sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Casimiro de Abreu (As Primaveras) Parte 4


A VALSA - A M***

Tu, ontem
Na dança
Que cansa,
Voavas
Co’as faces
Em rosas
Formosas
De vivo,
Lascivo
Carmim;
Na valsa,
Corrias,
Fugias,
Ardente,
Contente,
Tranqüila,
Serena,
Sem pena
De mim!
Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
- Não negues
Não mintas...
- Eu vi!...

Valsavas:
- Teus belos
Cabelos,
Já soltos,
Revoltos,
Saltavam,
Voavam,
Brincavam
No colo
Que é meu;
E os olhos
Escuros
Tão puros,
Os olhos
Perjuros
Volvias,
Tremias,
Sorrias,
P’ra outro
Não eu!
Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
- Não negues,
Não mintas...
- Eu vi!...
Meu Deus!
Eras bela
Donzela,
Valsando,
Sorrindo,
Fugindo,
Qual silfo
Risonho
Que em sonho
Nos vem!
Mas esse
Sorriso
Tão liso
Que tinhas
Nos lábios
De rosa,
Formosa,
Tu davas,
Mandavas
A quem?!
Quem dera
Que sintas
As dores
De amores

Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
- Não negues,
Não mintas...
- Eu vi!...
Calado,
Sozinho,
Mesquinho,
Em zelos
Ardendo,
Eu vi-te
Correndo
Tão falsa
Na valsa
Veloz!
Eu triste
Vi tudo!
Mas mudo
Não tive
Nas galas
Das salas,
Nem falas,
Nem cantos,
Nem prantos,
Nem voz!
Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
Não mintas!...
- Não negues,
- Eu vi!...
Na valsa
Cansaste;
Ficaste
Prostrada,
Turbada!
Pensavas,
Cismavas,
E estavas
Tão pálida
Rosa
Mimosa
No vale
Do vento
Cruento
Batida,
Caída

Sem vida
No chão!
Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
- Não negues,
Não mintas...
- Eu vi!...
Rio - 1858

NO LAR


I

Longe da pátria, sob um céu diverso
Onde o sol como aqui tanto não arde,
Chorei de saudades do meu lar querido
- Ave sem ninho que suspira à tarde. -
No mar - de noite - solitário e triste
Fitando os lumes que no céu tremiam,
Ávido e louco nos meus sonhos d’alma
Folguei nos campos que meus olhos viam.
Era pátria e família e vida e tudo,
Glória, amores, mocidade e crença,
E, todo em choros, vim beijar as praias
Por que chorara nessa longa ausência.
Eis-me na pátria, no país das flores,
- O filho pródigo a seus lares volve,
E consertando as suas vestes rotas,
O seu passado com prazer revolve! -
Eis meu lar, minha casa, meus amores,
A terra onde nasci, meu teto amigo,
A gruta, a sombra, a solidão, o rio
Onde o amor me nasceu - cresceu comigo.
Os mesmos campos que eu deixei criança,
Árvores novas... tanta flor no prado!...
Oh! como és linda, minha terra d’alma,
- Noiva enfeitada para o seu noivado! -
Foi aqui, foi ali, além... mais longe,
Que eu sentei-me a chorar no fim do dia;
- Lá vejo o atalho que vai dar na várzea...
Lá o barranco por onde eu subia!...

Acho agora mais seca a cachoeira
Onde banhei-me o infantil cansaço...
- Como está velho o laranjal tamanho
Onde eu caçava o sanhaçu a laço!...
Como eu me lembro dos meus dias puros!
Nada me esquece!... e esquecer quem há de?...
- Cada pedra que eu palpo, ou tronco, ou folha
Fala-me ainda dessa doce idade !
Eu me remoço recordando a infância,
E tanto a vida me palpita agora
Que eu dera oh! Deus! a mocidade inteira
Por um só dia do viver d’outrora!
E a casa?... as salas, este móveis... tudo,
O crucifixo pendurado ao muro...
O quarto do oratório... a sala grande
Onde eu temia penetrar no escuro!...
E ali... naquele canto... o berço amado!
E minha mana, tão gentil, dormindo!
E mamãe a contar-me histórias lindas
Quando eu chorava e a beijava rindo!
Oh! primavera ! oh! minha mãe querida!
Oh! mana! - anjinho que eu amei com ânsia -
Vinde ver-me, em soluços - de joelhos -
Beijando em choros este pó da infância !

