sábado, 15 de fevereiro de 2025

S. Weir Mitchell (Um dilema)

Eu tinha apenas trinta e sete anos quando meu tio Philip morreu. Uma semana antes desse evento ele mandou me chamar; e aqui deixe-me dizer que nunca lhe tinha posto os olhos. Odiava a minha mãe, mas não sei porquê. Ela me contou muito antes de sua última doença que não preciso esperar nada do irmão do meu pai. Ele era um inventor, um engenheiro mecânico capaz e engenhoso e ganhou muito dinheiro com sua melhoria nas rodas das turbinas. Ele era solteiro; morava sozinho, preparava suas próprias refeições e pedras preciosas coletadas, especialmente rubis e pérolas. Desde quando ganhou seu primeiro dinheiro, ele teve essa mania. Como ele enriqueceu-se, possuiu o desejo de possuir joias raras e caras mais e mais. Quando comprou uma pedra nova, carregou-a em seu bolso por um mês e de vez em quando tirava e olhava para ele. Em seguida, foi adicionado à coleção em seu cofre na empresa fiduciária.

Na época em que ele me mandou chamar, eu era escriturário e era pobre o suficiente. Relembrando as palavras da minha mãe, a mensagem dele me deu, sendo ele único parente, sem novas esperanças, mas achei melhor ir.

Quando me sentei ao lado de sua cama, ele começou, com um sorriso malicioso:

“Suponho que você me ache estranho. Eu vou explicar.” O que ele disse que certamente era estranho o suficiente. “Eu tenho vivido com uma renda anual na qual coloquei minha fortuna. Ou seja, eu tenho sido, quanto ao dinheiro, metade concêntrica da minha vida para me capacitar ser tão excêntrico quanto quis o resto. Agora eu arrependo-me de minha maldade para com todos vocês e desejo viver na memória de pelo menos um da minha família. Você acha que eu sou pobre e tenho apenas minha renda anual. Você ficará lucrativamente surpreso. Nunca me separei das minhas pedras preciosas; eles serão suas. És o meu único herdeiro. Levarei comigo para o outro mundo a satisfação de fazer um homem feliz.

“Sem dúvida você sempre teve expectativas, e eu desejo que você deva continuar a esperar. Minhas joias são o meu seguro. Não sobrou mais nada.”

Quando agradeci, ele sorriu em todo o seu rosto magro, e disse:

“Você terá que pagar pelo meu funeral.”

Devo dizer que nunca ansiava por qualquer despesa com mais prazer do que com o que me custaria colocar ele na terra. Quando me levantei para ir, ele disse:

“Os rubis são valiosos. Eles estão no meu cofre na empresa fiduciária. Antes de desbloquear a caixa, tenha muito cuidado ao ler uma carta que esteja em cima dela, e certifique-se de não fazê-lo agitando a caixa.” Eu pensei que isso fosse estranho. “Não force. Não vai apressar as coisas.”

Ele morreu naquela semana e foi lindamente enterrado. Um dia depois, seu testamento foi encontrado, deixando-me seu herdeiro. Eu abri seu cofre, não encontrei nele nada além de uma caixa de ferro, evidentemente de sua própria autoria, pois ele era um trabalhador habilidoso e muito engenhoso. A caixa era pesada e forte, cerca de dez polegadas de comprimento, 20 centímetros de largura e 20 centímetros de altura. Nele estava um carta para mim. Estava escrito assim:

“Querido Tom: Esta caixa contém um grande número de rubis finos de sangue de pombo e muitos diamantes; um é azul — a beleza. Existem centenas de pérolas únicas, as famosas pérolas verdes e um colar de pérolas azuis, para os quais qualquer mulher venderia sua alma —ou seus afetos.” Pensei em Susana. “Desejo que você continue tendo expectativas e continuamente para lembrar seu querido tio. Eu teria deixado essas pedras para alguma caridade, mas odeio tanto os pobres como odeio muito mais o filho da sua mãe — sim.

“A caixa contém um mecanismo interessante, que irá com certeza ao desbloqueá-lo e explodir dez onças do meu dinamite — melhorado e supersensível, para ser preciso, são apenas nove onças e meia. Duvida de mim, e abre isso, e você será transformado em átomos. Acredite em mim, e em você continuará a nutrir expectativas que nunca serão cumpridas. Como homem atencioso, aconselho extremo cuidado manuseando a caixa. Não se esqueça do seu carinhoso 
Tio.”

Fiquei chocado, com a chave na mão. Era verdade? Era mentira? Eu tinha gasto todas as minhas economias no funeral, e estava mais pobre do que nunca.

Lembrando a estranheza do velho, sua malícia, sua esperteza nas artes mecânicas, e o explosivo patenteado que tinha ajudado a torná-lo rico, comecei a sentir como isso era muito provável que ele havia dito a verdade nesta carta cruel.

Levei a caixa de ferro para meu alojamento e a coloquei no chão com cuidado em um armário, coloquei uma chave nele e tranquei o armário.

Então sentei-me, ainda esperançoso, e comecei a engendrar a minha engenhosidade nas formas de abrir a caixa sem ser morto. Devia haver uma maneira.

Depois de uma semana de pensamentos vãos, um dia pensei em mim, que seria fácil explodir a caixa desbloqueando-a à distância segura, e arranjei um plano com fios, que parecia como se respondesse. Mas quando refleti sobre o que faria acontecer quando a dinamite espalhasse os rubis, eu sabia que eu não deveria ser mais rico. Durante horas seguidas sentei-me olhando para aquela caixa e manuseando a chave.

Finalmente pendurei a chave no meu guarda-relógio, mas então ocorreu-me que poderia ser perdido ou roubado. Temendo isso, eu escondi, com medo de que alguém pudesse usá-lo para abrir a caixa. Esse estado de dúvida e medo durou semanas, até que me tornei nervoso e comecei a temer que algum acidente pudesse acontecer com aquela caixa. Um ladrão pode vir e carregá-lo corajosamente e forçá-lo a abrir e descubra que foi uma fraude perversa do meu tio. Até mesmo o estrondo e a vibração causados pelos carros pesados na rua se tornou um terror.

Pior de tudo, meu salário foi reduzido, e eu vi que aquele casamento estava fora de questão.

No meu desespero consultei o Professor Clinch sobre o meu dilema e quanto a alguma maneira segura de chegar aos rubis. Ele disse que, se meu tio não tivesse mentido, não havia ninguém que não estragaria as pedras, especialmente as pérolas, mas sim foi uma história boba e totalmente incrível. Ofereci-lhe o maior rubi, se quisesse testar sua opinião. Ele não desejou fazê-lo.

Dr. Schaff, médico do meu tio, acreditou na carta do velho, e acrescentou uma cautela, que foi totalmente inútil, por isso tinha hora em que eu tinha medo de estar na sala com aquela caixa terrível.

Por fim, o médico gentilmente me avisou que eu estava em perigo de perder a cabeça pensando demais nos meus rubis. Na verdade, não fiz mais nada além de inventar planos selvagens para chegar a eles com segurança. Passei todas as minhas horas livres em uma das grandes bibliotecas lendo sobre dinamite. Na verdade, falei sobre isso até os atendentes da biblioteca, acreditando que sou um lunático ou um dinamitador, recusaram-se a me agradar e falaram com a polícia. Suspeito que por um tempo fui taxado como suspeito, e possivelmente criminoso. Desisti das bibliotecas e, ficando cada vez mais temeroso, coloquei minha preciosa caixa num embaixo de um travesseiro, por medo de ser sacudido; pensando nisso, até a possibilidade absurda de ser perturbado por um terremoto me perturbou. Tentei calcular o montante de tremor necessário para explodir minha caixa.

