sábado, 29 de setembro de 2018

Emílio de Meneses (Poemas ao Anoitecer) IV


DIES IRAE
(Sobre o Desastre do “Aquidabã”)

I
Na vastidão das águas da baía
Tudo é luz, íudo é paz neste momento.
Límpido, ao alto, nos acaricia
O amplo côncavo azul do firmamento.

Do mar ao céu, é mais profunda a calma.
Quer junto a nós, quer na amplidão remota,
Raramente nos ares a asa espalma.
Solitária branquíssima gaivota.

À barra, um transatlântico que ao mastro
Alto., estrangeiro pavilhão desfralda,
Deixando empós um marulhoso rastro,
Corta, solene, a líquida esmeralda.

Nuns tons leves de nítida aquarela,
Sobre um barco de pesca tardo e lento,
Em forma de triângulo, uma vela
Desenha ao longe o bojo pardacento.

Dentro do porto alteia-se a floresta
Dos mastros com suas flâmulas aflantes,
E, num silêncio abrigador de sesta,
Dormem os transatlânticos possantes.

O sol envolve com seu manto de ouro
As fortes naus afeitas às tormentas,
Que, ora, na quietação do ancoradouro,
Parecem grandes aves sonolentas.

Um que, certo, entre todos é o mais forte,
Parece estar sonhando em pompa de galas,
Num tempo em que ele se entregava à sorte.
Debaixo de uma abóbada de balas!

II
Sonha o grande couraçado,
Sonha o navio, e, no sonho,
Revê todo o seu passado
De heroísmo no mar medonho.

Tem dentro de si, contente,
A marujada louça
Que a glória nunca desmente
Do nome de Aqindabã.

Todo ele é uma alma sonora,
É da pátria a própria imagem,
A dar provas, de hora em hora,
De nobreza e de coragem.

Sonha que a sonhar desperta
Por uma alegre manhã
A uma voz que brada: Alerta!
Marujos do Aquidabã.

III
Ao balouço do mar que aos beijos o rodeia,
Todo em galas desperta o potente navio,
E aquela nobre gente aos perigos alheia,
Presto, provas quer dar de luzimento e brio.

A azáfama começa e em toda a plenitude,
Do vigor de um pulmão, as vozes de comando,
Qual hino triunfal de alegria e saúde
Brotam de um peito heróico os ares recortando.

Vibra em roda o estridor clangoroso de festa.
Move-se lado a lado a marujada ativa.
O grande couraçado orgulhoso se apresta
Pronto para aguardar luzida comitiva.

A hora de levantar e de partir não tarda;
Todo o navio anseia em grande açodamenlo
E em cima, no convés, o sol, de cada farda,
Tira efeitos de estranho e ideal deslumbramento.

Brilham fulvos galões; brilham, presas aos ombros,
Dragonas de retrós metálico de escarcha,
E tudo a refulgir envolve a nau de assombros
Nesse apresto sem par de uma imprevista marcha.

O ouro do fivelame e dos botões rebrilha,
Fulge, dos espadins, o ouro que o punho encerra.
E tudo é o resplendor e tudo é a maravilha
De uma festa de paz na grande nau de guerra!

IV
Ei-lo que chega ao porto entressonhado.
Foi suave a travessia
Mas em todos que estão no couraçado,
Não é a mesma a alegria.

A tarde desce. A noite se aproxima.
Foi todo alegre o dia.
Mas agora, nos astros, lá por cima.
Anda a melancolia.

Não pode ser mais calmo nem sereno
O vir da Ave-Maria.
Para a noite que chega sobre um trenó
De meiga nostalgia:

Foi nas águas do Amazonas
Que aprendi a navegar.
Meu Deus, por que me abandonas
Nas feias águas do mar?!

Ao vibrar melancólico da viola,
Aquele ingênuo canto
De um coração nostálgico se evola
Como sonoro pranto.

Do Pará nas ribanceiras
Deixei meus pais a chorar.
E aqui estou nestas canseiras
Da triste vida do mar!

O céu arqueia protetoramente
O amplo azul constelado,
Como que para ouvir a voz dolente
Que embala o couraçado.

Ai! Maranhão do meu berço.
Para por ti eu rezar,
Tem mais contas o meu terço
Do que vagas tem o mar!

Em torno, à vasta quietacão das águas
Mais o silêncio cresce
E só se escuta este gemer de mágoas
Num sussurro de prece:

Do Piauí nas densas matas
Vivia alegre a cantar
E hoje choro estas ingratas,
Duras tristezas do mar!

