quarta-feira, 4 de setembro de 2024

Vereda da Poesia = 102 =


Trova de São José dos Campos/SP

GLÓRIA TABET MARSON

Folhas e folhas rasgadas,
escritas com tanto ardor,
hoje “páginas viradas”
do que foi um grande amor!… 
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Poema de Boca do Acre/AC

DJALMA PASSOS
1923 – 1989, Rio de Janeiro/RJ

Procedência

Venho do mundo dos desiludidos,
De onde a vida se tornou amarga e inconcebível,
De onde a tristeza estendeu suas asas negras
Como um pássaro agoureiro e cruel
Sobre os homens e as cousas...
Venho de um submundo abandonado
Onde não há Deus nem manhãs de sol,
Nem noites de luar nem dias sem crepúsculos,
Onde tudo vaga sem destino,
Sem finalidade e sem conforto...
Trago na garganta o gemido dos aflitos,
No peito a tortura dos injustiçados
E no olhar a mensagem dos eternamente perdidos...

É por isso que a minha alma tem essa vontade estranha
De pairar acima do infinito
E de viver no fundo dos abismos...
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Trova de Curitiba/PR

PAULO WALBACH PRESTES
1945 – 2021

O perfume vem da flor,
seu aroma - que delírio! -
Vem da história, vem do amor,
vem da rosa, vem do lírio.
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Soneto de Rio Branco/AC

CECÍLIA UGALDE

Urgência de você

Tenho fome de tua boca, da tua pele,
De sentir no meu corpo tua ousada mão
Ando com fastio de outros alimentos
Já não me sustenta o sagrado pão.

Estou faminta do teu sorriso inebriante,
Dos teus cabelos feitos de raios de sol
Caminho pelas ruas como um vigilante
Farejando o som distinto dos teus pés.

Busco teus traços na manhã que chega
Quero me alimentar da tua mente atrevida,
Da tua fúria no meu corpo confidente e solto

Quero respirar o sabor que me adoça a vida
Vestir o segredo do teu corpo soberbo e nu
Até saciar a fome que existe em mim.
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Trova Humorística de Juiz de Fora/MG

MESSIAS DA ROCHA

Padre Bento bebe tanto...
Bebe dez copos num tapa,
não joga nada pro santo
e diz que é ordem do Papa!
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Poema de Xapuri/AC

EDMILSON FIGUEIREDO

Bicicleta

Da primeira bicicleta
tive medo,
era enorme para mim.
Maior que o mundo,
não alcançava a sela.
Mas foi com ela
que percorri a rua,
dobrei esquina,
rompi fronteira,
senti o vento,
a sombra do sol...
Na chuva,
cheguei nas nuvens.
                Visitei estrelas,
                pus os pés no céu,
só porque
venci o medo!
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Trova Popular

Essas meninas de agora,
todas querem se casar;
põe a panela no fogo,
e não sabem cozinhar.
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Soneto de Rio Branco/AC

DALMIR FERREIRA

Soneto

Um soneto como qualquer poema
Pouco representa para um ouvido
Que sem a sensibilidade ao tema,
Não é de separara música de ruído.

A indiferença que pro saber acena
Insensível a mente do ser instruído
Sempre incorrerá na terrível pena
De não discernir a fala de um latido

Qualquer arte, só entrará em cena,
Quando em pé, liberto do grunhido,
Capaz de fala, de decifrar o fonema,

O homem, já sapiens tenha banido,
Dele a fera ou a tenha feito amena,
E em si um espírito haja reconhecido.
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Trova do Rio de Janeiro/RJ

LUIZ POETA
Luiz Gilberto de Barros

Bem no centro da moldura,
tua foto me sorria;
nunca vi tanta ternura
numa só fotografia.
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Poema do Rio Branco/AC

GLÓRIA PEREZ

Limbo

nem sabia o nome dela
Gostei dos seus olhos vagos
das bobagens que fazia
pensando que impressionava

       um dia assim de repente
sorriu com jeito de amante
eu o beijei como amada
pediu com fome de um dia
lhe dei com a de toda a vida

       ele ficou mais calado
e tem andado arredio
coma medo que eu me apaixone
e venha a lhe criar caso

       é tão menino, tão verde
nada sabe da paixão
— apenas me rói entranhas
sem tocar no coração
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Trova Humorística de São Paulo/SP

THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA

Deu, à sua esposa mística,
que finge chilique e ataque,
uma viagem turística...
E ela já embarcou ... pro Iraque!
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Soneto do Rio de Janeiro/RJ

RICARDO CAMACHO

Destemido 

Nada há que me machuque ou que me vença,
Que me enclausure num caixote preto,
Que me proíba de fazer soneto
Ou que me faça sucumbir à crença

De ser um mal a perfeição pretensa,
Muito maior que o fútil e obsoleto...
Portanto, nestes versos, pois, prometo
Não desistir da evolução intensa!