O velho médico, quando o vi novamente, implorou-me que parasse tudo, pensou no assunto e, como senti, quão completamente eu era escravo de uma ideia despótica, tentei aceitar o bom conselho assim me dado.

Infelizmente, encontrei, logo depois, entre as folhas da Bíblia do tio, uma lista numerada das pedras com o seu custo ao lado. Estava datado dois anos antes da morte dele. Muitas das pedras eram bem conhecidas e seu valor enorme me surpreendeu.

Vários dos rubis foram descritos com cuidado e histórias curiosas deles foram fornecidas em detalhes. Dizia-se que um era o famoso “Sunset ruby,” que pertenceu à Imperatriz-Rainha Maria Teresa. Um deles foi chamado de “Blood ruby,” não, como foi explicado, por causa da cor, mas por conta dos assassinatos que ocasionou. Agora, enquanto leio, isso parecia novamente ameaçar a morte.

As pérolas foram descritas com cuidado como uma coleção inigualável. Em relação a dois deles, meu tio escreveu o quê eu poderia chamar as biografias delas — pois, na verdade, elas pareciam ter feito muito mal e algum bem. Uma, uma pérola negra, foi mencionada em uma antiga nota fiscal como “She”— o que parecia estranho para mim.

Foi enlouquecedor. Aqui, guardado por uma visão repentina mortal, era riqueza “além dos sonhos de avareza.” Eu não sou um homem inteligente ou engenhoso; Eu sei pouco além de como manter um livro-razão, e então eu era, e sou, sem dúvida, absurdas muitas das minhas noções sobre como resolver esse enigma.

Certa vez pensei em encontrar um homem que aceitasse o risco de desbloquear a caixa, mas que direito eu tinha de sujeitar mais alguém ao julgamento que não ousei enfrentar? Eu poderia facilmente largar a caixa de uma altura em algum lugar, e se ela não explodisse poderia então desbloqueá-la com segurança; mas se explodisse quando caísse, adeus aos meus rubis. Meu, de fato! Eu era rico, e eu não estava. Fiquei magro e mórbido, e tão miserável que, sendo um bom católico, finalmente levei meus problemas para um padre confessor. Ele achou isso simplesmente uma brincadeira cruel da parte do meu tio, mas não estava tão ansioso por outro mundo a ponto de estar disposto a abrir a minha caixa. Ele também me aconselhou a parar de pensar sobre isso. Céus! Sonhei com isso. Não para pensar sobre isso era impossível. Nem meu próprio pensamento, nem ciência, nem a religião, foi capaz de me ajudar.

Dois anos se passaram e eu sou um dos homens mais ricos na cidade, e não tenho mais dinheiro que me manterá vivo.

Susan disse que eu estava meio maluco como o tio Philip e rompi o noivado com ela. Em meu desespero anunciei no “Journal of Science,” e tiveram esquemas absurdos me enviados às dúzias. Por fim, como falei muito sobre isso, a coisa ficou tão conhecida, que coloquei o horror em um cofre, no banco, Eu estava prontamente desejando retirá-lo. Tinha medo constante de ladrões e minha senhoria me deu aviso para sair, porque ninguém ficaria em casa com aquela caixa. Agora sou aconselhado a imprimir minha história e aguardar conselhos da engenhosidade da mente americana.

Mudei-me para os subúrbios e escondi a caixa e mudei meu nome e minha ocupação. Isto fiz para escapar da curiosidade dos repórteres. Eu deveria dizer isso quando o funcionários do governo souberam da minha herança, eles mesmos razoavelmente desejando cobrar o imposto sucessório sobre a propriedade do meu tio.

Fiquei encantado em ajudá-los. Contei a minha história a um colecionador, e mostrei-lhe a carta do tio Philip. Então ofereci-lhe a chave, e pediu tempo para chegar a meia milha de distância. Isso o homem disse que iria pensar bem e voltar mais tarde.

Isto é tudo o que tenho a dizer. Fiz um testamento e deixei os meu rubis e pérolas para a Sociedade para a Prevenção da Vivissecção Humana. Se algum homem pensa que este relato é uma piada ou uma invenção, deixe-o imaginar friamente a situação:

Dada uma caixa de ferro, conhecida por conter riqueza, que supostamente contém dinamite, disposta para explodir quando a chave puder desbloqueá-lo — o que qualquer homem são faria? O que ele aconselharia?
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SILAS WEIR MITCHELL (1829–1914) médico pioneiro em doenças nervosas e um autor de sucesso. Mitchell começou sua carreira médica pesquisando veneno de cascavel. Com a eclosão da Guerra Civil, ele mudou de foco, começando a trabalhar como cirurgião contratado no Turner's Lane Hospital da Filadélfia, especializado em doenças nervosas. Mitchell também desenvolveu um tratamento para os diagnósticos para neurastenia (exaustão física e mental) e histeria. Além de sua pesquisa médica e prática privada, Mitchell também fez carreira como autor. Publicou vários contos, 19 romances, uma biografia de George Washington e 7 livros de poesia.

Fonte:
Modern Short Stories: A Book for High Schools. New York: The century Co., 1921. (traduzido do inglês por GP Dell’Orso). Disponível em Domínio Público. 
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Lima Barreto (O desconto)

Como foi contado, o khanato de Al-Bandeirah, depois de arrotar muita farofa, que fazia e acontecia, acabou por comprar a não invasão das tropas de Abu-al-Dhudut por bom dinheiro.

Essa província de Al-Bandeirah, como se sabe já, é governada por vários magnatas e algumas famílias, entre aqueles conta-se o sidi Cinsin-ben-Nhato que é, a bem dizer, o general da oligarquia do khanato.

Ele, quando os tais cultivadores de tâmaras gastam à vontade e ficam encalacrados, corre ao sultão e diz cheio de choro e lábia:

— Majestade; os cultivadores de tâmaras estão morrendo à fome; o produto da venda não paga as despesas que dá o seu cultivo; os grandes empregam toda a sua fortuna para que ele baixe.

Aí ele faz uma pausa e continua alteando a voz:

]— É preciso que Vossa Majestade vá ao encontro das necessidades dessa pobre gente que tanto concorre para a grandeza do reino que é de Vossa Majestade.

— Mas como, sidi?

— Como? Dando-lhes dinheiro, Majestade.

— Não tenho. O meu tesouro está esgotado.

— Majestade: o poder de Vossa Majestade é grande e há um meio.

— Qual?

— Vossa Majestade decrete um imposto sobre os mendigos do reino, que haverá dinheiro para socorrer os miseráveis cultivadores de tâmaras.

Os sultões todos lhe fazem a vontade e os de Al-Bandeirah se blasonam de ricos e trabalhadores.

Há outros casos que hei de contar-lhes, mas agora quero lembrar um muito típico.

Os tais de Al-Bandeirah tinham, como já foi narrado, comprado um príncipe irmão de Abu-al-Dhudut, para que este não invadisse com as suas tropas o khanato.

O príncipe, que era seguro, foi em pessoa buscar o preço do negócio.

Trotou várias e muitas léguas em camelo e chegou à capital da província ex-semirrebelde.

Falou ao khan e este mandou ordem ao seu tesoureiro, para que lhe pagassem 350 mil piastras.

O irmão de Abu foi logo à presença do funcionário, que lhe disse:

— Príncipe: Vossa Alteza poderá ir para o palácio de Vossa Alteza que o dinheiro irá lá ter.