Este simples e rústico lamento
Tem talvez a virtude
De espairecer algum pressentimento
Do marinheiro rude:

Ao meu Ceará com certeza
Nunca mais hei de voltar.
Foi meu berço a Fortaleza,
Vai ser meu túmulo o mar!

Seja pressentimento ou desengano,
A meiga singeleza
Daqueles sons, tem do destino humano
A infinita tristeza:

Do Rio Grande do Norte
A terra quer se queimar;
Prefiro na seca a morte,
A morrer dentro do mar!

Fonte:
Emílio de Meneses. Obra Reunida. 
Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1980.

IV Concurso Infantil Dê o Nome do Personagem do Livro “Pegadas na Vila” (Prazo: 30 de Novembro)

REGULAMENTO

A partir do livro “PEGADAS NA VILA” da Escritora Neida Rocha, crianças de 4 a 13 anos de idade, de qualquer cidade do Brasil, poderão participar do IV CONCURSO INFANTIL: DÊ O NOME DO PERSONAGEM DO LIVRO “PEGADAS NA VILA”.

A inscrição é GRATUITA e deverá ser feita até o dia:
30 de NOVEMBRO de 2018, através da ficha de inscrição abaixo e o envio para o e-mail neidarocha@terra.com.br ou colocado na URNA no Parque Educativo Vila Encantada.

A título de premiação, a criança que tiver o nome escolhido no CONCURSO INFANTIL, receberá um final de semana em Pomerode com 1 noite de hospedagem, 2 refeições e ingressos para a vila para 2 adultos e 2 crianças.

A entrega do prêmio acontecerá em local e data a confirmar e a divulgação do resultado, com fotos da premiação constará do site: www.vilaencantada.com.br.

Cada criança poderá participar com quantas sugestões desejar, desde que seja feita uma ficha de inscrição para cada sugestão.

A escolha do nome será feita pela autora e dois representantes do PARQUE EDUCATIVO VILA ENCANTADA e levará em consideração a criatividade da criança.

A participação no IV CONCURSO INFANTIL: DÊ O NOME DO PERSONAGEM DO LIVRO “PEGADAS NA VILA” pressupõe a aceitação desse regulamento, por parte do concorrente, cedendo o ganhador, os direitos autorais e autorizando o uso de seu nome e de sua imagem no material de divulgação do resultado e inclusão do seu nome nos próximos livros da autora, sem ônus para a mesma, desde que autorizado por um responsável.

As fichas participantes e não premiadas serão incineradas.

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Para Conhecer o Parque Educativo Vila Encantada, Acesse o Site: www.vilaencantada.com.br
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FICHA DE INSCRIÇÃO

NOME DA PERSONAGEM
NOME DA CRIANÇA
DATA NASCIMENTO
ENDEREÇO
CIDADE/UF/CEP
E-MAIL
NOME RESPONSÁVEL
CPF RESPONSÁVEL
ASS. RESPONSÁVEL

Fonte:
email enviado por Neida Rocha

sexta-feira, 28 de setembro de 2018

Joaquim de Melo Freitas (Livro D’Ouro da Poesia Portuguesa vol. 5) V


BARCAROLA

«Corre, voa, borboleta, vai graciosa
Libar ondas de néctar delirante
A anêmona cingir, o lírio, a rosa
Com a asa fugitiva, coruscante.

«Vai sôfrega d'amor e sê ditosa.
Dá-se no céu um caso semelhante
Quando estrelas em noite vaporosa
Se abismam n'uma queda extravagante.

«Vai mariposa, a chama te fascina
Na aresta do ludibrio, como esfinge
Em deserto d'areia cristalina.»

Calam-se as vozes; picam-se as amarras;
A gôndola desliza e o mar atinge
Ao som dos bandolins e das guitarras.

BRIC-À-BRAC

O dono miserável da locanda
O “brocanteur” terrível, sanguinário
Agoniza n'um catre solitário
D'uma alcova minúscula, execranda.

Afinca as mãos convulso n'um rosário,
Ao céu a vida, súplice, demanda,
N'uma imagem de Cristo veneranda
Crava os olhos de abutre, de corsário.

Pois apesar das lágrimas-remorsos
Das vítimas do seu medonho trama
Ruins fantasmas de lívidos escorços.

Nos paroxismos vende, além da cama,
O Cristo a um judeu, e em vis esforços
A alma entrega a Satã, que lh'a reclama.

