quarta-feira, 12 de outubro de 2011

João Felinto Neto (Livro de Poesias)


ÚNICO MOTIVO

Te amo
Em teus ouvidos,
Pelas horas de silêncio.
Te amo
Pelo tempo
Que ainda é pouco para te amar.
Te amo
Pelo ar
Que no arfar
Mal o respiro.
Te amo
Pelo único motivo
Que é para sempre
Te amar.

SEPARADOS

Quando eu era uma criança,
Media a distância
Ao meu futuro esperado.
Hoje, vejo o meu passado
Na lembrança
E é bem maior a distância
Que nos mantêm separados.

BOQUIABERTO


Na cidade de minha morada,
Sempre estou boquiaberto.
As pessoas não levam a sério,
As leis sancionadas.
O pedestre confunde a calçada
Com o meio da rua;
Ainda usa e abusa
Dessa prática arriscada.
O semáforo já não vale nada,
Sendo verde, vermelho ou amarelo
É invenção descartada.
O pedestre que morre na faixa
É chamado de cego.
Considera-se certo,
O suborno ao guarda.
Contramão se tornou mão usada.
Proibido parada
É onde para o esperto.
Nesse trânsito caótico, o remédio
É ser muito discreto
E fingir não ter mérito,
Nem vergonha na cara.

AINDA ESTOU VIVO

Ainda estou vivo,
percebo isso
em meus pulsos.

Ainda estou vivo,
assim percebo
pelos meus gemidos.

Ainda estou vivo,
percebo isso
nos meus próprios gritos.

Ainda estou vivo,
isso eu percebo
por minha exaustão.

Ainda estou vivo,
é percebível
pelo meu silêncio.

Ainda estou vivo,
percebo e sinto
o meu coração.

Estou vivo, não vivo em vão.

FIO DA MEADA

Se o amor é uma palavra abstrata,
por que a dor
é tão física?
Por que a carne
é tão fraca?
Entre nós,
impressões desfeitas.
Entre outros,
o fio da meada.

EMBARCAÇÕES

Pontos retratados
sobre um lençol de espumas,
que o lápis do tempo
redesenhando,
rascunha;
e tornam-se figuras,
contornadas pela realidade,
embarcações.

PERFIL

Tocasse a vida
com sua mão
em uma tinta turva,
e contornasse em sinuosa
curva,
uma forma definida,
traços que marcam uma silhueta:
Testa, nariz,
lábios e queixo,
olho e orelha,
restauraria seu perfil.
Lábios calados,
olho vazio,
nariz sangrando,
testa febril,
queixo quebrado
e orelha de abano.

VEGETAL

No espaldar da cadeira
encosto minhas costas curvadas,
que sob o peso do tempo
sente o abreviamento
de uma vida inteira.

Silencio-me no esquecimento,
com exceção dos gemidos.
Expio uma oculta dimensão.
Passado e presente,
passando à frente,
à minha mão.

No esforço de manter-me vivo,
acumulo os anos
sobre meus ombros.
Meus ossos, fragmentados pelo peso,
aprisionam-me.
Vegetal ilhado por sonhos
e lembranças de ontem.

FANTASIA OU LOUCURA

A ilusão caminha solta pela rua,
onde as calçadas são de pedra de sabão.
Os transeuntes são apenas esculturas
que se derretem sob a chuva
numa eterna ilusão.

Rente aos telhados passa, a luminosa lua,
transformada numa bolha de sabão.
Há dentro dela, uma bela dama nua
que na sua face oculta,
amarga desilusão.

Observando esta cena, continua
extasiada com sua imaginação,
a inusitada e sombria figura.
Será fantasia ou loucura,
essa alucinação?

GRAVETOS

De cabeça baixa,
a fraca luz me ilumina.
Os meus próprios versos
são gravetos que atiçam o fogo
que clareia a minha alma.
Nada se compara
aos ruídos noturnos,
nem mesmo o inconfundível crepitar
dos meus versos
em brasa.
Fecho-os num livro
e percebo as chamas
que queimam suas capas.
Gravetos,
não são cavacos soltos,
são um feixe inteiro
de poemas toscos.

SONETO DA INIQUIDADE

Eu não dividi águas;
nem multipliquei comida.
Não sigo mandamentos
de uma lei prescrita.

Se eu usei provérbios
para falar da vida,
não vejo condenados,
vejo apenas vítimas.

Em meu barco à deriva,
há homens imortais
da terra prometida.

Dos homens imortais,
havia apenas ossos,
quando aportei no cais.

ESCALADA

Todas as razões são impostas,
se alguém não gosta,
é apenas mais um louco.
Algumas montanhas são rochosas,
outras são de ouro.
Nada impede a escalada
simplesmente pela conquista;
a visão apaixonada
até se perder de vista.
A vitória de um tolo.
A tolice de um morto.
As razões, ninguém explica.

Nenhum comentário: