardos, apodos, Templários, da Távola Redonda do Rei Arthur, de El Cid, O Campeador, dos cavaleiros e cruzadas e da obra monumental de Camões e Cervantes, ambos influenciados por Dante Alighieri e por toda a tradição popular da oralidade greco-latina-ibero-lusitana.

Os trovadores foram os principais precursores e alicerces para a futura Literatura de Cordel nos países de língua portuguesa, principalmente no Nordeste do Brasil, a partir de Salvador-Bahia, dos portos marítimos e do Rio São Francisco, até chegar em Campina Grande, Caruaru e Juazeiro do Norte, onde criou raízes e imortalizou-se na verve dos poetas cordelistas e cantadores repentistas.

Não se pode esquecer o papel do boi (ciclo do gado), dos bandeirantes, dos jesuítas José de Anchieta e Manoel da Nóbrega, do negro (batuque, orixás, terreiros, candomblé), dos índios, caboclos, mamelucos, cafusos, mulatos, garimpeiros, aventureiros, lavradores, vaqueiros e tropeiros: disseminadores de costumes, falas e dialetos pelo vasto Sertão, da poesia regional e universal. Os poetas cantam a sua aldeia e desencantam os uni.versos.

A Literatura de Cordel foi enriquecida pela criatividade e maestria de Gil Vicente, Camões, Rabelais, Gregório de Matos, Bocaje, Castro Alves, Gonçalves Dias, Cervantes, José de Alencar, Tobias Barreto, Catulo da Paixão Cearense, Juvenal Galeno, Ascenso Ferreira, além da contribuição incomensurável dos trovadores provençais e do romanceiro medieval.

Pesquisa, influências e confluências…

O cordel ganhou o mundo por meio do estudo, pesquisa e divulgação de mestres, leitores, amantes e pesquisadores da cultura popular, nomes como:
Luís da Câmara Cascudo, Leonardo Mota, Manuel Diégues Jr, Ariano Suassuna, Rodrigues de Carvalho, Gustavo Barroso, Átila de Almeida, José Alves Sobrinho, Manoel Florentino Duarte, Rogaciano Leite, Jorge Amado, Glauber Rocha (pai do Cinema Novo), João Cabral de Melo Neto (Morte e Vida Severina), Rachel de Queiroz (O Quinze), José Américo de Almeida (A Bagaceira), José Lins do Rego (Fogo Morto), Graciliano Ramos (Vidas Secas), Mário de Andrade (Macunaíma), Sebastião Nunes Batista, Veríssimo de Melo, Sílvio Romero, Tobias Barreto, Vicente Salles, Alceu Maynard, Cavalcanti Proença, Roberto Benjamin, Carlos Alberto Azevedo, Hernâni Donato, Liêdo Maranhão de Souza, Téo Azevedo, Orígenes Lessa, Mário Lago, Américo Pellegrini Filho, Jerusa Pires Ferreira, Sebastião Vila Nova, Ruth Brito Lemos, Gilmar de Carvalho, Raymond Cantel, Joseph Luyten, Mark Curran, Paul Zumthor, Candace Slater, Ria Lemaire, Silvie Raynal, Silvie Debs, Martine Kunz, Ronald Daus, Silvano Peloso, Zé Ramalho, Soares Feitosa (Jornal de Poesia), Ribamar Lopes, José Erivan Bezerra de Oliveira, Fausto Neto, Teófilo Braga, J. de Figueiredo Filho, Eduardo Diatahy de Menzes, Francisca Neuma Fechine Borges, Antônio Augusto Arantes, Ruth Brito, Maria de Fátima Coutinho, Rodrigo Apolinário (Cordel Campina), Maria Edileuza Borges, Alda Maria Siqueira Campos, Alícia Mitika Koshiyama, Maristela Barbosa de Mendonça, Mª José F. Londres, Patrícia Araújo, Doralice Alves de Queiroz, Esmeralda Batista, Viviane de Melo Resende, Márcia Abreu, Assis Ângelo, A. M Galvão, V. M Resende, Shirlley Guerra, Maria Julita Nunes e tantos outros destaques do mundo culturaliterário.

Renomados criadores das artes e da literatura brasileira foram influenciados pelo cordel. Saliento os principais que me recordo: Ariano Suassuna, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Jorge Amado, Graciliano Ramos, José Américo de Almeida, Rachel de Queiroz, Guimarães Rosa, João Cabral de Melo Neto, Manuel Bandeira, Dias Gomes, João Ubaldo Ribeiro, Orígenes Lessa, Cora Coralina, Carlos Drummond de Andrade, Paulo Freire, José Nêumane Pinto e tantos outros criadores significativos.

Na música, além de Villa-Lobos, a presença do cordel é marcante em Luiz Gonzaga, Elomar, Zé Ramalho, Raul Seixas, Antônio Nóbrega, Quinteto Violado, Alceu Valença, Geraldo Azevedo, Ednardo, Xangai, Fagner, Elba Ramalho, Belchior, Caçulinha, Mário Zan, Zeca Baleiro, Lenine, Chico Science, Chico César, Amelhinha, Juraíldes da Luz, Chico Buarque, Geraldo Vandré, João do Vale, Jackson do Pandeiro, Jorge Mautner, Tom Zé, Dominguinhos, Oswaldinho, Clodo, Climério e Clésio (Os Irmãos Ferreira do São Piauí e de Brasília), Sivuca, Zé Gonzaga, Marinês, Hemeto Paschoal, Pixinguinha, Cartola, Noel Rosa, Ary Barroso, Vital Farias, Genival Lacerda, Diana Pequeno, Roberto Correia, Nando Cordel, Cordel do Fogo Encantado, Caju e Castanha, Cegas de Campina Grande, Jorge Antunes, Anand Rao, Argemiro Neto, Genésio Tocantins, Paulinho Pedra Azul, Beirão, Waldonys, Robertinho do Acordeon, Zé Calixto, Arlindo dos Oito Baixos, Gérson Filho, Pedro Sertanejo, Furinchu, Chiquinho do Acordeon, Torquato Neto, Capinan, Pessoal do Ceará, Gilberto Gil, Jorge Mautner, Maria Betânia, Vinícius de Moraes, Milton Nascimento, João Gilberto e Caetano Veloso. Só para lembrar alguns nomes expressivos. A lista é quilométrica.

Mitos e precursores

Convém ressaltar figuras de destaque, mistura de cordelistas e cantadores como o lendário "Zé Limeira", fabuloso e fantástico Poeta do Absurdo, de Orlando Tejo e o inesquecível mestre Patativa do Assaré, da Triste Partida e tantas chegadas… Há ainda os semeadores Ugolino de Sabugi (primeiro cantador que se conhece), Nicandro Nunes da Costa, Silvino Pirauá, Germano da Lagoa, Romano da Mãe D´Água, Cego Aderaldo, Cego Oliveira, Zé da Luz, Fabião das Queimadas, Zé de Duquinha, Caraíba de Irecê, Otacílio e Lourival Batista, Ivanido Vilanova, Pinto do Monteiro, Pedro Bandeira, Raimundo Santa Helena, Oliveira de Panelas, Azulão, Rodolfo Coelho Cavalcante, Franklin Machado Nordestino e Cuíca de Santo Amaro. São símbolos que me vem de repente à memória.

Não posso esquecer de figuras mí(s)ticas do universo sertânico do cordel: Lampião, Maria Bonita, Corisco, Antônio Silvino, Jesuíno Brilhante, Quelé do Pajeú, Lucas de Feira, Sinhô Pereira, Antônio das Mortes, os dragões da maldade, os santos guerreiros, beatos, jagunços, coronéis, cabras da peste, personagens glauberianos e cinematográficos…

Presença no Brasil: do sertão às grandes cidades

No Brasil, o cordel ganhou estatura poética na Região Nordeste do Brasil, pelas bandas do Polígono das Secas, Vale do São Francisco, Sertão do Cariri, dos Inhamuns, do Pajeú, Serra de Santana, Serra da Laranjeira, a mítica Serra do Teixeira (Olimpo da Poesia), Campina Grande (Capital do Cordel), João Pessoa, Vales do Jaguaribe, Parnaíba, Gurguéia; Chapada Diamantina, Chapada do Apodi, Serra da Borborema, Chapada do Corisco, Caruaru, Juazeiro do Norte, Crato, Crateús, Limoeiro, Recife/Olinda, Fortaleza, Salvador, Ibititá, Recife dos Cardosos, Lapão, Rochedo, Ibipeba, Canarana, Taguatinga, Águas Claras, Serra Talhada, Quixadá, Qixeramobim, Cabrobó, São José do Egito, Patos, Piancó, Umbuzeiro, Penedo, Aracaju, Oeiras, Picos, Imperatriz, Pedreiras, Catolé do Rocha, Monteiro, Sumé, Serra Branca, Bezerros, Surubim, Mossoró, Caicó, Aracati, Paulo Afonso, Feira de Santana, Juazeiro, Petrolina, Teixeira, Irecê/Jacobina, Barra, Morro do Chapéu, Bom Jesus da Lapa, Senhor do Bonfim, Uauá, Chorrochó, Maceió, Natal, São Luís, Cachoeira dos Índios, Terezina, Parnaíba, Belém, Ilhéus, Itabuna, Canindé, Arapiraca, Palmeira dos Índios, Ingazeira, Quebrângulo, Santarém, Ipirá, Irará, Canudos, Monte Santo, Sertânia, Jequié, Vitória da Conquista, Ibititá, Canarana, Lapão, Recife dos Cardosos, Pirapora, Anápolis, Montes Claros, Rio, São Paulo, Campinas, Diadema, Brasília / Ceilândia / Taguatinga / Gama e pela vastidão das metrópoles, dos campos, fazendas, roças, lugarejos, povoados, arraiais, arrabaldes, vilas, vielas, pés de serra e cidadelas da caatinga e do agreste.

