sexta-feira, 17 de outubro de 2025

Laé de Souza (O astronauta)

Aproximou-se da moça e perguntou-lhe o nome. Ela o olhou de cima a baixo antes de responder.

- Brigitte. Você é pessoa importante? Porque só converso com gente de renome. Ao meu lado sempre estão cantores famosos, costureiros de alta-costura, atores de teatro, cinema e TV, escritores de best-sellers, presidentes. Portanto, para preservar minha imagem, devo verificar bem quem são as pessoas com quem converso.

Ele, de olhos fixos nos dela, ficou por alguns instantes a admirar-lhe a beleza e admitia que poderia muito bem se chamar Brigitte.

- Sou importante, sim. Sou astronauta e aquela é a minha nave. Se achar agradável a sua companhia, posso levá-la a passear comigo. Somente grandes nomes nela navegaram. Chamo-me Gagarin. Conheço bem o espaço e já estive na lua... Agora, recordo-me que assisti a alguns dos seus filmes.

- Já ouvi falar de você - e olhava para ele e para a reluzente nave.

- Posso passar a mão?

Ele permitiu e ela alisava a nave boquiaberta. Os que passavam olhavam com inveja, ela percebia e se engrandecia. Depois, fez poses e encenações diversas para ele, que aplaudia. Ele apontava para o céu e, com a mão, fazia gestos de como a sua nave atravessava a barreira do universo. Correu em zigue-zague, de braços abertos.

- Deve ser gostoso - disse ela a sorrir.

No dia seguinte, encontraram-se novamente e falaram de arte e liberdade. Ele lhe confidenciou que era agradável estar com ela. Sentiu um frio de medo, quando ele a convidou para passear em sua nave.

- Não tenha receio, você está com o maior de todos os astronautas - ela assentiu, dando-lhe as mãos e caminhando em direção à nave.

- Segure firme. Se sentir medo, feche os olhos por alguns instantes; depois, abra-os para admirar a beleza do espaço - ela ouviu bem baixinho, embora ele gritasse para se sobrepor ao barulho dos motores. Viajaram por horas e horas, até retornarem.

- Gagarin, estou feliz. Sempre que for ganhar os espaços posso ir com você?

- Claro, Brigitte. Quer ir de novo numa viagem mais demorada? - ela balançou a cabeça afirmativamente.

- Me leva até a lua?

Entraram na nave e, sorrindo, tomaram rumo ao céu.

Um enfermeiro chamava a atenção do outro para a estranha posição em que se encontravam aquela feiosa e o cara esquisito que tinha se internado na semana anterior. Pareciam flutuar.

Sara, amiga e admiradora da Brigitte, ouviu a conversa dos dois e ficou perplexa, estranhando existirem pessoas que desconhecem uma nave no espaço.
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LAÉ DE SOUZA é cronista, poeta, articulista, dramaturgo, palestrante, produtor cultural e autor de vários projetos de incentivo à leitura. Bacharel em Direito e Administração de Empresas, Laé de Souza, 55 anos, unifica sua vivência em direito, literatura e teatro (como ator, diretor e dramaturgo) para desenvolver seus textos utilizando uma narrativa envolvente, bem-humorada e crítica. Nos campos da poesia e crônica iniciou sua carreira em 1971, tendo escrito para "O Labor"(Jequié, BA), "A Cidade" (Olímpia, SP), "O Tatuapé" (São Paulo, SP), "Nossa Terra" (Itapetininga, SP); como colaborador no "Diário de Sorocaba", O "Avaré" (Avaré, SP) e o "Periscópio" (Itu, SP). Obras de sua autoria: Acontece, Acredite se Quiser!, Coisas de Homem & Coisas de Mulher, Espiando o Mundo pela Fechadura, Nos Bastidores do Cotidiano (impressão regular e em braille) e o infantil Quinho e o seu cãozinho - Um cãozinho especial. Projetos: "Encontro com o Escritor", "Ler É Bom, Experimente!", "Lendo na Escola", "Minha Escola Lê", "Viajando na Leitura", "Leitura no Parque", "Dose de Leitura", "Caravana da Leitura”, “Livro na Cesta”, "Minha Cidade Lê", "Dia do Livro" e "Leitura não tem idade". Ministrou palestras em mais de 300 escolas de todo o Brasil, cujo foco é o incentivo à leitura. "A importância da Leitura no Desenvolvimento do Ser Humano", dirigida a estudantes e "Como formar leitores", voltada para professores são alguns dos temas abordados nessas palestras. Com estilo cômico e mantendo a leveza em temas fortes, escreveu as peças "Noite de Variedades" (1972), "Casa dos Conflitos" (1974/75) e "Minha Linda Ró" (1976). Iniciou no teatro aos 17 anos, participou de festivais de teatro amador e filiou-se à Sociedade Brasileira de Autores Teatrais. Criou o jornal "O Casca" e grupos de teatro no Colégio Tuiuti e na Universidade Camilo Castelo Branco. 
Fontes:
Laé de Souza. Nos bastidores do cotidiano. 30a. edição. SP: Ecoarte, 2018.
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Arthur Thomaz (No Antigo Egito)