De fato, assim foi e um empregado do tesouro lá chegou com os sacos de ouro.

Esperou este que o príncipe contasse o dinheiro. Acabou e exclamou furioso: — Mas faltam trinta e cinco mil piastras.

— Príncipe: é a minha porcentagem. Dez por cento. 

O irmão de Abu calou-se.
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AFONSO HENRIQUES DE LIMA BARRETO nasceu em 1881, na cidade do Rio de Janeiro. Era negro e de família pobre. Sua mãe era professora primária e morreu de tuberculose quando Lima Barreto tinha 6 anos. Seu pai era tipógrafo, porém sofria de doença mental. Mas tinha um padrinho com posses – o Visconde de Ouro Preto (1836-1912) –, o que permitiu que o escritor estudasse no Colégio Pedro II. Depois, ingressou na Escola Politécnica, mas não concluiu o curso de Engenharia, pois precisava trabalhar. Em 1903, fez concurso e foi aprovado para atuar junto à Diretoria do Expediente da Secretaria da Guerra. Assim, concomitantemente ao trabalho como funcionário público, escrevia os seus textos literários.  Em 1905, trabalhou como jornalista no Correio da Manhã. Lançou, em 1907, a revista Floreal. Em 1909, o seu primeiro romance foi editado em Portugal: Recordações do escrivão Isaías Caminha. O romance Triste fim de Policarpo Quaresma foi publicado, pela primeira vez, em 1911, no Jornal do Comércio, em forma de folhetim. Em 1914, Lima Barreto foi internado em um hospital psiquiátrico pela primeira vez. Se candidatou três vezes a uma vaga na Academia Brasileira de Letras, recebeu dela, apenas uma menção honrosa em 1921. Morreu em 1922.

Fontes:
Lima Barreto. Histórias e sonhos: Contos argelinos. 2. ed. 1951. Disponível em Domínio Público.  
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sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Erigutemberg Meneses (Cascata de versos) 11


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JOSÉ ERIGUTEMBERG MENESES DE LIMA nasceu em Fortaleza/CE, radicou-se em Blumenau/SC. Advogado aposentado do Banco do Brasil, com graduação em Ciências Econômicas e Direito pela FURB - Fundação Universidade Regional de Blumenau, dedica-se às letras, escrevendo prosa na forma de crônicas, contos, ensaios, textos jurídicos e poesia, especialmente, sonetos. Publicou "Raptos Líricos" - Sonetos, 2005; Portas da Solidão pela Fundação Cultural de Blumenau, 1996. 

A. A. de Assis (O passado foi ontem)

Rua do Café, onde a moçada fazia o footing* nas noites de sábados e domingos

Deu-se há um tempão bem grande o anteontem do mundo – um monte de milhões de anos. Mas o ontem aconteceu há pouquinhas décadas, um século no máximo, quase assim “que nem que eu”, que nasci quando as coisas estavam apenas começando a mudar para o futuro.

Em 1940 eu menino estudava no Grupo Escolar Barão de Macaúbas, em São Fidélis-RJ. A humanidade vivia então o drama da Segunda Guerra Mundial. No Brasil vigorava a ditadura de Getúlio Vargas. Televisão era ainda um sonho. O rádio já falava e cantava, mas com chiados e um barulhinho chamado “estática”. A música era romântica: valsa, bolero, samba canção. Os pares dançavam com os rostos colados. Telefone, daqueles de manivela, era um luxo só de rico. Geladeira também. O trem era o maria-fumaça. O ônibus era daqueles de focinho com bagageiro no teto.

Havia em nossa cidadinha somente uma rua calçada, a Rua do Café, onde a moçada fazia o footing nas noites de sábados e domingos. Os rapazes ficavam em pé de um lado e do outro da rua, enquanto as garotas passavam pra lá e pra cá, de braços dados. No mês da festa do padroeiro o footing mudava para a praça em frente à igreja, em meio às barraquinhas e maxambombas.

O “veículo” mais comum era o cavalo. Umas poucas pessoas tinham charretes; outras, mais raras, tinham bicicletas. Automóveis, só dois, que funcionavam como “carros de aluguel” – o do Orbílio (um pé-de-bode daqueles com capota de lona) e o do Theodoro (um estiloso sedanzinho preto).

Aí um fato novo se deu quebrando a rotina. Um jovem e arrojado comerciante, Zito Simão, foi ao Rio de Janeiro e comprou um carrão V-8. Por falta de estradas rodáveis para o interior, ele despachou o veículo de trem. No dia da chegada, a estação lotou de gente atraída pela emoção de receber o primeiro automóvel de luxo da pacata urbe. Zito estava lá, de terno branco e gravata borboleta, pronto para pilotar o possante sob os aplausos dos conterrâneos.

Parece coisa de outroríssimas eras. Mas foi “ontem” sim. Faz só 80 anos.

 (Crônica publicada na edição de hoje do Jornal do Povo)
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* footing = local numa cidade onde se faz passeio, especialmente com objetivo de arranjar namorado(a).
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Antonio Augusto de Assis (A. A. DE ASSIS), poeta, trovador, haicaísta, cronista, premiadíssimo em centenas de concursos nasceu em São Fidélis/RJ, em 1933. Radicou-se em Maringá/PR desde 1955. Lecionou no Departamento de Letras da Universidade Estadual de Maringá, aposentado. Foi jornalista, diretor dos jornais “Tribuna de Maringá”, “Folha do Norte do Paraná” e das revistas “Novo Paraná” (NP) e “Aqui”. Algumas publicações: Robson (poemas); Itinerário (poemas); Coleção Cadernos de A. A. de Assis – 10 vol. (crônicas, ensaios e poemas); Poêmica (poemas); Caderno de trovas; Tábua de trovas; A. A. de Assis – vida, verso e prosa (autobiografia e textos diversos). Em e-books: Triversos travessos (poesia); Novos triversos (poesia); Microcrônicas (textos curtos); A província do Guairá (história), etc.

Fontes:
https://angelorigon.com.br/2024/12/05/o-passado-foi-ontem/
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Renato Frata (Em uma tarde de outono)

Na languidez de um olhar ao poente em uma tarde de outono, como se perdido na imensidão, fundem-se as cores da saudade e nessa introspecção silenciosa a noite, de manso, acolhe para si as inspirações para bordá-las com agulhas de tricô em movimentos constantes e medidos. 

Usa o esgarçado de nuvens que o vento raleou para juntá-las aqui e ali e vai cosendo como a um véu que a cobrirá em pétalas de bons pensamentos, de bons sentimentos que o olhar saudoso carrega em si; e não há maior sinceridade que nesse instante, eis que desprovido de outro sentimento que não o amor.

Produto da lembrança, a saudade revive apenas o aprazível na mais perfeita simbiose entre o querido, o lembrado e o vivido; e consegue nele colocar de volta na mesma intensidade o sabor que se sentiu, o olor que se absorveu, a sensação que se marcou indelével e que embora invisível, se perpetua no tempo haja quantos lembrares se possa ter.

Sentimento que enlaça a ausência em abraço apertado ao fazer dela a um só tempo escudo como arma de defesa, e corpo estranho a incomodar como a de ataque. Ele nos impele a querer de novo e de novo o momento saudoso movido por um suave desejo de reproduzir à distância o que se experimentou na presença. 

Por isso sonhamos de olhos abertos, parados, absortos, vagueantes e extasiados.

