sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Pedro Mello (Posso Rimar “Céu” com “Corcel”?)


Apenas mudando as palavras, eu escutei essa pergunta duas vezes, em momentos diferentes nestes anos em que pertenço à UBT (União Brasileira de Trovadores). Da primeira vez, foi no ano em que entrei. Uma trovadora então novata disse a outra que havia feito uma trova em que rimava “céu” com “batel”. A outra respondeu que “não podia, que esse tipo de rima não é perfeita e não é aceita”. Assim, dessa maneira, a questão ficou encerrada.

Em meu espaço no site “falando de trova” (http://www.falandodetrova.com.br) já abordei a questão, que novamente veio à tona. No ano passado, durante os festejos dos Jogos Florais de Nova Friburgo, uma pessoa me perguntou se podia rimar “céu” com “corcel”. Confesso que fiquei encantado com a pergunta e me lembrei de um poema de Mário Quintana chamado “O encontro”, do livro “Baú de espantos”:

“Subitamente
na esquina do poema, duas rimas
olham-se, atônitas, comovidas,
como duas irmãs desconhecidas...”

Naquela pergunta, aparentemente prosaica, estava a configuração de uma possibilidade que geralmente não é tradicionalmente prevista, o encontro de “duas irmãs desconhecidas”. Respondi a ela que podia, sim, mas... que não era uma construção aceita em concursos de trova. Que ela até fizesse trovas com essa rima linda (e não é linda? céu/corcel... já imaginou quantas possibilidades semânticas?), mas para publicar na internet ou em livro, não para os Concursos de trova e Jogos Florais promovidos pela UBT.

Alguns decerto argumentariam que há regiões em que o “l” final é pronunciado como consoante alveolar e não como “u”. É verdade, mas isso de modo algum invalida a prosódia da maioria dos brasileiros. Se fosse o caso de comissões organizadoras estudarem a possibilidade de aceitar esse tipo de rima, não custaria lembrar que a língua portuguesa possui variantes e que aceitar as variantes é abrir seus horizontes para outras possibilidades. E quando falo em variantes, reporto-me apenas ao Português falado no Brasil, naturalmente distinto do uso lusitano, fato reconhecido por autores de prestígio e que já se tornou um truísmo. No prefácio de sua Nova Gramática do Português Contemporâneo, assim se expressam Celso Cunha e Lindley Cintra sobre o objetivo da obra:

“Como esta gramática pretende mostrar a superior unidade da língua portuguesa dentro da sua natural diversidade, particularmente do ponto de vista diatópico, uma acurada atenção se deu às diferenças no uso entre as modalidades nacionais e regionais do idioma, sobretudo às que se observam entre a variedade nacional europeia e a americana.”

Assim, mesmo que o “l” pós-vocálico em final de palavras seja realmente articulado com a língua tocando o céu da boca, não é essa a pronúncia majoritária no Português Brasileiro. Nem falo em Portugal, porque a variante portuguesa não se impõe como norma para nós, falantes brasileiros, que temos a nossa própria norma. Embora em partes do sul do Brasil o “l” final seja pronunciado como “l”, a pronúncia corrente do restante do país é distinta. Assim, coexistem no Brasil duas pronúncias para o “l” final: como consoante alveolar, pronunciada com a ponta da língua tocando o céu da boca, como se faz em espanhol, por exemplo, e com som de “u”, articulado como semivogal de ditongo oral decrescente.

Alguns associados da União Brasileira de Trovadores, a entidade que congrega a maior parte dos cultores da trova no Brasil e promotora dos Jogos Florais e Concursos de Trovas mais importantes, poderiam argumentar, com justeza, que o “decálogo” de metrificação da entidade, elaborado por seu fundador, Luiz Otávio, não contempla essa possibilidade de rima e que uma trova em que houvesse rima céu/batel ou Brasil/viu, por exemplo, jamais seria premiada em um concurso promovido pela entidade. De fato, mas havemos de cogitar dois fatores dignos de nota: o decálogo é apenas uma orientação para regulamentar os concursos da entidade e não para “regulamentar” a “inspiração” de ninguém. Assim, se alguém desejar empregar uma rima “não canônica”, tem todo direito de fazê-lo, até porque a trova é sua, não pertence a ninguém além de seu próprio autor, dono intelectual de seu trabalho artístico. Outro pormenor: Luiz Otávio elaborou o “Decálogo de Metrificação” baseado em obras disponíveis em seu tempo, na maioria tributárias de textos do século XIX e, portanto, frutos de análises que não contemplavam os fatos mais recentes da língua portuguesa falada no Brasil.

Lembremo-nos de que, para Hênio Tavares, “rima é a identidade ou semelhança de sons no final ou no interior dos versos, nos ictos das palavras” (Teoria Literária. Belo Horizonte, Editora Itatiaia, 1978, página 212). Celso Cunha, na gramática supracitada, apresenta definição semelhante, ao afirmar que rima é a “identidade ou semelhança de sons em lugares determinados dos versos.” (p. 711) O professor Evanildo Bechara (Moderna Gramática Portuguesa. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 2009, p. 640) assim se expressa: “Chama-se rima a igualdade ou semelhança de sons pertencentes ao fim das palavras, a partir da sua última vogal tônica”.

Assim sendo, é perfeitamente legítimo o uso que José Ouverney faz na seguinte trova, em que o poeta rima mal com pau. Certíssimo:

Certo cupim se deu mal
pois um dia aconteceu:
era tão "cara-de-pau",
que outro cupim o comeu!


Da mesma forma, Nélio Bessant:

O conhaque, é bem verdade,
levanta mesmo a moral
daqueles que estão na idade
da bandeira a meio pau…

Mais recentemente eu também resolvi fazer algumas experimentações:

Há almas cheias de fel,
cujo rancor as emperra...
- Almejam vida no Céu
sem merecer nem a terra...!

Tento esconder como estou,
mas Saudade não tem jeito:
- Tua Ausência faz um gol...
e rasga a rede em meu peito!

Assim, respondo à pergunta que é o título deste ensaio: “SIM! PODE! Aliás, DEVE!” Céu com corcel, alma com trauma, mau com fatal, febril com partiu... As possibilidades são infinitas. Note que em “alma” o “l” também é pronunciado como “u”, caso em que não aparece no final da palavra, mas em final de sílaba e sem vogal posterior.

A poesia se constrói com inovações. A língua é viva porque é falada por uma comunidade que faz seu uso de acordo com as preferências. Se esse tipo de construção não é aceita em concursos, paciência! Quem perde não é o poeta que deixa de participar de concursos com trovas criativas. Quem perde é o concurso porque deixa de recebê-las...

Fonte:
Texto enviado pelo autor
Imagem = http://riodejaneiro.inetgiant.com.br

Amaury Nicolini (Sons)


Ouço ao longe um riso de criança.
Um som tão puro
como a voz da verdade e da esperança
a nos fazer acreditar que ainda há futuro
e reduzindo toda angústia e medo
ao receio infantil que há na lembrança:
o de dormir no escuro.

Ouço perto um riso de criança.
Um som que enfim
voa pelo espaço e logo alcança
o que ainda resta de criança em mim,
lembrando que na vida, desde cedo,
e à medida que o tempo avança,
o melhor é poder sorrir assim.

Ouço um riso inocente de criança
e a escutar esse riso me demoro,
pois a paz que ele tem, serena e mansa,
parece perguntar por que eu choro.

Fonte:
Heloísa Crespo (Organização e Programação Visual). Ciranda “Criança em Versos”. Campos dos Goytacazes/RJ, 2011. E-book cedido pela autora.

Julia Lopes de Almeida (O Vestuário Feminino)


É uma esquisitice muito comum entre senhoras intelectuais, envergarem paletó, colete e colarinho de homem, ao apresentarem-se em público, procurando confundir-se, no aspecto físico, com os homens, como se lhes não bastassem as aproximações igualitárias do espírito.

Esse desdém da mulher pela mulher faz pensar que: ou as doutoras julgam, como os homens, que a mentalidade da mulher é inferior, e que, sendo elas exceção da grande regra, pertencem mais ao sexo forte, do que do nosso, fragílimo; ou que isso revela apenas pretensão de despretensão.

Seja o que for, nem a moral nem a estética ganham nada com isso. Ao contrário; se uma mulher triunfa da má vontade dos homens e das leis, dos preconceitos do meio e da raça, todas as vezes que for chamada ao seu posto de trabalho, com tanta dor, tanta esperança, e tanto susto adquirido, deve ufanar-se em apresentar-se como mulher. Seria isso um desafio?

Não; naturalíssimo pareceria a toda a gente que uma mulher se apresentasse em público como todas as outras.

Basta ver um jornal feminista para toparmos logo com muitos retratos de mulheres célebres, cujos paletós, coletes e colarinhos de homem, parece quererem mostrar ao mundo que esta ali dentro um caráter viril e um espírito de atrevidos impulsos. Cabelos sacrificados à tesoura, lapelas (sem flor!) de casacos escuros, saias esguias e murchas, afeiam corpos que a natureza talhou para os altos destinos da graça e da beleza.

Os colarinhos engomados, as camisas de peito chato, dão às mulheres uma linha pouco sinuosa, e contrafeita, porque é disfarçada.

Médicas, engenheiras, advogadas, farmacêuticas, escritoras, pintoras, etc. por amarem e se devotarem às ciências e às artes, porque hão de desdenhar em absoluto a elegância feminina e procurar nos figurinos dos homens a expressão da sua individualidade?

Há certas mulheres, precisamos convir, que têm desculpa na adoção dos murchos trajes masculinos, porque para elas isso não representa uma questão de estética, mas de incontestável necessidade — as exploradoras, por exemplo.

A essas, as saias impediriam as passadas e os saltos, no labirinto enredado dos cipoais, entre todos os obstáculos das florestas eriçadas de espinhos e cortadas de valos a transpor.

As calças grossas e as altas polainas são para elas, portanto, não objeto de fantasia, mas de comodidade e salvamento. O pano flutuante do vestido prendê-las-ia de instante a instante aos troncos e às arestas do caminho, e, quando molhado, pesar-lhes-ia no corpo como chumbo.

