quinta-feira, 26 de setembro de 2024

Manoel Cavalcante (Trovas em Preto & Branco)


1
A noite sai do espetáculo,
inerme, discreta e estranha;
o sol por trás de um pináculo
eriça a luz na montanha… (…)
2
A trova levou-me aos céus,
pois entre joios e trigos
perdi pequenos troféus
mas ganhei grandes amigos.
3
A velhice, em tom sarcástico,
gosta de mostrar que sou
restos de sonhos de plástico
que o trem do tempo esmagou.
4
Covarde, pobre e mesquinho;
quem durante a caminhada
ante às pedras do caminho,
decreta o final da estrada.
5
É duro olhar para o lado
em meio ao redemoinho,
no vento mais conturbado
e ver… Eu estou sozinho!
6
– Já passaste, Primavera?!
Nenhuma flor me marcou!
Querendo ser quem eu era,
nunca mais fui quem eu sou…
7
Junta-se o poeta aos loucos;
um diário vivo em versos,
expressando como poucos
os sentimentos diversos.
8
Na madrugada sem fim,
a saudade, desvairada,
acende um confronto em mim
entre um ninguém e um nada!…
9
Na realidade, o pecado
que me faz vagar a esmo,
foi na vida ter amado
outro alguém mais que a mim mesmo!
10
No trem, a vida é mesquinha.
Pare! Não tema empecilhos.
Não há quem ande na linha
neste planeta sem trilhos.
11
Pela dor da decepção
eu já me recuperei,
só falta a devolução
de um amor que eu te entreguei!
12
Se foi feitiço ou segredo,
pra mim não adianta, é tarde!
Quando alguém ama com medo,
esculpe um amor covarde!

AS TROVAS DE MANOEL CAVALCANTE EM PRETO E BRANCO
por José Feldman

As Trovas, suas Temáticas e Relações om Poetas Brasileiros e Estrangeiros  de diversas épocas

Trova 1. A noite sai do espetáculo
Temática: Transitoriedade e Melancolia
A noite, representando o fim de um ciclo, é descrita como discreta e estranha. O sol que surge simboliza renascimento, mas a forma como é apresentado sugere um contraste entre a beleza do novo dia e a saudade da noite que se vai.

Cecília Meireles (1901 – 1964): a transitoriedade e a melancolia estão presentes em sua obra, que frequentemente explora o tempo e a passagem das coisas.

Emily Dickinson (EUA, 1830 – 1886): também aborda a dualidade entre luz e escuridão, refletindo sobre a vida e a morte em seus poemas.

Trova 2. A trova levou-me aos céus
Temática: Amizade e Alegria
Aqui, o eu lírico reflete sobre a jornada da vida, onde a busca por pequenos troféus (conquistas) é superada pela formação de grandes amizades. Isso enfatiza a importância das conexões humanas sobre as realizações materiais.

Carlos Drummond de Andrade (1902 – 1987): a amizade e os laços humanos são temas centrais em sua obra, especialmente em como as relações moldam nossa vida. 

Walt Whitman (EUA, 1819 – 1882): celebra a conexão humana e a amizade em sua obra, enfatizando a importância das relações na experiência humana.

Trova 3. A velhice, em tom sarcástico
Temática: Envelhecimento e Desilusão
A velhice é tratada de maneira crítica, onde o trovador se vê como restos de sonhos não realizados. A metáfora do “trem do tempo” sugere que os sonhos foram esmagados pela passagem inevitável do tempo, trazendo um tom de resignação.

Adélia Prado (1935): explora a passagem do tempo e a sabedoria que vem da experiência, muitas vezes com um tom irônico.

Robert Frost (EUA, 1874 – 1963): também aborda a inevitabilidade do envelhecimento e a reflexão sobre sonhos perdidos.

Trova 4. Covarde, pobre e mesquinho
Temática: Medo e Conformismo
Critica aqueles que, diante das dificuldades, desistem da jornada. A metáfora das “pedras do caminho” representa os obstáculos da vida, e a entrega à mediocridade é vista como uma covardia.

Alphonsus de Guimaraens (1870 – 1921): A luta contra a mediocridade e a busca por significado na vida são temas que aparecem em sua obra.

T.S. Eliot (EUA, 1888 – 1965, Inglaterra): frequentemente examina a condição humana e a luta contra o tédio e a estagnação. A passagem do tempo e suas implicações são temas centrais nas obras de ambos. Enquanto Cavalcante lida com a melancolia da transitoriedade, Eliot, em poemas como "The Love Song of J. Alfred Prufrock", reflete sobre a hesitação e o arrependimento.

Trova 5. É duro olhar para o lado
Temática: Solidão e Crise Interior
A solidão é enfatizada em um momento de turbulência. O eu lírico se sente isolado, mesmo no meio da confusão, refletindo a dificuldade de encontrar apoio ou conexão em momentos difíceis.

Augusto dos Anjos (1884 – 1914): a solidão e a crise existencial estão presentes em sua poesia, refletindo uma visão sombria da condição humana.

Franz Kafka (Tchecoslováquia, 1883 – 1924): a solidão e a alienação em meio à sociedade são temas centrais na obra de Kafka, que retrata a luta interna do indivíduo.

Trova 6. – Já passaste, Primavera?!
Temática: Perda e Nostalgia
A Primavera simboliza renovação e esperança, e a ausência de flores sugere uma perda de vitalidade e alegria. Lamenta a transformação que o afastou de sua essência, expressando um desejo de retornar ao que era.

Vinícius de Moraes (1913 – 1980): a nostalgia e a busca por momentos perdidos são temas recorrentes em sua poesia.

Pablo Neruda (Chile, 1904 – 1973): trata da perda e da saudade em sua obra, especialmente em relação ao amor e à passagem do tempo. Ambos exploram o amor com intensidade, capturando a paixão e a dor que ela pode trazer. Neruda, em sua poesia, aborda o amor de maneira épica, enquanto Cavalcante traz uma abordagem mais intimista e reflexiva.

Trova 7. Junta-se o poeta aos loucos
Temática: Criatividade e Loucura
A relação entre poesia e loucura é explorada, onde o poeta se une aos que sentem intensamente. A escrita é apresentada como uma forma de expressar sentimentos complexos, revelando a profundidade da experiência humana.

Manuel Bandeira (1886 – 1968): a relação entre loucura e poesia é explorada em sua obra, refletindo a intensidade das emoções.

Sylvia Plath (EUA, 1932 – 1963): ambos lidam com questões existenciais e a luta interna do ser humano. Plath, com sua abordagem confessional, reflete sobre a angústia e a identidade, algo que também ressoa nas trovas de Cavalcante.

Trova 8. Na madrugada sem fim
Temática: Saudade e Conflito Interior
A madrugada representa um estado de introspecção e solidão. Cavalcante enfrenta um confronto interno entre a sensação de ser “ninguém” e “nada”, refletindo um estado de desespero e busca por significado.