É desejo impossível, claro o de reviver momentos, por isso, apesar de gratificante, a saudade consegue machucar. É como tentar atrasar voltando o ponteiro do tempo, esse que uniu urdindo no seu emaranhado a teia de nossos sentimentos e, por si, nesse alinhavo, promoveu a passagem do momento produtor da saudade lembrada.

Nesse aspecto, o tempo é ingrato e não pensa, não possui memória e nem lembrança. Na sua constância – que os homens medem por segundos, minutos, horas, dias, semanas, meses, anos, séculos, eras - ele segue sem qualquer objeção nas dimensões do universo. Nós, com o nosso sentimento é que lhe damos a conotação de rapidez e de demora, o chamado ‘espaço-tempo’ na tentativa de demonstrar que são indissociáveis quando os ligamos a um acontecimento que nos faz feliz, ao tempo que coloca em nossa mente o desejo de quero mais.

Por que nessa receita há uma tarde de outono e não de qualquer outra estação do ano? Serão elas menos apropriadas ao bom sentimento saudade? Creio que não, mesmo porque a saudade não possui folhinha e nem parede onde possa ser pregada a se despetalar a cada dia. 

Outono porque é a estação mais colorida: ela possui o cinza do inverno, o brilho do verão, a vivacidade colorida da primavera e se faz, nesse contexto, a união do bom e perfeito que todas possuem.

Quem tentar, verá que tenho razão.
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RENATO BENVINDO FRATA, trovador e escritor, nasceu em Bauru/SP, em 1946, radicou-se em Paranavaí/PR. Formado em Ciências Contábeis e Direito. Além de atuar com contador até 1998, laborou como professor da rede pública na cadeira de História, de 1968 a 1970, atuou na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Paranavaí, (hoje Unespar), atualmente aposentado. Atua ainda, na área de Direito. Fundador da Academia de Letras e Artes de Paranavaí, em 2007, tendo sido seu primeiro presidente. Acadêmico da paranænse Confraria Brasileira de Letras. Seus trabalhos literários são editados pelo Diário do Noroeste, de Paranavaí e pelos blogs:  Taturana e Cafécomkibe, além de compartilhá-los pela rede social. Possui diversos livros publicados, a maioria direcionada ao público infantil.

Fontes:
Texto enviado pelo autor. 
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Estante de Livros ("O Gato que Veio para o Natal", de Cleveland Amory)

"O Gato que Veio para o Natal" é um livro escrito por Cleveland Amory, publicado originalmente em 1987. É uma obra encantadora que mistura humor, emoção e amor pelos animais, especialmente pelos gatos. 

RESUMO

O livro começa durante a época de Natal, quando Cleveland Amory, um conhecido autor e defensor dos direitos dos animais, resgata um gato branco das ruas de Nova York. Amory é inicialmente relutante em adotar o gato, mas rapidamente se apega ao felino, que ele chama de "Polar Bear" (Urso Polar) devido à sua aparência.

A narrativa segue a evolução do relacionamento entre Amory e Polar Bear, explorando as aventuras e desventuras da dupla. O gato, que inicialmente parece ser indiferente e independente, lentamente começa a mostrar seu carinho e lealdade a Amory. 

Ao longo do livro, Amory compartilha histórias cômicas e tocantes sobre a vida com Polar Bear, incluindo as peculiaridades do gato e as várias maneiras pelas quais ele enriquece a vida de seu dono.

O livro também aborda temas mais amplos, como a importância da adoção de animais, o amor incondicional que os animais de estimação podem oferecer e a conexão profunda que pode se formar entre humanos e seus companheiros animais. Amory usa sua experiência pessoal para promover a conscientização sobre o tratamento ético dos animais e a necessidade de respeito e cuidado pelos nossos amigos peludos.

1. TEMAS PRINCIPAIS

Amizade e Companheirismo: 
O livro destaca a profunda amizade que pode se desenvolver entre um ser humano e um animal de estimação. Amory e Polar Bear formam um vínculo que transcende as barreiras de espécie, mostrando como os animais podem ser companheiros leais e amorosos.

Adoção e Resgate de Animais: 
Amory aborda a importância de adotar animais abandonados e resgatá-los das ruas. Ele mostra como um ato de bondade pode transformar a vida de um animal e, ao mesmo tempo, trazer alegria e significado para a vida de quem adota.

Humor e Emoção: 
O autor mistura humor e emoção em sua narrativa, criando uma leitura envolvente e cativante. As histórias cômicas sobre as travessuras do gato são equilibradas por momentos tocantes que mostram o impacto positivo do gato na vida de Amory.

Defesa dos Direitos dos Animais: 
Como defensor dos direitos dos animais, Amory usa o livro para promover a conscientização sobre o tratamento ético dos animais. Ele defende a necessidade de respeito, cuidado e compaixão pelos animais, destacando a importância de protegê-los e tratá-los com dignidade.

2. ESTILO DE ESCRITA

Cleveland Amory escreve com um estilo leve e acessível, tornando o livro uma leitura agradável e envolvente. Ele usa uma linguagem simples, mas eficaz, para transmitir suas histórias e experiências. O humor é uma marca registrada de sua escrita, e ele consegue encontrar o equilíbrio perfeito entre momentos engraçados e emocionantes.

3. PERSONAGENS

Cleveland Amory: Como personagem principal e narrador, Amory é um autor e defensor dos direitos dos animais que compartilha suas experiências de vida com o gato Polar Bear. Sua personalidade é carismática e apaixonada, e ele se mostra um verdadeiro amante dos animais.

Polar Bear: O gato branco resgatado por Amory é o co-protagonista do livro. Sua personalidade é cativante e cheia de peculiaridades, e ele se torna uma figura central na vida de Amory. A relação entre os dois é o coração da narrativa.

4. IMPACTO E RELEVÂNCIA

"O Gato que Veio para o Natal" teve um impacto significativo tanto em amantes de gatos quanto em defensores dos direitos dos animais. O livro sensibilizou muitos leitores sobre a importância da adoção de animais e o tratamento ético dos mesmos. Além disso, a obra de Amory inspirou muitos a considerar a adoção de animais abandonados e a se engajar na defesa dos direitos dos animais.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

"O Gato que Veio para o Natal" é uma obra tocante e inspiradora que combina humor, emoção e uma mensagem importante sobre o cuidado com os animais. Cleveland Amory oferece uma visão sincera e apaixonada sobre a vida com um gato resgatado, destacando a importância do amor e da compaixão pelos nossos amigos animais. O livro continua a ressoar com leitores de todas as idades, tornando-se um clássico entre os amantes de gatos e defensores dos direitos dos animais.

Fontes:
José Feldman. Estante de livros. Maringá/PR: I. A. Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Montagem da Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing com capa do livro

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

Jerson Brito (Asas da poesia) 10

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JERSON LIMA DE BRITO, nasceu em Porto Velho/RO, em 1973, onde reside. Graduado em Administração e Direito pela Fundação Universidade Federal de Rondônia. Sonetista, trovador e cordelista, é membro fundador da Academia Brasileira de Sonetistas (Abrasso), integrante do Fórum do Soneto e Delegado da União Brasileira de Trovadores (UBT) em Porto Velho. Exerce o cargo de Técnico Federal de Controle Externo na SECEX-RO, tendo participado de algumas Mostras de Talentos do TCU. Neto de nordestinos, na infância teve os primeiros contatos com os versos, lendo os folhetos de cordel que seu pai comprava. Já na fase adulta, depois dos 30 anos, deu os primeiros passos na literatura escrevendo sobretudo cordéis. Posteriormente, aderiu aos sonetos e outras modalidades poéticas. Premiado em diversos concursos de trovas, sonetos e cordéis.