PAISAGEM

O sol adormecera no horizonte;
As nuvens em retalhos sonolentos,
Parecem nos bizarros tons cinzentos
O grupo despenhado de Phaetonte.

O riacho desliza ao pé do monte
Em frequentes e turgidos lamentos;
A philomela ensina o canto aos ventos
No chorão, que murmura junto á fonte.

A várzea rescende à laranjeira!
Da catedral nas frestas em ogiva
Um rancho d'andorinhas s'enfileira;

E nas trevas soluça a sombra esquiva
Do coveiro, que planta uma roseira
Onde jaz a venal filha adotiva.

"VAE VICTIS"

Rasga sacrílego a amplidão celeste
Um milhafre com azas pardacentas
E a cotovia harmoniosa investe
Armando as garras torpes e cruentas.

Negro como o letargo do cipreste,
Rosna o vento nas franças macilentas,
O sol dardeja n'um palor agreste
Que entusiasma as nuvens corpulentas.

A luz crua p'lo espaço se derrama,
Engrossam os trovões em alcateia,
Rutila do corisco a alegre flama.

A presa que o milhafre saboreia
É o emblema do fraco, o velho drama
Que o sistema do mundo patenteia.

EPISÓDIO BALNEAR

N'uma “soirée” heroica, ígnea e linda
Jurara o fulvo Arthur até à morte
Ser da formosa e pudibunda Olinda
Chumbando a ela p'ra sempre a sua sorte.

Por ela ao inferno iria, o mar ainda
Beberia d'um trago! Ela é seu norte,
Meiga estrela de lúcido transporte,
Palpitante de rubra graça infinda.

De manhã cedo a nossa "Julieta"
Desce nas crespas vagas a banhar-se
Mascarada n'um fato de baeta,

E quando grita prestes a afogar-se,
Chega "Romeu", exibe uma gorjeta,
Mas não vai lá, que teme constipar-se.

“REISCHOFFEN”
6 de Agosto de 1870.

Desfraldam-se estandartes e trombetas,
Ouve-se o crepitar da espingarda;
Quando o canhão rouqueja á retaguarda
Cintila a larga messe das baionetas.

As couraças protegem a vanguarda,
Dos capacetes pousam nas facetas
As crinas marciais, vermelhas, pretas,
Com expressão terrível e galharda.

Bonnemain determina a voz de carga:
Os estribos tilintam, fulge a espada,
Debalde a morte os esquadrões embarga.

N'esta luta ciclópica, gigante,
O exercito francês em retirada
Teve assomos d'heroísmo deslumbrante.

Fonte:
Joaquim de Melo Freitas. Garatujas. 
Aveiro/Portugal: Imprensa Commercial, 1883

Antonio Brás Constante (Engarrafamentos [sem álcool])


Quer conhecer um pedaço do inferno? É fácil (você nem precisa fazer um pacto com o “Tinhoso” para saber como é), basta sair com o seu automóvel e ficar preso em algum engarrafamento. Entramos nos engarrafamentos como alguém que entra em uma garrafa, pois os dois casos acabam sendo um porre. Diferentes de um drinque, que pode ser destilado, os engarrafamentos são amontoados de carros deste lado, daquele lado, de todos os lados. Você fica ali parado, preso naquele lugar por um longo tempo, sentindo-se como um vinho que fica em uma adega para ser envelhecido, porém, ao contrário do vinho, aquela situação não melhora os seus atributos ou lhe faz uma pessoa mais doce e especial; ao contrário, a única coisa que consegue é deixá-lo extremamente azedo.

Os engarrafamentos, assim como as bebidas, nos deixam em uma situação complicada aos olhos de nossos empregadores, que não gostam de funcionários cheirando a álcool, do mesmo modo que não gostam de funcionários chegando atrasados. Seu veículo acaba se transformando em uma garrafa de luxo (pois, novo ou velho, ele ainda custa uma bela grana), onde nesta metáfora você é o líquido ali aprisionado, molhado, suado e exalando o odor de sua própria transpiração. Louco para “vazar” dali. Se pudesse escolher, iria preferir virar um pouco de uísque em um copo para beber, em vez de ter que ficar literalmente “virando roda” na estrada.

Nessas horas, lembra da frase onde orientam: “se beber não dirija”, e fica pensando que o engarrafamento causa o mesmo efeito, pois o impede de dirigir, de seguir o seu caminho. Atrapalhando sua vida. Trazendo sentimentos de frustração, impaciência e raiva, que são servidos de forma seca para você. Sem direito sequer a umas pedrinhas de gelo e rodelas de limão.