Margareth era uma bela moça nascida em Pereba, uma linda e pacata cidade incrustada em uma serra no interior do Rio de Janeiro.

De classe média, trabalhava para pagar os estudos de canto.

Levava uma vida tranquila, até que um dia aborreceu-se com a atitude errada de um namorado, e com muita raiva, desejou ardentemente viver em outra época.

Implorou aos deuses e Zeus, sempre inclinado a ajudar mulheres bonitas, acionou Chronos, que imediatamente materializou-a no antigo Egito.

Margareth viu-se de repente à beira do rio Nilo.

Chronos, na pressa em transportá-la, esqueceu-se de trocar suas roupas pelos trajes da época. Ela, de minissaia e camiseta, para não chamar a atenção, pulou no rio e furtou algumas peças de roupas das lavadeiras.

Esperou secar e já devidamente trajada, percorreu o caminho até a cidade de Menfis.

Circulou anonimamente pelas ruas até chegar ao Palácio Real.

Apresentou-se ao cerimonial do local como Margareth Callas, cantora famosa em outros países. Combinaram uma apresentação de canto na corte que aconteceria na noite seguinte.

Hospedaram-na em um luxuoso aposento, onde teve tratamento diferenciado por julgarem-na uma artista renomada.

Nos ensaios, destacou-se pela sua linda voz, e por sua desenvoltura no palco. Ramsés, apreciador das belas artes e da beleza feminina, encantou-se com a jovem artista.

Convidou-a para uma conversa reservada, na qual sem titubear, pediu-a em casamento, dando-lhe até o dia seguinte para que refletisse e aceitasse o convite, ordenando a sua guarda real que a mantivesse detida e incomunicável em seu aposento.

Margareth, assombrada com a situação, percebeu a enrascada em que estava envolvida.

As camareiras que vieram lhe banhar, contaram que Ramsés possuía 30 esposas e 115 filhos, e que era costume quando os faraós morriam que as esposas fossem enterradas juntas na câmara da pirâmide.

Aterrorizada, Margareth notou que necessitava de um plano urgente de fuga. Na madrugada, mandou chamar o chefe da guarda do Palácio e insinuou-se discretamente, propondo favores sexuais em troca de uma facilitação de fuga.

O rapaz, extasiado com tanta beleza, entregou-lhe as chaves de um portão que ficava nos fundos do Palácio, e combinou um encontro amoroso secreto na noite seguinte, em um local longe dali, onde jamais seriam vistos.

O encontro nunca se concretizou porque ela, ao colocar os pés do lado de fora dos muros, correu o mais rápido que pode, sem olhar para trás.

Apossou-se de uma pequena canoa e remou até outra cidade que depois descobriu ser Gizé.

Dirigiu-se até um oráculo na margem do rio Nilo, onde fervorosamente implorou aos deuses que a retirassem dali e a devolvessem para a época anterior.