Sou eu o autor do próprio desempenho,
Eu organizo as letras... vou e venho
Feito um soldado da arte nas estradas...

Concedo ao meu leitor o acolhimento,
Tirando-o da tristura ao dar o alento
Na porta das saudáveis madrugadas!
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Trova de Bandeirantes/PR

LUCÍLIA ALZIRA TRINDADE DE CARLI

Aquela alegre canção,
que, outrora, era de nós dois,
traz, hoje, triste emoção
na solidão de um depois...
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Poema de Rio Branco/AC

HELOY DE CASTRO

Ah... você calou meu canto,
vestiu de pranto o meu olhar,
eu era o mundo a lhe abraçar
um peito amigo a quem buscar
minha saudade é ímpar
meu organismo é meio
meu complemento é você...
seu lindo corpo é arma
meu ego me desarmou,
vai amante, fica amada
na luta sou perdedor
você, amor precoce
você, questão de sexo...
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Trova de Caxias do Sul/RS

IVONE VEBBER

A chama divina, em mim 
fez sua longa morada 
e só para Deus, sem fim, 
voa com luz renovada.
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Soneto de Fortaleza/CE

GILLIARD SANTOS

Ampulheta

A areia ali se move lentamente
Neste artefato frágil e incolor...
E em sua ação mecânica e silente,
Vai alcançando o bojo inferior.

Os grãos de areia nunca irão se opor
À lei da gravidade contundente...
Transcorrem, exercendo seu labor,
Cumprindo sua sina, tão somente.

Naquele artigo que hoje adorna a sala
A areia nunca volta, nunca entala
E vai, por ele, sendo consumida.

O tempo, em categórica faceta,
Trabalha assim, conforme essa ampulheta,
Levando, pouco a pouco, nossa vida.
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Trova Humorística Pedro Leopoldo/MG

WAGNER MARQUES LOPES

Um metrologista escreve
sua tese... E assim resume:
“ Fofoca parece leve...
Mas sobra em peso e volume”.
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Poema de Rio Branco/AC

JOÃO PAULO SALES DA SILVA

Sinceridade e paixão

Mesmo parecendo ilusão
O que eu sinto é paixão
Deixaria tudo por você

O que quiseres de mim te darei
O que pedir para mim eu farei

Sinto ciúmes porque te amo
Suas beldades, seu jeito
Tudo em você é perfeito
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Trova de Maringá/PR

A. A. DE ASSIS

Aos bons sonhos agradeço, 
mas às insônias também... 
– Ah, quantos versos eu teço 
enquanto o sono não vem! 
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Galope à Beira-mar de Natal/RN

JOSÉ LUCAS DE BARROS
Serra Negra do Norte/RN, 1934 – 2015, Natal/RN

Eu fiz bons estudos à luz da candeia,
andei muitas léguas com os pés no chinelo,
fiz carros de tábuas batendo martelo
e cintos de couro torcendo correia;
enchi as veredas de açudes de areia,
sonhando que um dia pudesse pescar
com redes de linhas que voam no ar
ou grandes tarrafas jogadas no rio,
até que enfrentasse maior desafio
em cima de um barco nas águas do mar.
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Trova da Princesa dos Trovadores

CAROLINA RAMOS
Santos/SP

A grande, a maior vitória
que até hoje consegui,
foi remover da memória
as batalhas que perdi.
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Hino de Campos do Jordão/SP

Campos do Jordão
Maravilha da minha terra
Campos do Jordão
Joia do Alto da Serra
Campos do Jordão
Obra suprema do divino mestre
Que fez de ti um paraíso terrestre!

Entre as matas verdejantes
E os pinheirais gigantes
Correm rios murmurantes
Sob o céu primaveril
És o meu rincão paulista
O encanto do turista
E o orgulho do Brasil!

Campos do Jordão
Maravilha da minha terra
Campos do Jordão
Joia do alto da serra
Campos do Jordão
Obra suprema do Divino Mestre
Que fez de ti um paraíso terrestre!

Há no alvor das floradas
Poesias imortais
E no tempo das geadas
Lindas manhãs hibernais
Pôs em ti a natureza
Reuniu tanta beleza
Que ninguém esquece mais!
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Trova de São Paulo/SP

YEDDA RAMOS PATRÍCIO

A força da sedução
vem de forma tão intensa
que ela atinge o coração
sem mesmo pedir licença.
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Poema de Rio Branco/AC

NAYLOR GEORGE
1956 – 2019

Atração Fatal

Não foi um beijo no sol
Que me fez arder na lua
E te amava andando numa rua
Onde não morava o ódio

Nem foram teus olhos de fera
Me fotografando inteiro
Nem os gestos verdadeiros
Que habitam os vultos raros

Foi o teu esgar, teu gemido de fera, teu cheiro moreno
Exalando ao vento norte
Tangendo as sombras da morte
Trazendo de volta o sossego...
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Trova de Porto Alegre/RS

FLÁVIO ROBERTO STEFANI

Alegre, meigo, sereno,
trovador, segue na lida,
compondo, em verso pequeno,
toda a grandeza da vida.
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Fábula em Versos da França

JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry, 1621 – 1695, Paris

O velho, o rapaz e o burro

O mundo ralha de tudo,
Tenha ou não tenha razão,
Quero contar uma história
Em prova desta asserção.

