terça-feira, 18 de junho de 2024

Vereda da Poesia = 37 =


Trova Humorística, de São João de Meriti/RJ

CLEBER ROBERTO DE OLIVEIRA

Os passarinhos da praça
não podem nem ver um calvo:
- Na careca de um que passa
praticam... "titica ao alvo"!
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Soneto do Rio de Janeiro

AGRIPPINO GRIECO 
Paraíba do Sul/RJ, 1888 – 1973, Rio de Janeiro/RJ

Copo de Cristal

Naquele quarto estreito e abandonado,
onde passo estirado na rede,
horas de tédio, enquanto o sol despede
as setas de ouro sobre o campo ao lado,

esquecido num canto, e, da parede
junto, entre flores, vasos, e um bordado,
há um velho copo de cristal lavrado,
em que, às vezes, aplaco a dor da sede.

Contam-me que esse copo pertencera
outrora a uma esquisita e romanesca
jovem, que nele muita vez bebera.

E ainda hoje a extravagar – cabeça louca ! -
se ao lábio o levo, sinto na água fresca
o perfume e o sabor daquela boca...
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Aldravia de Belo Horizonte/MG

ÂNGELA FONSECA

lápis
sobre
papel
tessitura
de
ideias
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Soneto de São José do Egito/PE

VINÍCIUS GREGÓRIO

Eu e o Galo de Campina

Triste sina de um Galo-de-Campina
Que era alegre bem antes da prisão,
Mas foi preso nas grades do alçapão
E hoje chora no canto a triste sina.

Eu também tive a sina repentina,
Pois um dia fui livre e hoje não.
Na tristeza, esse Galo é meu irmão:
Minha sina da dele é copia fina.

Hoje a casa do Galo é a gaiola.
Notas tristes no canto é que ele sola.
A saudade do Galo - a vastidão.

O meu canto é um canto de lamento.
A gaiola é o meu apartamento.
E a saudade que eu sinto é do sertão.
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Trova Premiada em Rio Novo/MG, 1988

ABIGAIL DE ARAÚJO LIMA RIZZINI 
Nova Friburgo/RJ

Perco a calma se demoras...
Mas chegas e, ao te abraçar,
quisera reter as horas...
fazer o tempo parar...
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Poema do Rio de Janeiro/RJ

CECÍLIA MEIRELES
(Cecília Benevides de Carvalho Meireles)
1901 – 1964

Fantasma

Para onde vais, assim calado,
de olhos hirtos, quieto e deitado,
as mãos imóveis de cada lado?

Tua longa barca desliza
por não sei que onda, límpida e lisa,
sem leme, sem vela, sem brisa...

Passas por mim na órbita imensa
de uma secreta indiferença,
que qualquer pergunta dispensa.

Desapareces do lado oposto
e, então, com súbito desgosto,
vejo que teu rosto é o meu rosto,

e que vais levando contigo,
pelo silencioso perigo
dessa tua navegação,

minha voz na tua garganta,
e tanta cinza, tanta, tanta,
de mim, sobre o teu coração!
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Quadra Popular

Acordei antes da aurora
dando suspiros por ti,
suspirei o dia inteiro,
suspirando adormeci.
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Soneto de Curitiba/PR

PEDRO SATURNINO
Cabo Verde/MG, 1883 – 1953, Curitiba/PR

Cavalo Pampa

Devo contar (naturalmente em rima)
que também tive o meu cavalo pampa,
de muita fibra, de bonita estampa,
em que eu montava para ver a prima.

O soberbo animal de minha estima,
que bem marchava pela estrada escampa,
ao pé da casa dela, numa rampa,
estralava as ferragens rua acima.

Adivinhando que eu gostava dela,
com tal força batia as ferraduras,
que ela vinha postar-se na janela.

E eu lograva da flor do lugarejo,
das mais belas e gentil das criaturas,
um sorriso de amor melhor que um beijo! 
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Trova de Juiz de Fora/MG

GERALDA ARMOND

A saudade é simplesmente,
um claro espelho encantado,
mira-se nele o presente
e ele reflete o passado.
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Poema de Goiás

CORA CORALINA
(Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas)
Cidade de Goiás/GO, 1889 – 1985, Goiânia/GO

Mãe

Renovadora e reveladora do mundo
A humanidade se renova no teu ventre.
Cria teus filhos,
não os entregues à creche.
Creche é fria, impessoal.
Nunca será um lar
para teu filho.
Ele, pequenino, precisa de ti.
Não o desligues da tua força maternal.
Que pretendes, mulher?
Independência, igualdade de condições...
Empregos fora do lar?
És superior àqueles
que procuras imitar.
Tens o dom divino
de ser mãe
Em ti está presente a humanidade.