Por exigências de comodidade no trabalho, também escultoras e pintoras se sujeitam muitas vezes a vestirem-se assim e só quando executam obras de grandes dimensões. As calças facilitam então as subidas e as descidas de andaimes e de escadas.

Rosa Bonheur, conta-nos um seu biógrafo, surpreendida no atelier pela notícia de que a imperatriz Eugênia entrava em sua casa para oferecer-lhe a Legião de Honra, — viu-se atrapalhada para enfiar às pressas os trajes do seu sexo e poder receber respeitosamente a soberana.

Só de portas a dentro ela abusava dessas entradas por seara alheia, para usar com liberdade de todos os seus movimentos; mas desde que a artista era procurada por estranhos, ela aparecia como mulher.

Nas cidades, sobre o asfalto das ruas ou o saibro das alamedas, não sabe a gente verdadeiramente para que razão apelar, quando vê, cingidas a corpos femininos, essas toilettes híbridas, compostas de saias de mulher, coletes e paletós de homem... Nem tampouco é fácil de perceber o motivo por que, em vez da fita macia, preferem essas senhoras especar o pescoço num colarinho lustrado a ferro, e duro como um papelão!

Fontes:
Júlia Lopes de Almeida. Livro das Donas e Donzelas. Belém/PA: Núcleo de Educação a Distancia da Universidade da Amazonia (UNAMA).
Imagem = http://uniquedresscode.blogspot.com/

Ademar Macedo (O Meu Eu Criança...)


Um sonho que me extasia
e me traz muita esperança,
é ver livros de poesia
nas mãos de toda criança.

Confesso: tenho esperanças
antes de ficar senil,
de ver, nas mãos das crianças,
o Futuro do Brasil!

Paz, inocência e bonança,
vamos ainda encontrar
no sorriso da criança
antes que aprenda a pecar.

O meu EU sofreu mudança,
uma mudança sem fim.
Só não mudou a criança
que eu fui e que vive em mim!

Fonte:
Heloísa Crespo (Organização e Programação Visual). Ciranda “Criança em Versos”. Campos dos Goytacazes/RJ, 2011. E-book cedido pela autora.

Carmen Lucia Tindó Ribeiro Secco (Entre Fábulas e Alegorias: Diálogos Transoceânicos de Monica Fares de Menezes)


Entre Fábulas e Alegorias: Ensaios sobre literaturas infanto-juvenis. Diálogos Transoceânicos Mônica Fares de Menezes

Na nota de abertura a autora defende que: «Uma verdade manifesta-se em uma narrativa. Uma narrativa desemboca em uma sabedoria. O narrador é alguém que sabe dar um conselho. E antigamente foi uma coisa muito importante saber aconselhar. E mais ainda talvez, deixar-se aconselhar era algo de bom e saudável. (Walter Benjamin)

1 Introdução: Confim, Confins

A estudante da pós-graduação em literatura, Mônica Menezes, começa da seguinte forma a sua introdução: «Venho de um lugar onde o imaginário é tão forte que chega a explicar, além de outros fenómenos, a origem da própria região: Amazônia é palavra que, (...), se origina de amazonas (etimologicamente, a = sem, mazon = seio). As mulheres guerreiras, segundo a lenda, extraem o seio direito para mais habilmente manipularem o arco e a flecha. Belém do Pará, primeiro ponto de fortificação portuguesa na Amazônia brasileira, (...). Bruno de Menezes, poeta introdutor do modernismo na Amazônia, em 1924, reconta o facto, em "Belém e o seu poema":

«Já se sabe da empreitada do luso Castelo Branco/ Fazendo a indiada e a soldadesca levantarem o Forte do Presépio/ Com licença da Boiúna/ Devido à força da enchente e à correnteza das marés… / (MENEZES, 1993, P. 520)».

Com este rodeio, Mônica Menezes pretende dizer que «provavelmente, há muito em comum entre o universo das narrativas orais populares Amazônicas e o das estórias relatadas em Sunguilando: contos tradicionais angolanos. A senhora Peixarrão dos Confins do Espadarte, por exemplo, tem algo que assemelha à Iara amazónia, aquela que enfeitiça os homens e os leva para o fundo dos rios. É bem provável que, ao pesquisar o imenso caudal de narrativas orais amazónicas, encontremos várias que se aproximem às recolhidas por Óscar Ribas, no livro supracitado».

A autora considera que «as narrativas de tradição oral tratam de importantes registos da memória de uma sociedade. Passam de boca em boca, perpetuando-se de geração em geração. Conservam-se pela memória. Asseguram a sobrevivência do passado e garantem a certeza do presente e do futuro».

Segundo Mônica Menezes, «de acordo com Lourenço Rosário, as narrativas “são o reservatório dos valores culturais de uma comunidade com raízes e personalidades regionais, muitas vezes perdidas na amálgama da modernidade” (ROSÁRIO, 1989, p. 47). Advêm da vivência do contador, numa tentativa de que a experiência seja incorporada pela colectividade como valor e conhecimento capazes de influenciar e modificar a comunidade».

Mônica M. teoriza que: «Ainda segundo Rosário (1989), as narrativas de tradição oral africanas veiculam “regras e as interdições que determinam o bom funcionamento da comunidade e previnem as transgressões” (p. 47). As narrativas orais que integram o imaginário amazónico também apontam para uma preocupação com o “bom funcionamento da comunidade”, quando não prevenindo transgressões, justificando-as através dos elementos da narração».

A ensaísta, na vertente comprovativa, traz à luz o «caso da famosa lenda do boto, “uma lenda amazónica que conta a história de um pequeno delfim encantado, capaz de se transformar em um belo rapaz e que, sob a forma humana, seduz de maneira irresistível as mulheres (…)” (SIMÕES, 1999, P. 125). O boto é uma espécie de “Dom Juan das águas”, sedutor das jovens virgens e mulheres casadas. A narrativa, desta forma, aplaca a ira dos maridos, dos pais e namorados traídos. Assim, justificam-se as traições de mulheres (…). A narrativa, portanto, denota a preocupação do narrador com a manutenção da ordem social do grupo. “Entendemos que na Amazónia paraerense a sobrenaturalidade é naturalizada, isto é, a cultura busca a segurança na natureza, ou, pelo menos, em explicações que nos suscitam acontecimentos que não podem ser explicados pelas leis do mundo familiar” (SIMÕES, 1999, p. 114).

A autora explica que «na concepção de Tzvetan Todorov (1975), “a função do sobrenatural é subtrair o texto à acção da lei e com isso mesmo transgredi-la” (p.168). Tal posicionamento reafirma que as narrativas orais em que o sobrenatural aparece revelam o permitido e não permitido de determinada sociedade, como se observa no contexto de Lourenço Rosário.

Para Mônica, «provavelmente há muita coisa em comum entre o universo das narrativas orais populares amazónicas e os contos tradicionais angolanos. (…), onde ainda persiste o modo de vida ribeirinho, que abre espaço para a ocorrência do imaginário oral. (…), nas localidades afastadas dos centros urbanos. Ali o respeito aos mais velhos, detentores de sabedoria e por isso narradores privilegiados, proporciona um interesse culto ao aprendizado oral, em volta das fogueiras, ritual que propicia às gerações mais novas apreenderem valores com as mais experientes.

A ensaísta informa que escolheu como objecto de ensaio, «o conto “O Peixarrão”, recolhido por Óscar Ribas, e a amazónica narrativa da “Iara”», e pretende desse modo, «comparar, através da literatura oral, os “sotaques” africano e amazónico.

Sobre o conto intitulado «Peixarrão», a autora explica que «O enredo trata de uma família de pescadores, que vive privações, até o momento em que a sereia Peixarrão propõe a João Pobreza uma estranha troca. Seu filho casaria com a filha dela, e a família “Pobreza” passaria a viver na abastança. Tudo seria resolvido se a mulher do pescador Maria, não se opusesse à estranha e mágica solução para o problema por eles vivido. Percebendo então a situação, a sereia arruma um estratagema para livrar-se de D. Maria, que, grávida, deseja comer um bagre falante. Após ingerir o estranho peixe Maria falece. É como se aí se encerrasse a primeira parte da narrativa. Prossegue Mônica Menezes: «a continuação faz confrontar a força do maravilhoso – a sereia – com o político – o todo-poderoso rei de Portugal. A partir de então a narrativa ficcional passa a aludir à situação colonial de Angola, dominada por Portugal. A sereia e o soberano português disputam o João Pobreza, filho de João e Maria, que se caracteriza como destemido herói. João filho deve casar-se com uma das princesas, a do mar ou da terra. A tensão entre os poderes humanos e maravilhoso se desenrola, como se estivessem num mesmo patamar.

A autora considera que: «O conto insere-se certamente na melhor tradição oral de Angola. Entretanto, ao ser “traduzido” para a língua escrita, pareceu-me formal demais e com isso comprometeu a performance oral do texto. (…) o que compromete, penso eu, a fluência – e por que não dizer? – a espontaneidade do enunciado» e mais adianta: «Examinemos uma passagem do texto narrado por Rita Manuel, uma “sexagenária de Luanda”. O exemplo ilustra o tom artificial da escrita de Óscar Ribas, que recolheu e reescreveu a referida narrativa (falo em reescrita, porque tenho certeza de que “quem conta um conto aumenta um ponto”):

«…E não o como por quê? Agora, como-o em pirão; logo:/ Como-o assado; amanhã, como-o em funji. Sozinha, / há uns dias! / Encheu o prato. Ao mastigá-lo, o peixe cantou:/ Não me mastigues, canoeiro! / (RIBAS, 1989, P. 32)». M. M. observa que o reiterado uso da ênclise comprova o que já foi dito anteriormente: «É como se a escrita traísse a espontaneidade da fala.»