Somos pequenas gotas humanas dentro dos engarrafamentos. Somadas a uma infinidade de outras gotas que se encontram na mesma situação que a nossa, esperando o trânsito fluir, para enfim seguirem suas vidas, e quem sabe acharem um rumo melhor para seus destinos do que aqueles reservados para as tais bebidas em nosso organismo.

Fonte:
Constante, Antonio Brás.  Hoje é o seu aniversário! “Prepare-se” : e outras histórias. 
Porto Alegre, RS : AGE, 2009.

terça-feira, 25 de setembro de 2018

Olivaldo Júnior (Com a mala cheia de livros*)


Escrever é também abençoar uma vida que não foi abençoada.
Clarice Lispector

Pelas ruas, com a mala cheia de livros, acho que pareço um fugitivo de minha própria vida, clandestina essência que me habita e me transmuta em ser. Sou o quê? Poeta, escritor, ensaísta? Não, acho que não sou nada disso. Mas, na instância de tentar fugir com a mala cheia de livros, me livro um pouco de mim, do eu que não tem gostado de ser eu. Eu, que me revisto de palavras, me disfarço com poesia, me refaço a cada letra e melodia, eu mesmo.

Ninguém sabe que, dentro da mala, do oco sem fundo, um mundo, moinho, gira e gera um novo mundo em si. A mala, cheia de livros, denota que um dia eu lerei o que ela contém. Ainda que tenha mais livros do que tempo para ler. “Mas quem quer mesmo sempre acha tempo para tudo...”, dirão alguns, talvez você. Mas careço de tempo. Aliás, não só de tempo, mas de um ser que o administre de forma a fazer meu dia caber em mim, em minha vida.

Abençoado pela mala cheia de livros, que os ganhei, meio que pedi, não vou para casa de pronto. Antes, vou à Oração, quem sabe, só pelo gosto de andar mais um pouco nas ruas com a mala nas mãos, como a exibir seu obscuro conteúdo por aí. Clarice escrevera: Escrever é também abençoar uma vida que não foi abençoada. Carrego, então, o peso da bênção esta noite nas mãos. Ninguém sabe que a mala está cheia de livros. Mas eu, meu ser, ele sabe.
____________________
Nota:
* Escrito ao som de Tocando em frente, canção de Almir Sater e Renato Teixeira, na voz de Maria Bethânia.

Fontes:
Texto enviado pelo autor 

Vivaldo Terres (Poemas Escolhidos) V


PRIMAVERA III

Primavera das estações és a mais bela,
Com teu olhar extremamente lindo,
Com teu sorriso, nunca esquecido,
Que nunca foi, e não será fingido.

Quando chega setembro...
Já começo a te esperar.
Pois sei que é nesse mês que voltas,
Voltas a nos encantar!
Não só com a beleza que trazes para a terra,
Como também a do mar.

Com teus jardins floridos,
Aqui ou, em outro lugar.
Ou mesmo com o teu perfume,
Começam a nos deslumbrar.
Mostrando que na verdade...
Igual a ti outra não há.

AMOR PROFUNDO

Quantas saudades
Que me fazem lembrar
Daquela que me disse:
- Eu te amo!
Nunca vou te ferir
Trazendo inseguranças e desenganos

Pois eu te amo
Com amor profundo
Meu coração por ti
Ele enlouquece
Minha alma então
Se enche de alegria
E de ti jamais esquece

Na verdade isso acontecia
Ela era todo carinho e ternura
Que alma doce
Ela possuía

Mas infelizmente aconteceu
O que nem eu nem ela preferiríamos
Numa noite ao amanhecer
Ela passou mal
E suas últimas palavras
Foram essas:
- Sei que vou partir
Mas onde estiver
Estarei sempre pensando em ti

CADA VEZ MAIS BONITA

Quando te vejo sorrindo,
Sinto-me realizado revigora.
Minh’ alma e o coração se agitam,
E passo a ver-te cada vez mais bonita.

Que prazer que alegria,
Quando te vejo contente.
A nossa casa que parecia sombria,
Volta a sorrir novamente.

Tudo porque voltaste, a ter felicidade.
Graças a Deus...
 Que essa infelicidade foi passageira.
Antes éramos infelizes,
E hoje somos felizes a semana inteira.