Mulher, não te deixes castrar.
Serás um animal somente de prazer
e às vezes nem mais isso.
Frígida, bloqueada, teu orgulho te faz calar.
Tumultuada, fingindo ser o que não és.
Roendo o teu osso negro da amargura.
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Haicai de Santos/SP

SONIA ADARIAS SOARES BRUNO

Velho cão se encolhe
E o dono divide a colcha –
Inverno na rua.
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Sextilha de Porto Alegre/RS

MILTON SEBASTIÃO SOUZA
Porto Alegre/RS, 1945 – 2018, Cachoeirinha/RS

Quando somo, na vida, o meu total,
reconheço, queria fazer mais...
Muitas vezes meu passo foi pequeno,
outras vezes, tremi nos temporais...
Mesmo assim, fiz bastante, e agora eu sei
dar amor, pois amor nunca é demais...
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Trova de Santos/SP

CLÁUDIO DE CÁPUA
São Paulo/SP, 1945 – 2021, Santos/SP

A inspiração lembra um sonho...
As trovas, para escrevê-las,
basta querer, eu suponho,
e chegamos às estrelas.
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Glosa de Catanduva/SP

ÓGUI LOURENÇO MAURI

MOTE: 
Tu vieste qual guarida
dando sentido ao meu passo.
E passaste em minha vida
qual nuvem, sem deixar traço. 
J. B. Xavier 
São Paulo/SP
 
GLOSA: 
Tu vieste qual guarida 
desde o Plano Superior; 
antes mesmo de nascida, 
incrustavas-me de amor. 

Filha amada, tu chegaste 
dando sentido ao meu passo. 
Eu nem sentia o desgaste 
diante de algum embaraço. 

Por força preconcebida, 
deixaste-me abruptamente. 
E passaste em minha vida 
qual um raio, de repente... 

Não me cabe lamentar, 
esse rude descompasso, 
pois tinhas que aqui passar 
qual nuvem, sem deixar traço.
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Aldravia de Belo Horizonte/MG

GILBERTO MADEIRA PEIXOTO

luz
divina
Deus
assiste
minha
alma
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Soneto de Maceió/AL

GUIMARÃES PASSOS
(Sebastião Cícero dos Guimarães Passos)
Maceió/AL, 1867 – 1909, Paris/França

Teu lenço

Esse teu lenço que possuo e aperto
De encontro ao peito quando durmo, creio
Que hei de mandar-t'o um dia, pois roubei-o,
E foi meu crime em breve descoberto.

Luto, porém, a procurar quem certo
Pode servir-me nisto de correio;
Tu nem sabes que grande é o meu receio
Se em caminho te fosse o lenço aberto...

Porém, ó minha vívida quimera.
Fita as bandas que eu moro, fita e espera,
Que enfim verás, em trêmulos adejos,

Em cada ponta um beija-flor pegando.
Ir pelo espaço o lenço teu voando
Pando, enfunado, côncavo de beijos.
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Trova Premiada de Santos/SP

EDNA GALLO

Mensageira tão formosa
é a trova em rimas de amor,
que leva o aroma da rosa
de um coração trovador!
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Poema de Tambaú/SP

SEBAS SUNDFELD
Pirassununga/SP, 1924 – 2015, Tambaú/SP

Dilema

O coração é uma taça para a festa da vida.
Com ela comemoramos, na embriaguez da euforia,
os esplendores das pompas, o riso da alegria,
a glória encantada dos amores.
Mas o fazemos com tamanha ansiedade,
com tanto medo
de ver a festa em breve terminar,
que, ao fim, quando brindamos à Felicidade,
que um dia há de chegar,
temos cansado o coração
e a taça está vazia.
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Triverso de Curitiba/PR

ÁLVARO POSSELT

portabilidade

A vida é duradoura
Pra falar com Deus
só com outra operadora
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Spina de São Paulo/SP