Partia um velho campônio
Do seu monte ao povoado;
Levava um neto que tinha,
No seu burrinho montado.

Encontra uns homens que dizem:
«Olha aquela que tal é!
Montado o rapaz, que é forte,
E o velho trôpego a pé!

— Tapemos a boca ao mundo,
O velho disse: — rapaz,
Desce do burro, que eu monto,
E vem caminhando atrás.»

Monta-se, mas dizer ouve.
«Que patetice tão rata!
O tamanhão, de burrinho,
E o pobre pequeno à pata!

— Eu me apeio, diz, prudente,
O velho de boa fé;
Vá o burro sem carrego,
E vamos ambos a pé.»

Apeiam-se, e outros lhes dizem:
«Toleirões, calcando a lama!
De que lhes serve o burrinho?
Dormem com ele na cama?

— Rapaz, diz o bom do velho,
Se de irmos a pé murmuram,
Ambos no burro montemos,
A ver se ainda nos censuram.»

Montam, mas ouvem de um lado:
«Apeiem-se, almas de breu,
Querem matar o burrinho?
Aposto que não é seu!

— Vamos ao chão, diz o velho,
Já não sei que hei de fazer!
O mundo está de tal sorte,
Que se não pode entender.

É mau se monto no burro,
Se o rapaz monta, mau é;
Se ambos montamos, é mau,
E é mau se vamos a pé!

De tudo me têm ralhado;
Agora que mais me resta?
Peguemos no burro às costas,
Façamos ainda mais esta!

Pegam no burro; o bom velho
Pelas mãos o ergue do chão,
Pega-lhe o rapaz nas pernas,
E assim caminhando vão.

«Olhem dois loucos varridos!
Ouvem com grande sussurro, —
Fazendo mundo às avessas,
Tornados burros do burro!»

O velho então para, e exclama:
«Do que observo me confundo!
Por mais que a gente se mate,
Nunca tapa a boca ao mundo.

Rapaz, vamos como dantes,
Sirvam-nos estas lições:
É mais que tolo quem dá
Ao mundo satisfações.»

Samuel da Costa (As minhas páginas em branco)

Eu não tenho escrito nada de interessante ultimamente. Nada tem acontecido de uns tempos para cá. As páginas em branco se sucedem em um ritmo diário impressionante, uma atrás da outra e dia após dia. Eu chego até a não me reconhecer mais, uma tragédia, íntima e pessoal, um fato lamentável! 

Nem mesmo as pequenas tragédias do cotidiano, já não me inspiram mais. E meu jardim outrora florido, agora não passa de um deserto árido e sem vida. No céu as nuvens brancas, as estrelas, os astros e a lua parecem umas com as outras. As pessoas parecem umas com as outras. Já não reconheço mais minha pena, outrora cheia de mágoas, ressentimentos e iras. 

A minha verve, agora parece conformada com as coisas, burocratizou-se e já não sonha mais com os impossíveis da vida. Já não tem aquela velha sanha avassaladora de quem vai mudar o mundo para melhor. Minha pena preferiu esconder-se no cotidiano e o meu íntimo diz: ‘’— Hoje vou escrever qualquer coisa, porque qualquer coisa está verve, qualquer coisa está bom!’’

Como se vida não fosse um desenrolar de fatos novos. Fatos curiosos a serem vistos em ângulos diferentes, de várias formas. E em cada letra, a cada palavra uma descoberta, uma releitura da realidade. De como cada um vê e vive a vida à sua maneira, mas hoje as coisas estão assim mortas. Um arremedo de fatos novos que cheiram ao passado. Em suma muda-se o título, recompõe-se o texto e nada, nada acontece. Mas o que importa mesmo? Mesmo porque eu não tenho o ofício de escrever. Muito menos tenho o hábito de escrever bons textos!

(Fragmento do livro “Uma flor chamada margarida”, de Samuel da Costa)

Fonte: Texto enviado pelo autor. 

O nosso português de cada dia (Expressões) = 7

(SER UMA) DIVA
Mulher importante, de muito talento no teatro, no cinema ou na ópera.

O termo vem do latim diva, que popularizando-se no italiano diva, que significa deusa. Daí quando dizemos que uma mulher, em alguma área, é uma diva, é como se disséssemos que é uma deusa naquilo que faz.

DOIS PESOS, DUAS MEDIDAS
Tratamento diferenciado entre pessoas quando a situação exigia o mesmo tratamento.