“O Peixarrão” é identificado como uma fábula, pois se caracteriza como: «Narrativa curta, não raro identificada com o apólogo e a parábola, em razão da moral, implícita ou explícita, que deve encerrar, e de sua estrutura dramática. No geral é protagonizada por animais irracionais, cujo comportamento, preservando as características próprias, deixa transparecer uma alusão, via de regra, satírica ou pedagógica, aos seres humanos (MOISÉS, p. 226)».

A ensaísta Mônica M. considera que «a classificação de Moisés, se aplica ao conto em questão, reitera a marca de efabulação do “texto oral” angolano».

Mônica M. faz um breve esclarecimento a respeito da lenda de Iara, «a lenda da Iara (ou Uiara) faz parte do rico imaginário ribeirinho da Amazônia – onde os rios são fonte de vida e morte, daí Ruy Barata, poeta ligado à música popular, escrever “esse rio é minha rua/minha e tua mururé/piso no peito da lua, deito no chão da maré” (BARATA, s/d)», «Mas voltemos agora à Iara, a “deusa das águas”, que vive às margens dos rios e igarapés, seduzindo os caboclos para arrastá-los ao fundo das águas».

A autora afirma que «segundo João de Jesus Paes Loureiro, a Iara – mãe-d’água – vive no fundo dos rios. Ela atrai os moços e os fascina, (…). Para seduzi-los faz promessa de todos os géneros. Para aumentar o estado de encantamento canta belas melodias com voz maviosa. Convida-os para irem com ela ao fundo das águas do rio – onde se localiza a encantaria – sob a promessa de uma eterna bem-aventurança em seu palácio, onde a vida é uma felicidade sem fim. Quem tiver visto seu rosto uma única vez nunca poderá esquecê-lo. (…), acabará por se atrair no rio em sua busca, levado pelo desejo ardoroso de juntar seu corpo ao dela (LOUREIRO, 2007). E mais adiante que «pode-se, de imediato, fazerem dialogar as narrativas, que têm suas origens ligadas ao imaginário popular. Assim verifiquemos algumas aproximações entre a senhora Peixarrão dos Confins do Espadarte e a Iara amazónica».

A ensaísta Mônica considera ainda que «em ambas narrativas, as sereias, amazónica e angolana, oferecem riquezas e promessas de bem-aventurança que acabam seduzindo. Porém, nos dois casos, os homens são atraídos por suas ambições. João Pobrezinho da Pobreza perde a mulher, morta de forma estranha (de suas costas sai um bagre de tamanho natural). Maria morre, devido a um estratagema do Peixarrão para eliminá-la, impedindo que atrapalhasse seus planos e o pacto feito com João. Depois perde o filho, levado pela sereia angolana, cumprindo o trato com ela acertado. Tal qual a Iara que leva os homens para o fundo das águas, Peixarrão submerge com João Filho: O senhor João ficou apreensivo. O seu filho não morreria mesmo debaixo d’água? Mas acabou sossegado. Quem vai com a sereia, vivo continua. Na manhã seguinte o senhor João fez-se acompanhar do filho. Cada qual num extremo da canoa. O pai arremessou a sua tarrafa. O filho imita-o. Rápido a senhora Peixarrão submerge-o. Nem um grito (ROSÁRIO, 1989, P. 34)».

Mônica Menezes conclui: «está selada a desgraça dos homens, tanto africanos como amazónicos, que se deixam enfeitiçar pelas sereias e promessas de luxúria e riquezas por elas oferecidas. O elemento mágico que interfere no futuro das personagens, nos dois contos, condiciona uma espécie de modo de vida em sociedades, nas quais ainda persistem as formas singulares de viver e “ler” o mundo».

Fonte:
Críticas e ensaios
http://www.uea-angola.org/artigo.cfm?ID=969

Efigênia Coutinho (Ser Criança)


Criança é ser
estrelas do firmamento,
pássaro ao azul do céu....
É ser sol, mar e luar.
Criança é poder
viver, saltar.
É andar todo o universo
numa roda gigante
levando alegrias,
e sonhos debaixo dos braços.

É ter sonhos de esperança,
que terminem com mutilações,
e as violações,
da dor,da fome, da guerra .
Ser criança é o sorriso,
alvo de paz,
da fala de amor.
Ser criança é ser
pequeno grande!
É ser maior sendo menor.

Fonte:
Heloísa Crespo (Organização e Programação Visual). Ciranda “Criança em Versos”. Campos dos Goytacazes/RJ, 2011. E-book cedido pela autora.

As Mil e Uma Noites (O Corcunda, o Alfaiate, o Corretor, o Cristão, o Intendente e o Médico Judeu)


Conta-se, ó rei afortunado, que vivia na antiguidade, no fundo das idades e dos séculos, numa cidade da China, um alfaiate próspero e de gênio alegre que gostava de divertimentos e passeava de vez cm quando com a mulher nos jardins e nas ruas. Certo dia, quando estavam voltando para casa após um desses passeios, cruzaram com um corcunda de aparência tão engraçada que nem a tristeza nem a melancolia podiam viver um instante na sua presença, e o homem sisudo ria gostosamente à sua vista.

Para distrair-se com sujeito tão jocoso, o alfaiate e sua mulher convidaram-no para sua casa. O corcunda aceitou. Enquanto estavam jantando, a mulher do alfaiate, querendo brincar, pegou uma posta de peixe inteira e enfiou-a na boca do corcunda; e, pondo a mão nos lábios do infeliz, obrigou-o a engoli-la. Por inclemência do destino, havia dentro da posta uma espinha enorme que atravessou a garganta do corcunda, e ele morreu na hora. Quando o alfaiate viu o corcunda morto, exclamou:

“Não há poder e força senão em Alá! Que azar que este homem tenha morrido cm nossa casa!”

- De que adianta lamentar-se! censurou a mulher. Levanta-te e ajuda-me a carregar o corpo para fora. Cubramo-lo com um pano de seda e levemo-lo agora mesmo na escuridão da noite. Andarei na frente. Tu, atrás, repetirás numa voz audível: “Este é meu filho. E esta é sua mãe. Estamos procurando um médico. Onde encontrar um médico de noite?”

Executaram imediatamente seu plano e repetiram tantas vezes: “Onde encontrar um médico? Queremos um médico” que os transeuntes indicaram-lhes a porta de um médico judeu.

Chamaram de fora e foram atendidos por uma enfermeira negra. Perguntaram: “Onde está o médico?”

Respondeu a enfermeira: “Está no segundo andar preparando um relatório.”

- Queremos que ele examine logo nosso filho. Dá-lhe este dinar adiantado e pede-lhe que desça. Assim que a enfermeira se afastou, deixando a porta aberta, o homem e a mulher entraram, largaram o corpo numa poltrona e fugiram.

Ao ver o dinar, o médico judeu ficou tão satisfeito que esqueceu de apanhar uma lâmpada e desceu a escada precipitadamente no escuro. Seu pé tropeçou, e ele caiu sobre o corcunda. Examinou-o e, achando-o sem vida, pensou que ele
próprio o tinha matado. Gritou: “Jeová! Jeová! Pelas dez palavras sagradas, como poderei livrar-me deste corpo?”

Consultou a mulher. A mulher invocou o nome de Harun, de Josué, filho de Nun, e de outros santos judeus, e gritou: “Devemos nos livrar dele já. Se for encontrado aqui ao levantar do Sol, estaremos perdidos. Vamos levá-lo até o terraço e atirá-lo para a casa de nosso vizinho muçulmano. Ele é intendente da cozinha imperial e sua casa está infestada de ratos, gatos e cachorros. Devorarão o corpo, e ninguém saberá de nada.”

Levaram o corpo até o terraço e baixaram-no mansamente até o pátio do muçulmano, deixando-o encostado na parede da cozinha. Aconteceu que, naquele mesmo momento, o intendente voltava para a casa e viu uma figura de homem apoiada na parede da cozinha. “Ah! exclamou. Não eram então os cachorros e os gatos que roubavam minhas carnes, mas este ladrão.” Pegou num porrete, aproximou-se do homem e bateu repetidamente nele. Mas a figura não se mexeu. Olhando bem, o intendente deu-se conta de que tinha batido num morto. Dirigiu-se a ele, dizendo: “Não te bastava, ó infeliz, ser corcunda? Tinhas que ser ladrão também?”

Vendo que a noite estava ainda escura, carregou o corpo até os confins do mercado e deixou-o à porta de uma loja. Ora, um corretor cristão bêbado que repetia: “Cristo está chegando! Cristo está chegando!” passou por lá e, imaginando que o corcunda queria atacá-lo, saltou sobre ele e cobriu-o de socos. Um guarda municipal acorreu e, vendo o corcunda morto, gritou: “Onde já se viu isto? Um cristão ousando matar um crente!” Amarrou o corretor e levou-o à casa do uáli. Diante da evidência, o uáli só podia condenar o cristão à forca. Os guardas levaram o condenado até a praça pública para ser enforcado. Mas enquanto preparavam a forca, o intendente da cozinha do sultão chegou, correndo e gritando: “Parai! Parai! Fui eu que matei o homem.”

Por que o mataste? perguntou-lhe o uáli.

- Encontrei-o encostado à parede de minha cozinha e pensei que fosse ele que
roubava todos os dias minhas provisões. Bati nele com um porrete, e ele morreu. Carreguei-o nas costas e deixei-o à porta da loja. Sou eu que devo ser enforcado.

Ouvindo esta confissão, o uáli ordenou aos guardas que libertassem o cristão e enforcassem o intendente. Mas enquanto preparavam a forca, apareceu de repente o médico judeu, forçou caminho no meio da multidão e gritou: “Parai! Parai! Fui eu que matei o homem. Veio à minha clínica para ser medicado. Tropecei no escuro, caí sobre ele e provoquei a sua morte.”

O uáli deu ordens para enforcar o médico judeu. Mas antes que a ordem fosse cumprida, o alfaiate chegou, gritando: “Parai! Parai! Só eu matei aquele homem. Não enforqueis um inocente. Enforcai-me.” E contou a história do jantar, da posta de peixe e da caminhada até a casa do médico.