COM CERTEZA

Quando te vejo com esses olhos tristes,
Pois nascestes para ser feliz.
Porque sofrer por um amor distante!
 Que só te trás magoas e desilusões.

Esquece esse amor sem esperança,
Segue em frente sem desfalecer.
 Sempre buscando alternativas,
 E a vida te ajudará a esquecer.

Procura analisar teus sentimentos,
E verás que tens tudo que almejas...
Segue adiante pensando em Jesus,
Que cedo ou tarde a vitória virá...
Com certeza.

ETERNAMENTE APAIXONADO

Só tu que me fazes esquecer,
Aquele amor de outrora.
Faz tanto tempo,
Que isso passou.
Desde os tempos de escola.
Ela era linda apesar de adolescente,
Vivia alegre e sorria a toa.
Com seus olhos belos...
E sua tez bem clara.
Igual a ela,
Não conheci outra pessoa

Adolescentes iguais a mim.
Vivíamos encantados,
Todos nos queríamos.
Que ela nos desse um sorriso,
Um beijo ou qualquer...
Outro agrado.

Mas ela sempre,
Não nos dava esperanças.
Mesmo assim apesar de tudo,
Um dia que foi maravilhoso.
Ela não sorriu
Perguntou-me:
- Queres ser o meu namorado?
Desde aquele dia...
Eu me tornei eternamente apaixonado

Fonte:
Poemas enviados pelo poeta

segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Gabriela Pais (Amanhã)

Pintura de Fátima Marques (São Paulo/SP)

Amanhã será outro dia fluente,
mais um dia a pensar no futuro
que se vislumbra rio poluente,
na esperança de melhor auguro.

Poderá vir a ser um amanhã triste
com nuvens dispersas acinzentadas,
contudo o bem confiante resiste,
em águas límpidas dinamizadas.

Através das letras, dizer em verso,
que a paz é uma camena luminosa,
é amor que vem dimanar o universo.

Brotem flores na primavera ditosa
e as mentes pra quem o bem é reverso,
a alma esperte e amanheça virtuosa.


Amanhã! Um dia em que o sol nasce e nos traz novas probabilidades. É sempre esperada como se fosse o início de um novo caminho, em que surgem flores nas suas margens, dando vigor a cada mente, para que cada jornada seja repleta de êxito. Uma caixa de oportunidades e a esperança acrescida que alguma realidade ocorra na vida e que seja de melhor atributo para a geração futura, cada escolha abre um novo percurso humano, que às vezes se torna difícil, mas jamais se deve perder o alento, da dádiva do amanhã. 

O amanhã pode ser visto por vários prismas, onde os interesses extrapolam a razão. Viver nas cidades, onde por vezes falta a preocupação moral e nas aldeias e vilas aonde ainda se respira um pouco de amor e respeito. Tudo é um cesto carregado de emoções, em que cada ser necessita um pouco de amor e compreensão para poderem vislumbrar que os espera um amanhã auspicioso.

Nas cidades, em que a existência de lugares onde se erguem barracas sem condições de vivência, bairros onde também se levantam prédios em cimento armado que crescem hirtos e dormentes, estes resultado do progresso que brota por vezes sem qualquer conexão, transformam-se em sítios vazios, solitários e amorfos. 

Civilizações com um padrão de convivência citadina diferenciada devido a várias características, tais como religiosas e culturais entre outras, onde os interesses econômicos, a ganância, a inveja, a malvadez e outros vícios, onde impera a falta de emprego, de interesses, abandono escolar e familiar, fomentam a perversão. Quem dera que surgissem com céu aberto raiado de sol, uma paz áurea para as famílias, poderem ser detentoras de uma existência condigna e assim fruírem de dias mais resplandecentes.

Quem dera que o amanhã despertasse risonho na esperança de que os poderosos, os mandantes, possuíssem liberdade de estro, para se inspirarem e lutarem por um mundo de paz, onde progredisse a dignidade, onde houvesse nobreza de espírito, ética, honra, hoje em dia valores morais tão esquecidos. Que vivessem e pensassem no amanhã...Pois estão a perder o sentido do que será a vida futura de filhos e netos. Poderão, não ter um risonho amanhã!

Quem dera que cada amanhã fosse uma cascata de água límpida vinda da serra. Ouvir o murmurar nascido do lavar das pedras onde o líquido mergulha. Uma acalmia, um cantar em balada das folhas, das flores das árvores e dos arbustos, acompanhadas pelo trinado da passarada. 