Zeus, condoído com a situação da bela jovem e também pensando em tirar alguma vantagem, trouxe-a até o Monte Olimpo.

Já a salvo das garras do faraó, Margareth aproveitou a hospitalidade do Deus Supremo. Percebeu após alguns dias que Zeus começava, discretamente, a insinuar-se.

Necessitando encontrar uma maneira de escapar de mais esse apuro, procurou estudar a personalidade dos outros deuses que ali também habitavam.

Certa noite, viu Baco ligeiramente embriagado por tomar alguns copos do “néctar dos deuses” e viu ali sua chance de fuga.

Convidou-lhe ao seu aposento e discretamente deixou transparecer uma inclinação pelo alcoolizado deus.

Fez Baco ingerir muitos copos de vinho, simulando estar tomando também. Mesmo sendo leal a Zeus, já obnubilado, ordenou encilhar Pegasus e levou-a de volta à terra natal.

Zeus, furioso, quis trocar Baco por Dionísio, mas após umas diplomáticas conversações e com a interferência de Eros e outros deuses, que não queriam ficar sem o vinho, acalmou-se, conformado com a perda, mas já de olho em uma outra nereida.

Depois desses dois sobressaltos, Margareth reatou seu relacionamento anterior, por agora julgá-lo bem menos perigoso e mais fácil de contornar os possíveis percalços que poderiam advir.
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Arthur Thomaz é natural de Campinas/SP. Segundo Tenente da Reserva do Exército Brasileiro e médico anestesista, aposentado. Trovador e escritor, publicou os livros: “Rimando Ilusões”, “Leves Contos ao Léu – Volume I, “Leves Contos ao Léu Mirabolantes – Volume II”, “Leves Contos ao Léu – Imponderáveis”, “Leves Aventuras ao Léu: O Mistério da Princesa dos Rios”, “Leves Contos ao Léu – Insondáveis”, “Rimando Sonhos” e “Leves Romances ao Léu: Pedro Centauro”.

Fontes:
Arthur Thomaz. Leves contos ao léu: imponderáveis. Volume 3. Santos/SP: Bueno Editora, 2022. Enviado pelo autor 
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quinta-feira, 16 de outubro de 2025

Asas da Poesia * 112 *


Poema de
DANIEL MAURÍCIO
Curitiba/PR

Um dia
o meu
silêncio
vai
te faltar
tanto
que com
espanto
tardiamente
me 
entenderás.
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Glosa de
GISLAINE CANALES
Herval/RS, 1938 – 2018, Porto Alegre/RS

Manhã menina

MOTE:
Madrugada... e a luz da aurora,
banindo a noite que finda,
conquista o tempo que mora
no dia que dorme ainda.
CAROLINA RAMOS
Santos/SP

GLOSA:
Madrugada... e a luz da aurora,
colorida, cintilante,
tingindo o céu nessa hora
torna tudo alucinante!

A linda policromia
banindo a noite que finda,
canta um hino de alegria
com uma harmonia infinda.

O pranto que a noite chora
sabendo que vai morrer,
conquista o tempo que mora
no dia que vai nascer!

A manhã chega graciosa
feito uma menina linda,
se espreguiçando formosa
no dia que dorme ainda.
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Poema de
VANICE ZIMERMAN
Curitiba/PR

Flores de nanquim

A ternura de tuas mãos
Dispersa meus véus -
Em suaves movimentos
O pincel desliza,
Acariciando minha pele,
Faz-me sorrir
E, risca, docemente,
Com a fluidez do nanquim
Flores de cerejeira
Em meu corpo e alma -
A essência de teu olhar
Aquece minha nudez
Sou toda tua -
Atemporal tela...
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Quadra Popular

Não me tentes com fortuna
para contigo casar:
eu prefiro mais que tenha
coração para me dar...
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Soneto de
FERNANDO ANTONIO BELINO
Sete Lagoas/MG

As grandes águas

As Cataratas, ditas simplesmente,
Foz do Iguaçu, recanto de beleza!
Aqui, teve capricho a natureza,
Moldando este espetáculo imponente!