SOLANGE COLOMBARA

O Medo

Sucinto, te sinto
às vezes silente
em raro decanto

ou pressinto teu mavioso canto.
Um instinto quase animal revela
teu êxtase, em peculiar encanto.
Escorres por minhas frestas em
ecos, és o labirinto sacrossanto.
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Trova de Maringá/PR

A. A. DE ASSIS

Escravo da liberdade,
sem ela não sei viver.
– Abaixo a corrente, a grade,
tudo quanto anule o ser!
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Dobradinha Poética de Bandeirantes/PR

LUCÍLIA ALZIRA TRINDADE DECARLI

Reminiscência

O joão-de-barro, a paineira,
e a casinha, ali construída…
Na infância, sobremaneira,
deram-me exemplo de vida!

''São Carlos"... Era o nome da fazenda,
com primaveras, pássaros, paineira...
O cafezal em flor, cena estupenda:
— recordação para uma vida inteira!

No terreirão, na grama em verde renda
- eu com dez anos –, quanta brincadeira!
Na casa simples, mesa com merenda;
dali se via o véu da cachoeira!...

Lembro o balanço no chorão... — Saudade!
Naquele pasto o gado em liberdade;
farto pomar, coqueiro carregado...

Apenas meses e eu nunca esqueci,
da infância a fase que passei ali:
— um tempo mágico do meu passado!
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Poetrix de Paranavaí/PR

RENATO FRATA

Ocasião

Carente e "pidoncha",
a gripe se aninhou
no meu ninho.
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Soneto de Joaçaba/SC

MIGUEL RUSSOWSKY
(Miguel Kopstein Russowsky)
Santa Maria/RS, 1923 – 2009, Joaçaba/SC

A Vida é Urgente

Se sabes que te quero e sou por ti bem quisto,
o “depois” não importa. O tempo nos dirá.
Viver!... Sentir o amor, é urgentíssimo já!
Não somes ao anseio uma descrença, insisto!

Felicidade... Instante azul!... Apenas isto.
Deixa então, o porvir, às leis do “Deus dará”.
Não penses que o amanhã necessite alvará
para dar luz ao sol, se tudo está previsto.

Aproveitemos agora os encantos da vida,
antes que o fado hostil os sonhos desarrume,
ou às desilusões os teus enganos somes!

A existência esvai-se em célere corrida...
Um dia eu serei pó e tu serás perfume
e o vento soprará sem lembrar nossos nomes.
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Trova Humorística de São Paulo/SP

THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA

Cai no trilho e a triste sina
maldiz tanto o beberrão...
“Essa escada não termina
e é tão baixo o corrimão!”
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Poema de Portugal 

EUGÉNIO DE ANDRADE 
(José Fontinhas)
Fundão, 1923 – 2005, Porto

A boca 

A boca,
onde o fogo 
de um verão
muito antigo cintila,
a boca espera
(que pode uma boca esperar senão outra boca?) 
espera o ardor do vento
para ser ave e cantar.

Levar-te à boca,
beber a água mais funda do teu ser 
se a luz é tanta,
como se pode morrer?

Recordando Velhas Canções (Fita amarela)


Compositor: Noel Rosa

Quando eu morrer
Não quero choro, nem vela
Quero uma fita amarela
Gravada com o nome dela

Se existe alma
Se/Que há outra encarnação
Eu queria que a mulata
Sapateasse no meu caixão
(Sapateia, sapateia)

Não quero flores
Nem coroa com espinho!
Só quero choro de flauta
Com violão e/com cavaquinho!
(Quando eu morrer)

Os meus inimigos
Que hoje falam mal de mim!
Vão dizer que nunca
Viram uma pessoa tão boa assim!

Não tenho herdeiros
Não possuo um só vintém!
Eu vivi devendo a todos
Mas, não paguei ninguém!

Quando eu morrer
Não quero choro, nem nada!
Quero ver raiar/ouvir um samba
Ao romper da madrugada!

Quero que o Sol
Não invada o meu caixão!
Para a minha pobre alma
Não vá morrer de insolação!