Francisco Chagas Batista publicou um folheto, no ano de 1902, em Campina Grande, que está catalogado na Casa de Rui Barbosa - no Rio de Janeiro. É registrado como o primeiro folheto de cordel brasileiro publicado. Muito outros anteriores, se perderam na poeira do tempo.
Por muitos desses caminhos andaram e foram lidos poemas dos vates - poetas fenomenais: O condoreiro Antônio Frederico de Castro Alves (uma espécie de precursor do cordel erudito e do improviso), Silvino Pirauá de Lima (o introdutor do folheto de cordel no Brasil, segundo Luís da Câmara Cascudo), Agostinho Nunes da Costa (um dos pais da poesia popular no Nordeste), Leandro Gomes de Barros (um dos principais cordelistas de todos os tempos, pioneiro-mor, publicou centenas de folhetos), Ugolino de Sabugi (primeiro cantador), Francisco Chagas Batista, Nicandro Nunes da Costa), Germano da Lagoa, Romano de Mãe D´Água, Manoel Caetano, Manoel Cabeleira, Diniz Vitorino, João Benedito, José Duda, Antônio da Cruz, Joaquim Sem Fim, Manuel Vieira do Paraíso, Romano Elias da Paz, Manoel Tomás de Assis, José Adão Filho, Lindolfo Mesquita, Arinos de Belém, Antônio Apolinário de Souza, Laurindo Gomes Maciel, Rodolfo Coelho Cavalcante, Francisco Sales Areda, Manoel Camilo dos Santos, Minelvino Francisco da Silva, Caetano Cosme da Silva, Expedito Sebastião da Silva, João Melquíades Ferreira da Silva, José Camelo de Rezende, Joaquim Batista de Sena, Gonçalo Ferreira da Silva, Teodoro Ferraz da Câmara, José Albano, João Ferreira de Lima, José Pacheco, Severino Gonçalves de Oliveira, Galdino Silva, João de Cristo Rei, Zé Mariano, Antônio Batista, José Alves Sobrinho, Manuel Pereira Sobrinho, Antônio Eugênio da Silva, Severino Ferreira, Augusto Laurindo Alves (Cotinguiba), Moisés Matias de Moura, Pacífico Pacato Cordeiro Manso, José Bernardo da Silva, Cuíca de Santo Amaro, João Martins de Athaide, Apolônio Alves dos Santos, José Costa Leite, Antônio Teodoro dos Santos, José Cavalcante Ferreira (Dila), Francisco Gustavo de Castro Dourado, Manoel Monteiro, Abraão Batista, J.Borges, Zé da Luz, Arievaldo e Klévisson Viana, Zé Soares, Zé Pacheco, João Lucas Evangelista, Amargedom, Joao de Barros, Zé de Duquinha, Carolino Leobas, Elias Carvalho, Zé Maria de Fortaleza, Audifax Rios, Adalto Alcântara Monteiro, Cunha Neto, Francisco Queiroz, Ary Fausto Maia, Toni de Lima, Bráulio Tavares, Téo Azevedo, Stênio Diniz, Josealdo Rodrigues, Antônio Lucena, Geraldo Gonçalves de Alencar, Hélvia Callou, Edmilson Santini, Eugênio Dantas de Medeiros, Jomaci e Jandhuir Dantas, Francisco de Assis, Paulo de Tarso, Francisco Morojó, Pedro Osmar, Geraldo Emídio de Souza, Olegário Fernandes, Zé Antônio, Pedro Américo de Farias, Marcelo Soares, Jair Moraes, João Pedro Neto, Francisca Barrosa, Lourdes Ramalho, Tindinha Laurentino, Maria da Piedade Correia - Maria Diva Guiapuan Vieira, Vânia Diniz, Lilian Maial, Vânia Freitas, Cora Coralina, José Leocádio Bezerra, Antônio Barreto, Antônio Vieira, Bule-Bule, Gutemberg Santana, Jotacê Freitas, Leandro Tranquilino Pereira, Luar do Conselheiro, Maísa Miranda, Marco Haurélio, Sérgio Baialista e diversos nomes recorrentes no fantástico cosmos cordelista. Poetas significativos do passado e da atualidade, entre tantos baluartes da Poesia Popular e do Romanceiro do Cordel.

Cordel na Internet.

Amargedom, Almir Alves Filho, Anízio Guimarães, Benedito Generoso da Costa, Daniel Fiuza, Domingos Medeiros, Francisco Egídio Aires Campos (Mestre Egídio), Gonçalo Ferreira da Silva, Guaipuan Vieira, F.G C.Dourado, Jesssier Quirino, Jandhuir Dantas, José de Souza Dantas, Lenísio Bragante de Araújo, Rubênio Marcelo. (Todos os últimos citados são publicados constantemente na Internet). Divulgam seus trabalhos nas páginas da Web com relativa freqüencia e constantes atualizações.

O cordel tem presença constante no mundo virtual. Além de centenas de cordelistas que divulgam os seus trabalhos na Internet, temos até a Academia Brasileira de Literatura de Cordel, com sede no Rio de Janeiro e composta por seleto quadro de acadêmicos de boa qualidade.

Há pouco surgiu um dos melhores sites sobre o Cordel na Internet: O Cordel Campina, coordenado por Rodrigo Apolinário, em Campina Grande, Meca sertaneja da poesia popular e berço de célebres poetas e cantadores repentistas.

O cordel subsiste, sobrevive, apesar das idiossincrasias, intempéries, dificuldades e antropofagias da Indústria cultural midiática, globalizante e da invasão cultural norte-americana…

São imprescindíveis a divulgação na mídia e na web, distribuição eficiente, abertura de espaços e fóruns de discussão e de publicação de textos de cordel, de autores tradicionais e contemporâneos, para dinamização do movimento da Poesia Popular Universal…

A Internet é um espaço primordial e dinamizador de nossa literatura popular.

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Sobre o autor:

Gustavo Dourado (Amargedom), professor, poeta, cordelista, ensaísta, articulista, escritor, jornalista, pesquisador. Autor de 11 livros. Premiado na Áustria e recomendado pelo World Poetry Day e World Portal Libraries, ambos da Unesco. Dourado foi objeto de tese de mestrado na Universidade Federal de Ouro Preto e de doutorado na Sorbonne e na Universidade Federal da Paraíba. Sua obra(principalmente o Cordel) foi discutida em várias universidades do Brasil e do exterior: Sorbonne(Silvie Raynal), Manz (Wolf Lustig), UnB(Michelle Sampaio), entre outras. Faz parte do Grupo da Memória da Educação do DF(UnB/SEEDF). Organizou o livro “40 anos de Educação no Distrito Federal”, com ênfase na experiência do educador Anísio Teixeira.

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Quem quiser conhecer um pouco sobre a poesia popular e apreciar a criação em cordel, visite: http://www.gustavodourado.com.br/cordel.htm
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Fontes
http://pt.wikipedia.org/
http://www.cordelcampina.cgonline.com.br
Cerrado Cultural, Revista Literária Virtual - Nº 02 - Agosto - 2008 -Paccelli José Maracci Zahler (editor). Disponível em
http://www.caestamosnos.org/Cerrado_Cultural_Revista_Literaria_Virtual/02.html

Rodolfo Coelho Cavalcanti (Chegada de Lampião no céu)

(id: MCCII)

1
Lampião foi no inferno
Ao depois no céu chegou
São Pedro estava na porta
Lampião então falou:
- Meu velho não tenha medo
Me diga quem é São Pedro
E logo o rifle puxou

2
São Pedro desconfiado
Perguntou ao valentão
Quem é você meu amigo
Que anda com este rojão?
Virgulino respondeu:
- Se não sabe quem sou eu
Vou dizer: sou Lampião.

3
São Pedro se estremeceu
Quase que perdeu o tino
Sabendo que Lampião
Era um terrível assassino
Respondeu balbuciando
O senhor... está... falando...
Com... São Pedro... Virgulino!

4
Faça o favor abra esta porta
Quero falar com o senhor
Um momento meu amigo
Disse o santo faz favor
Esperar aqui um pouquinho
Para olhar o pergaminho
Que é ordem do Criador

5
Se você amou o próximo
De todo o seu coração
O seu nome está escrito
No livro da salvação
Porém se foi um tirano
Meu amigo não lhe engano
Por aqui não fica não

6
Lampião disse está bem
Procure que quero ver
Se acaso não tem aí
O meu nome pode crer
Quero saber o motivo
Pois não sou filho adotivo
Pra que fizeram-me nascer?

7
São Pedro criou coragem
E falou pra Lampião
Tenha calma cavalheiro
Seu nome não está aqui não
Lampião disse é impossível
É uma coisa que acho incrível
Ter perdido a salvação

8
São Pedro disse está bem
Acho melhor dar um fora
Lampião disse meu santo
Só saio daqui agora
Quando ver o meu padrinho
Padre Cícero meu filhinho
Esteve aqui mas foi embora

9
Então eu quero falar
Com a Santa Mãe das Dores
Disse o santo ela não pode
Vir aqui ver seus clamores
Pois ela está resolvendo
Com o filho intercedendo
Em favor dos pecadores

10
Então eu quero falar
Com Jesus crucificado
Disse São Pedro um momento
Que eu vou dar o seu recado
Com pouco o santo chegou
Com doze santos escoltado

11
São Longuinho e São Miguel,
São Jorge, São Simão
São Lucas, São Rafael,
São Luiz, São Julião,
Santo Antônio e São Tomé,
São João e São José
Conduziram Lampião

12
Chegando no gabinete
Do glorioso Jesus
Lampião foi escoltado
Disse o Varão da Cruz
Quem és tu filho perdido
Não estás arrependido
Mesmo no Reino da Luz?