Terra onde se conheçam as gentes, se cumprimentem dando a salvação quando se encontram, onde ainda existe a entre- ajuda, a compreensão, o respeito e dignidade.

Terra é mãe natureza, deusa da criação, tudo nos dá e vinga a sua destruição. Não a maltratem, não a queimem, não a decepem. O nosso amanhã nascerá todos os dias, distribuindo amor, cultivando o bem, respeitando o alvorecer do amanhã.

Sempre haverá um amanhã, se acordarmos. Bom... Mau, depende muito das circunstância da vida e da maneira como encaramos os desafios a que somos sujeitos.

Não se quer um paraíso, mas um lugar onde impere o respeito por tudo quanto é vivo, um lugar aprazível, sem receios, apenas pensar e sentir que existe um amanhã!

Fonte:
Gabriela Pais (Portugal)

quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Cidoca da Silva Velho (Álbum de Trovas)


1
A aurora – incêndio de rosas –
noiva astral de um belo dia,
faz das nuvens vagarosas
sua corte em romaria.
2
A mulher nunca se cansa,
sonda o arcano mais profundo...
A mão que um berço balança
é a mão que governa o mundo.
3
Ao ouvir a serenata,
em devaneios tristonhos,
vem a saudade e desata
dentro de mim velhos sonhos!
4
Ao pranto e ao riso se alinha
a chuva de vez em quando.
Cai chorando e faz festinha
nos beirais, tamborilando.
5
A seresta enluarada,
velhos tempos despertando,
faz da saudade uma estrada
por onde sigo cantando…
6
A trova, tão minha amiga,
eu levo para onde for;
e vou, com minha cantiga,
disfarçando a minha dor.
7
Batalho, mas mil fracassos
me abatem sempre ao rever-te.
Como encontrar em teus braços
coragem para esquecer-te?
8
Cada minuto que passa,
encurtando a nossa vida,
nos leva ao porto que traça
nossa grande despedida.
9
Cai a noite, escura e fria
e a Fé, que sempre nos fala,
nos aponta um novo dia
e os nossos sonhos embala.
10
Das emoções que eu revejo,
uma em pranto se reveste:
a que ficou no desejo
do beijo que não me deste.
11
Do nosso amor fracassado,
às lembranças eu me enlaço,
embalando o meu passado
na ternura de um abraço.
12
Dos meus sonhos, na distância,
o meu veleiro veloz
navega ainda na infância,
numa casquinha de noz.
13
Em vigília, em noite calma,
a espera nunca me anseia:
na janela de minha alma
mantenho acesa a candeia.
14
Fogo sagrado que aviva,
todo amor em doação
é uma lâmpada votiva
no templo do coração.
15
Foi tudo inútil, suponho!
Brigamos nem sei por quê...
Marco encontro com o sonho
e quem encontro? – Você!
16
Folhas mortas, no abandono,
numa tarde esmaecida,
vêm lembrar o triste outono
dos sonhos de minha vida.
17
Folhas secas vão rolando.
O ocaso é um palco tristonho
que aos poucos vai se fechando
sobre as cinzas do meu sonho!
18
Há estrelas por toda parte:
no céu, na terra, no mar...
E descubro, ao contemplar-te,
mais duas no teu olhar.
19
Hoje esqueço as ampulhetas
do tempo, nos torvelinhos...
Quero a paz das violetas
que se ocultam nos caminhos.
20
Horas mortas! Plena noite!
Entre o sonho e a realidade,
a tua ausência é um açoite
no vendaval da saudade!
21
Mais vale a luz da quimera,
que ilumina uma esperança,
que os sonhos mortos da espera,
na penumbra da lembrança.
22
Mãos de mãe, envelhecidas
pelo labor que enobrece,
são como conchas unidas
pelo labor de uma prece.
23
Mar revolto, se agitando,
lembra a vida em seu passar...
Sou veleiro flutuando,
me equilibrando no mar.
24
Mesmo em contraste na vida,
na dor, a fé nos irmana.
A luz do sol tem guarida
no palácio ou na choupana.
25
Meu filho, quando eu te enlaço
nos meus braços, que ventura!
Sempre és pequeno e eu me faço
teu abrigo de ternura.
26
Não diga adeus! Vai seguindo...
Nesta ilusão que me embala,
deixe a saudade dormindo,
é cedo para acordá-la!
27
Não faças da lealdade
sentimento assim a esmo...
Como início de verdade,
sê leal contigo mesmo.
28
Neste bailado das horas,
no longo espaço da espera,
pergunto: Por que demoras,
se é tão curta a primavera?
29
Neste silêncio das horas
dentro da noite tranquila,
minha alma é o resto de auroras
que pela noite desfila.
30
No berço meu filho dorme,
entre nuvens de cetim;
e numa ternura enorme
sinto o céu bem junto a mim.
31
No deslize descuidado,
ainda que reste o amor,
reflete o cristal trincado,
que perdeu o seu valor!
32
No meio termo acharemos
a virtude, a temperança...
Porque jamais nos extremos
fica o fiel da balança!
33
Nosso encontro... A convivência...
E do amor a descoberta
foi a mais linda sequência
que esta saudade desperta.
34
Num mar em trevas, sem lua,
pedindo aos astros clemência,
minha saudade flutua
abraçada à tua ausência.
35
Os meus sonhos... Não me iludo,
são castelos já sem portas,
mostrando a saudade em tudo,
abrigo das horas mortas.
36
O tempo é lento na espera,
longo, se uma dor persiste,
é breve numa quimera...
para quem ama, inexiste!
37
Para enfeitar seu declínio,
o sol – andarilho louro –
faz do crepúsculo escrínio
onde guarda nuvens de ouro.
38
Quando de mim te aproximas,
com semblante sonhador,
minha alma flutua em rimas,
compondo versos de amor.
39
Que as flores da liberdade
se alteiem pelo caminho,
para ocultar a maldade
do marco de um pelourinho.
40
Se na estrada percorrida,
sangrei os pés, a chorar,
que importa? O encanto da vida
não é viver, é sonhar.
41
Sorri sempre, pois que a vida
é um espelho, e onde estiveres,
vai refletir, na medida,
a cara que tu fizeres.
42
Toda essa felicidade
que procuras por aí,
encontrarás na verdade,
dentro, bem dentro de ti.
43
Toda mãe é para o filho
como a luz que se propaga:
só se avalia o seu brilho
quando a luz, por fim, se apaga!
44
Trago sempre a alma em festa,
que importa se a noite é fria...
faço da trova seresta
embalando a fantasia!
45
Tu mentes e eu te proponho
que continues mentindo,
pois alimentas meu sonho
e eu finjo que estou dormindo...
46
Tu vives no teu mirante;
e eu, na saudade, em açoite,
quero ser, mesmo distante,
uma estrela em tua noite.
47
Uma velhice bem-vinda,
de virtudes enfeitada,
lembra a tarde calma e linda
com fulgores de alvorada!
48
Vencendo o fragor da lida,
à tarde, em que a luz desmaia,
sou como a areia batida,
que se faz duna na praia.
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Cidoca da Silva Velho (1920 – 2015)