Estou contente
Consolado por saber!
Que as morenas tão formosas
A terra um dia há de comer!
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A Despedida Irreverente de Noel Rosa
A canção "Fita Amarela" de Noel Rosa é um clássico do samba que reflete a irreverência e a boemia características do compositor. A letra aborda o tema da morte de uma maneira leve e até humorística, algo que vai contra o tom geralmente sombrio e sério que esse assunto costuma evocar. Noel Rosa, conhecido por sua genialidade no samba e por suas letras cheias de duplo sentido e crítica social, utiliza a música para expressar seus desejos póstumos de uma forma peculiar.

No primeiro verso, ele rejeita o luto tradicional e pede por uma fita amarela com o nome de uma mulher gravado, sugerindo um amor marcante ou uma paixão que deseja lembrar mesmo após a morte. A menção à mulata sapateando em seu caixão e o desejo por um samba ao amanhecer em vez de choro e velas, reforçam a ideia de que a vida deve ser celebrada com alegria, mesmo no momento da morte. A música também aborda a relação de Noel com seus inimigos e dívidas, mostrando um certo desapego material e uma aceitação de sua reputação e condição financeira.

"Fita Amarela" é uma obra que desafia a visão convencional da morte, propondo uma celebração da vida e da arte do samba. Noel Rosa, com sua habilidade de composição, transforma o lamento em festa, e a tristeza em celebração, deixando uma mensagem de que a vida deve ser vivida com intensidade e alegria, valores profundamente enraizados na cultura do samba.   (https://www.letras.mus.br/noel-rosa-musicas/78664/

segunda-feira, 17 de junho de 2024

Vanice Zimerman (Tela de versos) 38

 

Geraldo Pereira (Cerejeiras Desfolhadas)

Ainda é madrugada em Tóquio, descubro agora, nesta hora da antecipação de meu despertar, de um levantar mais do que precoce. E um vento frio, gélido, quase, vindo das montanhas distantes, sobretudo da enormidade do Fuji, assobiando a melodia de todos os zunidos, açoita as árvores e parece espantar a noite. Executa, em verdade, a lúgubre musicalidade do recolher dos fantasmas, com o clarear do dia, aos porões dos castelos abandonados, onde antigos casais enamorados, às escondidas dos censores, amaram-se, perdidamente! Ou anuncia, em realidade, o nascer de mais outra manhã de sábado, nesta prolongada estadia em terras nipônicas. É hora, também, de aproveitar o momento, de se deixar mergulhar, com a integralidade do ser, nas reflexões do Eu, para que não se perca um minuto, sequer, da existência humana, tão efêmera, já! À falta de um interlocutor, pois que todos dormem, no hotel e fora dessas acomodações transitórias, exercito o monólogo ou pratico o diálogo virtual do homem só, que enfrenta indesejadas vigílias. Ensaio, pois, perguntas ao léu e eu mesmo as respondo, cumprindo o destino das insônias, de conotações orientais, agora.

Fazendo, então, da vigília a tela da minha única pintura, a qual vou emoldurando assim, com as minhas expressões de neófito, sempre, na literária arte de tomar a inspiração e transbordar o coração. Permito-me, dessa forma, que o imaginário ganhe as asas do lúdico mundo das fantasias e possa bailar na enormidade da criação.

Para quem os galhos das cerejeiras desnudas, ao pé de minha janela, estão dando adeus? Não imagino. Será para o forasteiro ocidental, posto em quarto de hotel, depois de se levantar, a fazer divagações d’alma em torno da parição dos dias? Por certo que não! Ou esses movimentos largos, de braços desfolhados, mas repletos de botões, representam uma esperança de um novo florescer das cores? É isso aí, imagino agora! Com as flores de março, resgatam-se os amores e são banidas as dores para a tumba do nada. As paixões desesperadas, que se mostraram impossíveis aos olhos do mundo, vão ressurgir, espero, no emergir das saudades, sobre um arco-íris enorme de pétalas largadas ao sabor dos ares, que depois hão de flutuar à distância, em mares do sul, onde os afetos e os afagos se encontram. E as sereias, amantes do imaginário poético, abrem os braços e recebem os versos, como se fossem abraços de jovens silentes ou ósculos de maduros senhores, de cabelos prateados e de corpos a vergarem na conta dos anos, apaixonados, ainda. A nudez da sereia é diferente daquela da cerejeira – a sakura dos japoneses –, pois que dura a vida inteira e representa a utopia da beleza feminina, da cintura para cima. 