13
Disse o bravo Virgulino
Senhor não fui culpado
Me tornei um cangaceiro
Porque me vi obrigado
Assassinaram meu pai
Minha mãe quase que vai
Inclusive eu coitado

14
Os seus pecados são tantos
Que nada posso fazer
Alma desta natureza
Aqui não pode viver
Pois dentro do Paraíso
É o reinado do riso
Onde só existe prazer

15
Então Jesus nesse instante
Ordenou São Julião
Mais São Miguel e São Lucas
Que levassem Lampião
Pra ele ver a harmonia
Nisto a Virgem Maria
Aparece no salão

16
Aglomerada de anjos
Todos cantando louvores
Lampião disse: meu Deus
Perdoai os meus horrores
Dos meus crimes tão cruéis
Arrependeu-se através
Da Virgem seus esplendores

17
Os anjos cantarolavam
saudando a Virgem e o Rei
Dizendo: no céu no céu
Com minha mãe estarei
Tudo ali maravilhou-se
Lampião ajoelhou-se
Dizendo: Senhora eu sei

18
Que não sou merecedor
De viver aqui agora
Julião, Miguel e Lucas
Disseram vamos embora
Ver os demais apartamentos
Lampião neste momento
Olhou pra Nossa Senhora

19
E disse: Ó Mãe Amantíssima
Dá-me a minha salvação
Chegou nisto o maioral
Com catinga de alcatrão
Dizendo não pode ser
Agora só quero ver
Se é salvo Lampião

20
Respondeu a Virgem Santa
Maria Imaculada
Já falaste com meu Filho?
Vamos não negues nada
– Já ó Mãe Amantíssima
Senhora Gloriosíssima
Sou uma alma condenada

21
Disse a Virgem mãe suprema
Vai-te pra lá Ferrabrás
A alma que eu pôr a mão
Tu com ela nada faz
Arrenegado da Cruz
Na presença de Jesus
Tu não vences, Satanás

22
Vamos meu filho vamos
Sei que fostes desordeiro
Perdeste de Deus a fé
Te fazendo cangaceiro
Mas já que tu viste a luz
Na presença de Jesus
Serás puro e verdadeiro

23
Foi Lampião novamente
Pelos santos escoltado
Na presença de Jesus
Foi Lampião colocado
Acompanhou por detrás
O tal cão de Ferrabrás
De Lúcifer enviado

24
Formou-se logo o júri
Ferrabrás o acusador
Lá no Santo Tribunal
Fez papel de promotor
Jesus fazendo o jurado
Foi a Virgem o advogado
Pelo seu divino amor

25
Levantou-se o promotor
E acusou demonstrando
Os crimes de Lampião
O réu somente escutando
Ouvindo nada dizia
A Santa Virgem Maria
Começou advogando

26
Lampião de fato foi
Bárbaro, cruel, assassino
Mas os crimes praticados
Por seu coração ferino
Escrito no seu caderno
Doze anos de inferno
Chegou hoje o seu destino

27
Disse Ferrabrás: protesto
Trago toda anotação
Lampião fugiu de lá
Em busca de salvação
Assassinou Buscapé
Atirou em Lucifer
Não merece mais perdão

28
Levantou-se Lampião
Por esta forma falou
Buscapé eu só matei
Porque me desrespeitou
E Lucifer é atrevido
Se ele tivesse morrido
A mim falta não deixou

29
Disse Jesus e agora
Deseja voltar à terra
A usar de violência
Matando que só uma fera?
Disse Lampião: Senhor
Sou um pobre pecador
Que a Vossa sentença espera

30
Disse Jesus: Minha mãe
Vou lhe dar a permissão
Pode expulsar Ferrabrás
Porém tem que Lampião
Arrepender-se notório
Ir até o "purgatório"
Alcançar a salvação

31
Ferrabrás ouvindo isto
Não esperou por Miguel
Pediu licença e saiu
Nisto chegou Gabriel
Ferrabrás deu um estouro
Se virou num grande touro
Foi dar resposta a Lumbel

32
Resta somente saber
O que Lampião já fez
Do purgatório será
O julgamento outra vez
Logo que se for julgado
Farei tudo versejado
O mais até lá freguês
==============
Sobre o autor

Rodolfo Coelho Cavalcanti, nasceu em Rio Largo, Alagoas, a 12 de março de 1917. Filho de Artur Holanda Cavalcanti e Maria Coelho Cavalcanti. Aos treze anos de idade deixou o lar paterno e percorreu todo o norte e nordeste do Brasil como palhaço e camelô, lembrando os jograis dos séculos XI e XII. Jornalista, trovador e poeta popular. Membro de várias associações literárias, realizou na Bahia o I Congresso Nacional de Trovadores e Violeiros, em 1955. Fundou alguns periódicos como A voz do trovador, O trovador e Brasil poético. Escreveu mais de uma centena de folhetos, entre eles, O barulho de Lampião no inferno, A chegada de Getúlio Vargas no céu e seu julgamento, O boi de sete chifres, O desastre do trem em Peri-Peri, O cordão dos puxa-sacos, Defensor do povo baiano, Novo ABC do amor e A vaca que pariu uma criança em Salvador.
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Fontes:
Batista, Sebastião Nunes. Antologia da literatura de cordel. Natal, Fundação José Augusto, 1977. Disponível em Jangada Brasil. Ano I - novembro 1998 - nº 03.
http://www.jangadabrasil.com.br
Capa da Revista: http://www.funceb.ba.gov.br
Foto: http://www.planetanews.com

sábado, 16 de agosto de 2008

Ruy Espinheira Filho (Manuscrito - Soneto do amor e seus sóis - Poeta em sua Varanda - Soneto do Quintal)

Manuscrito

Manuscrito descoberto entre os papéis do poeta, em envelope lacrado que ele, infelizmente, nunca chegou a abrir

Não queremos, nem de longe,
pensar no que pode haver,
poeta Mário de Andrade,
se um dia você morrer.

Não queremos, porém como
impedir o pensamento
de se pensamentear?
Não morra nunca, poeta,
porque há sombras nas sombras
só esperando a sua morte
para assaltar os jornais,
submeter as revistas
e desterrar os poetas
(perigosos, subversivos,
capazes de qualquer coisa,
de acreditar em talento,
em lirismo, inspiração)
— e tudo será tristeza,
desamparo, solidão.

Eis que estão prontos e indóceis,
só aguardando a sua partida,
parnasianos tardios
armados de metros rijos,
estrofes sisudas (com
ou sem consoantes de apoio),
dicionários de rimas,
disciplina de cesuras,
iniludíveis sinéreses,
impecáveis hemistíquios,
implacáveis sinalefas
— para saltar desse escuro
e a alma nos arrancar!

Ah, não morra, Mário, poeta,
que o Sol pode se apagar!
Porque depois saltarão,
do escuro oculto no escuro,
cáfilas de não-poetas
gritando a morte do verso
em impudente algaravia,
concreção de logogrifos,
insalubres despoéticas
verbi-voco-visuais
contra o sonho e a poesia!

E ainda virão uns outros
em linhas irregulares,
reboantes, pantanosas,
ou em feição de diarréia
— que chamam de verso-livre,
como se o verso não fosse
o rigor que é sua vida!
E ainda virão mais uns
que trarão palavras frias,
sem música, pedregosas,
arquitetos do vazio,
construtivistas de nada.
Não resistiriam, todos,
aos combates de você,
poeta, mas vencerão,
se acaso você morrer!

Poeta Mário de Andrade,
não nos faça esse vexame,
não nos deixe abandonados
a apocalipses que tais,
como é o jargão espesso
dos professores-doutores
grávidos de metaplasmos,
poéticas objetais,
monósticos, semantemas,
afirmações axiais,
topos, vocóides, sememas
e outras disfunções letais!
Que ensinarão ser você
equívocos de você;
que aquilo que você disse,
em prosa ou verso, de fato
não disse; e o que você disse
traz profundas discordâncias
daquilo que você disse;
e, em suma, aquilo que disse
você, você nunca disse;
e o que você nunca disse
é exatamente o que disse,
ou que, ao menos no caso,
você queria dizer;
e muito provavelmente,
o que você disse, disse
porque disse o que não disse
quando dizia o que disse,
se disse mesmo o que disse;
se é que isso se deu — e se
você foi mesmo você
(e eis que, sob aplausos, cai
o pano: Magister dixit!)!

Por esses e outros motivos,
poeta Mário de Andrade,
não morra nunca jamais!
Porque, se você morrer,
será esse horror assim
— e o mundo pode acabar!
E se não se acaba o mundo,
depois que você morrer,
o que nos restar vai ser
bem difícil de agüentar!
=================

Soneto do amor e seus sóis

Eram teus olhos de água, olhos de água
ensombrada de folhas, eram teus
olhos de água marinha, eram teus olhos
de água límpida, ou turva, eram teus olhos

de água cintilante de tão negra,
eram teus olhos de água luminosa
como só umas raras dessas brisas
chamadas alma, eram os teus olhos

— e eis que teus olhos ainda são, que sempre
outros olhos e os mesmos: o amor
diverso e idêntico no azul do peito

a amanhecer-me, a moldar-me as
asas de mergulhar no chão profundo
e patas de galgar os altos ventos.
====================

Poeta em sua varanda
a Paulo Henriques Britto

Se ajeita na cadeira reclinável,
entre uma saudade e uma quimera,
sob outono que sabe a primavera
e agora o afaga com a mais amorável

tarde do mês. Aliás, todo ele amável,
este abril, ele pensa, já a quimera
enviando a pastar em outra era,
que à hora basta esta admirável

lembrança que o embala. E eis que seu ser
é como cristalina clarabóia
banhada pelo sol do amanhecer,

enquanto, a essa luz de ouro e jóia,
serenamente ele começa a ler
uma carta de amor vinda de Tróia.
=======================

Soneto do Quintal
para Matilde e Mario,
em Monte Gordo, março de 91


Ao recordar a moça, eu me comparo
ao cão que vejo a interrogar a brisa.
O que é mal comparar: bem mais precisa
é a mensagem de odores que o faro

decifra. E então medito sobre o claro
ser desse cão, e invejo essa precisa
vocação de existir. E ausculto a brisa
e nada nela encontro. Nada. E paro

de lembrar e pensar. Há mais profícuas
ocupações. Exemplo: só olhando
estar. Cão. Nuvens. Ramos. E, dormindo,

um gato. E essas formigas — três — conspícuas,
vestidas a rigor, deliberando
em torno de uma flor de tamarindo.