Fica agitado o coração da gente,
Ao divisar o encanto e a sutileza
Da fauna e flora, unidas à grandeza,
Destas águas, em queda permanente.

Rica dádiva entregue à Humanidade,
Que exige imenso amor, boa vontade.
No zelo de tão belo monumento.

As Cataratas do Iguaçu serão
Eternizadas, feito um deus-trovão
Na voz dos Céus, a ressoar ao vento!

(3° lugar no Concurso Literário-2023, pela Academia Literária do Oeste do Paraná)
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Trova de
FRANCISCO JOSÉ PESSOA
Fortaleza/CE, 1949 - 2020

(Trova de agradecimento para o Feldman, pela divulgação dos versos no blog)

Meu irmão adocicado* 
quero me fazer presente, 
pra agradecer o pingado 
de versos que cai na gente.

*Obs: Adocicado, porque ambos temos diabetes.
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Soneto de
AUTA DE SOUZA
Macaíba/RN (1876 – 1901) Natal/RN

O Beija-Flor
 
Acostumei-me a vê-lo todo o dia
De manhãzinha, alegre e prazenteiro,
Beijando as brancas flores de um canteiro
No meu jardim - a pátria da ambrosia.
 
Pequeno e lindo, só me parecia
Que era da noite o sonho derradeiro...
Vinha trazer às rosas o primeiro
Beijo do Sol, nessa manhã tão fria!
 
Um dia, foi-se e não voltou... Mas, quando
A suspirar, me ponho contemplando,
Sombria e triste, o meu jardim risonho...
 
Digo, a pensar no tempo já passado;
Talvez, ó coração amargurado,
Aquele beija-flor fosse o teu sonho!
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Poetrix de
PATRÍCIA ESSINGER
Guaíba/RS

tato

o toque beija:
dedos,
insinuação de lábios.
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Poema de
ARSENY TARKOVSKY
Kirovohrad/Ucrânia (1907 – 1989)

Pela noite

Pela noite concedias-me o favor,
Abriam-se as portas do altar
E a nossa nudez iluminava o escuro
À medida que genufletia. E ao acordar
Eu diria “abençoada sejas!”
Sabendo como pretensiosa era a bênção:
Dormias, os lilases tombavam da mesa
Para tocar-te as pálpebras num universo de azul,
E tu recebias esse sinal sobre as pálpebras
Imóveis, e imóvel estava a tua mão quente. 
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Poema de 
FERNANDO PESSOA
Lisboa/Portugal, 1888 – 1935

Não Sei Quantas Almas Tenho 

Não sei quantas almas tenho. 
Cada momento mudei. 
Continuamente me estranho. 
Nunca me vi nem acabei. 
De tanto ser, só tenho alma. 
Quem tem alma não tem calma. 
Quem vê é só o que vê, 
Quem sente não é quem é, 

Atento ao que sou e vejo, 
Torno-me eles e não eu. 
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu. 
Sou minha própria paisagem; 
Assisto à minha passagem, 
Diverso, móbil e só, 
Não sei sentir-me onde estou. 

Por isso, alheio, vou lendo 
Como páginas, meu ser. 
O que só que não prevendo, 
O que passou a esquecer. 
Noto à margem do que li 
O que julguei que senti. 
Releio e digo: "Fui eu ?" 
Deus sabe, porque o escreveu.
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Hino de 
Alagoinha do Piauí/PI

A alvorada do teu amanhecer
Naquele promissor nove de abril
Prenunciava, nosso renascer
Debaixo desse céu cor de anil.

Terra querida, és nossa vida
Terra de sonhos de valores mil
Alagoinha do Piauí, do Piauí, Brasil.

O vento liberdade perfumando
Espalhando a fragrância da bonança
Os elos da corrente se quebrando
O povo a cantar hinos de esperança.

No folclore a beleza e tradição
Novenários, foguetes e bandeiras
Culto misto de fé e diversão
São Gonçalo, reisado e brincadeiras.