É preciso perseguir a utopia, buscando, porém, em cada uma das mulheres do mundo, o tanto de sereia que possuem. Ninguém se apresenta ao jogo da vida, desprovida, inteiramente, desses atributos míticos. Aos olhos de cada um emerge a beleza, sempre. Basta olhar e ver. 

E numa dessas nuvens de agora, na madrugada de Tóquio, flutua, entretanto, o poeta, exercitando o verso e arrematando a rima, mais e mais. Inspirando-se no porvir muito próximo das cerejeiras, a florescerem na largueza urbana, vai buscando as cores que marcam os sentimentos todos. Lembra-se do lilás e vincula a mansidão do tom à nostalgia das perdas, sentidas, mas aceitas, enfim! A conformação das rupturas, pois. E de logo vem à mente o amarelo, do ouro que reluz, trazendo de volta a esperança de encontros e de reencontros, do rever, então, de certas faces dos outroras ou de transbordantes carícias, resgatadas, então. Do vermelho, tira o fervor, com o qual um dia amou, loucamente, esmaecendo os arroubos d’alma na paz do róseo, de cuja placidez nascem os carinhos. E o azul? É a tonalidade das serenidades estabelecidas, reflete, enquanto vai colorindo os céus com o grande pincel dos amores, afugentando o cinza do firmamento, ameaçador, em tudo, aos ares do mundo e aos pares, amantes em flor, apartados, muitas vezes, na hora e no momento dos amplexos. 

O que dizer, todavia, do preto? É a ausência de cor, pensou o poeta, a falta completa de esperanças, a entrega do homem às frustrações da vida! Dessa forma, estão as criaturas que acusam os outros por seus fracassos, creditando a terceiros as próprias incapacidades do existir humano. Preenchem o dia-a-dia com a ocupação alheia, julgando o próximo, acusando o semelhante e descuidando de si, sem atentarem para a maior das lições, a que impede a interpretação dos sentimentos, das fragilidades de outrem.

E o dia foi clareando, alumiando o tempo, afugentando fantasias e tangendo os devaneios. A realidade se fez presente e matou os sonhos. As divagações desapareceram num sopro e se aninharam nas nuvens da cidade grande e o ruído da vida voltou. E o inverno, em estertores, cede lugar à primavera em flor. 

Amanheceu, finalmente, em Tóquio.

Fonte: Geraldo Pereira. A medida das saudades. Recife/PE, 2006. Disponível no Portal de Domínio Público

Vereda da Poesia = 36 =


Trova Humorística de São Mateus do Sul/PR

GÉRSON CÉSAR SOUZA

Ao ver que meu teto vaza,
a sogra encerra a visita...
E eu deixo chover lá em casa:
"êta" goteira bendita!!! 
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Soneto de Santos/SP

MARTINS FONTES
(José Martins Fontes)
1884 – 1937

O que se escuta numa velha caixa de música

    Nunca roubei um beijo. O beijo dá-se,
    ou permuta-se, mas naturalmente.
    Em seu sabor seria diferente
    se, em vez de ser trocado, se furtasse.

    Todo beijo de amor, longo ou fugace,
    deve ser u prazer que a ambos contente.
    Quando, encantado, o coração consente,
    beija-se a boca, não se beija a face.

    Não toquemos na flor maravilhosa,
    seja qual for a sedução do ensejo,
    vendo-a ofertar-se, fácil e formosa.

    Como os árabes, loucos de desejo,
    amemos a roseira, olhando a rosa,
    roubemos a mulher e não o beijo.
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Aldravia do Rio de Janeiro/RJ

DORÉE CAMARGO CORRÊA

mãe
natureza
espalha
ruídos
palavras
amor
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Soneto de São Vicente/SP

CID SILVEIRA
1910 – ????

A Rua da Vida
À Affonso Schmidt

Esta é rua da vida. E a vida se revela,
a rua sem pudor, completamente nua.
Mas, mostrando-se nua, a vida não é bela
e não é boa a vida através desta rua.

O convite que sai da entreaberta janela
tem a fascinação indizível da sua
promessa de pecado! E, atraída por ela,
a sombra do homem pelas portas se insinua ...