Clarice Lispector (1920 – 1977): a introspecção e a busca pelo sentido da vida são temas comuns em sua prosa e poesia.

Rainer Maria Rilke (Áustria, 1975 – 1926): a solidão é uma preocupação central em ambas as obras. Rilke, conhecido por suas meditações sobre a existência e a busca por significado, ecoa os sentimentos de introspecção que permeiam as trovas de Cavalcante.

Trova 9. Na realidade, o pecado
Temática: Amor e Autodescoberta
Reconhece que amar outra pessoa mais do que a si mesmo é um erro que leva à desorientação. Essa descoberta é dolorosa, enfatizando a necessidade de amor-próprio como fundamental para a felicidade.

Álvaro de Campos (Portugal, 1890 – 1935) : (heteronímia de Fernando Pessoa) a luta interna entre o amor e o amor-próprio é uma questão que aborda com complexidade em sua obra.

John Keats (Inglaterra, 1795 – 1821): explora a ideia de amor e sacrifício, refletindo sobre a busca por uma conexão profunda. A busca por significado em meio à dor e a beleza da vida são temas comuns. Keats, com sua sensibilidade romântica, compartilha essa busca existencial com Cavalcante.

Trova 10. No trem, a vida é mesquinha
Temática: Obstáculos e Perseverança
A metáfora do trem sugere que a vida tem seu caminho, mas as dificuldades são inevitáveis. O poeta encoraja a não temer os empecilhos, reconhecendo que todos enfrentam desafios em sua jornada.

Mário Quintana (1906 – 1994): reflete sobre a vida e suas dificuldades, sempre com um tom leve e filosófico. A valorização das pequenas coisas da vida e a reflexão sobre o tempo são comuns nas obras de ambos.

Bertolt Brecht (Alemanha, 1898 – 1956): aborda a luta e a resistência frente às adversidades da vida, refletindo sobre a condição humana.

Trova 11. Pela dor da decepção
Temática: Recuperação e Esperança
A dor da decepção é reconhecida, mas expressa um desejo de recuperação. A devolução do amor perdido sugere que a superação é possível, mas exige um retorno ao que foi dado.

Hilda Hilst (1930 – 2004): a dor do amor e a busca por recuperação emocional são temas centrais em sua obra intensa.

John Milton (Inglaterra, 1608 – 1674): explora temas de perda e redenção, especialmente em sua obra mais famosa, "Paraíso Perdido".

Trova 12. Se foi feitiço ou segredo
Temática: Amor e Vulnerabilidade
O trovador reflete sobre o amor vivido com medo, que resulta em uma relação covarde. A ideia de que o amor deve ser destemido é central, sugerindo que a autenticidade é essencial para um amor verdadeiro.

Lya Luft (1938 – 2021): frequentemente aborda o amor e a vulnerabilidade, refletindo sobre as complexidades das relações.

Anne Sexton (EUA, 1928 – 1974): trata do amor e da vulnerabilidade em sua poesia, explorando os medos e as inseguranças que o cercam.

CONCLUSÃO

As trovas de Manoel Cavalcante é marcada por uma riqueza temática que reflete a complexidade da experiência humana. Suas trovas abordam sentimentos universais como amor, solidão, passagem do tempo, e a busca por significado, sempre com um tom introspectivo e lírico. Essa profundidade emocional se alinha a obras de poetas brasileiros e estrangeiros que também exploram essas questões fundamentais.

Cavalcante celebra a beleza e a dor do amor, semelhante a poetas como Vinícius de Moraes, que exalta a paixão em suas várias facetas. A intersecção com Walt Whitman é notável, pois ambos valorizam a conexão humana, enfatizando a importância das relações.

A solidão é um tema recorrente nas trovas, refletindo-se em poetas como Augusto dos Anjos e Fernando Pessoa (em sua heteronímia Álvaro de Campos). Tanto o trovador quanto esses poetas exploram a alienação e a busca por identidade em um mundo muitas vezes indiferente.

A reflexão sobre o tempo e a inevitabilidade da morte permeia a obra de Cavalcante, assim como na poesia de Cecília Meireles e Adélia Prado. Essas vozes também lidam com a transitoriedade da vida, trazendo uma sensibilidade lírica que ressoa com a experiência humana.

O trovador tem um olhar atento ao cotidiano, semelhante a poetas como Mário Quintana, que encontram beleza nas pequenas coisas. Essa apreciação pela simplicidade e pela vida comum é um traço unificador entre eles.

Suas trovas muitas vezes abordam questões existenciais, alinhando-se com a obra de Hilda Hilst e Anne Sexton. Ambos exploram a condição humana e os dilemas internos, refletindo sobre a dor e a busca por significado.

As temáticas de Manoel Cavalcante estabelecem um diálogo rico com a poesia de diversos autores, tanto brasileiros quanto estrangeiros. Sua habilidade de capturar a essência da experiência humana ressoa com a obra de poetas que também buscam entender o amor, a solidão, e a passagem do tempo. Essa interconexão entre diferentes vozes poéticas enriquece a literatura, mostrando que, apesar das particularidades culturais e temporais, as emoções e questões existenciais são universais. Assim, a poesia de Cavalcante não apenas dialoga com outros poetas, mas também se torna um veículo para a reflexão sobre a condição humana, perpetuando sua relevância na tradição literária.

Fonte: José Feldman. 50 Trovadores e suas Trovas em preto e branco. IA Open. vol.1. Maringá/PR: Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

Mensagem na Garrafa = 136 =

APARECIDO RAIMUNDO DE SOUZA 
Vila Velha/ES

O Tempo corre, passa e não retrocede

O TEMPO, SEMPRE O TEMPO! Esse senhor misterioso que nos rodeia a cada dia, que passa, e avança. Ele não para. Vai em frente, segue emparelhado e sorrateiro, grudado em cada um de nós à tiracolo. O tempo, sempre o tempo! Essa criatura carrega consigo uma certeza inabalável. Cada segundo que se esvai é como uma gota de água que escorrega entre os nossos dedos. Portanto, impossível de ser recuperada. Desde o primeiro respirar, até o último, somos marionetes de suas cordinhas escondidas, como se fossem outros fantoches ocultados dançando ao som de uma melodia que nunca estanca.

Às vezes, paramos para refletir. Nesses intervalos de quietude, percebemos como as memórias se acumulam iguais folhas caindo no outono. Cada uma delas traz fragmentos de nós, tipo uma experiência que nos moldou e que embora distante, ainda ecoa em nosso “eu” encoberto. Mas o tempo inexorável não espera por ninguém. Não dá trégua, nem é adepto de um possível armistício. Não dorme, não come, não dá uma folga. Ele se move incessantemente, indiferente ao nosso anseio de reverter o relógio. Aliás, o relógio também não estanca para alicerçar um descanso quando todos os ponteiros se cruzam no mesmo ponto nevrálgico. 