Fontes:
http://virtualbooks.terra.com.br/
http://www.jornaldepoesia.jor.br/

O Escritor em xeque (entrevista com Ruy Espinheira Filho)

Ruy Espinheira Filho é Jornalista, mestre em Ciências Sociais, doutor em Letras, professor de Literatura Brasileira do Departamento de Letras Vernáculas do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia, Ruy Espinheira Filho nasceu em Salvador, Bahia, em 1942. Publicou 11 livros de poemas: Heléboro (1974), Julgado do Vento (1979), As Sombras Luminosas (1981 — Prêmio Nacional de Poesia Cruz e Sousa), Morte Secreta e Poesia Anterior (1984), A Guerra do Gato ( infantil — 1987), A Canção de Beatriz e outros poemas (1990), Antologia Breve (1995), Antologia Poética (1996), Memória da Chuva (1996 — Prêmio Ribeiro Couto, da União Brasileira de Escritores), Livro de Sonetos (1998), Poesia Reunida e Inéditos (1998). Tem ainda publicados vários livros em prosa: Sob o Último Sol de Fevereiro (crônicas, 1975), O Vento no Tamarindeiro (contos, 1981); as novelas O Rei Artur Vai à Guerra (1987), O Fantasma da Delegacia (1988), Os Quatro Mosqueteiros Eram Três (1989); os romances Ângelo Sobral Desce aos Infernos (1986 — Prêmio Rio de Literatura, 1985), Últimos Tempos Heróicos em Manacá da Serra (1991), e o ensaio O Nordeste e o Negro na Poesia de Jorge de Lima (1990).

Rodrigo de Souza Leão entrevista Ruy Espinheira Filho

- Até ver Poesia reunida e Inéditos, seu recente livro, decorrem 32 anos de literatura. Quais foram as pedras, as perdas do caminho?
ESPINHEIRA: - Na verdade, bem mais de 32 anos, pois escrevo desde a infância. De textos que foram incluídos em livro, 33 anos. As pedras do caminho foram muitas, pois ser escritor vivendo no Nordeste não é brincadeira. Digo vivendo porque, ao contrário de muitos, nunca saí da Bahia. Se para autores do eixo Rio-São Paulo é difícil, pois sei que é, imagine para quem vive fora do principal circuito literário — sem contatos, sem editoras, sem divulgação. Mas acabei fazendo contatos, sendo aceito por editores, críticos, outros autores, leitores. Uma boa ajuda: os prêmios literários: ganhei o Cruz e Sousa, de poesia, em 1981, e fui um dos três premiados (2º lugar) no Prêmio Rio de Literatura, de romance, em 1985, além de ter recebido várias outras premiações, sendo a última o Prêmio Ribeiro Couto, da UBE, pelo livro Memória da Chuva, o qual foi adotado no vestibular da Universidade Federal de Goiás, em 1998, e se encontra na terceira edição. Quanto às perdas, creio que tantas quanto as pedras: de oportunidades, um número incalculável. Além daquelas perdas que a vida nos traz com o passar dos anos, as perdas do afeto, do amor, da juventude…

- Em Os Objetos, todos os objetos inanimados receberam a alma da ação. Só o revólver aguarda. O que o poeta deve matar?

ESPINHEIRA:- O que o revólver, dormindo na gaveta sob cartas e poemas, aguarda? É um símbolo da explosão, da violência, da morte. Mas o que significa, mesmo, depende de cada leitor. Talvez a grande solução do suicídio…

- O poeta é um criador de palavras? Há perigo de um neologismo tornar-se um trocadilho bobo?

ESPINHEIRA:- O poeta pode ser, ou não, um criador de palavras. Drummond diz, num poema, ter inventado certas palavras e tornado outras mais belas. Mas o fundamental para o poeta não é criar palavras, mas com elas — de preferência com as palavras mais simples — ser capaz de criar poesia. Quanto ao neologismo, pode, sim, tornar-se um trocadilho bobo — caso o poeta seja, na verdade, um trocadilhista bobo… Em si, os neologismos são enriquecimento da língua. E o trocadilhista bobo, para fazer das suas, não precisa se esforçar para criar neologismos, pode produzir trocadilhagens com as velhas palavras de sempre, inclusive as arcaicas. Aliás, as palavras não podem ser responsabilizadas pela indigência mental de ninguém.

- A sua poesia é uma "ode ao tempo". Muitos poemas tentam a descoberta do tempo perdido. Há uma valorização maior do passado, como terreno da liberdade e da modificação. Só as coisas que passaram podem ser modificadas. Não é o futuro o tempo da mudança?

ESPINHEIRA:- Realmente, vários críticos já me chamaram de "poeta da memória". Mas, então, me caberia perguntar: qual não o é? Vejam Drummond: lá estão Itabira, a infância, a memória familiar, a marca forte de Minas. Vejam Manuel Bandeira: a presença do Recife, da infância, da mocidade de esperança, desesperança e tísica. Vejam Jorge de Lima e sua infância se alastrando por toda a sua obra poética. Aliás, Jorge de Lima disse certa vez que seu único tema era a infância. Até mesmo João Cabral, com toda a sua pose pétrea, é um memorioso: os rios, os engenhos, a caatinga… Falando de mim, o que sei é que a única coisa que possuo é a memória. O presente é o que acabou de passar. O futuro… Bem, o futuro é uma projeção, uma possibilidade. Quando se realiza, não se realiza. Ou seja: deixa de ser futuro. Bandeira escreveu num poema: "O futuro diz o povo que a Deus pertence./ A Deus… Ora, adeus!"

- "No tempo perdido/ recupero, enfim,/ tudo o que perdi/ no meu tempo ganho", em "Tempo Perdido". O passado é o refúgio do poeta que cria realidades?

ESPINHEIRA:- Não sei se o passado é um refúgio, o que sei é que ele se impõe. Está em mim, como creio que está em todo mundo. Há quem considere o passado uma espécie de mundo perdido — quando, na verdade, é o único mundo que realmente se possui, como já disse antes, ao falar da memória. Mas aquele "tempo perdido" a que me refiro no poema citado não pretende ser o do passado — mas aquele outro que "perdemos" no dia-a-dia com nossas distrações, nossos sonhos, nossas vagabundagens de alma… Mas, é claro, o leitor tem direito de ler como quiser, de fazer sua própria leitura.

- O presente é o terreno para mudar o passado, como diz em "Revelação": Ai que somos felizes/ agora/ mas não tanto/ como amanhã, no passado?

ESPINHEIRA:- Bom, eu acho é que só nos tornamos conscientes da nossa felicidade depois. Não mudamos propriamente o passado. Há dois versos de Pessoa que põem bem a questão: Eu era feliz? Não sei:/ Fui-o outrora agora. Quer dizer: agora é que ele está sendo feliz outrora. Mas não quer dizer que a nossa felicidade outrora tenha mesmo acontecido. O que importa é que ela tenha acontecido outrora agora. O que importa é o que sentimos, o que consideramos verdade, mesmo que nunca tenha acontecido. A memória é fabulosamente ficcionista, não devemos nos esquecer desta característica, que talvez seja a sua característica principal.

- O azul é uma cor eleita? Como surgiu a "predileção poética" por esta cor que está em muitos poemas? (Alguma influência simbolista?)

ESPINHEIRA:- Nunca me fiz esta pergunta. Penso que o azul é, em minha poesia, menos uma cor do que um símbolo, um meio de expressar, talvez, a paz, a serenidade, a profundidade, algo mais vasto e profundo. Seja como for, talvez eu necessitasse refletir mais sobre o assunto. Quanto a alguma influência simbolista, não sei. Sofri a influência de todo mundo que leio, certamente também alguma dos simbolistas. Mas, é claro, o azul é de todos, não só dos simbolistas… Um poeta cheio de azuis é o Carlos Pena Filho, de Pernambuco, grande sonetista. Outro repleto de cores é o Sosígenes Costa, da Bahia. E eu sempre li bastante estes dois poetas.

- "Cuidadosamente/ o anjo do computador/ enumera/ os meus pecados". Este trecho de "Bilhete a Mário Quintana" anuncia a computação. O que mudaria na Internet? Quais os sites que mais visita? O que a rede dá a um poeta consagrado como Ruy Espinheira Filho?

ESPINHEIRA:- É um poema que está em meu segundo livro, escrito entre 1966 e 1976. Portanto, uns vinte anos antes de eu usar computador. Por que, então, falei em computador? Não sei. Mas tratava-se de um computador especial, pois nele havia um anjo… O que mudou foi a agilidade no trabalho – que se acelerou. A correspondência também ganhou velocidade, assim como os contatos se multiplicaram. Quanto a uma influência na criação literária, acho que não houve. Eu escrevia prosa na máquina de escrever. Poesia, só à mão. Agora, escrevo prosa no teclado do computador, e poesia… à mão. E não sou um navegante da Internet, prefiro ler. No mais, não sou poeta consagrado coisíssima nenhuma! Consagrados eram Bandeira, Drummond, Cabral e uns outros poucos, pouquíssimos.

- Falando de Quintana, quais os poetas que cabem dentro da sua poesia? Quais os poetas que cabem dentro de Ruy Espinheira Filho?

ESPINHEIRA:- Manuel Bandeira, no Itinerário de Pasárgada, diz que sofreu influência de todo mundo. É o que acontece comigo: acho que, de uma forma ou de outra, todas as leituras me influenciam. Até os autores muito ruins, pois com eles aprendo como não escrever… Alguns críticos já aproximaram minha poesia da de Bandeira; outros, de Drummond. Claro que sou leitor constante desses dois grandes, mas sem dúvida bebi em muitas outras fontes – a começar por Camões, passando pelos românticos. Aprendi até mesmo com Olavo Bilac, que considero o nosso maior parnasiano, embora minha poesia não tenha nada de parnasianismo, ao contrário das "vanguardas" que sugiram a partir de 1945 (Geração de 45, concretismo, neoconcretismo, praxismo, poema-processo, construtivismo e que tais, todas hoje – felizmente – devidamente extintas). Enfim, sou herdeiro da tradição da poesia ocidental. Talvez incompetente para administrar tão rica herança…

- Você é um poeta caseiro? O espaço onde os seus poemas ocorrem é o da casa? Fale sobre.

ESPINHEIRA:- Sou um homem caseiro. Mas os poemas me ocorrem em qualquer lugar. O inconsciente não avisa, a criação pode emergir a qualquer momento – ou ficar longo tempo sem dar sinal de nada. Não sou de ficar forçando a barra, o que só produz bobagem. Sigo os conselhos de Drummond: não adulo o poema nem recolho do chão o poema que se perdeu. Na verdade, já era assim mesmo antes de ler Drummond.