Preservando a cultura desta gente
A arte vem ostentada na bandeira
Ficará o legado eternamente
Aos filhos dessa terra hospitaleira.

Teus filhos são gigantes, são guerreiros
A tirar da mãe terra o seu sustento
Terra boa do feijão dos cajueiros
Que não nega aos teus filhos o alimento.

O seu lema é crescer junto ao seu povo
Seu povo forte, simples, altaneiro
Na luta firme por um mundo novo
Um mundo igualitário e sobranceiro.
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Fábula em Versos
adaptada das Fábulas de Monteiro Lobato 
JOSÉ FELDMAN
Floresta/PR

Fábula do Lobo e da Ovelha 

No campo, o lobo faminto vagava, 
A ovelha, inocente, pastava e sonhava. 
“Querida ovelha, venha aqui dançar, 
Uma festa linda vou te dar!” 

Mas a ovelha desconfiou da intenção, 
E com astúcia, escapou da armadilha em questão. 
Aprendeu que nem tudo é bondade, 
E a desconfiança é uma proteção à verdade.
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Poetrix de
GOULART GOMES
Salvador/BA

Menina de Rua

o homem dormia, em seu ninho
e o coração dela
esmolando um carinho
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Pantum da
ANGELA BRETAS
Flórida/Estados Unidos

O sabiá que sabia tanto...

O sabiá que sabia tanto,
sabia que encantava sim,
seu canto, som de encanto,
soava como harpas dos querubins.

Sabia que encantava sim,
seu som de pássaro liberto
soava como harpas dos querubins
em manhãs de sonos despertos.

Seu som de pássaro liberto
ecoava nas matas distantes
em manhãs de sonos despertos,
melodias em formas tocantes.

Ecoava nas matas distantes
a música que adocicava a alma.
Melodias em formas tocantes
chamadas de paz e calma.

A música que adocicava a alma
tornava o pássaro alvo cativo.
Chamadas de paz e calma
atraía o inimigo.

Tornava o pássaro alvo cativo
cobiça em forma de canto.
Atraía o inimigo
enfeitiçado por seu encanto.

Cobiça em forma de canto
sufocou o sabiá, coitado.
Enfeitiçado por seu encanto
deixou-se prender, morreu calado.

Sufocou o sabiá coitado,
armadilha do destino calou o canto.
Deixou-se prender, morreu calado
o sabiá que sabia tanto…
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Soneto de
MANUEL BANDEIRA
(Manuel Carneiro de Souza Bandeira Filho)
Recife/PE, 1886 – 1968, Rio de Janeiro/RJ

Inscrição

    Aqui, sob esta pedra, onde o orvalho roreja,
    Repousa, embalsamado em óleos vegetais,
    O alvo corpo de quem, como uma ave que adeja,
    Dançava descuidosa, e hoje não dança mais...

    Quem não a viu é bem provável que não veja
    Outro conjunto igual de partes naturais.
    Os véus tinham-lhe ciúme. Outras, tinham-lhe inveja.
    E ao fitá-la os varões tinham pasmos sensuais.

    A morte a surpreendeu um dia que sonhava.
    Ao pôr do sol, desceu entre sombras fiéis
    À terra, sobre a qual tão de leve pesava...

    Eram as suas mãos mais lindas sem anéis...
    Tinha os olhos azuis... Era loura e dançava...
    Seu destino foi curto e bom... — Não a choreis.
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Aldravia de
CIMAR PINHEIRO
Dores do Rio Preto/ES

saudade
estrada
comprida
distância
desencontros
esperança
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Poema de
JAIME VIEIRA
Maringá/PR

Quem me dera

este azul do céu
ainda me envolve,
este sol tecendo
a tarde me comove.

outra noite lá fora,
quem me dera
devolver estrelas
à escuridão do agora!
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Dobradinha Poética de
LUCÍLIA ALZIRA TRINDADE DECARLI
Bandeirantes/PR

Resgate

Sem te esquecer, este amor,
num desvario sem fim,
quer atrair teu calor
para bem junto de mim…

Ah! Deste amor quero espalhar mil rastros
reverdecidos, por todo este chão…
Irrefreável, tendo em mira os astros,
voarei confiante em pertinaz paixão!