Apenas se cumprimentam, trocam mensagens ocultas e seguem perambulando sem dizer coisa alguma. No entanto, se prestarmos a devida atenção, se não estivermos grudados na tela de um celular assistindo vídeos imbecilizados, notaremos que há uma beleza rara nessa transitoriedade. O tempo, entre tantas facetas que não percebemos, seja por descuido ou negligência, muitas vezes não atinamos por puro descaso. Apesar dos pesares, ele nos ensina a valorizar o agora, a saborear cada instante do hoje, como se fosse o nosso “já,” ou faz bailar aquele antigo jargão piegas, do “ei, cara, pega, agarra e não larga.” Certamente nos deslumbraríamos com um vivenciar edificante e magistral. 

É na urgência açodada de um minuto e outro que descobrimos que o viver que encontramos é exatamente onde se faz presente a verdadeira essência da vida. Cada riso, cada lágrima, cada amor e desilusão compõem uma tapeçaria rica e complexa que, mesmo a gente sabendo que não poderá ser desfeita, num perímetro ainda que fugaz, essa alfombra colocará uma chama de perspectiva em nosso descaso. Nesse tom, ao invés de temê-lo, talvez devêssemos abraçar o tempo com gratidão. Ele nos empurra para frente, nos desafia a evoluir, a deixar nossas marcas no ontem do mundo. O tempo corre, passa faminto de amanhã e não retrocede em busca de migalhas. 

Todavia, deixa em seus calcanhares, um legado: somos todos, sem tirar nem pôr, parte integrante de uma história que continuará a ser escrita, onde cada capítulo nos mostrará uma nova oportunidade de transformação. Lá adiante, no final da caminhada, quando olharmos para o “de onde viemos”, nos será dada a chance, talvez a derradeira, para que possamos fazer tudo o que não fizemos e agradecer com um sorriso de retribuição no rosto, e o melhor de tudo, cientes de que cada instante vivido foi, de fato, precioso. O tempo não retrocede porque a sua natureza é linear e irreversível. Essa característica é intrínseca à forma como percebemos e medimos o tempo do nosso momento presente. 

Cada lance se sucede de maneira contínua. Essa linearidade é refletida em tudo que nos cerca: as estações mudam, as fases da vida se sucedem e as experiências se acumulam. Cada ação e escolha nos molda e deixa marcas que não podem ser apagadas. Essa irreversibilidade nos mostra, nos faz ver, nos ensina a importância de valorizar o presente, a agir com consciência e a aprender com o que deixamos na poeira do passado. Além disso, o tempo também é uma força que impulsiona o crescimento e a transformação. Ele nos dá a oportunidade de prosperar, de superar desafios e de redescobrir a nós mesmos a cada novo dia, toda vez que acordamos. 

Se pudéssemos retroceder, uau!... se pudéssemos descontinuar... talvez não apreciaríamos a beleza ímpar do agora, a riqueza maviosa desse vai e vem incansável e a opulência das lições aprendidas ao longo da estrada que nos trouxe até onde estamos. Por isso o tempo nos sucede, avança, e, nesse eclodir, nos convida a seguir em frente, a correr como ele e a construir uma sequência de coisas novas que não podem ser desfeitas. Em retribuição, nos oferece uma gama incalculável de aprendizado e crescimento. Assim, ao invés de temê-lo, talvez devêssemos abraçar o tempo, esse nosso tempo com o mais glorioso reconhecimento. 

Ele nos empurra com toda força para a frente, nos desafia a evoluir, a deixar nossas marcas no ontem do mundo. O tempo corre, repito, passa e não retrocede, mas deixa em seus passos, melhor dito -, acumula em nossas pegadas, um legado excepcional, qual seja, o de entendermos que somos todos, sem tirar nem acrescentar, parte integrante de uma história que continuará a ser escrita e onde em cada capítulo se consubstanciará em uma nova “porta-oportunidade” de transformação. Lá adiante, no final da caminhada, esperando, sempre que ela seja bem longa, oxalá, quando olharmos para os lugares onde passamos e vivenciamos coisas (todas as coisas) nos seja dada a chance para que possamos sentar à sombra de uma árvore de aconchego caridoso e agradecer com um sorriso vindo não do rosto, mas do mais profundo das nossas entranhas. 

E o melhor de tudo: cientes de que cada instante se fez excepcional, peregrino e privilegiado, ainda que especial e incontroverso. Pois bem! Enquanto o tempo avança e desbrava, e nos leva aos cuidados da dona morte, ele também nos convida a refletir sobre o que realmente importa. O que fazemos com os momentos que temos agora, as conexões que formamos e as experiências que adquirimos. Essas pequenas coisas formam “o todo,” ou alimentam tudo aquilo que dá significado à passagem pelo tempo. Em última análise, levando em conta que mencionamos a morte, falemos um tiquinho apenas dela. A morte pode ser vista não como um fim, como uma parte do ciclo da vida. 

O tempo, sempre o tempo, apesar disso, ele não "supera" a morte, bem entendido, não desbasta, ou não se nivela no sentido de reverter o processo. Contudo, nos incita a encontrar significado e beleza mesmo no inesperado da existência. Essa capacidade de renovar ou desfigurar foi, de fato (se pararmos para pensar e analisar friamente, chegaremos) à conclusão de que tudo o que vivemos e vivenciamos, se fez inesquecível e indubitavelmente precioso. Pense, pois, reflita friamente o que você tem feito com o seu tempo? Olhe em volta, ou melhor, espie para dentro do seu âmago e procure achar a reposta. Faça isso agora. Amanhã?! O amanhã... pode ser tarde demais.

Fonte: Texto enviado pelo autor 

Recordando Velhas Canções (A felicidade)


(Samba, 1959) 

Compositores: Tom Jobim e Vinícius de Moraes

Tristeza não tem fim 
(tristeza não tem fim)
Felicidade sim

A felicidade é como a pluma
Que o vento vai levando pelo ar
Voa tão leve, mas tem a vida breve
Precisa que haja vento sem parar

A felicidade do pobre parece
A grande ilusão do carnaval
A gente trabalha o ano inteiro
Por um momento de sonho, 
pra fazer a fantasia
De rei, ou de pirata, ou jardineira
E tudo se acabar na quarta-feira

Tristeza não tem fim
Felicidade sim
Tristeza não tem fim
Felicidade sim

A felicidade é como a gota de orvalho 
numa pétala de flor
Brilha tranquila
Depois, de leve oscila
E cai como uma lágrima de amor

A minha felicidade está sonhando
Nos olhos da minha namorada
É como esta noite passando, passando
Em busca da madrugada
Falem baixo, por favor
Pra que ela acorde alegre como o dia
Oferecendo beijos de amor 

Tristeza não tem fim
Tristeza não tem fim
Tristeza não tem fim
Tristeza não tem fim
Tristeza não tem fim
Tristeza não tem fim

A Efemeridade da Alegria em 'A Felicidade'
A música 'A Felicidade', é uma reflexão poética sobre a natureza transitória da felicidade em contraste com a persistência da tristeza. A letra utiliza metáforas para descrever a felicidade como algo leve e passageiro, comparando-a a uma pluma levada pelo vento e a uma gota de orvalho numa pétala de flor, que brilha por um momento antes de cair. Essas imagens evocam a ideia de que a felicidade é um estado delicado e efêmero, que depende de condições externas para existir e é facilmente perturbado.