Arthur Thomaz (Quatro estações)

De repente, não mais que de repente, as estações climáticas começaram a se igualar, tanto 
no formato, quanto nas temperaturas, tornando difícil identificá-las separadamente.

Pânico geral com a mídia em polvorosa. Os políticos oportunistas discursavam demagogicamente, apresentando esdrúxulos projetos de lei para sanar o problema. Como chegamos a esse ponto e por que ninguém notou isso?, bradavam os “ambientalistas”, mais preocupados em preservar suas rentáveis ONGs, do que o próprio meio ambiente.

Perguntas no ar, e então, as quatro estações resolveram encontrar-se para debater “pessoalmente” esse terrível problema. Criou-se um impasse quase insolúvel. 

Inverno e Verão jamais haviam se encontrado, o mesmo acontecendo com a Primavera e o Outono. Inverno alegou que, se desse as mãos ao Verão, derreteria. Primavera, por sua vez, argumentou que Outono, ao tocá-la, poderia desfolhá-la totalmente.

Depois de inúmeras “acaloradas” discussões, optaram por um encontro remoto, cada qual permanecendo em sua condição habitual, mesmo que atualmente precárias, mas sem correr risco de agravamento.

No início da videoconferência, Primavera sussurrou aos seus assessores que não queria ficar com esse ar carrancudo do tal Outono, sem reparar que os microfones estavam ligados.

Verão, também, sem perceber que o microfone estava ligado, declarou aos assistentes que jamais ficaria gélido igual a esse triste ser, o tal Inverno.

Impropérios, discussões, ofensas recíprocas, quase inviabilizaram a conferência. Tornou-se imperioso encontrar um mediador para a situação fora de controle. O Sol foi imediatamente lembrado pela organização do evento, porque além de poderoso, participava ativamente das quatro estações.

Chateado por ter que sair de sua zona de conforto, mas entendendo que a vida humana corria perigo de extinção no planeta, cedeu aos insistentes apelos. Afinal, ele passava a maior parte do tempo assistindo às patacoadas dos humanos, divertindo-se a valer.

Na central de comando da videoconferência, ele, sentado confortavelmente em uma poltrona que mais parecia um trono, irritou-se porque os 732 aparelhos de ar-condicionado instalados na sala não conseguiam baixar a temperatura ambiente e vociferou ordens expressas para que todas as estações silenciassem e que todos os assessores se retirassem, pois exerciam apenas o papel de meros ciumentos alcoviteiros.

Concedeu a palavra à Primavera, para que sucintamente se autodescrevesse, relatasse os atuais problemas pelos quais estava passando e apresentasse suas ideias para saná-los.

Ela iniciou afirmando que aqui estava, feliz, acordando de um Inverno frio e sem cor.

— Orgulho-me das cores, pois através delas enfeito os lares, as estradas, as montanhas e os parques. Chego nas mãos das crianças, dos jovens, dos idosos e dos enamorados. Vocês certamente já ouviram dizer que “até nas flores se nota a diferença da sorte, umas enfeitam a vida, outras enfeitam a morte?”

Nesse ponto, o Sol solicitou que fosse mais concisa.

Ela continuou dizendo que agora daria lugar ao amigo Verão, onde também existe alegria e poderia ainda continuar mostrando suas cores e sensibilidade.

Afirmou gostar do Verão porque, juntos, sabiam trazer graça e beleza para todos. Prosseguiu falando que por tudo isso sentia-se bem de estar perto dele, mas no Outono suas folhas e flores caem e no Inverno adormecia.

Apupos dos seguidores de Outono e Inverno, pediram nova enérgica intervenção do mediador, afirmando que não cabia à palestrante a decisão de chamar o próximo conferencista. Solicitou que ela se retirasse e chamou o Verão para demonstrar autoridade.

Risos na plateia.

Verão iniciou agradecendo ao Sol, por ser o responsável pela temperatura alta em seus três meses de duração. Alardeou aos quatro cantos que era a estação preferida por todos. Nesse momento ouviram-se discretas vaias, protestando pela falta de modéstia.

Sol retomou as rédeas da situação com uma rígida admoestação e eles prosseguiram a sessão.

Verão afirmou que tudo era culpa de humanos sem consciência e de políticos inescrupulosos, mas sem dar nomes.

Nessa hora, mandatários das grandes potências remexeram-se em seus assentos. Verão encerrou mostrando apenas vagas e utópicas sugestões de soluções. Não se ouviu nem tímidos aplausos pela pífia apresentação.

Na sequência, Outono tomou a palavra, tentando desmistificar a pecha de estação aniquiladora de belezas naturais, afirmando que a situação da queda de flores e folhas era decorrente da ação de seu antecessor, o Verão, que secava o solo, obrigando as plantas a se desfazerem do que lhes consumia a pouca oferta de água. 

Ouviram-se alguns ruidosos protestos por parte dos assessores do Verão, que logo foram suprimidos pelo mediador.

Outono finalizou também com vagas soluções, solicitando mais oferta hídrica em seus três meses de duração. 

Não se ouviu nem um aplauso sequer.

Chegada a vez do Inverno se manifestar, iniciou em grande estilo, emitindo o som de um gélido vento, o que fez os participantes imaginarem uma sensação de baixas temperaturas com alguns chegando a sentir arrepios.

A seguir, vitimizou-se, afirmando ser discriminado pelas pessoas por não poderem exercer atividades normais por causa do enrijecimento dos músculos, imputando esse fato ao despreparo dos humanos em lidar com isso. Afirmou que agasalhos e uma boa calefação resolveriam isso. Sugeriu que novos projetos ambientais fossem criados e culpou o desvio de verbas pela corrupção dos governantes como causa maior dessa desregulação na temperatura planetária.

Aplausos intensos culminaram em sua apresentação, mas a sensação de inutilidade de suas propostas permaneceu.

Quase ao final da conferência, um hacker, que se autointitula defensor dos Direitos Humanos, invadiu o sistema, colocou imagens de desastres ambientais e, ao fim, postou uma mensagem, na qual afirmava estar defendendo as quatro estações, que segundo ele estariam sendo aviltadas e assediadas moralmente durante essa conferência, determinando que voltassem imediatamente às condições naturais antigas e que cada uma colaborasse e agisse por si própria para restaurar a normalidade ambiental.

Desligou todos os sistemas da rede, apagou toda a eletricidade e o fornecimento de água do local, encerrando inapelavelmente a sessão.

O Sol, contente por não ter que exarar nenhuma sentença decisória, voltou à zona de conforto e continuou a observar as idiotices humanas.

Não é necessário contar que a situação climática no planeta prosseguiu deteriorando-se progressivamente, com os humanos nada realizando para impedi-la. Em breve, o Sol não terá mais com que se divertir, aguardando solitário a hora de sua explosão derradeira.
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ARTHUR THOMAZ é natural de Campinas/SP. Segundo Tenente da Reserva do Exército Brasileiro e médico anestesista, aposentado. Trovador e escritor, úblicou os livros: "Rimando Ilusões", "Leves Contos ao Léu - Volume I, "Leves Contos ao Léu Mirabolantes - Volume II", "Leves Contos ao Léu - Imponderáveis", "Leves Aventuras ao Léu: O Mistério da Princesa dos Rios", "Leves Contos ao Léu - Insondáveis", "Rimando Sonhos" e "Leves Romances ao Léu: Pedro Centauro".