Nesta altura, o uáli estava assombrado como nunca em toda a sua vida. Disse: “A história deste corcunda deveria ser registrada nos anais e contadas nos livros.” E mandou o carrasco libertar o judeu e enforcar o alfaiate. Ora, este corcunda era o bobo predileto do sultão. Quando sumira, o sultão perguntou por ele, e os informantes lhe contaram que ele tinha sido morto e que quatro pessoas se haviam declarado sucessivamente responsáveis por sua morte. Divertido e curioso, o sultão mandou que ninguém fosse enforcado e que todos comparecessem diante dele. O mensageiro do sultão chegou minutos antes que o
alfaiate fosse enforcado. Libertaram-no, e todos foram à presença do sultão.

O uáli beijou a terra entre as mãos do sultão e contou-lhe a história do corcunda, do início ao fim. O sultão ficou maravilhado, riu gostosamente e mandou o historiador do palácio registrar essa história em letras de ouro líquido. Depois, perguntou a todos os presentes: “Já ouvistes histórias iguais a esta?” O corretor cristão, o intendente, o médico judeu e o alfaiate aproximaram-se um por um, beijaram a terra entre as mãos do sultão e contaram histórias supostamente iguais à do corcunda. O sultão gostou de todas elas, mas não conseguiu superar a melancolia que se tinha apoderado pouco a pouco dele por causa da morte de seu bobo predileto.

Havia entre os presentes um barbeiro. Após ouvir as diversas histórias e ter sido informado da causa da morte do corcunda, abanou a cabeça gravemente e disse: “Por Alá! Esta é a coisa mais extraordinária que já ouvi. Levantai o pano que cobre o corpo do defunto e deixai-me vê-lo.” Assim que o corpo foi descoberto, o barbeiro aproximou-se dele, sentou-se a seu lado e colocou-lhe a cabeça sobre os joelhos. Após observar-lhe atentamente a face por muito tempo, soltou alegres gargalhadas e disse: “Ó afortunado rei, jura que há ainda vida neste corpo. Vou prová-lo.” Tirou de um frasco um ungüento que passou sobre o pescoço do corcunda. Depois, introduziu-lhe na garganta um par de pinças de ferro e retirou a posta de peixe com a espinha. Imediatamente, o corcunda tossiu fortemente, abriu os olhos e levantou-se, proclamando:

“Não há Deus senão Alá, e Maomé é o profeta de Alá.”

Os presentes ficaram pasmos e cheios de admiração pelo barbeiro. O rei elogiou-o, dizendo: “Nunca vi um homem ressuscitar outro homem. É o prodígio dos prodígios!”

Todos repetiram:
“É o prodígio dos prodígios!”

O rei da China mandou escrever a história do corcunda e do barbeiro em letras de ouro para ser guardada na biblioteca real. E distribuiu vestes de honra a todos os réus: ao alfaiate, ao médico, ao intendente, ao corretor, e deu-lhes lugares de honra em sua corte. Finalmente, cobriu o corcunda e o barbeiro de presentes valiosos, nomeou o corcunda seu companheiro oficial e o barbeiro, seu barbeiro pessoal. E todos saíram satisfeitos e pedindo as bênçãos de Alá sobre o sultão.
––––––––-
Nota:
Uáli: governante acima de prefeito e abaixo de governador.

continua…

Fonte:
Domínio Público

Antonia Rodrigues Ferreira (Toda Criança é Bela)


É magia no silêncio
Com paz e tranqüilidade
Ao entrar no novo mundo
Desperta serenidade
É um ser muito inocente
Seja em qualquer ambiente
Traz muita felicidade.

Junção de duas sementes
Dentro da flor perfumada
Nasce a linda florzinha
Que será bem cultivada
Dada por Nosso Senhor
Regada com muito amor
Bem na hora da chegada.

A criança é sinônimo
De virtude e de pureza
Se expressa livremente
No meio da natureza
É bastante inteligente
Geralmente está contente
Com sorriso e beleza.

Criança não tem maldade
É faceira e singela
Todavia é verdadeira
O tempo é quem revela
Só precisa de carinho
Não sair do bom caminho
Toda criança é bela.

Criança é favo de mel
A alegria do lar
É fonte de inspiração
Igual ao céu e o mar
Gosta de ganhar presente
Corre e pula sorridente
Seja em qualquer lugar.

Quando é estudiosa
Certamente irá vencer
Terá futuro brilhante
O mundo irá conhecer
Criança é liberdade
Sempre quer só a verdade
Precisa se defender.

Do Brasil, do mundo inteiro
Desejo a toda criança
Sucesso no seu estudo
Jamais perca a esperança
Portanto é sua riqueza
Digo com muita firmeza
Sua verdadeira herança.

Dia doze de outubro
Com festa e poesia
A criança é festejada
Tem fila de cortesia
Abraço de boa sorte
Orientando o seu norte
Claro com muita alegria.

Fonte:
Heloísa Crespo (Organização e Programação Visual). Ciranda “Criança em Versos”. Campos dos Goytacazes/RJ, 2011. E-book cedido pela autora.

Casimiro de Abreu (As Primaveras) Parte 4


A VALSA - A M***

Tu, ontem
Na dança
Que cansa,
Voavas
Co’as faces
Em rosas
Formosas
De vivo,
Lascivo
Carmim;
Na valsa,
Corrias,
Fugias,
Ardente,
Contente,
Tranqüila,
Serena,
Sem pena
De mim!
Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
- Não negues
Não mintas...
- Eu vi!...

Valsavas:
- Teus belos
Cabelos,
Já soltos,
Revoltos,
Saltavam,
Voavam,
Brincavam
No colo
Que é meu;
E os olhos
Escuros
Tão puros,
Os olhos
Perjuros
Volvias,
Tremias,
Sorrias,
P’ra outro
Não eu!
Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
- Não negues,
Não mintas...
- Eu vi!...
Meu Deus!
Eras bela
Donzela,
Valsando,
Sorrindo,
Fugindo,
Qual silfo
Risonho
Que em sonho
Nos vem!
Mas esse
Sorriso
Tão liso
Que tinhas
Nos lábios
De rosa,
Formosa,
Tu davas,
Mandavas
A quem?!
Quem dera
Que sintas
As dores
De amores

Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
- Não negues,
Não mintas...
- Eu vi!...
Calado,
Sozinho,
Mesquinho,
Em zelos
Ardendo,
Eu vi-te
Correndo
Tão falsa
Na valsa
Veloz!
Eu triste
Vi tudo!
Mas mudo
Não tive
Nas galas
Das salas,
Nem falas,
Nem cantos,
Nem prantos,
Nem voz!
Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
Não mintas!...
- Não negues,
- Eu vi!...
Na valsa
Cansaste;
Ficaste
Prostrada,
Turbada!
Pensavas,
Cismavas,
E estavas
Tão pálida
Rosa
Mimosa
No vale
Do vento
Cruento
Batida,
Caída

Sem vida
No chão!
Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
- Não negues,
Não mintas...
- Eu vi!...
Rio - 1858

NO LAR


I

Longe da pátria, sob um céu diverso
Onde o sol como aqui tanto não arde,
Chorei de saudades do meu lar querido
- Ave sem ninho que suspira à tarde. -
No mar - de noite - solitário e triste
Fitando os lumes que no céu tremiam,
Ávido e louco nos meus sonhos d’alma
Folguei nos campos que meus olhos viam.
Era pátria e família e vida e tudo,
Glória, amores, mocidade e crença,
E, todo em choros, vim beijar as praias
Por que chorara nessa longa ausência.
Eis-me na pátria, no país das flores,
- O filho pródigo a seus lares volve,
E consertando as suas vestes rotas,
O seu passado com prazer revolve! -
Eis meu lar, minha casa, meus amores,
A terra onde nasci, meu teto amigo,
A gruta, a sombra, a solidão, o rio
Onde o amor me nasceu - cresceu comigo.
Os mesmos campos que eu deixei criança,
Árvores novas... tanta flor no prado!...
Oh! como és linda, minha terra d’alma,
- Noiva enfeitada para o seu noivado! -
Foi aqui, foi ali, além... mais longe,
Que eu sentei-me a chorar no fim do dia;
- Lá vejo o atalho que vai dar na várzea...
Lá o barranco por onde eu subia!...

Acho agora mais seca a cachoeira
Onde banhei-me o infantil cansaço...
- Como está velho o laranjal tamanho
Onde eu caçava o sanhaçu a laço!...
Como eu me lembro dos meus dias puros!
Nada me esquece!... e esquecer quem há de?...
- Cada pedra que eu palpo, ou tronco, ou folha
Fala-me ainda dessa doce idade !
Eu me remoço recordando a infância,
E tanto a vida me palpita agora
Que eu dera oh! Deus! a mocidade inteira
Por um só dia do viver d’outrora!
E a casa?... as salas, este móveis... tudo,
O crucifixo pendurado ao muro...
O quarto do oratório... a sala grande
Onde eu temia penetrar no escuro!...
E ali... naquele canto... o berço amado!
E minha mana, tão gentil, dormindo!
E mamãe a contar-me histórias lindas
Quando eu chorava e a beijava rindo!
Oh! primavera ! oh! minha mãe querida!
Oh! mana! - anjinho que eu amei com ânsia -
Vinde ver-me, em soluços - de joelhos -
Beijando em choros este pó da infância !

II

Meu Deus ! eu chorei tanto lá no exílio !
Tanta dor me cortou a voz sentida,
Que agora neste gozo de proscrito
Chora minh’alma e me sucumbe a vida !
Quero amor! quero vida! e longa e bela
Que eu, Senhor ! não vivi - dormi apenas !
Minh’alma que se expande e se entumece
Despe seu luto nas canções amenas.
Que sede que eu sentia nessas noites !
Quanto beijo roçou-me os lábios quentes!
E, pálido, acordava no meu leito
- Sozinho - e órfão das visões ardentes!
Quero amor! quero vida! aqui, na sombra,
No silêncio e na voz desta natura;
- Da primavera de minh’alma os cantos
Caso co’as flores da estação mais pura.
Quero amor! quero vida! os lábios ardem...
Preciso as dores dum sentir profundo !