A canção também aborda a felicidade sob a perspectiva social, mencionando a 'felicidade do pobre' durante o carnaval, um período em que as pessoas podem esquecer temporariamente suas dificuldades e se entregar à celebração. No entanto, essa alegria é descrita como uma 'grande ilusão', pois termina abruptamente com o fim da festa. A música sugere que, para muitos, a felicidade é um escape momentâneo da realidade, não uma condição permanente.

Por fim, a letra fala da felicidade pessoal encontrada nos olhos da namorada do narrador, um amor que traz esperança e alegria. No entanto, mesmo esse sentimento é apresentado com cautela, como algo que deve ser preservado e que pode ser tão passageiro quanto a noite que busca a madrugada. A repetição do verso 'Tristeza não tem fim, felicidade sim' reforça a mensagem de que a tristeza é uma constante, enquanto a felicidade é intermitente e preciosa.

Feita para o filme de Marcel Camus “Orfeu do Carnaval”, “A Felicidade” consagrou internacionalmente Agostinho dos Santos (foto), a voz de Orfeu (cantando) no filme. Lamentando o caráter passageiro da felicidade (“Tristeza não tem fim / felicidade sim”), sua letra ostenta alguns dos mais belo versos da música popular brasileira: “A felicidade é como a gota / de orvalho numa pétala de flor / brilha tranquila / depois de leve oscila / e cai como uma lágrima de amor...”.

E como o poema, a melodia é também de alta qualidade. Estimulada pela expectativa de sucesso do filme — que afinal aconteceu, com a premiação da Palma de Ouro em Cannes e o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, em Hollywood —, nossa indústria do disco lançou em 1959 nada menos do que 25 gravações de “A Felicidade” (uma a mais do que “Eu Sei que Vou te Amar”), incluindo-se nessa leva inicial de intérpretes Maysa, Sylvia Telles, João Gilberto, Agostinho dos Santos (que a gravaria cinco vezes em sua carreira), além de instrumentistas como José Menezes, Chiquinho do Acordeom e Moacir Silva.

Detalhe pitoresco é que “A Felicidade” foi praticamente composta numa sucessão de telefonemas, com Jobim no Rio de Janeiro e Vinicius em Montevidéu, onde servia na embaixada brasileira.

Fontes: 
– Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello. A Canção no Tempo. Vol. 2. Editora 34, 1997.

quarta-feira, 25 de setembro de 2024

Varal de Trovas n. 612

 

Mensagem na Garrafa = 135 =

INGRID APARECIDA DITZEL FELCHAK 
Ivaí / PR

Pedro e a Pedra

Neste caminho de cruzes ele nasceu. Franzino e triste pesava mais de dois quilos de aflição. Chegou com as defesas em punho e a coragem à mostra. Lutou com o peito seco da mãe e o abandono do pai. Aos sete anos se viu sozinho no mundo de Deus.

Perambulou pela rodoviária, avenidas e ruas. Desfilou em frente às vitrines e restaurantes. Encontrou e desencontrou amigos. Dormiu namorando as estrelas e teve como cobertor o frio e a garoa. Em algumas ocasiões correu, correu e correu. Completou dezoito anos e começou a labutar. Engraxava, lustrava e o troco guardava. Mas foi naquele dia que tudo mudou.

Na amarga desventura numa pedra tropeçou. Ele, o sobrevivente, agarrou com fé as últimas moedas. Olhou o cartão, marcou e apostou. Não deu outra...

Hoje Pedro mora em Petrolina. Colhe frutas nos vastos pomares. Continua a namorar o céu na noite de São João. Nunca esqueceu o frio que transpassava a alma e a fome que corroía as entranhas. Sempre repete:

– Jamais negue um copo d'água, pão e cobertor, pois na vida você pode tropeçar em uma pedra. A minha guardo até hoje no bolso. Não desgrudo não! A sorte é para todos... Não é, senhor?

(2. lugar na modalidade conto, Estadual, no IV Concurso Literário Foed Castro Chamma, 2023)

Fonte: Luiza Nelma Fillus e Flávio José Dalazona (org.). IV Concurso Literário Foed Castro Chamma 2023. Ponta Grossa/PR: Texto e Contexto, 2023.

Dicas de Escrita (Como escrever uma história de mistério) – Parte 3, final

texto por Lucy V. Hay

ESCREVENDO A HISTÓRIA

1. Use os cinco sentidos para descrever o cenário
Uma das melhores maneiras de criar um ambiente ou atmosfera é focando nos cinco sentidos: visão, audição, olfato, tato e paladar. As descrições de detalhes sensoriais também podem criar bastidores para a personagem. Por exemplo, em vez de dizer ao leitor que o protagonista comeu cereal no café da manhã, você fazer com que ele sinta o gosto dos restos de cereal na boca ou o cheiro do cereal que derramou sobre as mãos.

Pense no que a personagem principal pode ver em um determinado cenário. Por exemplo, se ela morar em uma casa bem parecida com a sua em uma cidade pequena, você pode descrever o quarto dela ou a caminhada até a escola. Se você estiver usando um cenário histórico específico, como a Califórnia dos anos 1970, pode descrever o protagonista em uma esquina qualquer olhando para a arquitetura única ou para os carros que passam.

Considere o que a personagem principal pode ouvir em um determinado cenário. Seu detetive poderá escutar o cantar dos pássaros e os irrigadores sobre os gramados no caminho para a escola ou o ronco dos carros e a quebra das ondas na praia.

Descreva os odores que o protagonista pode sentir em certos locais. Ele pode acordar com o cheiro do café sendo feito na cozinha pelos pais ou ser atingido pelo cheiro da cidade: lixo em decomposição e odor corporal.

Descreva o que sua personagem pode sentir. Pode ser uma brisa leve, uma dor aguda, um choque repentino ou um arrepio pela espinha abaixo. 

Concentre-se em como o corpo dela pode reagir a um sentimento. 

Pense no que o protagonista pode provar. Ele poderá ainda sentir o sabor do cereal que comeu no café ou da bebida da noite anterior.

2. Comece a ação imediatamente
Pule os longos parágrafos de descrição de cenário ou da personagem, especialmente nas primeiras páginas. É importante prender o leitor começando no meio da ação, enquanto seu protagonista se move e pensa.