- A sua linguagem é simples, sem rococós, hermetismos e firulas. A simplicidade discursiva é uma busca eterna?

ESPINHEIRA:- Escrever com simplicidade é o que há de mais difícil. Não há nada que impeça que algo seja, ao mesmo tempo, simples e profundo. Os grandes poetas são simples, a começar de Homero. As tais "firulas" a que você se refere são coisas de poetastros. E o hermetismo é, quase sempre, malandragem de quem não tem o que dizer. Ou não sabe dizer o pouco que talvez possa ter. Agora, há poetas que são complexos, devido ao seu discurso, mas complexidade é outra coisa, nada tem a ver com "firulas" e hermetismos: apenas exige do leitor mais reflexão, mais apurada sensibilidade, assim como alguma cultura. Eu citaria, para este caso, como exemplo, Eliot.

- No poema "Uma Cidade", tudo contém uma idéia oposta. Também em Inúmero há: "E na origem/ da luz talvez não haja/ senão a ausência da estrela". A dualidade é poesia em estado bruto?

ESPINHEIRA:- Não vejo isto em "Uma Cidade". A imagem que você cita, de "Inúmero", não é, a meu ver, uma colocação de opostos. Arrisco-me a racionalizar um pouco e dizer que procurei aproximar a vida, repleta de ilusões, do fenômeno da luz que continuamos a ver mesmo quando a estrela que a emitia já não existe mais. Ou seja: a estrela que vemos não é estrela, não é mais, é apenas a sua luz, que continua viajando pelo espaço. Se fizéssemos uma viagem através dessa luz, em sua origem já não encontraríamos estrela alguma. Podemos dizer que essa luz não é mais do que uma "memória" da estrela.

- "Eu sou um menino/ contendo um homem que contém/ um menino." O que o poeta tem de lúdico?

ESPINHEIRA:- O Ivan Junqueira, num estudo sobre a minha poesia (incluído no livro O Fio de Dédalo, recentemente lançado pela Record), começa destacando o ludismo. Sim, há algo de lúdico aqui e ali, mas penso que a minha poesia – e o próprio Ivan frisa isto – é muito mais marcantemente melancólica, elegíaca. No meu próximo livro, ainda em preparo, aparecerão, na parte final, alguns poemas bem-humorados, mas a maior parte da obra se caracterizará pelo lirismo elegíaco de que fala o Ivan.

- "Todo amor está perdido/ ao nascer", é o verso de abertura do poema "Do Amor". É possível ser e não ser ao mesmo tempo?

ESPINHEIRA:- Não sei se entendi bem a pergunta. Bom, acho que sim, porque ninguém nos garante que o que julgamos ser é de fato o que é. Somos, sobretudo, o que sonhamos, o que nos transforma parcialmente em sonho. A vida é sonho, disse Calderón, creio que com muitíssima razão. "Todo amor está perdido/ ao nascer…" Na verdade, tudo está perdido desde a sua origem. Tudo caminha para isto: perder-se. Inclusive a vida.

- Ainda neste poema, "Do Amor", o que fica de um amor são destroços e o que não foi dito e o que não foi feito?

ESPINHEIRA:- Somos sempre uns destroçados. E os destroços ficam um pouco, boiando na superfície, depois também desaparecem. Mas só desaparecem, todos esses destroços, quando desaparecemos. Qualquer pessoa que se examine bem só quase vai encontrar destroços.

- Falar do poema no poema é o futuro da poesia?

ESPINHEIRA:- Espero que não. Se for, significa que a poesia não tem futuro… Pode-se tratar da poesia no poema, exercitar a metalinguagem, mas ficar nisto é extrema pobreza. Já pensou se Homero, em lugar de tratar dos deuses, da guerra, de Ulisses e Cia., ficasse falando do seu fazer poético? A poesia, no meu entender – a poesia e toda arte -, deve expressar a vida, a condição humana. Poesia não é truque, não é jeitinho, não é receita. Por falar em receita: quem quiser que leve a sério a Filosofia da Composição, de Poe, e tente fazer seu O Corvo… Nada me irrita mais, hoje, do que pegar num livro de jovem autor e encontrar as lamúrias (porque geralmente estão se lamuriando, impotentes, incapazes de criar) do fazer poético. Ao contrário do que dizem os formalistas, nós não fazemos arte meramente com técnica – mas, sobretudo, com o que somos. A técnica é o que, como dizia Mário de Andrade, pode ser ensinado. Qualquer um pode aprender técnica, mas só faz poesia quem, além de conhecer a técnica, é poeta. E ninguém pode ensinar ninguém a ser poeta.

Alexei Bueno diz que a poesia brasileira é cocô de cabrito: pequena, sequinha e idêntica. Concorda com Alexei?

ESPINHEIRA:- O Alexei não diz isto sobre a poesia brasileira como um todo, mas a respeito de certa poesia, exatamente a poesia dos formalistas: concretistas, neoconcretistas, construtivistas et caterva, que são todos neoparnasianos. Aí, sim, é puro cocô de cabrito. E esses caras ficam produzindo isso e dizem que se trata de rigor. Confundem verso longo com discursivismo e verso (ou que nome tenha) curto com síntese. É a pobreza mental em toda a sua pujança.

- O poema "Aniversário" é sobre a perda: "Perdi colegas, namoradas, cães./ Perdi árvores, perdi um rio/ e eu mesmo nele me banhando". O rio é uma perda eterna, já que, por Heráclito, ninguém passa pelo mesmo rio duas vezes?

ESPINHEIRA:- Pois é, novamente a perda na minha poesia… A imagem do rio é perfeita: ninguém se banha no mesmo rio duas vezes. Tanto por não ser mais o rio o mesmo, porque flui, quanto por também a pessoa fluir, mudar-se continuamente em si. Como vê, minha poesia é mesmo muito melancólica. Não é uma atitude intelectual: é que a vida é assim…

- Tudo o que um bom poeta escreve é pensado, projetado, articulado ou o inconsciente fala mais alto e há uma conexão divina para inspirar o momento de escrever o poema? Como é o seu processo criativo?

ESPINHEIRA:- Sendo um agnóstico, não posso aceitar a conexão divina. Mas sei que Anima canta e que é do seu canto que vem a arte. Que não é só um canto espontâneo, tem que passar pela crítica. Fernando Pessoa fala de harmonia de idéia e emoção. Há um verso dele que expressa perfeitamente a coisa: "O que em mim sente ‘stá pensando". Meu processo criativo é igual ao de todos, em linhas gerais: impulso e crítica. Ninguém consegue fazer arte apenas com o intelecto, com inteligência e técnica, pois assim qualquer pessoa inteligente e culta seria artista. Todo mundo é capaz de aprender o que pode ser ensinado, como dizia Mário, mas só os artistas produzem arte. Só os que atingem aquela harmonia de idéia e emoção. Ninguém decide ser artista: ou se é ou não se é. Não é escolha – é condição. Porque o artista é, ainda lembrando Mário, um fatalizado.

- "Uma vida não dá/ para contar/ uma vida", versos de "Poema de Novembro", mostram a incapacidade humana de abarcar o todo. O poema pode ser considerado mais profundo e autobiográfico do que algumas autobiografias?

ESPINHEIRA:- Como falei antes, escrevo com o que sou. Como todo poeta, ou artista, produz. Posso imitar Bandeira, ou Drummond, mas não posso fazer a poesia deles – simplesmente porque não sou Bandeira nem Drummond. Não vivi a vida deles, não possuo as suas, digamos, idiossincrasias. Repito: não sou eles, sou o que há de mim, apenas. O poema, a meu ver, é sempre, de certa maneira, autobiográfico – porque você o produz com o que você é. Só os imbecis – que, infelizmente, são em grande número – é que podem pensar que a arte se faz com mera aplicação de técnicas. Aristóteles mostrou bem a diferença entre Empédocles, que escrevia ciência em versos, e Homero, que fazia poesia. As técnicas são o meio, mas não a fonte. A fonte é o artista. Quanto às autobiografias intencionais, podem ser menos ou mais sinceras. Mas, como já dissemos, a memória é ficcionista…

- Como foi ser Beatriz dos Anjos Silva?

ESPINHEIRA:- O poema "A Canção de Beatriz" foi deflagrado pelo depoimento de uma prostituta, em entrevista que acompanhei, a uma namorada minha, jornalista. Veio de súbito, dias depois, e foi o único poema que escrevi diretamente à máquina. Saiu de vez, como um jorro. Há quem o estranhe muito. Há quem o julgue prosaico. Há quem o deteste. Mas há também quem goste muito dele. O que posso dizer é que é um poema singular em minha obra. E ser Beatriz dos Anjos Silva foi, sem dúvida, uma forte experiência emocional.

- O que faz nas horas de lazer?

ESPINHEIRA:- Leio. De vez em quando, uma farrinha com amigos, um banho de mar. Mas geralmente leio.

- Como encara a matéria da revista Veja que ridiculariza poetas?

ESPINHEIRA:- Como uma matéria ridícula.

- Tem algum mote que o acompanhe?

ESPINHEIRA: Há muitos motes bons por aí. Lendo Nietzsche, Monteiro Lobato encontrou um que passou a seguir, e do qual sempre me recordo. Disse o filósofo: "Se queres seguir-me, segue-te." Creio que, embora não muito intencionalmente, observo esse mote.

- Qual o papel do escritor na sociedade?

ESPINHEIRA:- É ser escritor. Se possível, bom escritor. Segundo Ezra Pound, os escritores têm um função social definida, a qual é proporcional à sua competência como escritores. Como cidadãos, eles têm inúmeras obrigações e preferências políticas, cada qual com as suas. Mas a principal obrigação como escritor é ser bom e procurar manter viva a sua herança de cultura e o vigor de sua língua. Mesmo porque, como advertia o mesmo Pound, se a literatura de uma nação entra em declínio a nação se atrofia e decai.

Fonte:
http://virtualbooks.terra.com.br/

Nélson Jahr Garcia (Shakespeare: a arte da persuasão)

Há mais coisas no céu e na terra, Horácio, do que sonha a tua filosofia ( There are more things in heaven and earth, Horatio, that are dreamt of than in your philosophy)

Muito já se discutiu e se escreveu sobre persuasão. J.A.C. Brown, psicólogo, escreveu "Técnicas de Persuasão". William Sargant, psiquiatra, produziu a obra "Battle for the Mind". sobre conversão religiosa e lavagem cerebral. Serguei Tchakhotine escreveu "Le viol des foules par la propagande politique."