Marítimos gingando o corpo forte e suado,
malandros de chinelo, asiáticos franzinos,
toda esta malta vil que o homem detesta

vem deixar, nesta rua, um pouco do passado;
vem cumprir, nesta rua, os seus torvos destinos
para que possa haver a nossa rua honesta! 
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Trova Premiada em Pedralva/MG, 1963

CORIOLANO HENRIQUES DA SILVA CAMPOS 
Maringá/PR

- O que tens, minha netinha,
com este choro profundo?
- Morreu a sua filhinha...
E eu perdi tudo no mundo...
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Poema da Ilha de São Vicente/Cabo Verde

ONÉSIMO DA SILVEIRA

As águas

 A chuva regressou pela boca da noite
Da sua grande caminhada
Qual virgem prostituída
Lançou-se desesperada
Nos braços famintos
Das árvores ressequidas!

   (Nos braços famintos das árvores
Que eram os braços famintos dos homens...)   

 Derramou-se sobre as chagas da terra
E pingou das frestas
Do chapéu roto dos desalmados casebres das ilhas
E escorreu do dorso descarnado dos montes!   

 Desceu pela noite a serenar
A louca, a vagabunda, a pérfida estrela do céu
Até que ao olhar brando e calmo da manhã
Num aceno farto de promessas
Ressurgiu a terra sarada
Ressumando a fartura e a vida!  
Nos braços das árvores...
Nos braços dos homens...
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Quadra Popular

Eu amante e tu amante,
qual de nós será mais firme?
Eu como o sol a buscar-te,
tu como a sombra a fugir-me?
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Soneto de Campo Grande/MS

REGINALDO ALBUQUERQUE

Soneto ao soneto

Na tua imortal forma, exata e nobre, 
onde a musa imprevista se aventura 
fino pelo de címbalos te encobre, 
desafiando o estro e a razão mais pura. 

Afirmam os incautos que és de cobre, 
arcaico para quem a tessitura 
de cantar o atual jamais se dobre 
ao rigor triunfal que em ti perdura. 

Varinha de condão da antiguidade 
soneto, tua síntese inquieta 
contém sonho, esperanças e saudade… 

Para sempre será o teu reinado, 
enquanto houver no mundo algum poeta 
ou o pulsar de um peito enamorado!
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Trova Humorística de São Paulo/SP

THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA

Chega a cantora, que é mestra
no gingado da cintura
e os integrantes da orquestra
nem olham... pra partitura!
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Soneto Inglês de Campo Mourão/PR

JOSÉ FELDMAN

Dilema

Tenho vivido um dilema
que tem me tirado o sono,
na cama vejo o problema...
já não sei mais quem é o dono.

Deitado, quando eu me viro
vocês podem até rir,
sinto na nuca um respiro...
minha cadela a dormir.

Fico pensando, portanto,
afinal, eu mando ou não?
A safada estica tanto,
que acabo caindo no chão.

A vida é tão engraçada...
"Êta" cadela folgada!!!
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Haicai de Bandeirantes/PR

NEIDE ROCHA PORTUGAL

Quermesse da roça –
Bandeirinhas coloridas
sobre o pó da estrada
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Sextilha sobre a Teia de Trovas de Fortaleza/CE

NEMÉSIO PRATA

Se teia tem as aranhas
para pegar seu sustento
não vejo nada de mal
este seu mais novo intento
de criar "Teias de Trovas"
para tecermos as novas
trovas em encadeamento!
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Trova sobre Queimada de São Paulo

ANALICE FEITOZA DE LIMA
Bom Conselho/PE, 1938 – 2012, São Paulo/SP

Cai por terra qualquer festa
e minha alma triste chora,
quando vejo uma floresta
pela queimada indo embora...
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Escada de trovas de São Paulo/SP

FILEMON FRANCISCO MARTINS

“A lua divina e bela,
num capricho assim desfeito,
invade a minha janela
e vem sonhar no meu leito.”
Hedda Carvalho 
Nova Friburgo/RJ

“E Vem Sonhar No Meu Leito”
nesta noite enluarada,
quero ver-te junto ao peito
esperando a madrugada.

“Invade A Minha Janela”
fique aqui, feliz e calma,
que o perigo da procela
não resiste a paz da alma.

“Num Capricho Assim Desfeito”
ainda há luz e beleza
que o clima fica perfeito
- o amor é paz e  certeza.