Maria Campos da Silva Velho, a Cidoca da Silva Velho, nasceu em São Luiz do Paraitinga (SP) em 15 de agosto de 1920, filha de Joaquim Pereira de Campos e Maria Theodora Pereira de Campos, de descendência portuguesa, era sobrinha/neta de duas baronesas e prima do Barão de Paraitinga. Foi Funcionária Pública (Escriturária) da Fazenda do Estado de São Paulo. Era viúva de Renê da Silva Velho (coronel da Polícia Militar do Estado de São Paulo, advogado, poeta, escritor, professor de Inglês e Francês), com quem teve dois filhos – Marcelo Campos da Silva Velho (Engenheiro) e Maurício Campos da Silva Velho (Juiz de Direito). Escritora bastante ativa, Cidoca conquistou diversos prêmios literários, bem como pertenceu a entidades literárias: Academia Pindamonhangabense de Letras, Academia de Letras de Campos do Jordão e União Brasileira de Trovadores – Seção Santos. Faleceu em 07 de maio de 2015, aos 94 anos, em Jundiaí/SP, sendo sepultada no Cemitério Nossa Senhora do Desterro, no centro da cidade.

Produção literária:
Esteira de Luz - Poesia: 
Cantigas do Entardecer - Trovas, 
Martins Fontes, sua vida e obra em versos e prosa
Entardecer – Poesia. 
O Águia de Haia.

Fonte:
União Brasileira de Trovadores de Porto Alegre - RS. 
Trovas de Pedro Melo e Cidoca da Silva Velho. 
Coleção Terra e Céu vol. XCVII. Porto Alegre/RS: Texto Certo, 2016.