Os estudiosos da Escola de Frankfurt produziram várias obras que envolviam o assunto, principalmente Max Horkheimer, Theodor Adorno e Jürgen Habermas. Infelizmente nenhuma dessas obras trouxe uma explicação satisfatória sobre o processo da comunicação persuasiva.

É que às vezes as respostas não se encontram em cientistas, pesquisadores e doutores, mas com literatos, poetas, dramaturgos; aqueles que observam, sentem e escrevem. Interessante, percebem as coisas da vida sem utilizar metodologias científicas e que tais. Aprende-se Psicologia com Machado de Assis, melhor que em Freud; Sociologia, com Gilberto Freire, se conhece melhor do que em Durkheim.

William Shakespeare produziu uma teoria sobre a persuasão que cientista nenhum desvendou, basta ler com atenção devida.

Iago, com argumentos e artimanhas, convenceu Otelo de que sua esposa, Desdêmona, era infiel. Lady Macbeth persuadiu Lorde Macbeth a matar o rei para tomar-lhe o trono. Próspero, dominou espíritos para que o ajudassem em sua vingança. Cássio convenceu Bruto a matar Júlio César. O fantasma do rei da Dinamarca convenceu Hamlet, o filho, a vingar sua morte. Romeu seduziu Julieta e foi seduzido por ela, a ponto de se suicidarem ambos. Petrucchio domou a megera Catarina, transformando-a em mulher dócil e submissa. Em todas essas obras, e em outras que não mencionei, há uma idéia recorrente: a comunicação persuasiva, para ser eficiente, pressupõe um fator: as fraquezas humanas. As pessoas são mais facilmente persuadidas quando se apela para o egoísmo, ambições, invejas, ciúmes, paixões, dores, arrependimentos.

Esse foi um dos legados que William Shakespeare nos deixou, há quatrocentos anos. Entender o ser humano em suas fraquezas, suas forças, suas felicidades, seus gozos e angústias. Mas não se trata apenas de entender o outro, a nós mesmos também. Somos todos guerreiros, às vezes, políticos, no sentido grego, constantemente. Também somos incapazes. Romeu não conseguiu ser bem sucedido com Julieta, não lhe deram tempo nem oportunidade. Macbeth não pode obter as vantagens do trono, sanguinariamente conquistado.

Quanto ao ser humano, Shakespeare nos ensina algo importante, senão fundamental: o homem não é bom ou mau, apenas homem. Um famoso humorista contestava a história do Chapeuzinho Vermelho. Perguntava: "por que lobo mau, acaso existe lobo congregado mariano ou coroinha de igreja? Lobo é lobo, nem mau nem bom, só lobo". Pois é, o homem é homem, nem bom nem mau, apenas homem.

Shakespeare percebeu, o que os chineses já sabiam há séculos e Marx viria a descobrir mais tarde: o homem é uma unidade de contradições, maldade e bondade as carrega no peito, ao mesmo tempo e em todas as horas.

Frei Lourenço (Romeu e Julieta) em um breve monólogo disse o seguinte: "A terra é a mãe e a tumba da natura; ministra a morte e, assim, apresta a cura. Filhos de vária espécie, no seu seio a mamar encontramos, sem receio; uns por por várias virtudes, excelentes; cada um com a sua, todos diferentes. Oh! é admirável a potente graça que há nas ervas, na flora, na pedra crassa, pois até mesmo o que há de vil na terra algo de bom, influência dela, encerra; nem nada bom existe, que, torcido do uso normal, não se revele infiel à própria natureza e nascimento. Até mesmo a alta virtude, num momento mal aplicada, em vício se transforma, e este, por vezes, ao dever dá a norma. Na corola infantil desta florzinha veneno mora que dá morte asinha, Cheirado, ao corpo todo dá alegria; mas pára o coração no mesmo dia, quando dado a beber. Dois reis potentes nas plantas e nos homens oponentes acampamento têm: a atroz cobiça e a graça benfazeja. Se insubmissa se mostra a pior, então vem logo o verme da morte e rói essa plantinha inerme."

O arrependimento é de constante frequência na obra do dramaturgo, os personagens perpetram as piores crueldades imagináveis, mas acabam sofrendo dores de consciência. Macbeth mandou matar o rei para obter a coroa, mas passou a sofrer amarguras internas. Hamlet estava decidido a vingar o pai assassinado, mas era angustiado pela dúvida: "ser ou não ser, eis a questão".

Os chefes das famílias rivais, Capuleto e Montecchio, após a morte dos filhos, concluem: "CAPULETO: Dá-me tua mão irmão Montecchio; é o dote de minha filha. Mais pedir não posso. MONTECCHIO: Mas eu posso dar mais, pois hei de a estátua dela fazer do mais puro ouro. Enquanto for Verona conhecida, nenhuma imagem terá tanto preço como a da fiel e mui veraz Julieta. CAPULETO: Romeu fama também dará à cidade; vítimas são de nossa inimizade."

Próspero (A Tempestade) depois de dominar espíritos para que o auxiliassem em sua vingança, termina concluindo: "Restou-me o temor escuro; por isso, o auxílio procuro, de vossa prece que assalta até mesmo a Graça mais alta, apagando facilmente as faltas de toda gente. Como quereis ser perdoados de todos vossos pecados, permiti que sem violência me solte vossa indulgência."

Voltemos à teoria da persuasão. A credibilidade de quem assegura a veracidade da afirmação é importante.. Como duvidar da palavra de uma feiticeira. Macbeth ouviu, não de uma, mas de três feiticeiras: "Primeira bruxa: Viva, viva Macbeth! Nós te saudamos, thane de Glamis. Segunda bruxa: Viva, viva Macbeth! Nós te saudamos, thane de Cawdor. Terceira bruxa: Viva Macbeth, que há de ser rei mais tarde!" . Realmente Macbeth se tornou thane de Glamis, depois de Cawdor e afinal rei. Tornou-se thane por merecimento, mas foi induzido pela ambição, que Lady Macbeth soube explorar, a ponto de convencê-lo a matar o rei para tomar-lhe o trono.

A força de um bom argumento, preferencialmente mesclado com sentimento, é decisivo para a persuasão. Julieta, na cena em que está na sacada (antigamente se dizia balcão), pronunciou uma das frases mais célebres da literatura universal: "Meu inimigo é apenas o teu nome. Continuaria sendo o que és, se acaso Montecchio tu não fosses. Que é Montecchio? Não será mão, nem pé, nem braço ou rosto, nem parte alguma que pertença ao corpo. Sê outro nome. Que há num simples nome? O que chamamos rosa, sob uma outra designação teria igual perfume. Assim Romeu, se não tivesse o nome de Romeu, conservara a tão preciosa perfeição que dele é sem esse título. Romeu risca teu nome e, em troca dele, que não é parte alguma de ti mesmo, fica comigo inteiro."

A argumentação, acompanhada de um fato adrede preparado, por menor que seja, tem um incrível poder persuasivo, principalmente quando se explora uma fraqueza como o ciúme. Iago furtou a Desdêmona, um lenço que lhe havia dado Otelo e o deixou às mãos de Cássio. Daí o seguinte diálogo: "IAGO - Sede cauto; ainda não vimos nada; é bem possível que seja honesta. Ora dizei-me apenas o seguinte: não vistes porventura nas mãos de vossa esposa, algumas vezes, um lenço com bordados de morangos? OTELO - Dei-lhe um assim; foi meu primeiro mimo. IAGO - Ignorava esse fato; porém tenho certeza plena de ter hoje visto Cássio passar na barba um lenço desses, que foi de vossa esposa. OTELO - Se era o mesmo... IAGO - O mesmo, ou outro qualquer dos lenços dela, é prova muito forte, ao lado de outras."

Incrível, o patriotismo, o amor à cidade onde se vive podem gerar susceptibilidade à persuasão, Vejam em Júlio César; Bruto orientado pelo patriotismo, e um pouco de ambição, aceita a influência de Cássio; e diz: "Preciso é que ele morra. Eu, por meu lado, razão pessoal não tenho para odiá-lo, afora a do bem público." Matou Júlio César. Fator importante de convencimento é a cobrança por um favor prestado. Próspero (A Tempestade) libertou Ariel do domínio da bruxa Sicorax e, em troca, exigiu apoio para seu desejo de vingança. O diálogo é assim: "PRÓSPERO: Quê! Zangado? Que podes desejar? ARIEL: Lembra-te que te prestei serviços importantes nunca menti, nem descuidei de nada, nem me mostrei queixoso ou rabugento. Prometeste abater-me um ano inteiro. PRÓSPERO: Pareces esquecido do tormento de que te libertei."

O cansaço e o desgaste físico, geralmente, são fatores que aumentam a sugestionabildade em muitas pessoas. Nas forças armadas a leitura da ordem do dia é realizada depois que os soldados foram submetidos a pesados exercícios e longas marchas. Nas academias de artes marciais, os princípios morais e filosóficos são discutidos ao final do treinamento, quando os alunos já se encontram exauridos. Petrucchio (A megera domada) forçou Catarina, imediatamente após o casamento, a viajar sob um inverno rigoroso, ocasião em que ela caiu do cavalo sobre a lama. Já em casa, ralhando com o empregado, alegou que a comida estava ruim jogando-a fora. Com isso deixou Catarina faminta por logo tempo, levando-a quase ao desespero. Não a deixava dormir à noite, fazendo muito barulho e gritando com os empregados. Não a deixava fazer nenhuma afirmação sem contestá-la. Ao cabo de algum tempo a megera hostil transformou-se em mulher gentil, delicada e obediente.