Fontes:
Arthur Thomaz. Leves contos ao léu: imponderáveis. Volume 3. Santos/SP: Bueno Editora, 2022. Enviado pelo autor 
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Célio Simões (O nosso português de cada dia) “Casa da Mãe Joana”

A conhecida expressão "Casa da Mãe Joana", usada quando se quer evidenciar um ambiente marcado pela permissividade, daqueles onde se entra e sai sem controle, todo mundo manda e ninguém obedece, espécie de babel sem qualquer organização, carente de regras mínimas de convivência civilizada. Hodiernamente, trata-se de um local onde todos fazem o que bem entendem, em ambientes presenciais ou virtuais, como acontece, neste último caso, com certos grupos de WhatsApp, com suas postagens repetitivas e impertinentes, sem qualquer interesse para os demais que dele fazem parte.  

A expressão remonta à época de Joana I, rainha de Nápoles e Condessa de Provença (que viveu de 1326 até 1382, quando morreu assassinada), uma jovem linda, inteligente, endinheirada e com atitudes à frente de seu tempo, pois bancava do próprio bolso, boêmios, artistas e intelectuais, dos quais se arvorou ser uma espécie de protetora. Joana levou uma vida desregrada, vivendo de forma conturbada, tanto que foi uma das protagonistas da trama envolvendo o rei francês Felipe IV, que resolveu impor tributos aos bens da Igreja, que a ela também pertenciam - e por esse motivo foi excomungado pelo papa Bonifácio VIII.

Na flor da idade, ao completar seus 21 anos em 1347, Joana I achou por bem normatizar o funcionamento dos bordéis da cidade Avignon, onde vivia refugiada por ter sido acusada de participação no assassinato do seu marido, tendo criado regras para impedir que frequentadores violentos agredissem as prostitutas ou saíssem sem pagá-las. E num desses decretos, foi determinado que os prostíbulos deveriam ter uma porta única, por onde todos poderiam entrar sem pagar ingresso e sair quando quisessem. Tais locais de tolerância no país vizinho passaram a ser conhecidos também em Portugal com o nome de “Paço da Mãe Joana”, deixando claro o sentido afetivo concebido na cidade francesa, de pousada acolhedora e receptiva a qualquer um. 

Sua ousada iniciativa lhe rendeu a pena de exílio imposta pela Igreja, inconformada, em tempos de costumes tão austeros, com a vida publicamente permissiva que Joana I levava, demonstrando seu desprezo às convenções sociais de então, conduta que ela provocativamente nunca deixou de ostentar, até quando, em 1382, foi assassinada por seu sobrinho Carlos, movido pela cobiça de sua herança. Mesmo após a sua morte, seus feitos em Avignon continuaram na boca do povo, onde ela era tida, vista e considerada como  protetora dos seus prostíbulos e das suas meretrizes.

Daquela retrógada Portugal do século XIV, o “Paço da Mãe Joana” chegou naturalmente ao Brasil, só que ligeiramente modificado, pois sendo a palavra “paço” pouco usual, por força da praticidade foi aos poucos sendo substituída por “casa”, consagrando-se assim a expressão “Casa da Mãe Joana” em definitivo, representativa de um lugar onde cada qual faz o que bem entende, sem respeitar nenhuma convenção social, uma casa onde impera a bagunça, o hedonismo, o desregramento, a farra sem limites e a pândega. De tão utilizada na linguagem cotidiana, ganhou até música interpretada pela saudosa cantora Marília Mendonça, com que lhe atribuiu esse mesmo título: 

“Meu coração 
não é Casa da Mãe Joana
pra você bagunçar igual
cê faz na minha cama
respeita quem te ama
cê acha que me ilude
ou vaza ou me assume” (...)

Em 2008, referida expressão idiomática batizou uma comédia de sucesso (da Globo Filmes) sob a direção de Hugo Carvana com um elenco espetacular, integrado pela nata do humor e da dramaturgia brasileira, como José Wilker, Agildo Ribeiro, Juliana Paes, Pedro Cardoso, Laura Cardoso, Mièle, Cláudio Marzo, Paulo Betti, Arlete Salles e Malú Mader, abordando situações inusitadas, com suspense e muita expectativa. Traduzido para o espanhol como “La Casa de la Madre Joana”, o filme conta a história de três amigos de longa data que dividem um amplo e velho apartamento de classe média, do qual precisam sair por dívida hipotecária, impasse cuja pretensa solução ocorreu do modo mais atabalhoado possível. 

No Brasil existem dezenas de lanchonetes, pizzarias, "fast-foods", dançarás, pousadas e mafuás ostentando em suas fachadas essa famosa expressão idiomática, como ponto de referência para deleite da população local. 

Dentre eles, uma acanhada baiúca numa cidade da região do nordeste paraense, inaugurada há alguns anos com o tosco nome de “Bucho Cheio”, que mudou mais tarde para “O Moscão” (enfatizando sua falta de compromisso com a higiene) e finalmente passou a se chamar de “Casa da Mãe Joana” talvez por coerência pois lá, dezenas de pescadores se reúnem nos finais de semana para comer e encher a cara, quando correm soltos os jogos de purinha e o bilharito, as piadas indecentes, a troca de sopapos pelas rivalidades no futebol, as fofocas generalizadas, sendo que ao fim e ao cabo, a exemplo de Avignon, ninguém é impedido de sair mesmo deixando as contas penduradas, que são quitadas somente na semana seguinte, isso quando a sorte torna a pescaria farta e altamente promissora para todos eles...
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CÉLIO SIMÕES DE SOUZA é paraense, advogado, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho, escritor, professor, palestrante, poeta e memorialista. Membro da Academia Paraense de Letras, membro e ex-presidente da Academia Paraense de Letras Jurídicas, fundador e ex-vice-presidente da Academia Paraense de Jornalismo, fundador e ex-presidente da Academia Artística e Literária de Óbidos, membro da Academia Paraense Literária Interiorana e da Confraria Brasileira de Letras, em Maringá (PR). Foi juiz do TRE-PA, é sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, fundador e membro da União dos Juristas Católicos de Belém e membro titular do Instituto dos Advogados do Pará. Tem seis livros publicados e recebeu três prêmios literários.

Fontes:
Enviado pelo autor
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segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

José Feldman (Guirlanda de Versos) * 18 *

 
   

Silmar Bohrer (Croniquinha) 128

O verão tem os seus aromas, as delícias e as adversidades da vida. Constâncias e inconstâncias. Um azul de doer os olhos, de repente o horizonte escurece, ouve-se o ribombar de trovoadas.  Mudanças. 

A vida também é feita de variáveis no dia a dia para tantos viventes. Manhãs de sol, tardes nubladas, noites insólitas. Conquistas e vitórias envoltas nas dúvidas, nas incertezas, nos sucessos e insucessos. 
   