- Sôfrego a taça esgotarei num trago
Embora a morte vá topar no fundo.
Quero amor ! quero vida ! Um rosto virgem,
- Alma de arcanjo que me fale de amores,
Que ria e chore, que suspire e gema
E doure a vida sobre um chão de flores.
Quero amor ! quero amor ! - Uns dedos brancos
Que passem a brincar nos meus cabelos;
Rosto lindo de fada vaporosa
Que dê-me vida e que me mate em zelos !
Oh! céu de minha terra - azul sem mancha -
Oh! sol de fogo que me queima a fronte,
Nuvens douradas que correis no ocaso,
Névoas da tarde que cobris o monte;
Perfumes da floresta, vozes doces,
Mansa lagoa que o luar prateia,
Claros riachos, cachoeiras altas,
Ondas tranqüilas que morreis na areia;
Aves dos bosques, brisas das montanhas,
Bentevis do campo, sabiás da praia,
- Cantai, correi, brilhai - minh’alma em ânsias
Treme de gozo e de prazer desmaia!
Flores, perfumes, solidões, gorjeios,
Amor, ternura - modulai-me a lira!
- Seja um poema este ferver de idéias
Que a mente cala e o coração suspira.
Oh! mocidade! Bem te sinto e vejo!
De amor e vida me transborda o peito...
- Basta-me um ano!... e depois... na sombra...
Onde tive o berço quero ter meu leito!
Eu canto, eu choro, eu rio, e grato e louco
Nos pobres hinos te bendigo, oh! Deus!
Deste-me os gozos do meu lar querido...
Bendito sejas! - vou viver c’os meus!
Indaiaçu - 1857

MORENINHA

Moreninha Moreninha,
Tu és do campo a rainha,
Tu és senhora de mim;
Tu matas todos d’amores,
Faceira, vendendo as flores
Que colhes no teu jardim.
Quando tu passas n’aldeia

Diz o povo à boca cheia:
- “Mulher mais linda não há!
“Ai! vejam como é bonita
“Co’as tranças presas na fita,
“Co’as flores no samburá!” -
Tu é meiga, és inocente
Como a rola que contente
Voa e folga no rosal;
Envolta nas simples galas,
Na voz, no riso, nas falas,
Morena - não tens rival!
Tu, ontem, vinhas do monte
E paraste ao pé da fonte
À fresca sombra do til;
Regando as flores sozinha,
Nem tu sabes, Moreninha,
O quanto achei-te gentil!
Depois segui-te calado
Como pássaro esfaimado
Vai seguindo a juriti;
Mas tão pura ias brincando,
Pelas pedrinhas saltando,
Que eu tive pena de ti!
E disse então: - Moreninha,
Se um dia tu fores minha,
Que amor, que amor não terás!
Eu dou-te noites de rosas
Cantando canções formosas
Ao som dos meus ternos ais.
Morena, minha sereia,
Tu és a rosa da aldeia,
Mulher mais linda não há;
Ninguém t’iguala ou t’imita
Co’as tranças presas na fita,
Co’as flores no samburá!
Tu és a deusa da praça,
E todo homem que passa
Apenas viu-te... parou!
Segue depois seu caminho
Mas vai calado e sozinho
Porque sua alma ficou!
Tu és bela, Moreninha,
Sentada em tua banquinha
Cercada de todos nós;
Rufando alegre o pandeiro,
Como a ave no espinheiro
Tu soltas também a voz:
- “Oh quem me compra estas flores?
“São lindas como os amores,

“Tão belas não há assim;
“Foram banhadas de orvalho,
“São flores do meu serralho,
“Colhi-as no meu jardim.”-
Morena, minha Morena,
És bela, mas não tens pena
De quem morre de paixão!
- Tu vendes flores singelas
E guarda as flores belas,
As rosas do coração?!...
Moreninha, Moreninha,
Tu és das belas rainha,
Mas nos amores és má;
- como tu ficas bonita
Co’as tranças presas de fita,
Co’as flores no samburá!
Eu disse então: - “Meus amores,
“Deixa mirar tuas flores,
“Deixa perfumes sentir!”
Mas naquele doce enleio,
Em vez das flores, no seio,
No seio te fui bulir!
Como nuvem desmaiada
Se tinge de madrugada
Ao doce albor da manhã;
Assim ficaste, querida,
A face em pejo acendida,
Vermelha como a romã!
Tu fugiste, feiticeira,
E de certo mais ligeira
Qualquer gazela não é;
Tu ias de saia curta...
Saltando a moita de murta
Mostraste, mostraste o pé!
Ai! Morena, ai! meus amores,
Eu quero comprar-te as flores,
Mas dá-me um beijo também;
Que importam rosas do prado
Sem o sorriso engraçado
Que a tua boquinha tem?...
Apenas vi-te, sereia,
Chamei-te - rosa da aldeia -
Como mais linda não há.
- Jesus! Como eras bonita
Co’as tranças presas na fita,
Co’as flores no samburá!
Indaiaçu - 1857

BORBOLETA

Borboleta dos amores,
Como a outra sobre as flores,
Porque és volúvel assim?
Porque deixas, caprichosa,
Porque deixas tu a rosa
E vais beijar o jasmim?
Pois essa alma é tão sedenta
Que um só amor não contenta
E louca quer variar?
Se já tens amores belos,
P’ra que vais dar teus desvelos
Aos goivos da beira-mar?
Não sabes que a flor traída
Na débil haste pendida
Em breve murcha será?
Que de ciúme fenece
E nunca mais estremece
Aos beijos que a brisa dá?...
Borboleta dos amores,
Como a outra sobre as flores,
Porque és volúvel assim?
Porque deixas, caprichosa,
Porque deixas tua a rosa
E vais beijar o jasmim?!
Tu vês a flor da campina,
E bela e terna e divina,
Tu dá-lhe o que essa alma tem;
Depois, passado o delírio,
Esqueces o pobre lírio
Em troca duma cecém!
Mas tu não sabes, louquinha
Que a flor que pobre definha
Merece mais compaixão?
Que a desgraça precisa,
Como sopro da brisa,
Os ais do teu coração?
Borboleta dos amores,
Como a outra sobre as flores,
Porque és volúvel assim?
Porque deixas, caprichosa,

Porque deixas tua a rosa
E vais beijar o jasmim?!
Se a borboleta dourada
Esquece a rosa encarnada
Em troca duma outra flor;
Ela - a triste, molemente
Pendida sobre a corrente,
Falece à míngua d’amor.
Tu também, minha inconstante,
Tens tido mais dum amante
E nunca amaste a um só!
Eles morrem de saudade
Mas tu na variedade
Vais vivendo e não tens dó!
Ai! és muito caprichosa!
Sem pena deixas a rosa
E vais beijar outras flores;
Esqueces os que te amam...
Por isso todos te chamam:
- Borboleta dos amores!
Rio - 1858

Fonte:
ABREU, Casimiro de. As Primaveras. São Paulo: Livraria Editora Martins S/A co-edição Instituto Nacional do Livro, 1972. Texto-base digitalizado por Raquel Sallaberry Brião.

Milton Souza (Sou Criança)


Sou criança... sou futuro...
meu passo não é seguro
pois é passo de aprendiz.
Preciso alguém ao meu lado
pois sei que fui programado,
por Deus, para ser feliz.

Preciso alguém que me ensine,
porém que não me domine
nem tente me bitolar.
Preciso alguém com carinho
para mostrar-me o caminho
que a vida tenta me dar.

Preciso alguém que me entenda,
que não queira pôr emenda
no sonho que vou sonhar.
Preciso alguém com paciência
que troque sua experiência
por meu direito de errar.

Preciso da mão amiga
que socorre na fadiga,
que procura estar por perto;
que corrige sem magoar,
sabendo valorizar
o pouquinho que for certo.

Preciso ter liberdade
para chorar a vontade
ou rir sem inibição;
para ter o meu segredo,
para poder sentir medo
sem sofrer humilhação.

Preciso de um lar amigo
para me servir de abrigo
no meu tempo de crescer.
Preciso ter segurança
para poder ser criança
e como criança viver.

Sou criança... sou carente...
ao construir o presente
eu peço tanto favor...
Mas se de mim depender
no futuro vai nascer
um mundo pleno de amor!!!

Fonte:
Heloísa Crespo (Organização e Programação Visual). Ciranda “Criança em Versos”. Campos dos Goytacazes/RJ, 2011. E-book cedido pela autora.

Ivan Carlo (Manual de Redação Jornalística) Parte 7


CAPÍTULO 6
O TÍTULO, O ENTRETÍTULO, O SUBTÍTULO, O CRÉDITO

Título

Segundo o Manual Geral de Redação da Folha de São Paulo, o título deve: “despertar a atenção do leitor para o tema de trata. Deve ser uma síntese precisa da informação mais importante do texto e destacar o particular em detrimento do geral.

Norma geral:
É proibido colocar dois pontos, ponto, ponto de interrogação, reticências, travessão ou parênteses,

Deve-se evitar a reprodução literal das palavras iniciadas no texto;

Deve conter necessariamente verbo, sempre que possível na voz ativa;

Deve estar no tempo presente, exceto quando o texto se referir a fatos distantes no futuro ou no passado”.

Entretítulo

Os entretítulos são títulos colocados no meio do texto para ajudar a separar e organizar as informações.

Subtítulo

O subtítulo é um texto curto, colocado logo abaixo do título, para esclarecer melhor qual é o assunto da matéria.

Crédito
O crédito é o nome de quem fez a matéria. Geralmente aparece no início da matéria, em destaque. Mas pode vir também no final da matéria, entre parênteses.

EXEMPLO

A seguir apresento um exemplo de uma matéria científica sobre o parentesco genético entre árabes e judeus. Tente perceber nela os vários elementos que já estudamos até agora:

1) Descubra qual dos parágrafos é o lide da matéria.

2) Quantas informações importantes da matéria estão reunidas no lide?