Recurso persuasivo muito utilizado, o apelo à indignação e ao sentimento de revolta, foi empregado por Marx, Lenin, Hitler e tantos outros. Cláudio envenenou seu irmão, rei da Dinamarca, tomou o trono e casou-se com a rainha. O fantasma do rei assassinado apareceu perante seu filho, Hamlet, convencendo-o a vingar-lhe a morte. Seu apelo dizia o seguinte: "Sou a alma de teu pai, por algum tempo condenada a vagar durante a noite, e de dia a jejuar na chama ardente, até que as culpas todas praticadas em meus dias mortais sejam nas chamas, ao fim, purificadas. Se eu pudesse revelar-te os segredos do meu cárcere, as menores palavras dessa história te rasgariam a alma; tornar-te-iam, gelado o sangue juvenil; das órbitas fariam que saltassem, como estrelas, teus olhos; o penteado desfar-te-iam, pondo eriçados, hirtos os cabelos, como cerdas de iroso porco-espinho. Mas essa descrição da eternidade para ouvidos não é de carne e sangue. Escuta, Hamlet. Se algum dia amaste teu carinhoso pai... Vinga o seu assassínio estranho e torpe.

A Shakespare não passou despercebido que os seres humanos muitas vezes, tentam convencer não outros, mas a si próprios, especialmente quando precisam justificar suas atitudes e ações. Edmundo (Rei Lear) registra bem esse aspecto: "Essa é a maravilhosa tolice do mundo: quando as coisas não nos correm bem - muitas vezes por culpa de nossos próprios excessos - pomos a culpa de nossos desastres no sol, na lua e nas estrelas, como se fôssemos celerados por necessidade, tolos por compulsão celeste, velhacos, ladrões e traidores pelo predomínio das esferas; bêbedos, mentirosos e adúlteros, pela obediência forçosa a influências planetárias, sendo toda nossa ruindade atribuída à influência divina... Ótima escapatória para o homem, esse mestre da devassidão, responsabilizar as estrelas por sua natureza de bode. Meu pai se juntou a minha mãe sob a cauda do Dragão e minha natividade se deu sob a Grande Ursa: de onde se segue que eu tenho de ser violento e lascivo. Pelo pé de Deus! Eu teria sido o que sou, ainda que a mais virginal estrela do firmamento houvesse piscado por ocasião de minha bastardização."

As citações mostram que Shakespeare, sem pesquisas e fundamentos científicos, mas com intuição e sensibilidade, percebeu como é frágil a mente humana. Alguns recursos de comunicação podem induzir pessoas a agirem de maneira que elas não fariam em outras condições.

Desconheço o que ocorre no céu, mas na terra há fatos e atos humanos que, com nossos conhecimentos e concepções filosóficas, mal sonhamos explicar.

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Sobre o autor
Nélson Jahr Garcia, que nasceu em São Paulo, formado na Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Professor da USP, e de outras Faculdades Particulares. Fez mestrado e doutoramento em Ciências da Comunicação na ECA-USP. Escreve livros, artigos. É webdesigner e ebook-publisher.
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Fontes:
http://virtualbooks.terra.com.br/
Desenho: http://www.mediabistro.com

Gonçalo Júnior (Livros de "fantasia" fascinam britânicos e o mundo )

Ao ser questionado sobre o fascínio dos britânicos pelo que se chama genericamente de livros de fantasia, o escritor inglês Terry Pratchett brinca quando busca uma explicação. O clima no Reino Unido, diz ele, é tão ruim que se faz necessário criar novos mundos para fugir da realidade. Depois, fala sério e explica que a causa pode estar no fato de que os britânicos têm um folclore muito rico graças à maneira curiosa com que o país absorveu a mitologia de outros povos ao longo dos séculos. "Temos elementos dos franceses, dos nórdicos, dos romanos, dos galeses e até dos alemães, nós simplesmente colocamos tudo junto e isso está espalhado por toda parte", observa ele, em entrevista a este jornal. O escritor lembra que, por exemplo, que é comum afirmar que todas as grandes cavernas no Reino Unido pertenceram ao mago Merlin ou a algum poderoso bruxo. "Então, você cresce pensando as coisas de uma certa maneira".

Os romances de fantasia são uma instituição secular no Reino Unido. Dirigidos a princípio a crianças e adolescentes, são vorazmente consumidos por jovens e adultos de todas as idades. Thomas A. Shippey, biógrafo e estudioso da obra de Tolkien, explica que a tradição começou talvez com William Morris, no final de 1880. Existiram, porém, outros autores de fantasia antes de Tolkein, na primeira metade do século XX, como Lord Dunsany, E. R. Eddison e Lewis Carroll, criador dos livros de "Alice". Shippey lembra também o gênero migrou para outros países, como os Estados Unidos, onde destacam-se como principais nomes Robert E. Howard (criador de "Conan, O Bárbaro"), Fritz Leiber e Lion Sprague De Camp.

Tanto Shippey quanto Pratchett lamentam que a crítica continue a subestimar a tradição consagrada por "O Senhor dos Anéis". "Eu acho que os críticos não gostam do gênero e suspeito que é porque eles não têm controle sobre isso. Mas não importa o que eles pensam, os leitores decidem por eles mesmos", avalia Pratchett. Ele observa que todos os autores de fantasia que se lembra foram bons vendedores muito antes de qualquer crítico ter sido "incomodado" com alguma notícia sobre eles. Os críticos, acrescenta Shippey, não apenas subestimam o gênero como também são incapazes de considerá-lo dentro da literatura. Em geral, afirma, eles lidam com isso dizendo que isso "não é literatura". "Se você não pode entender alguma coisa, negue a sua existência...", ironiza.

Shippey vê como positivo para combater esse preconceito o sucesso editorial dos romances de "Harry Potter". Ele os define como de boa qualidade e sinalizadores de abertura de um mercado que se acreditava limitado ou mesmo inexistente. "Tanta aceitação de Harry Potter mostra que crianças estão preparadas para ler ou escutar livros muito longos, desde que elas tenham uma história empolgante para ler". E acrescenta: "Contar história é outra coisa que os críticos não se sentem muito contentes a respeito". Pratchett concorda com ressalvas. Na sua opinião, os livros de Rowling são bons, mas "massivamente falados e insensados". Agora, acrescenta, essa onda está seguindo seu próprio curso. "Os romances de Potter não trazem muita coisa nova, vejo-os como uma receita diferente na qual se usa basicamente os mesmos ingredientes. Mas não há nada errado com isso. Afinal, o mesmo pode ser dito da maioria dos outros gêneros literários".

Para Pratchett, os britânicos realmente gostam de escrever livros de fantasia, mas não tem certeza se gostam de lê-los mais outros povos. E também cutuca a crítica: como os livros de fantasia são muito populares, existe uma "imensa esnobação" contra o gênero por parte dos críticos literários. Ele recomenda cautela ao tentar definir o termo fantasia. "Deixando de lado lendas como a do Rei Arthur, nós não temos uma grande tradição de fantasia heróica. Temos tradicionalmente escrito o que eu chamo de 'doorway fantasies', onde uma porta, uma caverna, um buraco no chão ou mesmo um guarda-roupa são uma porta secreta para um outro mundo o qual possui ecos do nosso próprio". Esse foi o tipo de livro escrito por nomes consagrados como Lewis Carroll, E. Nesbit, John Masefield e Clive Staples Lewis (C.S.) Lewis - considerado um dos influentes autores pela série de sete livros "As Crônicas de Nardia", todos lançados no Brasil pela Martins Fontes. O que é pouco usual sobre o Senhor dos Anéis, acrescenta Pratchett, é que a Terra Média é completamente idealizada e separada do Mundo, não há uma ponte para ela, as pessoas não vão para lá ter aventuras e voltar para casa. É algo dentro dele mesmo.

Terry Pratchett é um fenômeno literário na Inglaterra desde a década de 1980, quando lançou o primeiro dos 26 livros da série "Discworld", com quase 30 milhões de exemplares vendidos somente em seu país. Agora, o leitor brasileiro que curte as aventuras de "Harry Potter" e "O Senhor dos Anéis" tem a oportunidade de conhecer seus livros. A Conrad Editora acaba de publicar o primeiro título, "A Cor da Magia" (232 páginas, R$ 25), e promete lançar mais dois livros até maio. O projeto da editora é ousado pela respeitável tiragem inicial de 25 mil exemplares. A confiança, claro, tem a ver com os 800 mil exemplares de "Harry Potter" comercializados até agora pela Rocco no Brasil.

Os primeiros livros de Diskworld, chamaram a atenção porque, inicialmente, colocaram humor no mundo de fantasia heróica nos anos de 1980. "Sou mais interessado em pessoas do que em dragões". A série de Pratchett já foi publicada em 27 línguas. Uma das peculiaridades da obra está na criação de seu ambiente de fantasia. Pode parecer estranho, mas a intenção é ser engraçado: um mundo em forma de disco - Discworld - com alguns milhares de quilômetros de extensão, suspenso no espaço por quatro elefantes, posicionados sobre uma tartaruga de tamanho descomunal. Seus habitantes são deuses, magos, guerreiros mercenários, duendes e caixas mágicas, mas está longe de ser algo parecido ao universo de Tolken ou Harry Potter. Sobre suas influências, o autor afirma que foram muitos poucos dentro da fantasia. Com exceção, "possivelmente", de G.K. Cheston. "Estilisticamente, eu sou provavelmente influenciado por autores como Mark Twain e Jerome K. Joreme".

De olho no filão, pelo menos mais quatro editoras confirmam lançamentos no gênero nas próximas semanas, com aventuras que têm crianças e adolescentes como protagonistas. A Record investe no potencial do propagado "Artemis Fowl - o menino prodígio do crime", de Eoin Colfer (288 págs, R$ 25,00). Amparado num forte marketing internacional, o livro de Colfer - autor de livros infantis, com seis obras publicadas - também tem um garoto diferente como protagonista e tem tudo para seguir os passos de "Harry Potter". Enquanto escreve o segundo volume, o autor - de origem irlandesa - comemora a estréia promissora da série. Pode parecer pouco, mas "Artemis Fowl" já circula em 25 países e acumula vendas de 350 mil exemplares.