As balanças antigas eram formadas por duas bacias presas por correntes às pontas de uma travessa de metal ou madeira. Numa das bacias eram colocados os produtos para comercialização e, na outra, pesos de metal. Quando atingissem o equilíbrio, marcado pelo fiel (agulha de metal que indicava o meio da travessa), sabia-se o peso do produto a ser adquirido. No entanto, muitos comerciantes desonestos usavam um peso e uma medida para a hora da aquisição da mercadoria e outro para a hora da venda. Lucravam, portanto, com a
venda e com a desonestidade.

DORMIR NO PONTO
No sentido de perder uma oportunidade. 

A expressão tem origem óbvia. Trabalhadores que levantam muito cedo para tomar ônibus ou bonde para o trabalho são acostumados a dormir durante o trajeto, mas também antes do veículo chegar. Quando isto ocorre, a condução passa e a pessoa a perde. Diz-se aí que perdeu a oportunidade porque dormiu no ponto. 

DOSE PRA LEÃO
Dose grande, difícil de suportar para um homem comum.

A origem também é óbvia: é preciso grande dose de remédio para se tratar um animal tão forte e grande como o leão. A expressão também admite a variação dose para elefante.

DOS MALES O MENOR
Expressão usada para designar que é preciso desejar o menos ruim, em meio a situações muito difíceis,

Sua origem remonta ao fabulista romano Fedro, 15 a. C. - 50 d. C. É a tradução quase literal do latim mínima demais, ou seja, dos males os menores.

DOURAR A PÍLULA
Disfarçar uma situação, dar uma cara boa para uma coisa ruim, ser eufemista.

O termo tem uma origem óbvia. É muita claro que as pessoas, sobretudo as crianças, não gostam de tomar remédios pelo gosto amargo que eles geralmente têm. Começou com os antigos boticários, e se estende até hoje, o costume de dar às pílulas uma aparência bonita para disfarçar seu conteúdo e gosto. A princípio, elas eram embrulhadas em papel brilhante e hoje recebem uma camada de corante.

(REALIZAR) DOZE TRABALHOS
Cumprir tarefas muito exaustivas, que demandam tempo, força e dedicação.

Sua origem é mitológica e está ligada aos trabalhos realizados por Hércules. Os doze trabalhos por ele realizados, sob o comando da deusa Hera e ordem direta de Euristeu, foram:

1. matar o Leão de Neméia: um monstro da cidade de Neméia que devorava pessoas e animais. O herói matou-o asfixiado e fez roupa de sua pele;

2. vencer a Hidra de Lerna: uma cobra de várias cabeças que matava pessoas e devastava plantações. Hércules a matou cortando suas cabeças e queimando os pescoços. A última cabeça foi enterrada e a cobra envenenada com seu próprio sangue;

3. prender o Javali de Erimanto: um animal muito grande que foi vencido pelo cansaço e levado nos ombros pelo caçador;

4. capturar a Corça de Cerineia: um animal forte, grande e muito veloz que possuía chifres dourados. Hércules cansou-a, feriu-a com uma flecha e só aí pôde aprisioná-la;

5. exterminar os Pássaros do Lago Estínfalo: bando de pássaros que exterminavam colheitas na Arcádia e se escondiam em florestas densas. O herói assustou os animais que saíram de seu refúgio e os abateu a flechadas;

6. limpar os estábulos do rei Augias: ali se concentrava um grande rebanho de cavalos e todo o esterco necessário às terras do planeta, Hércules tinha a quase impossível missão de limpar o lugar e ele conseguiu realizar a missão desviando os cursos de dois rios, o Alteu e o Pneu;

7. prender o Touro de Creta: animal furioso que tinha vindo do mar e que, num primeiro momento, contava com a proteção do rei Minos, mas foi cansado e capturado por ele. Mais tarde, o animal foi morto porTeseu com a ajuda de Ariadne;

8. acalmar as Éguas de Diomedes: quatro éguas carnívoras que devoravam pessoas, foram acalmadas quando Hércules lhes deu o próprio dono, Diomedes, para que comessem;

9. conquistar o Cinto da Rainha Hipólita: o objeto era o símbolo do poder da rainha sobre seu povo, as Amazonas. Hércules havia convencido a rainha Hipólita a ceder-lhe amistosamente o cinto, quando a deusa Hera, disfarçada, incitou as amazonas à luta. Na batalha que se seguiu, as Amazonas foram derrotadas, e Hércules conseguiu o cinto. Segundo algumas versões, a rainha Hipólita morreu durante a luta, atingida pelo próprio Hércules;

10. capturar os Bois de Gérion: Gérion era um gigante de três cabeças e corpo triplo, filho de Crisaor e da oceânide Calirroe, possuidor de enormes rebanhos de bois "vermelhos", um grupo de animais preciosos que viviam na ilha de Eriteia. Hércules enfrentou primeiramente Ortros e Eurítion, e liquidou-os sem maiores dificuldades. Atacado a seguir pelo próprio Gérion, primeiro derrubou-o com suas flechas, e a seguir matou-o sem dificuldade, a golpes de clava. Em Micenas,  Héracles entregou os bois que restaram a Euristeus, e o rei sacriflcou-os a Hera;

11. aprisionar o Cão Cérbero (animal que guardava a porta do inferno) e que o herói teve de capturar sem o uso de suas armas, apenas com suas mãos;

12, colher as Maçãs de Ouro das Hespérides: frutos proibidos de serem apanhados e que estavam sob a guarda de um dragão de cem cabeças, as frutas seriam dadas de presente no dia do casamento de Hera e Zeus, Hércules fez o animal adormecer e o matou. Conseguiu esta façanha com a ajuda dos deus Atlas.