3) O texto responde as seis perguntas? O que? Quem? Quando? Onde? Como? Por quê? Como?

4) Como estão organizadas as citações? Quem fala? Como essa fala é apresentada ao leitor?

5) Há uma parte da matéria que pode ser facilmente cortada sem que isso prejudique a compreensão do leitor. Qual é essa parte?

6) Qual é o título? Qual é o subtítulo? Quais são os entretítulos? Qual é o crédito?

7) O texto dá alguma opinião sobre o assunto? Ele defende algum ponto de vista ou se limita a repassar as informações e as falas dos personagens?

8) Como estão organizadas as informações? Através de frases curtas, com períodos simples, parágrafos curtos, ou através de frase longas, com períodos compostos e grandes parágrafos?

Árabes e judeus têm origem genética comum, diz estudo Pesquisa divulgada ontem afirma que "irmãos" genéticos teriam um ancestral comum
MARCELO STAROBINAS E PAULO DANIEL FARAH

Mais que "primos", árabes e judeus podem ser considerados irmãos geneticamente e teriam um ancestral comum, segundo estudo divulgado ontem.Pesquisadores norte-americanos, europeus, israelenses e sul-africanos analisaram 1.371 homens de várias partes do mundo, incluindo o Oriente Médio, a Europa e a África, para observar eventuais similaridades genéticas e tentar traçar suas origens.

O estudo observou um grupo de genes do cromossomo Y (presente exclusivamente nos homens) e chegou à conclusão de que judeus e árabes compartilham genes semelhantes.

"Os judeus são os irmãos genéticos de palestinos, sírios e libaneses, e todos eles compartilham uma linha genética comum que se estende até milhares de anos", afirmam os pesquisadores na revista "Proceedings of the National Academy of Sciences", publicação da Academia Nacional de Ciências dos EUA.

Sérgio Dani, médico e geneticista molecular ligado à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto, analisou a pesquisa, a pedido da Folha, e disse que o estudo leva a crer realmente que árabes e judeus são "irmãos".

O trabalho reforça a antiga tese de parentesco. Os dois povos – que eventualmente costumam se chamar de "primos"- são de origem semita e da mesma região. O árabe e o hebraico pertencem à mesma família linguística. E as crenças religiosas do judaísmo, do cristianismo e do islamismo apontam para um "pai" comum: Abraão (leia texto abaixo).

No final do século 19, surgiu o movimento sionista. Sua idéia central era levar os judeus espalhados pelo mundo à Palestina para formar um Estado judeu, o que gerou disputas pela terra com palestinos que ali viviam. Mais intensamente após a criação do Estado de Israel, em 1948, fraternidade é uma palavra de raras aparições na história das relações entre os "irmãos genéticos" do Oriente Médio.

Israelenses e palestinos negociam há quase uma década um acordo de paz definitivo. Israel anunciou uma retirada do sul do Líbano até 7 de julho, e o governo discute com a Síria um acordo para estabelecer relações diplomáticas.

Paz
Já houve tréguas nessa guerra entre irmãos. Na Península Ibérica, judeus e árabes (muçulmanos e cristãos) tiveram convivência muito mais pacífica -acompanhada de uma significativa produção científica e literária- , até a expulsão da Espanha de 1492. As negociações de paz em desenvolvimento no Oriente Médio, que obtiveram importantes avanços, apesar dos ataques de extremistas de ambas as partes, levam à esperança de um fim ao fratricídio deste século.

"A estreita afinidade (genética) entre judeus e não-judeus do Oriente Médio observada apóia a hipótese de uma origem comum", diz Michael Hammer, da Universidade de Tucson, no Arizona (EUA), principal responsável pelo estudo divulgado ontem.

Bomba étnica
Israel teria abortado o desenvolvimento de uma "bomba étnica" – armamento que seria capaz de matar apenas seus inimigos árabes- por causa das características genéticas semelhantes. O projeto poderia atingir judeus, segundo pesquisadores de um instituto biológico da cidade de Nes Tziona (próxima a Tel Aviv) ouvidos pelo jornal britânico "Sunday Times", em novembro de 1998. Israel teria aproveitado pesquisas iniciadas durante o apartheid na África do Sul. Na década de 80, o governo segregacionista da minoria branca tentou desenvolver uma arma biológica que atingisse apenas a população negra. O governo israelense nunca confirmou a existência desses estudos. A análise genética demonstra ainda que os judeus tiveram pouca miscigenação com outros povos.
––––-
continua…

Fonte:
Virtualbooks
www.terra.com.br/virtualbooks

José Walter Pires (Ser Criança)


A Eric, meu filho, ao me pedir um dia para inventar uma poesia para ele.

O que é mesmo ser criança?
O que é – vou responder:
É ter o afeto dos pais
Ser livre para crescer
Garantindo o seu direito
De sorrir, brincar, crescer

É ter muitos amiguinhos
Estudar com alegria
Aprendendo muitas coisas
Ensinadas todo dia
Pelas mestras carinhosas
Com muita sabedoria

Ser criança é ser um rei
Deputado ou Presidente
Pra criar um novo mundo
Sendo deste diferente
A esperança do futuro
Que se forja no presente

Ser criança é ser igual
Não existe diferença
Como a lei diz no seu texto
Ou também de qualquer crença
Quem maltrata uma criança
Não merece recompensa

A criança é, finalmente,
Um artista criativo
Alegria da família
E peralta muito ativo
Se criança não existisse
Viver não teria motivo.

Fonte:
Heloísa Crespo (Organização e Programação Visual). Ciranda “Criança em Versos”. Campos dos Goytacazes/RJ, 2011. E-book cedido pela autora.

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 363)


Uma Trova Nacional

Nas terras do coração
um tremor sempre me invade:
o de plantar solidão
com sementes de saudade...
–HÉRON PATRÍCIO/SP–

Uma Trova Potiguar

A distância é o terror
de quem ama de verdade;
não pode falar de amor
quem nunca sentiu saudade.
–HELIODORO MORAIS/RN–

Uma Trova Premiada

2010 - Curitiba/PR
Tema: IMAGEM - M/E

A saudade, qual miragem,
vendo o meu deserto triste
insiste em mostrar a imagem
de um bem que não mais existe.
–VANDA FAGUNDES QUEIROZ/PR–

Uma Trova de Ademar

Bilhete, é sempre um recado
para ser dado escondido,
a um alguém apaixonado
por outro alguém proibido!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Felicidade, acredito
que nesta vida consistes
num simples nome bonito,
para consolo dos tristes...
–ORLANDO BRITO/MA–

Simplesmente Poesia

Criança
–JANIA SOUZA/RN–

Corres sem saber bem para onde
encanta-te com as primazias da inocência
regala-te com mimos e meiguices
preparas teu amanhã com coração manso
embala tuas descobertas com novos sonhos
não olhes o ontem sem respostas
sintas que a vida é a maior de todas as dádivas
seja eternamente essa criança tão pura
mesmo que o tempo escreva rugas profundas
no livro da tua carne que amadurece com os frutos plantados.

Estrofe do Dia

Pinto de Monteiro foi
o Repentista mais nobre;
com ricos versos cobriu
a pobre terra que o cobre;
de todos foi diferente:
na vida, rico em repente,
na morte, esquecido e pobre.
–LUIZ DUTRA BORGES/RN–

Soneto do Dia

Teto
–DIVENEI BOSELI/SP–

De noite, quando eu busco o travesseiro
entre os lençóis macios, maternais,
meu leito é superior aos medievais
e o quarto é mais seguro que um telheiro.

Enquanto espero o sono, o carreteiro
que me conduz a trilhas siderais,
contemplo o teto que, entre temporais,
mantém-se sossegado e sobranceiro.

Sou tão feliz, Senhor, por ter um teto
que, para erguê-lo, Deste ao arquiteto
matérias primas que Tu mesmo fê-las...

Por isso e muito mais eu Te agradeço,
que acima deste “meu” há o Teu, sem preço,
que é coletivo e azul; cheio de estrelas!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Sérgio Luís da Silva Vargas (Durma com os Anjos)


Dorme o menino
Com a alma serena.
Com o que sonha criatura tão pequena?
Seu mundo, por certo,
Está rodeado de anjos.
Nesta infante existência
Tudo é inocência.
O mundo está a salvo
No coração de uma criança.
Só mesmo quem ainda não
Provou de pecados e conflitos
Pode saborear tanta pureza.
Dorme menininho
Que lá fora a noite devora
Os corações aflitos.

Fonte:
Heloísa Crespo (Organização e Programação Visual). Ciranda “Criança em Versos”. Campos dos Goytacazes/RJ, 2011. E-book cedido pela autora.

Monteiro Lobato (O Presidente Negro) XVI – O Titã Apresenta-se


CAPITULO XVI
O Titã Apresenta-se

– Fôra o pleito marcado para as onze horas da manhã e duraria apenas trinta minutos, continuou miss Jane. Em meia hora o assombroso fenômeno de um bloco de 150 milhões de criaturas a imprimirem em símbolos numéricos a sua vontade na fachada do Capitólio completar-se-ia de maneira perfeita.

– Jim Roy avisara aos seus agentes distritais de que só ás dez da manhã revelaria o nome do candidato em que os negros tinham de votar. Esses agentes, por sua vez, irradiariam aos eleitores das respectivas zonas a esperada senha.

Ás nove e meia Jim recolheu-se á sua sala de trabalho no palácio da Associação Negra e fechou-se por dentro.

Apesar da solidez dos seus nervos o lider vacilava...

Ás 9 e 45 aproximou-se da janela e correu os olhos pelo casario de Washington. O panorama que viu, entretanto, não foi o da cidade. Descortinou todo o lúgubre passado da raça infeliz. Viu muito longe, esfumado pela bruma dos séculos, o humilde kraal africano visado pelo feroz negreiro branco, que em frágeis brigues vinha por cima das ondas qual espuma venenosa do oceano. Viu o assalto, a chacina dos moradores nus, o sangue a correr, o incêndio a engolir as palhoças.