A receita do personagem se concentra no fato de que o herói mirim não se encaixa no perfil dos personagens infanto-juvenis convencionais. Fowl é um pessimista e mal humorado que é um gênio do crime. Suas aventuras bem moderninhas combinam ação, Internet e magia - sim, isso é possível. Ele é o herdeiro do clã dos Fowl, uma lendária família de personagens do submundo, célebres na arte da trapaça. Para tentar recuperar a fortuna de sua família, após o desaparecimento misterioso de seu pai, ele bola um plano mirabolante que pode levar seu planeta a guerra entre espécies. Para colocá-lo em prática, chantageia e rouba com o propósito de desvendar os segredos do Povo das Fadas e descobrir onde esse povo guarda uma enorme reserva de ouro. Os direitos do livro, claro, já foram vendidos para a Miramax, que já confirmou até Cameron Diaz no papel da fada Holly.

A Geração Editorial aposta em "Os Mundos de Crestomanci", da veterana Diana Wynne Jones (253 págs, R$ 18,90). Não é preciso ir além de duas páginas de "Os Mundos de Crestomanci" para perceber o quanto o livro de Diana Wynne Jones lembra "Harry Potter". Com uma diferença: foi publicado quase 20 anos antes, em 1977. A estória começa com o naufrágio de um navio, do qual poucos escapam. Entre estes, o garoto Gato Chant e sua irmã mais velha, Gwendolen, com poderes de bruxaria. Órfãos, os dois sensibilizam os governantes de Wolvercote, que pagam uma bruxa para educá-los. A menina doa as cartas trocadas entre seu pai e o misterioso Crestomanci por aulas de bruxaria. Jones escreve com simplicidade envolvente e é indicado para quem gosta ou odeia "Harry Potter".

A coleção de Jones é composta de cinco títulos. O volume de estréia já vendeu mais de um milhão de exemplares em mais de uma dezena de países. Somente do ano passado para cá, somente na Inglaterra e nos Estados Unidos a tiragem passou de 700 mil cópias.

A Objetiva finaliza em janeiro a publicação em português da elogiada trilogia de Philip Pullman, "Fronteiras do Universo" - formada pelos livros "A Bússola Dourada", "A Faca Sutil" e "A Luneta de Ambar" (número de páginas e preço não definidos). Consagrados pela crítica especializada inglesa como uma das melhores obras da fantasia atual, os dois primeiros volumes lamentavelmente não decolaram no Brasil e ficaram longe de corresponder às expectativas do editor. Cada livro não passou da primeira tiragem (esgotada) de 2 mil exemplares. Mesmo assim, a Objetiva promete para janeiro o terceiro volume e estuda a possibilidade de relançar os dois primeiros livros com novas capas - talvez o principal problema das duas edições brasileiras.

Os dois primeiros livros foram traduzidos para 18 línguas e já são considerados um clássico da literatura. "A Bússola Dourada" recebeu a medalha Carnegie, o Prêmio de Ficção do Guardian e foi eleito o Livro do Ano na Grã-Bretanha em 1996. "A Faca Sutil" recebeu o Prêmio de Melhor Seqüência - 1997 Cuffies, da Publisher's Weekly. A trilogia de Pullman também foi citada como a obra mais inventiva desde "O Senhor dos Anéis". Seus livros conquistaram leitores e a crítica especializada de vários países e ele chegou a ser comparado ao impacto de autores como Lewis Carroll, E. Nesbit, C.S. Lewis e Tolkien. Pullman mistura em suas aventuras infanto-juvenis religião, criação, evolução, morte, física cósmica, pecado, autoridade e liberdade a serviço da imaginação, da educação e da literatura de qualidade A série conta a história de Will, um garoto de 12 anos que, após assassinar um homem, sai à procura da verdade sobre o desaparecimento de seu pai. Num passe de mágica, ele passa por um portal que o leva a um mundo habitado por espectros letais, devoradores de almas e outras criaturas aterradoras que disputam com todas as forças um talismã capaz de cortar o nada e abrir passagens para outros universos: a faca sutil. Nesse mundo, conhece Lyra, com quem enfrenta mil perigos.

E quanto a Harry Potter? Vai bem, obrigado. Tanto que, a Rocco acaba de mandar para as livrarias dois aparentes caça níqueis, escritos por J. K. Howling, a autora de "Harry Potter": "Animais Fantásticos & Onde Habitam", de Newt Scamander (64 págs, R$ 12) e "Quadribol através dos séculos", de Kennilworthy Whisp (64 págs, R$ 12). Os dois títulos foram escritos supostamente para atender ao apelo de seus fãs. No primeiro, Rowling escreveu um histórico completo sobre o esporte típico dos bruxos, o "Quadribol". "Animais Fantásticos & Onde Habitam" é outra citação frequente em seus romances - trata-se de livro fictício adotado pelos professores da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts.

Em entrevista distribuída pela assessoria de imprensa da editora brasileira, Rowlling conta que os livretos nasceram de um pedido do fundador da ONG Comic Relief, Richard Curtis. A escritora já colaborava com a entidade e decidiu participar do projeto. As vendas no Reino Unido - mais de 80% do valor da capa - foram para a instituição que desenvolve projetos humanitários na África. O percentual só foi possível graças à participação de livreiros, fornecedores de papel e cessão de direitos autorais. A venda internacional das duas publicações será doado para ajudar crianças pobres de todo o mundo.

Os livretos têm um apelo irresistível para os fãs de Harry Potter. Primeiro, porque poderá consultar informações recorrentes em todos os romances, mas não detalhadas. Depois, trazem rabiscos escolares de Harry e Rony - feitos pela própria autora na edição original inglesa. O livro sobre quadribol traz até pesquisa histórica. O jogo teria surgido no século XI, como um esporte rústico, jogado com vassouras caseiras. Nos dois séculos seguintes, os bruxos acrescentaram mais bolas e ficaram com o formato como é conhecido hoje. Vale pela causa.

Fontes:
InvestNews/ Gazeta Mercantil Sexta, 30 de novembro de 2001
http://www.terra.com.br/diversao/2001/11/30/012.htm
Foto: Ilustração do Livro Crônicas de Nárnia, de C. S. Lewis

Como "não se deve" fazer trovas

(o bom humor é meu, a interpretação é sua)

Muitos especialistas na matéria vivem ensinando como fazer trovas, orientando-se, é claro, pelos princípios básicos da UBT.

Pois hoje eu quero ensinar-lhe "como não se deve fazer trovas". E garanto-lhe, de antemão, que é muito mais fácil e, de quebra, com toda certeza irá lhe render muitos troféus na estante. Se amanhã ninguém se lembrar de alguma trova sua, o que importa? Ali estarão seus troféus, como testemunhas palpáveis e permanentes de suas conquistas.

Bom, comecemos pelas "lírico/filosóficas". Independente de qual seja o tema, sua trova deve conter a palavra "saudade". Em torno dela tente compor as demais 25 ou 26 sílabas poéticas que irão coroar sua obra de arte. E tente ser o mais convincente possível. Porque se o julgador perceber que você está "forçando a barra", isso poderá lhe ocasionar uma desclassificação, o que seria lamentável para suas pretensões. Se ainda assim tiver dúvidas, pegue qualquer livro de resultados e dê uma geral. Você irá se surpreender com a lógica destas afirmações...

O termo que concorre quase em plano de igualdade com "saudade" é "sonho". Use e abuse do seu direito de sonhar. Também não corre risco de despencar no IBOPE. Caso queira variar, então você pode utilizar "solidão", "esperança", "tristeza" (eu conheço uma certa "a tristeza que me invade" que é recordista em galardões!)... Mas faça sempre uma referência, mesmo que de forma velada, ao "amor", que é o carro-chefe de toda a guarnição. Mas "desamor" também é bom. Para concluir, veja se ficou parecida com alguma trova famosa que você já conhece. Se ficou, melhor ainda: o sucesso está garantido!

E resta ainda a alternativa das frases, que podem ser provérbios ou mesmo citações bíblicas e filosóficas. Não vá se distrair e colocar o nome do verdadeiro autor, porque esse descuido também gera desclassificação. Para todos os efeitos é uma criação sua. Muito bem, passemos agora às trovas humorísticas. Continua valendo o exemplo anterior: independente do tema, seu único trabalho será escolher um personagem: "vizinho" tem boa cotação; "português" também é ótimo aperitivo mas o alvo preferido (porque o retorno é garantido) é "sogra". Fora isso tem "amante", "corno", viúva", "gordo"... Porém o que nos últimos anos vem fazendo um estrondoso sucesso, com efeitos "magníficos", é adaptar piadas do anedotário, transformando-as em trovas. Digo e explico: a maioria das pessoas encarregadas de votar não costuma ler almanaques de piadas e também não sabe que os princípios básicos que regem a UBT recomendam que se evite essa tática. Isso virou "uma mina de ouro". Pode fazer, que dá certo. Ultimamente até aquelas piadas mais manjadas estão sendo aproveitadas. Como se diz na minha terra: é "mamão com açúcar"!

Agora, um último recurso: se mesmo assim, depois de esgotadas todas as tentativas, você continuar na galeria dos que nunca conseguem perfilar entre os laureados, só resta uma saída: pegue aquelas trovas com as quais você premiou há muito tempo atrás, lembra-se? Dê uma boa requentada nelas ou então troque apenas umas palavras, incluindo a palavra-tema (tem gente que não troca nada mas é muito arriscado) e pronto: ei-lo de volta ao pódio. Com o mesmo glamour de outrora.

Não se preocupe, já sei o que você quer me perguntar: é claro que várias pessoas irão perceber o que está acontecendo mas ficarão com pena de você e apenas farão aquela familiar expressão de "não vi nada, não sei de nada", "tô nem aí", etc. E você continuará sendo amado e festejado. E desta vez também será aplaudido. Chega de aplaudir, somente.

Não me agradeça, por favor, se ocorrer essa mudança em sua vida trovadoresca. Afinal, "se não vivemos para servir, não servimos para viver". OBS: essa frase é minha, mas pode encaixá-la numa trova, se assim o desejar.

E, encerrando, há as trovas religiosas: mesmo que você não creia em Deus, use-o em seus trabalhos, porque a comissão julgadora crê, e irá levar muito a sério as suas palavras. Quando você morrer, e for por Deus cobrado, diga que "foi só uma brincadeirinha, magina"! Que você não tinha intenção!...

Fonte:
Portal Movimento das Artes
http://www.movimentodasartes.com.br/trovador/pop_081/080420a.htm