(MÉTODO) DRACONIANO
Atitude excessivamente rigorosa, muito dura, na qual não é levada em conta a equidade.

O termo vem de Dracon, legislador ateniense do século VII a. C, a quem foi dada a missão de transformar em leis escritas o que antes eram apenas costumes. O propósito do legislador era acabar com as interpretações pessoais de cada crime feitas pelos aristocratas. No entanto, suas leis eram severas demais e previam para quase todos os crimes a pena de morte.

DURA LEX, SED LEX
A lei é dura, mas é lei.

A expressão é muito usada por advogados e estudantes de Direito no mundo todo, pois versa sobre a necessidade que as pessoas têm de aceitar os mandos da lei, sejam eles quais forem. 

Sua origem, de acordo com a tradição, propõe que teriam sido as últimas palavras de Sócrates, 470 a. C - 399 a. C, antes de tomar a cicuta, não lamentando seu destino, apenas aceitando-o. Óbvio que a expressão foi traduzida para o latim e assim ganhou notoriedade entre os romanos e seus conquistados.

Fonte: Nailor Marques Jr. Será o Benedito?: Dicionário de origens de expressões. Maringá/PR: Liceu, 2002.

Recordando Velhas Canções (Paz do meu amor)


(1963)

Compositor: Luiz Vieira

Você é isso: 
Uma beleza imensa,
Toda recompensa 
de um amor sem fim.

Você é isso: 
Uma nuvem calma
No céu de minh'alma; 
é ternura em mim.

Você é isso: 
Estrela matutina,
Luz que descortina 
um mundo encantador.

Você é isso: 
É parto de ternura,
Lágrima que é pura, 
paz do meu amor.
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A Serenidade do Amor em 'Paz do Meu Amor'
A canção 'Paz do Meu Amor', interpretada pelo artista Luiz Vieira, é uma ode à tranquilidade e à beleza que o amor traz para a vida de uma pessoa. A letra da música descreve o ser amado como uma fonte de luz e serenidade, utilizando metáforas naturais e celestiais para expressar a profundidade dos sentimentos do eu lírico.

No primeiro verso, o amado é comparado a uma 'beleza imensa', sugerindo uma admiração que vai além do físico, alcançando a essência da pessoa. A 'nuvem calma' e a 'estrela matutina' são imagens que evocam paz e um novo começo, respectivamente. Essas metáforas reforçam a ideia de que o amor tem o poder de transformar e iluminar a vida de quem ama, trazendo um sentido de renovação e esperança.

A música também toca na pureza e na sinceridade dos sentimentos, como visto na expressão 'lágrima que é pura'. O amor é apresentado como algo que transcende o cotidiano, trazendo paz e um refúgio emocional para o eu lírico. 'Paz do Meu Amor' é, portanto, uma celebração do amor como fonte de calma e contentamento, um abrigo seguro onde o eu lírico encontra consolo e alegria.  https://www.letras.mus.br/luis-vieira/546692/ 

segunda-feira, 2 de setembro de 2024

Edy Soares (Fragata da Poesia) 56: Planeta Azul

 

Trovador Homenageado do Dia: Edmar Japiassú Maia (Trovas em preto e branco)


 1
Aperta meu coração
ser mãe de um filho ilustrado...
- Ele tem muita instrução?
- Não!... É todo tatuado!
2
Coração...cerca o pedaço
para que o amor não se perca,
que hei de cuidar desse espaço,
antes que a dor ponha cerca…
3
Entardece em minha infância...
Temendo que o medo cresça,
espreito a vida, à distância,
antes que a infância anoiteça!
4
Ilusão... velha charrete
que, teimoso, eu não desmancho,
pois, vez por outra, faz frete
de sonhos... aqui no rancho!
5
Na fábrica de tecidos,
proposto o aperto nos planos,
os "acertos" resolvidos
são "por debaixo dos panos"!
6
Nas asas do desvario,
tentando um sonho alcançar,
eu despenquei no vazio,
mas... aprendi a voar!
7
Ninguém vai sentir-se preso
ao peso da minha cruz;
que a cruz só revela o peso
para o ombro que a conduz…
8
No aperto, ao chefe ele vai
e expressa sua revolta...
- E a grana, sai ou não sai?
- Já saiu!... Não sei se volta!!!
9
O sonho é carga festiva
nos trilhos das ilusões...
E o amor é a locomotiva
que vem puxando os vagões!
10
Por mais que a vida se oponha,
traze os sonhos junto a ti,
porque, aos olhos de quem sonha,
o infinito... é logo ali!
11
Quem por cigarro se entrega
às mãos do vício, sem medos,
não percebe que carrega
a morte acesa entre os dedos!
12
Talvez porque a noite esconda
sombras de amor...é que a Lua
põe mais luz em sua ronda,
quando ronda a minha rua!
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AS TROVAS DE EDMAR EM PRETO E BRANCO
por José Feldman

AS TROVAS UMA A UMA

As trovas de Edmar Japiassú Maia são uma bela expressão de sentimentos e reflexões sobre a vida, amor, sonhos e desafios.