Vinicius de Moraes (O Casamento da Lua)


O que me contaram não foi nada disso. A mim, contaram-me o seguinte: que um grupo de bons e velhos sábios, de mãos enferrujadas, rostos cheios de rugas e pequenos olhos sorridentes, começaram a reunir-se de todas as noites para olhar a Lua, pois andavam dizendo que nos últimos cinco séculos sua palidez tinha aumentado consideravelmente. E de tanto olharem através de seus telescópios, os bons e velhos sábios foram assumindo um ar preocupado e seus olhos já não sorriam mais; puseram-se, antes, melancólicos. E contaram-me ainda que não era incomum vê-los, peripatéticos, a conversar em voz baixa enquanto balançavam gravemente a cabeça. É que os bons e velhos sábios haviam constatado que a Lua estava não só muito pálida, como envolta num permanente halo de tristeza. E que mirava o Mundo com olhos de um tal langor e dava tão fundos suspiros - ela que por milênios mantivera a mais virginal reserva – que não havia como duvidar: a Lua estava pura e simplesmente apaixonada. Sua crescente palidez, aliada a uma minguante serenidade e compostura no seu noturno nicho, induzia uma só conclusão: tratava-se de uma Lua nova, de uma Lua cheia de amor, de uma Lua que precisava dar. E a Lua queria dar-se justamente àquele de quem era a única escrava e que, com desdenhosa gravidade, mantinha-a confinada em seu espaço próprio, usufruindo apenas de sua luz e dando azo a que ela fosse motivo constante de poemas e canções de seus menestréis, e até mesmo de ditos e graças de seus bufões, para distraí-lo em suas periódicas hipocondrias de madurez.

Pois não é que ao descobrirem que era o Mundo a causa do sofrimento da Lua, puseram-se os bons velhos sábios a dar gritos de júbilo e a esfregar as mãos, piscando-se os olhos e dizendo-se chistes que, com toda franqueza, não ficam nada bem em homens de saber... Mas o que se há de fazer? Frequentemente, a velhice, mesmo sábia, não tem nenhuma noção do ridículo nos momentos de alegria, podendo mesmo chegar a dançar rodas e sarabandas, numa curiosa volta à infância. Por isso perdoemos aos bons e velhos sábios, que se assim faziam é porque tinham descoberto os males da Lua, que eram males de amor. E males de amor curamse com o próprio amor - eis o axioma científico a que chegaram os eruditos anciãos, e que escreveram no final de um longo pergaminho crivado de números e equações, no qual fora estudado o problema da crescente palidez da Lua.

Virgens apaixonadas, disseram-se eles, precisam casar-se urgentemente com o objeto de sua paixão. Mas, disseram-se eles ainda, o que pensaria disso o desdenhoso Mundo, preocupado com as suas habituais conquistas? O problema era dos mais delicados, pois não se inculca tão facilmente, em seres soberanos, a ideia de desposarem suas escravas. Todavia, como havia precedentes, a única coisa a fazer era tentar. Do contrário operar-se-ia uma partenogênese na Lua, o que seria em extremo humilhante e sem graça para ela. Não. Proceder-se-ia a uma inseminação artificial e, uma vez o fato consumado, por força haveria de se abrandar o coração do Mundo.

E assim se fez. Durante meses estudaram os homens de saber, entre seus cadinhos e retortas, e com grande gasto de papel e tinta, o projeto de um lindo corpúsculo seminal que pudesse fecundar a Lua. Um belo dia ei-lo que fica pronto, para gáudio dos bons e velhos sábios, que o festejaram profusamente com danças e bebidas tendo havido mesmo alguns que, de tão incontinentes, deixaram-se a dormir no chão de seus laboratórios, a roncar como pagãos. Chamaram-no Lunik, como devia ser. E uma noite, em que o Mundo agitado pôs-se a sonhar sonhos eróticos, subitamente partiu ele, o lindo corpúsculo seminal, sequioso e certeiro em direção à Lua, que, em sua emoção pré-nupcial, mostrava com um despudor desconhecido nela as manchas mais capitosas de seu branco corpo à espera. Foi preciso que o Vento, seu antigo guardião, escandalizado, se pusesse a soprar nuvens por todos os lados, com toda a força de suas bochechas, para encobrir o firmamento com véus de bruma, de modo a ocultar a volúpia da Lua expectante, a altear os quartos nas mais provocadoras posições.

Hoje, fecundada, ela voltou finalmente ao céu, serena e radiosa como nunca a vira dantes. Pela expressão com que me olhou, penso que já está grávida. Ou muito me engano, ou amanhã deve estar cheia.

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