A crônica dos dias nos mostra que o verão e a vida são feitos do mesmo caldo - sóis e ventanejares, chuvas densas, júbilos, calmarias, amarguras, regozijos, dissabores, viveres altaneiros em qualquer circunstância.
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SILMAR BOHRER nasceu em Canela/RS em 1950, com sete anos foi para em Porto União-SC, com vinte anos, fixou-se em Caçador/SC. Aposentado da Caixa Econômica Federal há quinze anos, segue a missão do seu escrever, incentivando a leitura e a escrita em escolas, como também palestras em locais com envolvimento cultural. Criou o MAC - Movimento de Ação Cultural no oeste catarinense, movimentando autores de várias cidades como palestrantes e outras atividades culturais. Fundou a ACLA-Academia Caçadorense de Letras e Artes. Membro da Confraria dos Escritores de Joinville e Confraria Brasileira de Letras. Editou os livros: Vitrais Interiores  (1999); Gamela de Versos (2004); Lampejos (2004); Mais Lampejos (2011); Sonetos (2006) e Trovas (2007).
Fontes:
Texto enviado pelo autor. 
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Geraldo Pereira (Gostosas Saudades)

Aqui deste canto, onde me encanto, ainda, na antiga e paradisíaca praia de Pau Amarelo, onde os pássaros entoavam o cântico dos cânticos, posso parar nesta manhã de sábado e deixar que o imaginário ganhe as asas do tempo, reavendo minhas vivências e minhas convivências, meus convívios, enfim, de anos que se foram. O telefone celular que me acompanha, trazendo boas notícias e às vezes informações dolorosas, não faz ligação para o outrora e nem promove o desejado reaver das lembranças que me inquietam e que alimentam fantasias desses impossíveis retornos nas décadas e até no século. É irrealizável, então, à ciência do homem no presente das coisas essa viagem de volta. À infância – quem sabe? -, à adolescência ou à juventude! Fui feliz, creio firmemente, porque amei e fui amado!
  
Gostaria de me sentar, outra vez, no alpendre de casa, de fazer a arrumação dos brinquedos, os carrinhos de madeira e os apetrechos de guerra, de plástico já. Arranjar o batalhão de soldadinhos de chumbo no chão e prepará-los para a batalha de Monte Castelo, alguns com as armas aos ombros, poucos com o telefone de campanha e a maioria simplesmente em guarda, como deve convir mesmo às criaturas assim, resultantes da imaginação alheia. Sou nascido durante a beligerância mundial e criado no pós-guerra! Sonhar de novo, como fazia dantes, com a vizinha de defronte, bonitona e noiva. Mudar o conteúdo desses devaneios oníricos, como sucedeu, acompanhando o passar da idade, o evoluir dos sentimentos, num crescente apelo do inteiramente sensual.

Ah, que saudades de minha adolescência, de minhas paixões impossíveis e de meus amores plausíveis, das minhas férias e de meu futebol, dos meus canários abrindo as asas e entoando o pranto meloso das perdas! Que saudades das festas de rua, das quermesses e das quadrilhas, dos flertes e dos encontros furtivos, dos beijos roubados num girar qualquer de um carrossel dos ares. Lembranças gostosas do tempo dos tempos, do viço da idade que se esvai mais e mais, da leveza d’alma e do levitar do espírito, dos dias e das noites daqueles inícios! Esperanças a povoarem a força do pensamento, promessas vãs, nunca cumpridas, vontades guardadas e desejos reprimidos, recalcados tantos! Descobertas mil, de sentimentos emergentes e de carícias bem cuidadas, de afetos e de afagos, da saudade que foi surgindo logo, logo!

E a minha juventude? Começo difícil da arte do existir ou do exercício do viver, recomeço, muitas vezes, reflexões impostas à consciência no julgamento pessoal, rigor nas interpretações dos gestos, dos atos e dos fatos! Contato com o bem e o mal, a saúde e a doença, a morte, enfim. Identificação pesarosa do caráter de outros, dos semelhantes que trazem a inquietação e o desamor, artífices das desuniões planejadas, que de nada gostam e por ninguém suportam nutrir o sentimento maior. Falsos e desleais! Empregos conseguidos às custas de um esforço enorme, salários em baixa sempre, inquietudes assim, de natureza pecuniária, as compras do mês comprometidas e as aquisições maiores adiadas! Sonhos desfeitos e devaneios perdidos entre os percalços sentidos! Talvez, nem queira voltar às experiências de jovem!

As minhas gostosas saudades são aquelas, as da infância e as da adolescência, quando o meu ser viveu a completude do tempo! Por isso, nesta nublada manhã de um sábado qualquer, em minhas férias regulares, retorno nas décadas e no século e vou pairar nos meados dos anos cinquenta ou nos inícios dos mágicos dias de sessenta, resgatando pretéritos e retomando passados. Sou um nostálgico, pois! Executo a sinfonia das voltas e tomo assento nos antanhos vividos. Viro menino de calças curtas e me visto, em seguida, com o velho brim coringa não encolhe, uso as alpargatas Rhodia dos agrados de minha tia velha. O grupo escolar e o colégio, a rua de casa e a festa do parque, os passeios no Quemmequer e as fantasias do cinema, um abraço e um beijo! Abro a caneta Compactor, vou escrever, afinal, as letras de meu futuro, que é o hoje dos meus dias.

Feliz século aos homens de boa vontade, aos que têm gostosas saudades!
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GERALDO JOSÉ MARQUES PEREIRA nasceu em Recife/PE, em 1945 e faleceu na mesma cidade em 2015, formou-se em Medicina na UFPE em 1986. Fez o mestrado no Departamento de Medicina Tropical da instituição, do qual se tornou coordenador posteriormente. Foi diretor do Centro de Ciências da Saúde e fundou o Núcleo de Saúde Pública e Desenvolvimento Social (Nusp) da universidade. Vice-reitor da instituição de 1996 a 2004 e, quando o reitor precisou se afastar entre março e novembro de 2003, foi reitor em exercício. Fora da universidade, integrou a Comissão Estadual de Saúde, a Comissão Científica de Combate à Dengue do Governo do Estado e a Comissão de Cólera da UFPE e da Cidade do Recife, além de participar do Conselho Científico do Espaço Ciência da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente de Pernambuco. Por conta dos inúmeros artigos científicos publicados, ainda foi membro da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores e do Conselho Estadual de Cultura e presidente da Academia Pernambucana de Medicina. Escrevia crônicas e, em março de 2011, assumiu a cadeira de número 16 da Academia Pernambucana de Letras, que já havia sido ocupada pelo seu pai, o escritor Nilo Pereira.

Fontes:
Geraldo Pereira. Fragmentos do meu tempo. Recife/PE. Disponível no Portal de Domínio Público
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José Feldman (Textos & Trovas) Amores na Mocidade

Texto construído tendo por base a trova do Professor Garcia (Caicó/RN)

Amores na mocidade!...
Depois, a contrapartida:
cansaço, dor e saudade
na curva extrema da vida!

Numa pequena cidade , onde o sol sempre brilhava e as flores coloridas enfeitavam as ruas, vivia uma jovem chamada Lara. Em sua juventude, era conhecida por sua beleza radiante e sua risada contagiante. Ela sonhava com grandes amores, com aventuras que a levariam a lugares distantes e emocionantes. Ao lado de suas amigas, costumava passar as tardes discutindo sobre os romances que lia e imaginando o príncipe encantado que um dia surgiria em sua vida.

Certa manhã, enquanto caminhava pelo parque, Lara encontrou um jovem chamado Lúcio. Ele era diferente de todos que conhecia: tinha um olhar profundo e um jeito tranquilo que a encantava. Os dois logo se tornaram inseparáveis, compartilhando risadas, sonhos e promessas de um futuro juntos. Os dias se transformaram em meses, e aqueles momentos de amor intenso pareciam eternos. Eles faziam planos, falavam sobre construir uma vida juntos e acreditavam que a felicidade seria infinita.

Contudo, com o passar do tempo, a paixão que os unia começou a se transformar. As diferenças entre eles se tornaram evidentes, e as pequenas desavenças que antes eram insignificantes começaram a se acumular. Lúcio, que sempre fora sonhador, agora se via pressionado a assumir responsabilidades que não desejava. Lara, por sua vez, aspirava por aventuras e desafios, enquanto ele buscava segurança e tranquilidade. O amor que antes parecia inabalável começou a fraquejar sob o peso das expectativas e da realidade.