1. Aperta meu coração
Esta trova brinca com a ideia de ser mãe de um "filho ilustrado", que é um jogo de palavras sobre a aparência. A tatuagem, muitas vezes associada a rebeldia, contrasta com a expectativa de educação e respeito. Isso sugere que o amor transcende as aparências e os estigmas sociais.

2. Coração...cerca o pedaço
Aqui, a metáfora do "coração cercando o pedaço" fala sobre a proteção do amor frente à dor. Refere-se à vulnerabilidade emocional e à necessidade de cuidar das relações para evitar a perda, enfatizando a fragilidade do afeto.

3. Entardece em minha infância
Esta trova evoca a transição do tempo, simbolizando o medo de perder a inocência da infância. A metáfora do entardecer sugere uma aproximação do fim de um ciclo, refletindo a ansiedade que vem com o crescimento e a perda da simplicidade.

4. Ilusão...velha charrete
A charrete simboliza os sonhos que persistem, mesmo que estejam desgastados. A ideia de "frete de sonhos" sugere que, apesar das dificuldades da vida, ainda é possível transportar esperanças e desejos, mesmo em condições adversas.

5. Na fábrica de tecidos
Esta trova critica a hipocrisia nas relações de trabalho, onde os “acertos” são feitos de maneira obscura. Reflete a corrupção e as injustiças que permeiam a vida laboral, evidenciando a luta dos trabalhadores por reconhecimento e direitos.

6. Nas asas do desvario
A metáfora das "asas do desvario" indica a busca por liberdade e sonho, mesmo que essa busca leve a quedas. A aprendizagem a partir das dificuldades sugere que as falhas são parte do processo de crescimento e autodescoberta.

7. Ninguém vai sentir-se preso
Essa trova aborda a ideia de que o peso da cruz (as dificuldades da vida) é sentido de forma diferente por cada pessoa. A cruz pode ser um símbolo de sacrifício, mas a percepção do seu peso depende da força e resiliência de quem a carrega.

8. No aperto, ao chefe ele vai
Esta trova escrita com uma pitada de humor expressa a frustração do trabalhador em relação à remuneração e à falta de transparência nas relações de emprego. A dúvida sobre o retorno do dinheiro sugere um ciclo de incertezas e desconfiança nas promessas feitas.

9. O sonho é carga festiva
Aqui, o sonho é comparado a um fardo alegre, e o amor é visto como a força motriz. Essa metáfora mostra que, apesar das dificuldades, os sonhos e o amor são essenciais para a jornada da vida, trazendo esperança e propósito.

10. Por mais que a vida se oponha
A mensagem central é de perseverança. O convite para levar os sonhos consigo sugere que, mesmo diante de adversidades, o otimismo e a determinação podem transformar a visão da realidade, tornando o futuro mais promissor.

11. Quem por cigarro se entrega
Esta trova é uma crítica ao vício, simbolizando a autodestruição que muitos não percebem. A imagem da "morte acesa entre os dedos" destaca a insustentabilidade do vício, revelando uma luta interna que pode ser fatal.

12. Talvez porque a noite esconda
A lua, que dá luz à escuridão, simboliza esperança e beleza. A ideia de que a noite esconde sombras de amor sugere que, mesmo em tempos difíceis, há sempre um espaço para a luz e a beleza nas experiências da vida.

AS TEMÁTICAS DAS TROVAS DE EDMAR 

1. Amor e Relações
O amor e as relações nas trovas de Edmar Japiassú Maia são abordados com uma sinceridade e complexidade que refletem tanto a beleza quanto a fragilidade desses sentimentos.

Em várias trovas, Edmar demonstra que o amor transcende aparências e circunstâncias. A primeira trova, por exemplo, brinca com a ideia de um "filho ilustrado", revelando que o amor de uma mãe não é condicionado à aparência ou às escolhas do filho, mas é profundo e inabalável. Trovas como a segunda e a terceira refletem a fragilidade do amor. O cuidado necessário para proteger o amor das dores da vida é um tema recorrente, mostrando que as relações exigem atenção e carinho para não se perderem.

O amor também é apresentado como algo que evolui. A passagem da infância para a vida adulta, por exemplo, traz consigo desafios e medos, como visto na terceira trova. Essa transição é um momento de reflexão sobre como as relações mudam ao longo do tempo.