II

Meu Deus ! eu chorei tanto lá no exílio !
Tanta dor me cortou a voz sentida,
Que agora neste gozo de proscrito
Chora minh’alma e me sucumbe a vida !
Quero amor! quero vida! e longa e bela
Que eu, Senhor ! não vivi - dormi apenas !
Minh’alma que se expande e se entumece
Despe seu luto nas canções amenas.
Que sede que eu sentia nessas noites !
Quanto beijo roçou-me os lábios quentes!
E, pálido, acordava no meu leito
- Sozinho - e órfão das visões ardentes!
Quero amor! quero vida! aqui, na sombra,
No silêncio e na voz desta natura;
- Da primavera de minh’alma os cantos
Caso co’as flores da estação mais pura.
Quero amor! quero vida! os lábios ardem...
Preciso as dores dum sentir profundo !

- Sôfrego a taça esgotarei num trago
Embora a morte vá topar no fundo.
Quero amor ! quero vida ! Um rosto virgem,
- Alma de arcanjo que me fale de amores,
Que ria e chore, que suspire e gema
E doure a vida sobre um chão de flores.
Quero amor ! quero amor ! - Uns dedos brancos
Que passem a brincar nos meus cabelos;
Rosto lindo de fada vaporosa
Que dê-me vida e que me mate em zelos !
Oh! céu de minha terra - azul sem mancha -
Oh! sol de fogo que me queima a fronte,
Nuvens douradas que correis no ocaso,
Névoas da tarde que cobris o monte;
Perfumes da floresta, vozes doces,
Mansa lagoa que o luar prateia,
Claros riachos, cachoeiras altas,
Ondas tranqüilas que morreis na areia;
Aves dos bosques, brisas das montanhas,
Bentevis do campo, sabiás da praia,
- Cantai, correi, brilhai - minh’alma em ânsias
Treme de gozo e de prazer desmaia!
Flores, perfumes, solidões, gorjeios,
Amor, ternura - modulai-me a lira!
- Seja um poema este ferver de idéias
Que a mente cala e o coração suspira.
Oh! mocidade! Bem te sinto e vejo!
De amor e vida me transborda o peito...
- Basta-me um ano!... e depois... na sombra...
Onde tive o berço quero ter meu leito!
Eu canto, eu choro, eu rio, e grato e louco
Nos pobres hinos te bendigo, oh! Deus!
Deste-me os gozos do meu lar querido...
Bendito sejas! - vou viver c’os meus!
Indaiaçu - 1857

MORENINHA

Moreninha Moreninha,
Tu és do campo a rainha,
Tu és senhora de mim;
Tu matas todos d’amores,
Faceira, vendendo as flores
Que colhes no teu jardim.
Quando tu passas n’aldeia

Diz o povo à boca cheia:
- “Mulher mais linda não há!
“Ai! vejam como é bonita
“Co’as tranças presas na fita,
“Co’as flores no samburá!” -
Tu é meiga, és inocente
Como a rola que contente
Voa e folga no rosal;
Envolta nas simples galas,
Na voz, no riso, nas falas,
Morena - não tens rival!
Tu, ontem, vinhas do monte
E paraste ao pé da fonte
À fresca sombra do til;
Regando as flores sozinha,
Nem tu sabes, Moreninha,
O quanto achei-te gentil!
Depois segui-te calado
Como pássaro esfaimado
Vai seguindo a juriti;
Mas tão pura ias brincando,
Pelas pedrinhas saltando,
Que eu tive pena de ti!
E disse então: - Moreninha,
Se um dia tu fores minha,
Que amor, que amor não terás!
Eu dou-te noites de rosas
Cantando canções formosas
Ao som dos meus ternos ais.
Morena, minha sereia,
Tu és a rosa da aldeia,
Mulher mais linda não há;
Ninguém t’iguala ou t’imita
Co’as tranças presas na fita,
Co’as flores no samburá!
Tu és a deusa da praça,
E todo homem que passa
Apenas viu-te... parou!
Segue depois seu caminho
Mas vai calado e sozinho
Porque sua alma ficou!
Tu és bela, Moreninha,
Sentada em tua banquinha
Cercada de todos nós;
Rufando alegre o pandeiro,
Como a ave no espinheiro
Tu soltas também a voz:
- “Oh quem me compra estas flores?
“São lindas como os amores,