Ah! Neste amor implantarei meus lastros,
ladeá-lo-ei com vigas da emoção;
da justa posse empilharei cadastros
onde discorro, dele, a apropriação…

Com perspicácia em mim prosseguirá,
a sua luz, no espaço espargirá,
no meu transcurso à celestial morada…

Habilidoso, irá juntando aos passos
ode infinita, que atrairá teus braços:
– tua serei… a eterna namorada!…
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Sebastião de Magalhães Lima (Estrelas e nuvens)


Vou contar um romancezinho de amores — amores singelos, amores de aldeia.

É tão simples a nossa história, como a verdade que encerra, tão natural, como um sorriso de uma criança gentil, tão cândida, como a pombinha do deserto.

Ouvi-a, por uma noite de julho, sentado à margem de saudoso regato.

Foi uma hora solene: um momento augusto e santo!

A brisa que envolvia com o perfume da noite, foi segredá-la às florzinhas do vergel, e estas enviaram-na ao céu.

Na terra repercutiu-se o coro dos anjos, lamentando a desditosa sorte de seus adorados irmãos.

Por um momento, eclipsou-se o brilho das estrelas; deixou de refletir-se a lua no seu espelho de prata.

As avezinhas não tiveram gorjeios, cessou a viração no seu curso veloz.

Silêncio sepulcral! Sublime idílio! Majestoso quadro!

Falta-nos o pincel de Corregio; não possuímos os tesouros de Petrarca, nem tampouco a eloquência de Demóstenes.

E é pena, na verdade!...

Cada apóstolo tem a sua missão a cumprir sobre a terra.

Sublimar a desventura, prantear a miséria do mundo — nada mais grandioso, e tão sinceramente edificante!

É uma evangelização despretensiosa e nobre.

Choremos, corações ternos; choremos e choremos muito; não tenhamos pejo de assim fazer.

Levantemos os olhos ao céu e, com a fronte descoberta, ouçamos a fúnebre narrativa de dois mancebos desventurados!...

Quem não conheceu Maria, a flor das lavadeiras?

Quem não repararia naquele formoso querubim que, ao sol posto, ia todo engrinaldado de rosas e lírios, encher o seu cântarozinho de barro à fonte da terra?...

Oh!... Decerto ninguém poderia esquecer tão prontamente a linda morena, o anjo bendito?!...

Não sabe, leitor amigo, não se lembra já daquela casinha térrea, silenciosamente circundada de festões e madressilvas, que existe em Sintra, lá para as bandas do Castelo?...

Pois olhe, aí mesmo nasceu aquela rolinha, lá, coitadinha! Desferiu aos ecos a inocente lenda de seus amores e, por fim, lá agonizou também, sem que ninguém desse por ela, nem tão pouco imaginasse socorrê-la.

Pobre desgraçada!...

E eu não saber mais cedo a sua história!...

O prazer, como tudo o que é efêmero, tem seus encantos, as lágrimas também os têm.

Maria, muito prazenteira e jovial, vira um dia Gregório, que a esperava, junto da fonte, sempre à mesma hora, de súbito, anuviou-se aquele rosto, profundamente celestial e gentil, contraíram-se-lhe os músculos da face.

O amor havia penetrado em sua alma!

Desde esse momento nunca mais se tornou a divisar um raio de esperança e consolação naquele horizonte, outrora tão límpido e sereno.

E Gregório, o pobre lavrador, lá se foi triste e pensativo, a caminho da aldeia, sem outra ideia que não fosse Maria, sem outro cismar que não fosse a felicidade.

E tinha razão!...

Era jovem! Tinha aspirações!...

Assim decorreram dois anos — dois anos, cheios de muita esperança, e entrecortados por aflitivos suspiros!...