“ A Lua Divina E Bela”
reina perene no céu,   
lua que a todos,  revela
quem ama, não vive ao léu.
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Aldravia de Saitama/Japão

EDWEINE LOUREIRO

ao
mundo
azucrinas
com
essa
buzina
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Soneto do Ceará

ARTUR EDUARDO BENEVIDES
Pacatuba/CE, 1923 – 2014, Fortaleza/CE

Do Amor

O amor, este vasto querer bem,
Esse entregar-se quando se é tomado,
Essa estrada de luz, esse ar sagrado,
Esse sentir-se em vésperas, também.

Essa fonte que júbilos contém,
Esse rio em que nado, deslumbrado,
Esse momento retransfigurado, 
Esse fogoso e louco palafrém

– É a força infinita da esperança,
Tão poderoso, que se nos alcança,
Alvorada repõe em nossa vida.

E sendo a longa estrela dos caminhos,
É rosa a nos ferir com seus espinhos,
Do eterno, porém, sendo a medida.
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Trova Premiada em Rio Novo/MG, 1999

EUGÊNIA MARIA RODRIGUES
Rio Novo/MG, 1946 – 2003

Quando a vida me descora,
o sol, no momento exato,
derrama as cores da aurora
nas rugas do meu retrato!
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Poema do Rio Grande do Sul

MÁRIO QUINTANA
Alegrete, 1906 – 1994, Porto Alegre

Ao longo das janelas mortas

Ao longo das janelas mortas
Meu passo bate as calçadas.
Que estranho bate!...Será
Que a minha perna é de pau?
Ah, que esta vida é automática!
Estou exausto da gravitação dos astros!
Vou dar um tiro neste poema horrível!
Vou apitar chamando os guardas, os anjos, Nosso
Senhor, as prostitutas, os mortos!
Venham ver a minha degradação,
A minha sede insaciável de não sei o quê,
As minhas rugas.
Tombai, estrelas de conta,
Lua falsa de papelão,
Manto bordado do céu!
Tombai, cobri com a santa inutilidade vossa
Esta carcaça miserável de sonho…
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Triverso de de Belo Horizonte/MG

YEDA PRATES BERNIS

Camisas alegres
gangorram agosto
no varal.
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Spina de São Paulo/SP

CARLA BUENO OLIVEIRA

Esqueço de tudo

Esqueço de tudo
Desde que conheci
Você, meu universo.

Você tornou-se a minha vida
A razão de tudo, enfim,
De existir cada novo verso
Foi tão bom isso acontecer
Não poderia ser o inverso!
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Trova de Osório/RS

SUELY BRAGA

Nunca julgues teu irmão,
olha para teus defeitos.
Abranda teu coração,
mas afasta os preconceitos.
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Glosa de Curitiba/PR

NEI GARCEZ 

Curitiba, Mocidade! 

MOTE:
Curitiba, tanta graça,
só você não fica idosa ;
sempre que no tempo passa,
cada vez é mais formosa!

GLOSA:
Curitiba, tanta graça
que recebe de seu povo,
aqui mesmo desta praça,
ou turista, sempre novo.

De esmerado tratamento
só você não fica idosa,
pelo próprio sentimento
desta clã tão generosa.

Exubera tanta graça
ao turista mais viajado:
sempre que no tempo passa
seu visual é elogiado.

Curitiba, mocidade,
de beleza majestosa,
quanto mais aumenta  idade
cada vez é mais formosa!
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Haicai de Maringá/PR

A. A. DE ASSIS

Lá se foi o Ubaldo,
logo após se foi o Rubem.
Lágrimas das letras.
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Soneto de Paris/França

CHARLES BAUDELAIRE
(Charles-Pierre Baudelaire)
1821 – 1867

A Beleza

Eu sou bela, ó mortais! como um sonho de pedra,
E meu seio, onde todos vem buscar a dor,
É feito para ao poeta inspirar esse amor
Mudo e eterno que no ermo da matéria medra.

No azul, qual uma esfinge, eu reino indecifrada;
Conjugo o alvor do cisne a um coração de neve;
Odeio o movimento e a linha que o descreve,
E nunca choro nem jamais sorrio a nada.