Depois, o saque, o apresamento dos homens pálidos e das mulheres, a algema que lhes garroteava os pulsos, a canga que os metia dois a dois em comboios sinistros tocados a relho para a costa. Viu, como goelas escuras, abrirem-se os porões dos brigues para tragar a dolorosa carne do eito. E recordou o interminável suplício da travessia... Carga humana, coisa, fardos de couro negro com carne vermelha por dentro, A fome, a sede, a doença, a escuridão. For sobre as cabeças da carga humana, um tablado. Por cima do tablado, rumores de vozes. Eram os brancos. Branco queria dizer uma coisa só: crueldade fria...

Viu depois o desembarque. Terra, árvores, sol — não mais como em Africa. Nada deles, agora — nem a terra, nem as árvores, nem o sol. Caminha, caminha! Se um tropeça, canta-lhe o látego no lombo. Se cai desfalecido, trucidam-no. A caravana marcha, trôpega, e penetra nos algodoais...

Viu Jim viçarem luxuriosos os algodoais da Virgínia depois que o negro chegou. Além das chuvas havia a rega-los agora o suor africano — suor e sangue.

Viu dois séculos de chicote a lacerar carne e outros dois séculos de lágrimas, de gemidos e lamentosos uivos de dor. E viu a América ir saindo dessa dor, como a pérola, filha do sofrimento do molusco, nasce na concha...

Viu depois a Aurora da noite de duzentos anos: Lincoln. O Branco Bom disse: "Basta!" Ergueu exércitos e das unhas de Jefferson Davis arrancou a pobre carne-coisa.

As algemas caíram dos pulsos mas o estigma ficou. As algemas de ferro foram substituídas pelas algemas morais do pária. O socio branco negava ao socio negro a participação de lucros morais na obra comum. Negava a igualdade e negava a fraternidade, embora a Lei, que paira serena acima do sangue, consagrasse a equiparação dos dois sócios.

E viu Jim que Justiça não passava de uma pura aspiração — e que só há justiça na terra quando a força a impõe.

— "Hei de fazer-me força e impor a justiça", murmurou o grande negro.

Em sua testa profunda ruga se abriu. Seus olhos se cerraram e Jim permaneceu imovel, como que siderado por uma ideia de gigante.

Soou a primeira badalada das dez. Era o momento de irradiar a esperada senha.

O titã despertou. Dirigiu-se para a cabina emissora. De passagem deteve-se diante de um busto de Lincoln e disse, pausadamente, pondo-lhe a mão sobre o ombro:

— "Tu começaste a obra, Jim vai conclui-la..."

Penetrou na cabina. Vacilou um instante em face do aparelho que lhe ia veicular a vontade. Contraiu os músculos num sorriso de senegalês descorticado — e pronunciou finalmente com voz segura a palavra secreta que até ali escondera:

— "O candidato da raça negra é Jim Roy".
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continua… XVII – A Adesão das Elvinistas

Fonte:
Monteiro Lobato. O Presidente Negro. Editora Brasiliense, 1979.

Genilton Vaillant de Sá (Triolé da Fé)


Em mais um dia de sol quente,
cresça com crença, criança, creia!
Sinta o calor que envolve a gente
em mais um dia de sol quente,
por força e ação do Onipotente
que lá do céu tudo clareia!
Em mais um dia de sol quente,
cresça com crença, criança, creia!

Em noite tão linda de luar,
cheia de crença, cresça, criança,
sem que jamais deixe de orar
em noite tão linda de luar,
que bem reflete a luz solar,
plena de amor e de esperança,
em noite tão linda de luar,
cheia de crença, cresça, criança!

Na hora da chuva e ventania,
cresça na crença, criança, cresça
e viva toda essa energia
na hora da chuva e ventania,
por toda noite e a cada dia
deixa que a vida em paz floresça
na hora da chuva e ventania,
cresça na crença, criança, cresça!

Ante o poder da natureza,
criança de Deus, cresça na crença
cheia de orgulho e com firmeza
ante o poder da natureza,
ao comungar dessa certeza
de que a fé faz a diferença
ante o poder da natureza,
criança de Deus, cresça na crença!

Fonte:
Heloísa Crespo (Organização e Programação Visual). Ciranda “Criança em Versos”. Campos dos Goytacazes/RJ, 2011. E-book cedido pela autora.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

A Criança em Trovas

Organização por Heloísa Crespo (Campos dos Goytacazes/RJ).

Ó Deus, que nos deste a flor,
e as crianças e as estrelas,
dá-nos agora, Senhor,
a graça de merecê-las!
A A DE ASSIS

Se alimentas a esperança
De habitar o paraíso,
Torna-te como criança
Conserva puro o sorriso.
ANA LUCIA FINAZZI

Criança alegre brincando
se afigura, aos olhos meus,
um lírio desabrochando
nas mãos sagradas de Deus.
ANTONIO JURACI SIQUEIRA

Não deixes que o pranto ronde
Teus olhos verdes, criança...
É triste ver que se esconde
Numa lágrima a eaperança!
CAROLINA RAMOS

A mãe que sorrindo beija
o rosto de seu filhinho,
é gratidão que sobeja
no mais arguto carinho.
CIDINHA FRIGERI

A Criança tão gentil,
feliz e muito brejeira,
merece, em nosso Brasil,
ser amada e ser primeira!
CIDINHA FRIGERI

Ao falar da educação
que falta à nossa criança,
dizemos com o coração:
Abraçai esta Esperança!
CIDINHA FRIGERI

Crianças de rua à espera
De que o porvir lhes sorria,
Semeiam grãos de quimera
Nos campos da fantasia..
DARLY O. BARROS.

No meu tempo de criança,
bati “pelada” na areia...
Saudade, doce lembrança
da minha bola de meia.
DJALMA MOTA

Criança muito levada,
que corre, chuta e sacode...
Que disciplina, que nada:
- Casa da vó tudo pode!
ELIANA JIMENEZ

Eu não me sinto esperança
e é mentira de quem diz,
que é direito da criança
ter direito a ser feliz!
FRANCISCO JOSÉ PESSOA

Criança, jóia preciosa,
às vezes até chateia,
mas é linda, carinhosa...
e que Deus nos presenteia!
GLÓRIA TABET MARSON

CRIANÇA "não tem juizo"
mas tem, em dobro, a emoção...
Por isso, sempre é preciso
conquistar seu coração!
HERMOCLYDES SIQUEIRA FRANCO

Se me dessem o direito
de um só pedido fazer,
pediria , então sem jeito:
ser criança até morrer!
ISTELA MARINA DE SOUZA GOTELIPE LIMA

Ser adulto é viver sem esperança:
Séria, inibida de olhar feio.
Queria voltar a ser criança,
Brincar, pular, sorrir sem freio...
IVONE VEBBER

Ó minha amada Esperança,
brincalhona e sorridente,
és um resto de criança
que fica dentro da gente!...
JOSÉ FABIANO

Nos meus tempos de criança,
brincadeiras sem cansar...
Foi-se o tempo da balança,
dos castelos feitos no ar!
JOSÉ FELDMAN

Sonho um mundo colorido,
flores perfumando a estrada,
sem um ai, sem um gemido
de criança abandonada.
MARINA VALENTE

Pensava que nessa vida
só me faltava partir
mas esqueci a partida,
vendo a criança a sorrir!
MESSODY RAMIRO BENOLIEL

Inda guardo na lembrança
Os momentos de alegrias
Que vivi quando criança...
Fui feliz naqueles dias.
MOREIRA LOPES

Criança,sempre criança,
em qualquer lugar do mundo.
Ela é luz!... Esperança,
de país melhor, fecundo!
NADIR NOGUEIRA GIOVANELLI

Quando sinto-me criança,
revivendo aquela idade,
sinto mais que uma lembrança...
Vivo um sonho em realidade!
NEI GARCEZ

Por toda essa minha vida
desde os tempos de criança
conservo fé aguerrida,
no coração, esperança.
OLGA MARIA DIAS FERREIRA

Reconquista a esperança
e vive alegre e contente
quem faz sorrir a criança
que mora dentro da gente.
OLYMPIO COUTINHO

Voltei a ter confiança
neste mundo tão ruim
ao descobrir a criança
que ainda habitava em mim!
RENATO ALVES

No peito do poeta brinca
Uma criança pequenina
Que sai pintando de tinta
As metáforas e as rimas.
RICARDO EVANGELISTA

Como um jardim de esperanças,
das sementes brotam flores...
Assim crescem as crianças,
com seus dons e seus louvores.
SÔNIA VASCONCELLOS

Recordo, ao passar das horas,
do meu tempo de criança...
alegre, cantando auroras,
tecendo a doce lembrança!
VANDA ALVES

Força e coragem criança,
a vida sorri lá fora...!
O estudo será a poupança
e há de chegar sem demora!
VÂNIA MARIA SOUZA ENNES

Fonte:
Heloísa Crespo (Organização e Programação Visual). Ciranda “Criança em Versos”. Campos dos Goytacazes/RJ, 2011. E-book cedido pela autora.

João Felinto Neto (Livro de Poesias)


ÚNICO MOTIVO

Te amo
Em teus ouvidos,
Pelas horas de silêncio.
Te amo
Pelo tempo
Que ainda é pouco para te amar.
Te amo
Pelo ar
Que no arfar
Mal o respiro.
Te amo
Pelo único motivo
Que é para sempre
Te amar.

SEPARADOS

Quando eu era uma criança,
Media a distância
Ao meu futuro esperado.
Hoje, vejo o meu passado
Na lembrança
E é bem maior a distância
Que nos mantêm separados.

BOQUIABERTO


Na cidade de minha morada,
Sempre estou boquiaberto.
As pessoas não levam a sério,
As leis sancionadas.
O pedestre confunde a calçada
Com o meio da rua;
Ainda usa e abusa
Dessa prática arriscada.
O semáforo já não vale nada,
Sendo verde, vermelho ou amarelo
É invenção descartada.
O pedestre que morre na faixa
É chamado de cego.
Considera-se certo,
O suborno ao guarda.
Contramão se tornou mão usada.
Proibido parada
É onde para o esperto.
Nesse trânsito caótico, o remédio
É ser muito discreto
E fingir não ter mérito,
Nem vergonha na cara.