Gregório era tão ambicioso!...

O amor é muitas vezes caprichoso e louco!...

E quem o havia de imaginar?!...

Gregório queria ser rico, queria ver a sua amada reclinada num trono de esmeraldas!...

Entre as flores queria vê-la rainha! Entre os anjos, serafim! Entre as mulheres, majestade!

E com esta ideia, e com o demônio da ambição, lá se foi ele a terras longínquas, á cata de grandes haveres!

E a pobre Maria ficou só, sozinha, com as suas lágrimas!...

Ao menos... tinha esperança!...

Ai! Como é triste e pavorosa a ausência daqueles que amamos!...

Pobre Maria!...

Que saudades se lhe não avivaram na mente enlouquecida!...

Gregório tinha partido, havia dez anos, sem dar notícias!...

Teria naufragado o triste Gregório?...

Porem não, não era possível!

Maria queria torná-lo a ver junto de si.

Uma Virgem não abandona a súplica de outra virgem!

Mas, apesar de tudo isso, a rosa ia murchando a olhos vistos.

De dia para dia se desfolhava uma pétala, secava uma folha, até que, por fim, caiu de todo a haste, vergada apenas pela branda viração do crepúsculo!

O resto... levou-o o vento!...

Eram passados três mesas.

Quem observasse atentamente aquela pousada, onde estivera aninhada, por tantos anos, a terna andorinha, deveria reconhecê-la desguarnecida e quase em ruínas.

Um vulto, trajado de preto, percorria aqueles restos sem cessar.

Era Gregório, o pobre lavrador, que havia voltado rico, com o único fim de tornar Maria venturosa sobre a terra.

Chegara, porem, tarde o maná do Senhor!...

Um mês, mais tarde, ao lado do túmulo de Maria existia outro, igualmente modesto e lúgubre.

Gregório, tomado de incurável loucura, depois de haver arrojado toda a sua fortuna a um abismo, por ele cavado, para que ninguém mais a pudesse descobrir e gozar, foi por si mesmo procurar naquele precipício uma morte desastrosa e terrível!

O mais... só Deus o sabe!…
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Sebastião de Magalhães Lima nasceu em Santos/SP em 1850 e faleceu em Lisboa/Portugal em 1928. Foi advogado, jornalista, político, escritor, fundador da Liga Portuguesa dos Direitos do Homem e dos jornais "O Século" e "Comércio de Portugal". Republicano, maçon e pioneiro do socialismo português, fez parte da Geração de 70 e dirigiu os periódicos republicanos "A Folha do Povo" e "A Vanguarda". Em 1909 foi indicado para o Prémio Nobel da Paz e em 1919 foi Grã-Cruz da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito. Foi grão-mestre do Grande Oriente Lusitano Unido, com o mais longo mandato na história maçónica portuguesa, de 1907 até 1928. Magalhães Lima estreou-se como escritor publicando, durante os seus anos iniciais de estudo em Coimbra, um conjunto de obras de pendor romântico, com títulos como Miniaturas românticas, Martírio de um anjo, Amour et Champagne ou Um drama íntimo. Tais obras, inseridas na corrente tardia do romantismo português, não faziam adivinhar o apologista do republicanismo revolucionário em que o seu jovem autor se transformaria.

Fontes:
Sebastião de Magalhães Lima. Miniaturas românticas. Publicado originalmente em 1871. Disponível em Domínio Público.  
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

José Feldman (Passarinho na gaiola)

 
Privado da liberdade
lindo pássaro cantador,
na gaiola, de saudade,
canta triste a sua dor…
Maria Helena Ururahy C. Fonseca
(Angra dos Reis/RJ)

Oprimido na gaiola,
lamentando a escravidão,
o sabiá cantarola
para o algoz sem coração.
Ruth Farah Lutterback +
(Cantagalo/RJ)

Paulo era um homem solitário que encontrava alegria em um pequeno passarinho que mantinha em uma gaiola. O passarinho, um canário de penas amarelas brilhantes, era sua companhia mais fiel. Paulo gostava de ouvir seu canto suave e melodioso, especialmente nas manhãs ensolaradas, quando a luz do dia filtrava-se pela janela, iluminando sua pequena casa.