Os poetas, diante do meu gesto de eloquência,
Aos das estátutas mais altivas semelhantes,
Terminarão seus dias sob o pó da ciência;

Pois que disponho, para tais dóceis amantes,
De um puro espelho que idealiza a realidade.
O olhar, meu largo olhar de eterna claridade!

(Tradução de Ivan Junqueira)
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Trova de Belém/PA

ALONSO ROCHA
(Raimundo Alonso Pinheiro Rocha)
1926 – 2011

A igreja, as flores e o eleito,
ela de branco e eu tristonho;
foi o cenário perfeito
para o enterro de meu sonho.
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Oração do Poeta, de Santos/SP

LUIZ OTÁVIO
Rio de Janeiro/RJ, 1916 – 1977, Santos/SP

Senhor!
Eu vos agradeço, humildemente, por terdes, entre muitos, dado a mim o dom da poesia!
Fazei que jamais eu esqueça de que nada sou, e que de Vós, tudo me veio!
Não permitais que eu use os meus versos para bajular os poderosos e humilhar os pequeninos!
Nas vitórias de meus irmãos que eu sinta a mesma alegria que sentiria se elas fossem minhas!
Se generosamente, a mim trouxerem coroas de louro, que eu as receba com a mesma humildade com que Vós aceitastes a coroa de espinhos!
Que na realidade eu não seja outro diferente daquele mostrado na minha poesia!
Que eu ouça com serenidade as críticas dos amigos, as invejas dos invejosos, e os elogios dos bajuladores!
Que eu cante singelamente, como um pássaro liberto, o canto que Vós me destes sem me preocupar com os aplausos deste mundo!
Que meus versos sirvam de estimulo aos jovens,
de consolo aos velhos,
de esperança aos aflitos,
e de paz aos angustiados.
Que minha vida e minha poesia, nos minutos de alegria
e nos momentos de dor, sejam sempre condensadas numa só palavra: 
A M O R!…

Recordando Velhas Canções (Por quem sonha Ana Maria)


Compositor: Juca Chaves

Na alameda da Poesia
Chora rimas o luar
Madrugada e Ana Maria
Sonha sonhos cor do mar
Por quem sonha Ana Maria
Nesta noite de luar?

Já se escuta a nostalgia
De uma lira a soluçar
Dorme e sonha Ana Maria
No seu leito de luar
Por quem sonha Ana Maria
Quem lhe está triste a cantar?

No salão da noite fria
Veem-se estrelas a dançar
Madrugada e Ana Maria
Sonha sonhos cor do mar
Por quem sonha Ana Maria
Quem lhe fez assim sonhar?

E raia o Sol e rompe o dia
Desmaia ao longe o luar
Não abriu de Ana Maria
Inda a flor de seu olhar
Por quem sonha Ana Maria
Eu não sei nem o luar
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Os Sonhos e a Nostalgia de Ana Maria
A música 'Por Quem Sonha Ana Maria', de Juca Chaves, é uma obra poética que explora a melancolia e a nostalgia através dos sonhos de uma personagem chamada Ana Maria. A letra é rica em imagens líricas e utiliza a noite, o luar e o mar como metáforas para os sentimentos profundos e introspectivos da protagonista. A alameda da Poesia e a madrugada são cenários que evocam um ambiente de contemplação e solidão, onde Ana Maria se perde em seus sonhos e pensamentos.

A repetição da pergunta 'Por quem sonha Ana Maria?' ao longo da música sugere uma busca incessante por respostas e um anseio por algo ou alguém que não é claramente identificado. Essa indagação constante cria um clima de mistério e incerteza, refletindo a complexidade dos sentimentos humanos. A presença da lira soluçante e das estrelas dançantes no salão da noite fria adiciona uma camada de tristeza e beleza à narrativa, simbolizando a dualidade entre a alegria dos sonhos e a tristeza da realidade.

Juca Chaves, conhecido por seu estilo satírico e poético, utiliza sua habilidade lírica para criar uma atmosfera onírica e introspectiva. A música não apenas conta a história de Ana Maria, mas também convida o ouvinte a refletir sobre seus próprios sonhos e nostalgias. A figura de Ana Maria torna-se um espelho para os anseios e as incertezas de todos nós, fazendo da música uma obra universal e atemporal.    https://www.letras.mus.br/juca-chaves/46712/