Seja conciso com a linguagem e a descrição. A maioria dos leitores continua lendo um bom mistério porque se envolve com a personagem principal e quer ver o sucesso dela. Seja breve, porém específico ao descrever o protagonista e a perspectiva que ele tem do mundo.

Por exemplo, "O Sono Eterno" de Chandler começa situando o leitor em um cenário e dando a ele uma noção da perspectiva de Marlowe sobre o mundo: "Eram cerca de onze horas da manhã, em meados de outubro, o sol não brilhava, e uma massa de chuva pesada se aproximava, vindo das montanhas. Eu estava usando meu terno azul-claro acinzentado com camisa azul-escura, gravata, lenço dobrado no bolso, sapatos pretos, meias de lã pretas com bordados azuis. Estava limpo, impecável, barbeado e sóbrio, e não estava ligando se alguém percebia. Eu era tudo o que um detetive particular de boa aparência deve ser. Eu estava batendo à porta de quatro milhões de dólares."

Com esse começo, a história se inicia em ação, com hora, data e cenário específicos. Ela então apresenta a descrição física da personagem principal e de seu cargo. A seção termina com a motivação do protagonista: quatro milhões de dólares. Em três linhas, Chandler cobriu muitos pormenores essenciais da personagem, do cenário e da história. 

3. Mostre, não conte 
Se você disser: "O detetive era descolado", o leitor terá de acreditar na sua palavra. Mas se você mostrar como o detetive era descolado descrevendo a roupa que ele usa e a maneira como ele entra em um cômodo, o leitor poderá ver o quanto isso é verdade. O impacto de mostrar ao leitor certos detalhes é muito mais poderoso do que apenas dizer a ele o que pensar.

Pense em como você reagiria em uma situação se estivesse com raiva ou medo e faça a personagem reagir de maneiras que comuniquem os sentimentos dela sem dizer quais são eles. 

Por exemplo, em vez de: "Stephanie estava com raiva", você poderia escrever: "Stephanie bateu com o copo d'água na mesa tão forte que seu prato se agitou. Ela o encarou e começou a rasgar o fino guardanapo branco em pedaços com os dedos."

Mostrar, em vez de contar, também funciona bem para a descrição de cenário. 

Por exemplo, em "O Sono Eterno", em vez de dizer ao leitor que os Sternwoods eram ricos, Chandler descreve os detalhes luxuosos da propriedade: "Havia portas envidraçadas no fundo do salão, e para além delas se via uma larga extensão de grama cor de esmeralda que ia até uma garagem branca, diante da qual um chofer magro, jovem, em uniforme reluzente, estava polindo um Packard marrom conversível. Depois da garagem viam-se árvores decorativas tão bem tosadas quanto cachorrinhos poodle. Mais adiante, uma enorme estufa com teto em redoma. Então mais árvores e, depois de tudo, a linha sólida, desigual e agradável dos contrafortes das montanhas."

4. Surpreenda o leitor sem confundi-lo
Ao criar um mistério, é importante que a resolução não pareça abrupta ou barata. Tente sempre jogar limpo e surpreender, em vez de confundir o leitor. As pistas apresentadas na história devem levar à solução de maneira lógica e clara apesar das pistas falsas. O leitor vai gostar do final se você o fizer pensar: "Era tão óbvio, eu deveria ter percebido!".

5. Revise o primeiro rascunho
Depois de criar um primeiro esboço do seu mistério, passe pelas páginas e procure por aspectos essenciais, incluindo:

O enredo: garanta que sua história se atenha ao esboço e tenha começo, meio e fim claros. Você também deve confirmar as mudanças sofridas pelo protagonista até o fim da narrativa.

Personagens: todas, incluindo a principal, são únicas e distintas? Elas falam e agem da mesma forma ou são diferentes umas das outras? Parecem originais e cativantes?

Ritmo: trata-se da velocidade com que a ação se move na história. Um bom ritmo parecerá invisível para o leitor. Se a história estiver se movendo muito rápido, deixe as cenas mais longas para explorar as emoções das personagens. Caso a narrativa pareça travada ou confusa, encurte as cenas para incluir apenas informações essenciais. Uma boa regra geral é sempre terminar uma cena mais cedo do que você gostaria. Assim, a tensão não cairá de um momento para o outro, e o ritmo da história será mantido

Referências
1. http://www.publishersweekly.com/pw/by-topic/industry-news/tip-sheet/article/59582-
the-10-best-mystery-books.html
2. http://www.sparknotes.com/lit/bigsleep/summary.html
3. http://www.gutenberg.org/files/1661/1661-h/1661-h.htm
4. https://www.nytimes.com/books/97/07/20/reviews/970720.20careyt.html
5. CHANDLER, Raymond. O Sono Eterno [recurso eletrônico]; tradução Braulio
Tavares. 1ª ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2015.
6. http://www.fictionteachers.com/fictionclass/mystery.htmlhttp://blog.karenwoodward.or
g/2013/10/how-to-write-murder-mystery.html
7. http://blog.karenwoodward.org/2013/10/how-to-write-murder-mystery.html
8. http://www.fictionteachers.com/fictionclass/mystery.html
9. http://www.fictionteachers.com/fictionclass/mystery.html
10. http://www.creative-writing-now.com/how-to-write-a-mystery.html
11. http://www.creative-writing-now.com/how-to-write-a-mystery.html
12. http://www.fictionteachers.com/fictionclass/mystery.html
13. http://www.fictionteachers.com/fictionclass/mystery.html
14. http://blog.karenwoodward.org/2014/03/how-to-write-murderously-goodmystery.html
15. http://www.fictionteachers.com/fictionclass/mystery.html
16. http://www.creative-writing-now.com/how-to-write-a-mystery.html
17. CHANDLER, Raymond. O sono eterno [recurso eletrônico]; tradução Braulio
Tavares. 1ª ed. Rio de Janeiro: Obejtiva, 2015.
18. http://www.creative-writing-now.com/how-to-write-fiction.html
19. http://www.creative-writing-now.com/how-to-write-a-mystery.html
20. http://blog.karenwoodward.org/2013/10/how-to-write-murder-mystery-parttwo.html

Fonte: Wikihow

Recordando Velhas Canções (Bloco da Solidão)


(marcha-rancho/ carnaval, 1971) 

Compositores: Evaldo Gouveia e Jair Amorim

Laia laia laia laia laia laia 
La laia laia la laia 

Angústia solidão
Um triste adeus em cada mão
Lá vai meu bloco vai
Só desse jeito é que ele sai
Na frente sigo eu levo um estandarte
De um amor 
do amor que se perdeu
No carnaval lá vai meu bloco
E lá vou eu também
Mais uma vez sem ter ninguém
No sábado e domingo segunda e terça-feira
E quarta-feira vem o ano inteiro
É todo assim por isso quando eu passar
Batam palmas pra mim

Aplaudam quem sorrir
Trazendo lágrimas no olhar
Merecem uma homenagem
Quem tem forças pra cantar
Tão grande a minha dor pede passagem
Quando sai comigo só
Lá vai meu bloco vai
Laia laia laia laia laia laia 
La laia laia la laia la ia
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 
A Melancolia do Carnaval em 'Bloco da Solidão'
A música 'Bloco da Solidão', é uma obra que explora a dualidade entre a alegria do carnaval e a tristeza da solidão. A letra começa com um refrão repetitivo e melódico, 'Laia laia laia', que remete ao ritmo contagiante das marchinhas de carnaval, mas logo se aprofunda em um tema mais sombrio: a angústia e a solidão. O eu lírico descreve um bloco carnavalesco que, ao invés de celebrar, carrega a tristeza de um amor perdido.