“Tão belas não há assim;
“Foram banhadas de orvalho,
“São flores do meu serralho,
“Colhi-as no meu jardim.”-
Morena, minha Morena,
És bela, mas não tens pena
De quem morre de paixão!
- Tu vendes flores singelas
E guarda as flores belas,
As rosas do coração?!...
Moreninha, Moreninha,
Tu és das belas rainha,
Mas nos amores és má;
- como tu ficas bonita
Co’as tranças presas de fita,
Co’as flores no samburá!
Eu disse então: - “Meus amores,
“Deixa mirar tuas flores,
“Deixa perfumes sentir!”
Mas naquele doce enleio,
Em vez das flores, no seio,
No seio te fui bulir!
Como nuvem desmaiada
Se tinge de madrugada
Ao doce albor da manhã;
Assim ficaste, querida,
A face em pejo acendida,
Vermelha como a romã!
Tu fugiste, feiticeira,
E de certo mais ligeira
Qualquer gazela não é;
Tu ias de saia curta...
Saltando a moita de murta
Mostraste, mostraste o pé!
Ai! Morena, ai! meus amores,
Eu quero comprar-te as flores,
Mas dá-me um beijo também;
Que importam rosas do prado
Sem o sorriso engraçado
Que a tua boquinha tem?...
Apenas vi-te, sereia,
Chamei-te - rosa da aldeia -
Como mais linda não há.
- Jesus! Como eras bonita
Co’as tranças presas na fita,
Co’as flores no samburá!
Indaiaçu - 1857

BORBOLETA

Borboleta dos amores,
Como a outra sobre as flores,
Porque és volúvel assim?
Porque deixas, caprichosa,
Porque deixas tu a rosa
E vais beijar o jasmim?
Pois essa alma é tão sedenta
Que um só amor não contenta
E louca quer variar?
Se já tens amores belos,
P’ra que vais dar teus desvelos
Aos goivos da beira-mar?
Não sabes que a flor traída
Na débil haste pendida
Em breve murcha será?
Que de ciúme fenece
E nunca mais estremece
Aos beijos que a brisa dá?...
Borboleta dos amores,
Como a outra sobre as flores,
Porque és volúvel assim?
Porque deixas, caprichosa,
Porque deixas tua a rosa
E vais beijar o jasmim?!
Tu vês a flor da campina,
E bela e terna e divina,
Tu dá-lhe o que essa alma tem;
Depois, passado o delírio,
Esqueces o pobre lírio
Em troca duma cecém!
Mas tu não sabes, louquinha
Que a flor que pobre definha
Merece mais compaixão?
Que a desgraça precisa,
Como sopro da brisa,
Os ais do teu coração?
Borboleta dos amores,
Como a outra sobre as flores,
Porque és volúvel assim?
Porque deixas, caprichosa,

Porque deixas tua a rosa
E vais beijar o jasmim?!
Se a borboleta dourada
Esquece a rosa encarnada
Em troca duma outra flor;
Ela - a triste, molemente
Pendida sobre a corrente,
Falece à míngua d’amor.
Tu também, minha inconstante,
Tens tido mais dum amante
E nunca amaste a um só!
Eles morrem de saudade
Mas tu na variedade
Vais vivendo e não tens dó!
Ai! és muito caprichosa!
Sem pena deixas a rosa
E vais beijar outras flores;
Esqueces os que te amam...
Por isso todos te chamam:
- Borboleta dos amores!
Rio - 1858

Fonte:
ABREU, Casimiro de. As Primaveras. São Paulo: Livraria Editora Martins S/A co-edição Instituto Nacional do Livro, 1972. Texto-base digitalizado por Raquel Sallaberry Brião.

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