A metáfora dos sonhos, presente em várias trovas, indica que o amor é um veículo para aspirações e esperanças. O amor é descrito como uma locomotiva que puxa os sonhos, enfatizando a necessidade de compartilhar objetivos e visões com o outro.

Edmar também não hesita em abordar as desilusões que podem surgir nas relações. A crítica às injustiças e à hipocrisia no cotidiano sugere que, mesmo dentro do amor, existem desafios e desentendimentos que precisam ser enfrentados.

Apesar das dificuldades, as trovas transmitem uma mensagem de esperança. A ideia de que o amor pode iluminar os momentos mais sombrios, como a lua que brilha na noite, sugere que, mesmo nas dificuldades, o amor é uma força renovadora.

Assim como Adélia Prado que explora o amor em suas diversas formas, com uma linguagem íntima e sensível.

2. Infância e Crescimento

A transição da infância para a vida adulta é um tema recorrente. Edmar capta a inocência da infância e os medos que surgem com o crescimento, refletindo sobre como as experiências moldam a percepção do mundo. Essa temática aponta para a inevitabilidade da mudança e a luta interna entre manter a inocência e enfrentar as duras realidades da vida. A nostalgia pela infância e o receio de perder essa fase são sentimentos profundos que permeiam suas trovas.

Como Edmar, Cecília Meireles em sua obra, reflete sobre a infância e a passagem do tempo, capturando a inocência e a melancolia. Marília Garcia, aborda a infância e suas complexidades em um contexto moderno, refletindo sobre o crescimento e as mudanças.

3. Sonhos e Aspirações

Os sonhos são apresentados como uma força vital, essenciais para a motivação e o propósito. Edmar utiliza metáforas como a locomotiva para ilustrar como os sonhos movem a vida das pessoas. Ele ressalta que, apesar das adversidades, manter os sonhos vivos é fundamental para a felicidade. Essa busca incessante por realização é uma forma de resistência contra as dificuldades impostas pela realidade.

Para Fernando Pessoa, a ideia de sonhos e aspirações é central em sua obra, especialmente no que diz respeito à busca por identidade. A poetisa contemporânea Alice Sant'Anna explora a busca por sonhos e a realidade moderna, refletindo sobre anseios e desilusões.

4. Injustiça Social

Edmar traz à tona a crítica social, especialmente em contextos de trabalho e desigualdade. Ele expõe a hipocrisia e a corrupção que permeiam as relações laborais, refletindo a luta do trabalhador por dignidade e reconhecimento. Essa temática é um chamado à consciência social, lembrando que as injustiças afetam profundamente as relações humanas e a dignidade individual.

Dentro desta temática, Castro Alves, conhecido por sua poesia abolicionista, critica as injustiças sociais de sua época. Rafael Cardoso aborda questões sociais e políticas, refletindo sobre a realidade do trabalhador e as desigualdades.

5. Superação e Resiliência

A superação é um tema inspirador nas trovas de Edmar. Ele aborda a capacidade humana de se reerguer após quedas e dificuldades. A ideia de que as falhas são oportunidades de aprendizado reflete uma visão otimista da vida. Essa resiliência é fundamental para enfrentar os desafios cotidianos e manter a esperança viva, mesmo diante das adversidades.

Olavo Bilac fala sobre a busca pela superação e a força do espírito humano, enquanto Bráulio Bessa, transmite mensagens de esperança e resiliência, valorizando a cultura popular em seus poemas.

6. Vícios e Consequências

A abordagem de Edmar sobre os vícios revela uma crítica ao comportamento autodestrutivo. Ele destaca como os vícios podem levar à cegueira em relação às consequências, usando imagens poderosas para transmitir essa mensagem. Essa temática serve como um alerta sobre os perigos que os vícios representam, não apenas para o indivíduo, mas também para suas relações.

Álvares de Azevedo explora os dilemas existenciais e os vícios em sua obra, refletindo sobre a juventude e a autodestruição, assim como Marcio-Antônio Camilo, aborda o tema do vício e suas consequências na vida moderna, trazendo uma abordagem crítica.

7. Beleza da Vida Cotidiana

As trovas frequentemente celebram a beleza nas pequenas coisas do cotidiano. Edmar encontra significado nas experiências simples, ressaltando a importância de valorizar cada momento. Essa apreciação pela vida diária traz uma sensação de gratidão e conexão com o mundo ao redor, convidando o leitor a refletir sobre a riqueza das experiências comuns.

Carlos Drummond de Andrade captura a beleza e a complexidade da vida cotidiana em seus poemas. Atualmente, a poetisa Claudia Roquette-Pinto enfatiza a beleza nas pequenas coisas e nas experiências do dia a dia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

As trovas de Edmar Japiassú Maia representam uma rica tapeçaria de emoções, reflexões e críticas sociais que ressoam profundamente com a condição humana. Sua obra captura a essência do amor e das relações, explorando a beleza, a fragilidade e a vulnerabilidade que permeiam esses laços. Ao abordar temas como a infância, o crescimento, os sonhos e as aspirações, Edmar revela a complexidade das experiências que moldam nossas vidas.