O estandarte que o eu lírico carrega simboliza esse amor que se foi, e o bloco que deveria ser uma manifestação de alegria se transforma em um desfile de dor e saudade. A repetição dos dias da semana, 'sábado e domingo, segunda e terça-feira', sugere que essa tristeza não é passageira, mas uma constante na vida do eu lírico. A quarta-feira de cinzas, que tradicionalmente marca o fim do carnaval, não traz alívio, mas sim a continuidade de um ciclo de solidão.

A música também aborda a força necessária para enfrentar essa dor. O eu lírico pede aplausos não pela alegria, mas pela capacidade de sorrir e cantar mesmo com lágrimas nos olhos. Essa homenagem é um reconhecimento da resiliência diante da adversidade. 'Bloco da Solidão' é, portanto, uma canção que utiliza o carnaval, uma festa tipicamente alegre, como metáfora para explorar sentimentos profundos de perda e solidão, destacando a complexidade das emoções humanas e a capacidade de encontrar força mesmo nos momentos mais difíceis.

Fonte: 
– Letras de Músicas Brasileiras

segunda-feira, 23 de setembro de 2024

Edy Soares (Fragata da Poesia) 58: Planeta do Expurgo

 

Mensagem na Garrafa 134

 


Autor Anônimo
(adaptação do texto de Homero) 
Argos

A história de Argos, o cão que esperou 20 anos pelo retorno de seu dono para poder morrer, é uma das mais tocantes demonstrações de lealdade que o mito grego preserva. Ulisses, o herói que sobreviveu às mais cruéis batalhas e aos desafios épicos da Odisseia, retornava finalmente à sua amada Ítaca. Não era mais o guerreiro robusto e vibrante que partiu para a Guerra de Troia; o tempo e a guerra haviam marcado profundamente seu corpo e sua alma. Sua esposa não o reconheceu. Entre a multidão de rostos que passavam, ninguém sabia quem era aquele homem envelhecido e disfarçado como mendigo. Apenas um ser, silencioso e fiel, viu além do tempo e das aparências.

Argos, o cão que o esperou por duas décadas, mesmo cego, enfraquecido e à beira da morte, soube que Ulisses estava de volta. A ligação entre os dois transcendia o tempo, a guerra, e até mesmo o disfarce do herói. Quando Ulisses cruzou os portões de sua terra natal, Argos, exausto pelos anos de espera, arrastou-se até seu mestre, com o último fio de energia que lhe restava. O olhar de Argos foi o reconhecimento silencioso que Ulisses nunca precisou pedir. Sem poder revelar sua verdadeira identidade para proteger sua missão, Ulisses não pôde chamá-lo, mas suas lágrimas denunciaram a dor e o amor contidos naquele reencontro.

A cauda de Argos balançou uma última vez, um movimento lento, carregado de anos de espera e dedicação. E ali, nos pés do herói que tanto aguardara, Argos deu seu último suspiro. A sua morte simboliza algo maior que a lealdade canina: é a prova de que o amor verdadeiro, mesmo silencioso e paciente, jamais se apaga. Como o mais fiel de todos os companheiros, Argos morreu apenas quando sua missão estava cumprida. O seu dono estava de volta, e só então, o cão pôde descansar.
=============================

SIGNIFICADO

A história de Argos não é apenas um conto de lealdade. É um lembrete profundo de que, por mais distantes que estejamos dos que amamos, o verdadeiro amor sempre reconhece o retorno. Mesmo depois de 20 anos, a alma de Argos nunca esqueceu.

O cão, apesar de inúmeras tentativas infantis de humanizá-lo nos dias de hoje, pelas atribuições de características que não são de sua natureza, completa o homem com sentimentos e emoções que o homem não tem. Invés de tentar torná-lo semi-humano, poderíamos aproximar mais nossos corações do coração canino. E assim, talvez fosse possível absorver esta enorme generosidade, comum entre os cães, mas tão difícil para os homens.

Descrito pela literatura de Homero, no século VIII a.C., a lembrança de Argos, nome grego de significado “o que tem luz”, permanece pela eternidade, afinal todos os cães do mundo são iguais ao fiel amigo Argos.

Laé de Souza (Cada filho tem a mãe que merece)

Mãe tem de todos os tipos, jeitos e manias. Igual à minha, a tua, a do vizinho, a do amigo, a da namorada. Aquela que chega da feira e te traz na cama o pastel de queijo que você tanto gostava quando menino, e que hoje enjoa só de sentir o cheiro. Mas ela vem com tanta festa, que você não tem coragem de recusar. Mais chato ainda quando você está numa ressaca por ter saído à noite com os amigos e ela te acorda: "Olha o pastelzinho do menininho da mamãe." Dá até ânsia.

Tem aquela que quando sabe que o namorado da filha vem para almoçar, se arruma mais do que ela, usa aquela roupa especial e percebe-se no seu jeito um olhar de sedução. Muitas já perderam o namorado e outras evitam apresentá-los à mãe. Mas isso já é aberração da natureza e acontece muito raramente,

Tem as que quando a filha sai para namorar, obrigam a levar o irmãozinho (que sempre é enrolado para não ver nada e quando vê é subornado). Estas, naturalmente, já são ultrapassadas, mas têm algumas que resistem à modernidade. 

Tem a que quer conhecer todos os amigos do filho e saber quem são os pais, se a família tem tradição. Namorada, então, é vigiada constantemente e a qualquer desvio ou comportamento inadequado, um batom mais vermelho, uma saia mais curta ou pequena mostra dos peitos, ela cai de pau em cima e difama a moça, aconselhando o filho que acabe com o romance. 

Tem a que quer os filhos sempre unidos e faz questão de tê-los juntos todos os domingos para o almoço em sua casa. E você tem que fingir que adora aquela macarronada sempre igual, que já era feita pela tua avó. Segurar a mulher para não reclamar e não ter nenhuma encrenca entre as cunhadas e ainda aguentar aquela mais exibida que se apresenta todo santo domingo cheia de badulaques para fazer inveja às outras.