Após alguns meses de tentativas frustradas de resolver suas diferenças, eles decidiram se separar. 

O término foi doloroso, e ambos sentiram a perda de um futuro que acreditavam ser certo. Lara, em particular, sentiu uma onda de saudade que a envolveu como um manto pesado. As memórias dos momentos felizes pareciam agora uma sombra do que poderia ter sido. A cidade que antes vibrava com as cores de sua juventude agora parecia mais cinzenta e solitária.

Com o passar do tempo, ela buscou consolo em novas amizades, mas a dor da perda permanecia. Ela percebeu que, apesar da beleza dos amores da mocidade, havia uma contrapartida que não se podia ignorar: o cansaço emocional, a dor da saudade e a sensação de que algo precioso havia sido deixado para trás. Ela começou a refletir sobre o que realmente significava o amor e como, muitas vezes, ele podia ser fugaz e decepcionante.

Anos se passaram, e ela se tornou uma mulher mais madura. Ela viveu novos relacionamentos, cada um trazendo suas próprias lições e desafios. Aprendeu a valorizar não apenas os momentos de alegria, mas também as dificuldades que moldavam seu caráter. As cicatrizes emocionais que carregava se tornaram parte de sua história, e ela começou a aceitar que o amor, em suas diferentes formas, é uma jornada repleta de altos e baixos.

Um dia, durante um passeio pelo parque, encontrou Lúcio novamente. Ambos estavam mais velhos, com marcas de vida que contavam histórias de amores e perdas. Eles se cumprimentaram com um sorriso tímido, lembrando-se da intensidade da juventude. A conversa fluiu naturalmente, e logo estavam rindo das lembranças que compartilhavam.

“Você se lembra daquele verão?”, perguntou Lara, com um brilho nostálgico nos olhos. “Aquele em que prometemos que seríamos sempre felizes?” ele sorriu, mas havia uma tristeza em seu olhar. “Sim, eu me lembro. Mas a vida nos ensinou que a felicidade é feita de muito mais do que apenas promessas.”

A conversa se aprofundou, e os dois compartilharam suas experiências, seus erros e aprendizados ao longo dos anos. Ela percebeu que, apesar da dor e da saudade, havia algo belo na jornada que vivera. Cada amor, cada desilusão, havia contribuído para a mulher que se tornara. Ela compreendeu que, embora a vida pudesse ser desafiadora, cada capítulo era essencial para seu crescimento.

Ao final do encontro, Lara e Lúcio se despediram com um abraço sincero, cada um levando consigo uma sensação de paz. Ela percebeu que os amores na mocidade, com suas alegrias e tristezas, não eram em vão. Eles faziam parte dos retalhos da vida, cada tecido contribuindo para a imagem mais ampla de quem ela era.

E assim, com o coração mais leve, caminhou de volta para casa, sabendo que a vida, com suas curvas extremas, era uma jornada que valia a pena. A moral dessa história ficou clara em sua mente e coração: 

Os amores da juventude, com suas alegrias e dores, são fundamentais para moldar quem nos tornamos, e mesmo na saudade, há beleza e aprendizado.

Fontes:
José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
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domingo, 9 de fevereiro de 2025

Luiz Poeta (Nuvens de Sonhos) 10

 
  

José Feldman (Solidão: Ser e Estar)

A solidão é uma das experiências mais universais e, ao mesmo tempo, mais profundamente particulares da condição humana. Em um mundo hiperconectado, onde a comunicação flui instantaneamente através de telas e redes sociais, a ironia é que muitos se sentem mais sozinhos do que nunca. Esta contradição nos leva a refletir sobre o impacto da solidão no ser humano, suas nuances, suas dores, e, paradoxalmente, seus potenciais benefícios. 

Para alguns, a solidão é uma sombra que se estende, envolvendo o ser em um manto de tristeza e abandono. A ausência de companhia, a falta de diálogo e a desconexão emocional podem se transformar em um labirinto sem saída. Ao olhar ao redor, muitos se deparam com o eco de suas próprias vozes, e a vida se torna um monólogo onde cada pensamento se torna um peso. A perda de vontade de viver é uma consequência comum - a solidão, em sua forma mais crua, pode corroer a esperança e o desejo de mudança. 

Entretanto, a solidão não é apenas um estado de dor. Ela também pode ser um espaço de introspecção e autodescoberta. A solidão, quando bem administrada, oferece uma oportunidade ímpar de reflexão. Em momentos de quietude, o ser humano pode se voltar para dentro, questionar suas crenças, reavaliar seus valores e, quem sabe, encontrar um novo propósito. É nesse silêncio que muitos artistas, pensadores e filósofos encontraram sua voz. A solidão, nesse contexto, pode ser um terreno fértil para a criatividade e o crescimento pessoal. 

Diante desse quadro, a questão que se impõe é: como podemos ajudar aqueles que se encontram presos na solidão? A resposta exige empatia, compreensão e ação. O primeiro passo é a escuta atenta. Muitas vezes, aqueles que se sentem sozinhos apenas desejam ser ouvidos. Um simples gesto de atenção pode fazer toda a diferença. Conversas informais, um convite para um café ou uma caminhada no parque podem quebrar a barreira da solidão e reacender a chama da conexão humana. 

Além disso, é fundamental reconhecer que a solidão não é uma falha pessoal, mas uma condição da vida. Ajudar alguém a entender que não está sozinho em sua experiência é um presente poderoso. Compartilhar histórias, experiências e dificuldades pode criar um vínculo que transforma a solidão em uma jornada compartilhada. Muitas vezes, as pessoas se sentem mais confortáveis em abrir-se quando percebem que outros também enfrentam desafios semelhantes. 

Outro aspecto importante é a promoção de atividades comunitárias. Grupos de leitura, oficinas de arte, ou até mesmo clubes de caminhada podem oferecer oportunidades para que os solitários se conectem com outros e encontrem um senso de pertencimento. A socialização, quando feita de forma gradual e respeitosa, pode ajudar a reestabelecer laços e a confiança em relacionamentos. 

Por outro lado, é crucial respeitar o espaço do outro. Não se deve forçar a interação, pois isso pode resultar em mais angústia. Cada um tem seu tempo e seu modo de lidar com a solidão. O apoio deve ser oferecido, mas sempre de maneira sensível e atenta. 

A solidão, portanto, é uma condição ambivalente. Ela pode ser uma fonte de dor profunda ou um espaço para o florescimento pessoal. O desafio está em encontrar um equilíbrio, em reconhecer quando a solidão se torna um fardo e em buscar formas de transformá-la em uma oportunidade de conexão e crescimento. 

Viver sozinho pode ser um ato de resistência ou um convite ao autoconhecimento. A chave está em como cada um lida com essa experiência. Para muitos, a solidão é um estado transitório, um capítulo que pode ser escrito com novas histórias de amor, amizade e pertencimento. Para outros, pode ser um lugar de reflexão profunda, mas que, se não for cuidado, pode levar à ruína da vontade de viver. 

Assim, cabe a nós, enquanto sociedade, cultivar uma cultura de acolhimento, onde a solidão não seja estigmatizada, mas compreendida. Ao estender a mão para aqueles que se sentem sós, podemos juntos construir um mundo onde cada ser humano se sinta visto, ouvido e amado. A solidão, quando compartilhada, não precisa ser um fardo, mas pode se tornar um espaço onde todos aprendem a se conectar com a essência do ser humano: o amor e a empatia.

Fontes: 
José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
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