Além disso, sua crítica às injustiças sociais e ao cotidiano do trabalhador destaca a relevância de sua voz em um contexto mais amplo, chamando a atenção para as desigualdades que permeiam a sociedade. A resiliência e a superação são temas que oferecem esperança, mostrando que, apesar das dificuldades, a capacidade de se reerguer é uma característica intrínseca ao ser humano.

Os vícios e suas consequências são abordados com uma sensibilidade que alerta para os perigos do comportamento autodestrutivo, enquanto a celebração das pequenas belezas da vida cotidiana convida à apreciação do presente.

Em suma, as trovas de Edmar não apenas entretêm, mas também provocam reflexão e emoção, oferecendo um olhar profundo sobre a vida, as relações e a luta contínua por significado e justiça. Sua obra é um convite à introspecção e à valorização das experiências humanas, tornando-se um legado importante na poesia brasileira contemporânea.

Fonte: José Feldman. 50 Trovadores e suas Trovas em preto e branco. IA Open. vol.1. Maringá/PR: Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

Monsenhor Orivaldo Robles (Eu desisto)

Afirmação até certo ponto ufanista assegura: “Eu sou brasileiro; não desisto nunca”. Tentei levá-la à prática. Foi quando apareceram as faixas de pedestres nas ruas (sinalização horizontal) e, ao lado, placas de advertência (sinalização vertical). Em país civilizado tais placas são dispensáveis. Basta a sinalização horizontal. Mas nós somos diferentes. Abracei a quixotesca tarefa de ajudar pessoas a atravessar a rua. Contribuiria para criar entre nós um clima urbano mais cortês. Do que, aliás, Maringá precisa. Tolo que sou e cabeçudo, ainda por cima, comecei a solitária campanha de levar à observância da faixa de pedestres. Andando a pé por onde não havia sinal luminoso, eu levantava um braço para indicar minha intenção de cruzar a rua, enquanto, com a outra mão, apontava as listras brancas no asfalto. Ocasiões houve em que motoristas educadamente me cederam a preferência. Noutras, a reação foi menos amigável. Dirigiram-me buzinadas raivosas. Ou me homenagearam com gentilezas do tipo “Quer morrer, seu louco?” ou “Está bêbado”?

Quando ao volante ou guidão de veículo motorizado, sentimo-nos donos do mundo. A cidade toma contornos de nosso quintal. Dela desfrutamos conforme nosso alvedrio. Admito que por descuido já invadi faixa de pedestres. Estou-me esforçando para não repetir. Procuro não esquecer que nascemos pedestres, não motorizados. Não é justo entregar a cidade aos carros tornando um inferno a vida das pessoas. Estas são anteriores a eles. Quem chegou primeiro tem direito assegurado.

Por algum tempo sustentei uma inútil disputa. Não contra moinhos de vento, mas contra bólidos motorizados capazes de levar à morte ou ferir com gravidade. Reconheço que me comportei ingenuamente. Não pretendo engrossar com meu nome a extensa lista de vítimas. Cansei. Venho honestamente depor as armas. Aceito a derrota. Sou brasileiro, mas eu desisto.

A gota d’água, que fez entornar o copo, foi vertida por bela e desconhecida jovem, semana passada, numa avenida binária. Ela vinha a uma distância de bons vinte metros. Quatro placas (uma de cada lado de ambas as vias) apontavam-lhe a faixa de pedestres. Pouco antes, dois avisos. Um tinha alertado: “50 km”. A seguir, outro: “Pare”. Ergui bem alto um pacote branco que tinha na mão e entrei na faixa. Julguei seguro. Tanto que um furgão se deteve. Impossível não me ver. A moça – não acredito que nos 50 km/h recomendados – não aliviou. Para não me ferir, teve que frear. Mas parou em cima da faixa; eu passei na beiradinha. Com a face rubra de susto e raiva, me repreendeu gritando: “O senhor não pode ir-se jogando na faixa. Uma hora, o senhor vai morrer por causa disso”. Foi o que falou, mas inconscientemente talvez pensasse outra coisa. Assim como: “Eu sou jovem, bonita, rica e dirijo um carro novo. Você é velho, feio, pobre e anda a pé. Eu sou mais importante do que você. Como ousa atrapalhar minha passagem”?

Não me joguei, apenas passei sobre a faixa, que não é nenhuma Brastemp, mas ainda está visível no asfalto. Se bem que umas mãos de tinta não lhe fariam mal. E não custam nenhuma fortuna.

Desculpe, moça bonita. Você está certa. Pedestre tem mesmo que sempre dar a vez para os veículos. Dirija seu precioso carro como quiser. Para que encher sua elegante cabecinha com ridículas normas de trânsito, não é mesmo?