Tem a que não quer que você saia à noite, espera que seja caseiro e não acredita que você cresceu. Pede satisfação de tudo e ainda dá as ordens.

Tem a que reza por você sempre e pede a Deus que tudo de ruim passe de longe e se não tiver jeito, que seja desviado para ela.

Tem a que pega na extensão para ouvir as confidências, que lê o diário às escondidas, que revira os cadernos para verificar as lições ou até um bilhetinho para a colega.

Aquela que quando você diz que vai num lugar às vezes ela aparece de surpresa para conferir. E as que dão a maior força e se tornam cúmplices em tuas traquinagens enfrentando até o pai feroz. 

De qualquer forma, geralmente todas elas amam demais os filhos e passam a se amar menos depois que os têm. Conduzir o comportamento da mãe depende deles. E cada filho tem a mãe que merece. E não esqueçam daquele domingo de maio que é o dia delas. Portanto, nesse dia, demonstrem interesse em ouvir o desenrolar do capítulo da novela que ela te conta e deixe pelo menos um dia de se ligar no rock, dê o direito de ela colocar na vitrola aqueles antigos discos do Roberto. Ela vai adorar.

Fonte: Laé de Souza. Acredite se quiser. SP: Ecoarte, 2000. Enviado pelo autor.

Dicas de Escrita (Como escrever uma história de mistério) – Parte 2

texto por Lucy V. Hay
DESENVOLVENDO SUA PERSONAGEM PRINCIPAL E ESBOÇANDO A HISTÓRIA 

1. Crie o detetive
Sua personagem principal também pode ser um cidadão comum ou o espectador inocente de um crime que se envolve na solução do mistério. Faça um brainstorm de detalhes específicos do seu protagonista, incluindo:

O tamanho e o formato do corpo, a cor do cabelo e dos olhos e quaisquer outras características físicas. 

Por exemplo, você poderá ter uma personagem principal feminina baixinha e com cabelo escuro, óculos e olhos verdes, ou pode querer um detetive mais típico: alto, com o cabelo penteado para trás e a barba por fazer.

Roupas: o vestuário da sua personagem não vai só criar uma imagem mais detalhada para o leitor, mas também pode indicar em que período de tempo sua história se passa. 

Por exemplo, se a personagem principal usa uma armadura pesada e um elmo com um timbre, o leitor perceberá que a narrativa se passa na época medieval. Caso o protagonista use uma blusa com capuz, calça jeans e uma mochila, seus leitores saberão que a história provavelmente se passa na era contemporânea.

O que torna a personagem principal única: é importante criar um protagonista que se destaque para o leitor e que pareça ser cativante o suficiente para sustentar várias páginas em uma história ou romance.

Pense sobre o que a personagem gosta ou não gosta. Talvez sua detetive feminina seja tímida e desajeitada em festas, e tenha uma paixão secreta por répteis. Ou talvez o investigador seja um completo tolo e não se considere esperto ou forte. Concentre-se em detalhes que ajudarão a criar uma personagem principal única e não tenha medo de usar aspectos da sua vida pessoal ou das suas próprias preferências e gostos.

2. Determine o ambiente
Coloque a história em um cenário que você conheça bem, como sua cidade natal ou sua escola, ou faça uma pesquisa sobre um local com o qual não esteja familiarizado, como a Califórnia dos anos 1970 ou a Inglaterra dos anos 1940. 

Se for usar um  espaço que não conhece em primeira mão, concentre-se em contextos específicos, como uma casa de subúrbio na Califórnia dos anos 1970 ou uma pensão na Inglaterra dos anos 1940.

Caso você decida situar a sua história em um período de tempo ou localização com os quais não esteja familiarizado, faça uma pesquisa sobre eles em sua biblioteca local, fontes online ou entrevistas com especialistas em um determinado período de tempo ou espaço. Seja específico em suas pesquisas e durante suas entrevistas para garantir que você obtenha todos os detalhes.

3. Crie o enigma
Nem todos os mistérios precisam ter um assassinato ou crime grave, mas quanto maior o crime, geralmente maiores os riscos na história. Os riscos altos são importantes porque envolvem o leitor e dão a ele uma razão para continuar a ler. As possíveis origens do mistério poderiam ser:

Um item é roubado da sua personagem principal ou de alguém próximo a ela.

Uma pessoa próxima ao protagonista desaparece.

A personagem principal recebe bilhetes ameaçadores ou perturbadores.

O protagonista testemunha um crime.

A personagem principal é convidada para ajudar a resolver um crime.

O protagonista se depara com um mistério.

Você também pode combinar vários destes cenários para criar um mistério com mais camadas. Por exemplo, um item pode ser roubado da sua personagem principal, uma pessoa próxima a ela pode desaparecer, e a personagem pode testemunhar um crime e depois ser convidada para ajudar a resolvê-lo.

4. Decida como vai complicar o enigma ou o mistério
Crie tensão na história tornando difícil para o protagonista resolver o quebra-cabeça. 

Você pode usar obstáculos como outras pessoas ou suspeitos, pistas falsas e enganosas ou outros crimes.

Crie uma lista de possíveis suspeitos que a personagem principal pode encontrar ao longo da história. Você pode usar vários para colocar o detetive ou o leitor na direção errada, criando suspense e surpresa.

Escreva uma lista de pistas. As manobras de diversão são pistas falsas ou enganosas. Sua história será mais forte se você incluir várias manobras desse tipo na história. Por exemplo, a personagem principal poderá encontrar uma pista que aponta para um suspeito, porém mais tarde descobrir que ela na verdade está ligada a outro. Ou o detetive poderá encontrar uma pista sem perceber que ela é crucial para desvendar todo o mistério.

5. Use ganchos para manter a história interessante
O gancho é um momento, geralmente no final de uma cena, em que o protagonista fica em uma situação que o prende ou o coloca em perigo. Ele é importante em um mistério porque mantém o leitor envolvido e impulsiona a história para frente. Possíveis ganchos poderiam ser:

A personagem principal está investigando uma pista sozinha e encontra o assassino.

O protagonista começa a duvidar de suas habilidades e abaixa a guarda, permitindo que o assassino mate novamente.

Ninguém acredita na personagem principal. Ela tenta solucionar o crime sozinha e acaba sendo sequestrada.

O protagonista é ferido e preso em um lugar perigoso.

A personagem principal perderá uma pista importante se não puder sair de um determinado local ou situação.

6. Crie uma resolução ou final
Encerre a história com a solução para o enigma. No final da maior parte dos mistérios, a personagem principal tem uma mudança positiva na perspectiva dela. As possíveis resoluções incluem: 

O protagonista salva alguém próximo a ele ou uma pessoa inocente envolvida no mistério.

A personagem principal se salva e muda por causa de sua coragem ou inteligência.

O protagonista expõe um mau caráter ou uma organização criminosa.