AINDA ESTOU VIVO

Ainda estou vivo,
percebo isso
em meus pulsos.

Ainda estou vivo,
assim percebo
pelos meus gemidos.

Ainda estou vivo,
percebo isso
nos meus próprios gritos.

Ainda estou vivo,
isso eu percebo
por minha exaustão.

Ainda estou vivo,
é percebível
pelo meu silêncio.

Ainda estou vivo,
percebo e sinto
o meu coração.

Estou vivo, não vivo em vão.

FIO DA MEADA

Se o amor é uma palavra abstrata,
por que a dor
é tão física?
Por que a carne
é tão fraca?
Entre nós,
impressões desfeitas.
Entre outros,
o fio da meada.

EMBARCAÇÕES

Pontos retratados
sobre um lençol de espumas,
que o lápis do tempo
redesenhando,
rascunha;
e tornam-se figuras,
contornadas pela realidade,
embarcações.

PERFIL

Tocasse a vida
com sua mão
em uma tinta turva,
e contornasse em sinuosa
curva,
uma forma definida,
traços que marcam uma silhueta:
Testa, nariz,
lábios e queixo,
olho e orelha,
restauraria seu perfil.
Lábios calados,
olho vazio,
nariz sangrando,
testa febril,
queixo quebrado
e orelha de abano.

VEGETAL

No espaldar da cadeira
encosto minhas costas curvadas,
que sob o peso do tempo
sente o abreviamento
de uma vida inteira.

Silencio-me no esquecimento,
com exceção dos gemidos.
Expio uma oculta dimensão.
Passado e presente,
passando à frente,
à minha mão.

No esforço de manter-me vivo,
acumulo os anos
sobre meus ombros.
Meus ossos, fragmentados pelo peso,
aprisionam-me.
Vegetal ilhado por sonhos
e lembranças de ontem.

FANTASIA OU LOUCURA

A ilusão caminha solta pela rua,
onde as calçadas são de pedra de sabão.
Os transeuntes são apenas esculturas
que se derretem sob a chuva
numa eterna ilusão.

Rente aos telhados passa, a luminosa lua,
transformada numa bolha de sabão.
Há dentro dela, uma bela dama nua
que na sua face oculta,
amarga desilusão.

Observando esta cena, continua
extasiada com sua imaginação,
a inusitada e sombria figura.
Será fantasia ou loucura,
essa alucinação?

GRAVETOS

De cabeça baixa,
a fraca luz me ilumina.
Os meus próprios versos
são gravetos que atiçam o fogo
que clareia a minha alma.
Nada se compara
aos ruídos noturnos,
nem mesmo o inconfundível crepitar
dos meus versos
em brasa.
Fecho-os num livro
e percebo as chamas
que queimam suas capas.
Gravetos,
não são cavacos soltos,
são um feixe inteiro
de poemas toscos.

SONETO DA INIQUIDADE

Eu não dividi águas;
nem multipliquei comida.
Não sigo mandamentos
de uma lei prescrita.

Se eu usei provérbios
para falar da vida,
não vejo condenados,
vejo apenas vítimas.

Em meu barco à deriva,
há homens imortais
da terra prometida.

Dos homens imortais,
havia apenas ossos,
quando aportei no cais.

ESCALADA

Todas as razões são impostas,
se alguém não gosta,
é apenas mais um louco.
Algumas montanhas são rochosas,
outras são de ouro.
Nada impede a escalada
simplesmente pela conquista;
a visão apaixonada
até se perder de vista.
A vitória de um tolo.
A tolice de um morto.
As razões, ninguém explica.

João Felinto Neto (1966)


No dia 04 de outubro de 1966, nasce João Felinto Neto, em Apodi, Rio Grande do Norte. São seus pais Maria Dália Pinto, natural de Apodi e Francisco Felinto Neto, natural de Pombal.

Em 1969, parte com sua família para Tabuleiro do Norte no Ceará. No mesmo ano passa a residir em Limoeiro do Norte, sua pátria emotiva e ponto de partida de uma fase migratória que duraria toda a sua infância, e o levaria até Santa Isabel/PA (1971), Limoeiro do Norte/CE (1973), e Mossoró/RN (1974), onde ingressa, no Instituto Dom João Costa no ano de 1975. Retorna novamente a Limoeiro do Norte (1977), onde permanece até 1982, ano em que conclui o 1º grau no Liceu de Artes e Ofícios.

Retorna definitivamente, com sua família à cidade de Mossoró. Conclui em 1985 o 2º grau na Escola Estadual Prof. Abel Freire Coelho.

Em 1986 ingressa no serviço público.

Conclui o curso de Ciências Econômicas, pela UERN, em 1991.

Somente aos 34 anos, começa escrever e catalogar poemas e crônicas. Até então seu mundo literário se resumia à leitura e ao pensamento. Em junho de 2003 publica seu primeiro livro, Cabaz - Com frutos do meu delírio. E em apenas sete anos de extrema dedicação à caneta, em Abril de 2010 o Trigésimo quinto, Livro Negro- Exaltação à morte é publicado.

Publicações

POESIAS

A caveira & a rosa – Mossoró, 2007.
Alguns degraus – Mossoró, 2007.
Árvore morta– Mossoró, 2009.
Bolodório - uma farra na poesia – Mossoró, 2009.
Cabaz: com frutos do meu delírio – Mossoró, 2006.
Cálice – Mossoró, 2007.
Composições sem cifras – Mossoró, 2008.
De versos, Diversos versos . – Mossoró, 2007.
Em nome do pai e do filho – Mossoró, 2007.
Espinhos do deserto – Mossoró, 2008.
Gravetos – Mossoró,2006.
Letras, representações estilísticas de idéias toscas dispersadas em poemas do cotidiano – Mossoró, 2007.
Livro Negro (Exaltação à morte).– Pará de Minas, MG, 2010
Nome de mulher – Mossoró, 2009.
Pecados de Deus – Pará de Minas, MG: 2010. (Temática Cristã.)
Poesia no lixo – Mossoró, 2007.
Por minhas mãos – Mossoró, 2003.
Quadrilátero – Mossoró, 2006.
Sob meus calcanhares Mossoró, 2007.
Sombras & Espelhos – Mossoró, 2007.
Sonetos numéricos – Mossoró, 2007.
Sopro Poético – Mossoró, 2006.
Tríptico – Mossoró, 2007.
Um pedaço de pangéia– Mossoró, 2007.
Gota d’água – Mossoró, 2009.
Livro índice – Mossoró, 2007.(Livro índice de poemas)
Megalíticos – Mossoró, 2008.
O herege – Mossoró, 2006.
Obscuro – Mossoró, 2007.
Olhos de Guri– Mossoró, 2006.
Opalina- Mossoró, 2004.
Páginas de ontem – Mossoró, 2006.
Pax-vóbis– Mossoró, 2007.
Reticências desfeitas – Rio de Janeiro, 2006

PROSA
Crônicas dispersas – Mossoró, 2007.
Estranhas narrativas - Mossoró, 2007.

Fonte:
João Felinto Neto

Walflan de Queiroz (Poesias Avulsas)


ORAÇÃO

Meu Deus, estendei sobre mim tua mão
E então poderei entender o silêncio,
Então poderei andar sobre as águas do mar.

Meu Deus, estendei sobre mim tua mão,
E então poderei compreender teu Verbo,
Então poderei olhar os lírios do campo.

Meu Deus, fazei-me ouvir de novo tua voz,
Para que eu responda aos que vieram de Sabá,
E me restitua integral e perfeito a Ti.

(O testamento de Jó, p.25)

AUTORRETRATO
A Luis Carlos Guimarães

Não tenho a beleza de Rimbaud, nem o rosto torturado de
Baudelaire.
Tenho sim, olhos negros, negros como os de Poe.
Meus cabelos são soltos, em desalinho
Como os de algum anjo ou demônio.
Minha pele, queimada eternamente de sol, tem o sal do mar
E a cor morena dos que são náufragos.
Minhas mãos são pequenas, tristes embora,
Como as mãos de alguém que só as estendeu para o adeus.

(O tempo da solidão, p.38)



Meu Senhor, sou tua argila,
Manda de novo o teu vento,
Destruir minhas plantações,
Para que eu não veja, ao longe,
Senão, este deserto imenso,
E esta solidão de estrelas,
Onde te encontro.

Meu Senhor, sou tua criação,
Manda de novo o teu anjo,
Dispersar os meus rebanhos,
Para que eu não veja, ao longe,
Senão, esta montanha, Sião,
E estas torres muito altas,
Que se perdem, no azul destes ocasos,
Bordados com as cores do teu Manto.

(O testamento de Jó, p.37)

POEMA

Eu te falarei da noite misteriosa e doce
E das mil angústias que afligem a minha alma.
Na tua procura pelos mundos desolados,
Encontrei somente a dor habitando a minha solidão
Eu te falarei do mar ausente, e da nuvem
De mármore que se quebrou de encontro ao ocaso.
Não te falarei das colinas de Deus, dos penhascos
Distantes decorados por horizontes de ouro.
Te falarei, entretanto, da minha solidão
Caminhando pelas florestas insones do pranto
E te recordando em cada flor, em cada pássaro
Voando em direção à aurora em busca da morte.
Te direi apenas da minha pobreza, da minha dor
Quanto desfeitas e caídas com pétalas das mãos de Deus.

(O testamento de Jó, p. 49)

HINO À NOITE
A Tânia

Vem, Noite. Perco-me novamente
Em tuas constelações.
Quero procurar pela rua mais deserta
O sereno clarão de tua lua.

Vem, Noite. Quero ser eternamente teu.
Quero andar pelos becos mais distantes,
Em busca da luz de tua mais remota estrela.

Já não tenho túmulos, em mim.
Tenho apenas uma sombra, e um silêncio.
Vindo de minha solidão que fere os astros.

(O testamento de Jó,p.75)