A personagem principal expõe o assassino ou a pessoa responsável pelo crime.

7. Faça um rascunho da história
Agora que você já considerou todos os aspectos, crie um contorno claro da trama. É importante mapear como exatamente o mistério vai se desdobrar antes de sentar para escrever a narrativa, pois assim será possível garantir que não haja pontas soltas. Seu esboço deverá seguir a ordem em que os eventos ou pontos do enredo acontecerão. Ele deve incluir:

A apresentação da personagem principal e do cenário.

O incidente ou crime desencadeador da ação.

A chamada para a ação: o protagonista se empenha na solução do crime.

Testes e tribulações: a personagem principal encontra pistas e potenciais suspeitos e tenta se manter viva enquanto busca a verdade. As pessoas próximas podem ser sequestradas como ameaça.

A provação: o protagonista acredita que encontrou uma pista ou suspeito chave e que resolveu o crime. Esta é uma falsa resolução e uma boa maneira de surpreender o leitor quando ficar provado que a personagem principal entendeu errado.

O grande revés: tudo parece perdido para o protagonista. Ele encontrou o suspeito ou a pista errados, outra pessoa foi morta ou ferida e todos os seus aliados já o abandonaram. Um grande revés vai aumentar a tensão  na história e manter o leitor interessado.

A revelação: a personagem principal reúne todas as partes interessadas, expõe as evidências, explica as pistas falsas e revela quem é o assassino ou culpado
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

continua…

Fonte: Wikihow
https://pt.wikihow.com/Escrever-uma-História-de-Mistério

Recordando Velhas Canções (Desafinado)


(bossa nova, 1959) 

Compositor: Tom Jobim e Newton Mendonça

Se você disser que eu desafino, amor
Saiba que isto em mim provoca imensa dor
Só privilegiados têm ouvido igual ao seu
Eu possuo apenas o que Deus me deu

Se você insiste em classificar
Meu comportamento de anti-musical
Eu mesmo mentindo devo argumentar
Que isto é Bossa Nova, que isto é muito natural
O que você não sabe, nem sequer pressente
É que os desafinados também têm um coração

Fotografei você na minha Roleiflex
Revelou-se a sua enorme ingratidão
Só não poderá falar assim do meu amor
Ele é o maior que você pode encontrar

Você com a sua música esqueceu o principal
Que no peito dos desafinados
No fundo do peito bate calado
Que no peito dos desafinados
Também bate um coração

Se você disser que eu desafino, amor
Saiba que isto em mim provoca imensa dor
Só privilegiados têm ouvido igual ao seu
Eu possuo apenas o que Deus me deu

Se você insiste em classificar
Meu comportamento de anti-musical
Eu mesmo mentindo devo argumentar
Que isto é Bossa Nova, que isto é muito natural
O que você não sabe, nem sequer pressente
É que os desafinados também têm um coração

Fotografei você na minha Roleiflex
Revelou-se a sua enorme ingratidão
Só não poderá falar assim do meu amor
Ele é o maior que você pode encontrar

Você com a sua música esqueceu o principal
Que no peito dos desafinados
No fundo do peito bate calado
Que no peito dos desafinados
Também bate um coração

A Harmonia do Amor Além da Música em 'Desafinado'
A canção 'Desafinado', é um clássico da Bossa Nova que aborda a temática da imperfeição e da sensibilidade humana através da metáfora da desafinação musical. A letra, escrita por Newton Mendonça com música de Tom Jobim, utiliza a crítica de desafinar como um ponto de partida para discutir a aceitação das imperfeições humanas e a profundidade dos sentimentos.

O eu lírico da canção se dirige a um amor que o critica por desafinar, expressando a dor que essa crítica lhe causa. A desafinação aqui pode ser vista como uma metáfora para as imperfeições que todos possuem, e a dor mencionada é a dor da rejeição e do não reconhecimento. A música sugere que, assim como na Bossa Nova, onde a desafinação pode ser vista como uma característica natural e até desejável, as imperfeições humanas também devem ser aceitas e compreendidas.

Além disso, a canção destaca a importância do amor e dos sentimentos, que são tão ou mais importantes do que a perfeição técnica. O refrão 'no peito dos desafinados também bate um coração' reforça a ideia de que, independentemente das habilidades ou da perfeição, todos têm emoções e merecem amor e compreensão. A música é um apelo à empatia e ao reconhecimento da humanidade compartilhada, independentemente das falhas de cada um.

Soando como a coisa mais estranha que aparecera até então na música brasileira, a primeira gravação de “Desafinado” (Odeon), lançada em fevereiro de 59, já mostrava tudo o que a bossa nova oferecia de inovador e revolucionário: o canto intimista, a letra sintética, despojada, o emprego de acordes alterados e, sobretudo, um extraordinário jogo rítmico entre o violão, a bateria e a voz do cantor.

Responsável por este jogo rítmico, seu interprete, João Gilberto, assumia assim de imediato um papel destacado no trio — completado pelo compositor Tom Jobim e o poeta Vinícius de Moraes que, criando a bossa nova, alteraria de forma irreversível o curso de nossa música popular. Apenas com Tom e Vinicius teríamos certamente uma música moderna, sofisticada, renovadora, mas que não seria o que se chamou bossa nova.

A melodia de “Desafinado” é bastante “torta” (“era mais ainda na concepção original. O João é que alterou alguma coisa na hora de gravar”, informa Tom Jobim) em razão principalmente de uma engenhosa alteração no quinto e sexto graus da escala na frase inicial (“Se você disser que eu desafino, amor”) que recai sobre as sílabas “de” (de “de-sa-fino”), “a” e “mor” (de “a-mor”).

Ao sustenizar a dominante e bemolizar a super-dominante, foram produzidos intervalos melódicos inusitados para os padrões da música brasileira da época, a ponto de dificultar a interpretação de alguns cantores menos dotados. Localizando essa alteração sobre a palavra “desafino”, os autores criaram a impressão de que o cantor semitonava, ou seja desafinava, o que levou muita gente a achar João Gilberto um cantor desafinado. Ao mesmo tempo, a batida deslocada do violão e o contratempo da percussão confundiram os músicos, provocando estupefação geral.

Tanta novidade apresentada numa única composição a levaria inevitavelmente ao sucesso, que se estenderia ao exterior. Nos Estados Unidos, por exemplo, o single de “Desafinado”, com Stan Getz e Charlie Byrd, gravado em 1962, ultrapassou a marca de um milhão de cópias e recebeu o prêmio Grammy de melhor performance de jazz. O fonograma foi extraído do álbum Jazz samba, que permaneceu setenta semanas no hit-parade americano e também ultrapassou a marca de um milhão de cópias. Esta gravação é considerada o marco inicial da bossa nova nos Estados Unidos.

Fontes: 
– Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello. A Canção no Tempo. Vol. 2. Editora 34, 1997.