Todos os dias, ao acordar, se aproximava da gaiola e falava com o passarinho, que respondia com seu canto. Para Paulo, aquele som era como um alívio à solidão que o cercava. Ele acreditava que, mantendo o passarinho preso, estava garantindo sua segurança e, assim, poderia desfrutar de sua música sempre que quisesse.

Certa tarde, Ricardo, um amigo de Paulo, decidiu visitá-lo. Eles conversaram sobre a vida, sobre as lembranças de antigamente e, é claro, sobre o passarinho. 

– Você tem um passarinho lindo, Paulo. Deve ser maravilhoso ouvir seu canto. - comentou Ricardo, tomando um gole de café.

– É verdade! - respondeu Paulo, com um sorriso. – Ele é minha companhia. Eu gosto de ouvi-lo cantar.

Ricardo franziu a testa, surpreso. 

– Mas por que deixá-lo preso? Para ouvi-lo cantar? Isso não parece certo. Ele tem asas, Paulo. As aves devem voar livremente.

Paulo hesitou. 

– Mas se eu soltar, ele pode fugir. E eu ficaria sozinho novamente.

– Mas você já percebeu que o canto dele não é de alegria, mas de tristeza? Ele está preso, e seu canto reflete isso. Assim como nós, humanos, temos pés para andar, as aves têm asas para voar. Ninguém gosta de estar preso. E se fosse você preso em uma gaiola, sem poder sair para andar? Como se sentiria?

As palavras de Ricardo ecoaram na mente de Paulo. Ele nunca havia pensado dessa forma. Naquela noite, enquanto o passarinho cantava, ele começou a prestar atenção ao tom de sua música. Era verdade: havia uma melancolia em seu canto que antes não percebera. O coração de Paulo apertou-se com a dor de compreender que, mesmo cuidando do passarinho, estava privando-o de sua liberdade.

Paulo ficou em um dilema. Ele amava o passarinho e queria que ele fosse feliz, mas o medo da solidão o impedia de agir. No entanto, a consciência pesada começou a se tornar insuportável. Com um suspiro profundo, decidiu que precisava fazer o que era certo. 

Com tremor nas mãos, abriu a gaiola.

O passarinho hesitou por um momento, mas assim que viu a porta aberta, voou para fora em um esplêndido bater de asas. Seu canto mudou imediatamente, não era mais triste, mas alegre e vibrante. 

Paulo olhou enquanto o pequeno ser alado disparava para o céu, sentindo uma mistura de alívio e dor. Ele havia feito o que era certo, mas agora sentia-se mais sozinho do que nunca.

Nos dias que se seguiram, Paulo se fechou em seu mundo. Olhava pela janela, desejando que o passarinho voltasse, mas sua casa parecia mais silenciosa do que nunca. A ausência do canário o envolveu em uma profunda tristeza. Ele se afastou dos amigos, deixou de sair, mergulhando em um torpor.

Porém, algo inesperado aconteceu. Um dia, enquanto Paulo olhava para a janela, ouviu um canto familiar. Seu coração disparou quando viu o passarinho pousando na borda da janela, cantando alegremente como nunca antes. Era como se o sol tivesse surgido novamente em sua vida.

"Você voltou!", exclamou Paulo, surpreso e emocionado. Ele se aproximou da janela e, com lágrimas nos olhos, disse: "Desculpe-me por ter te prendido. Eu não queria que você se sentisse triste."

O passarinho parecia entender. Ele cantou ainda mais alto, e Paulo sentiu que aquelas notas eram uma resposta ao seu arrependimento. O canto do passarinho ressoava como uma melodia de perdão e amizade. 

A cada manhã e cada final de tarde, o passarinho voltava, enchendo o ar com sua música.

Paulo começou a sair de casa, encontrando um novo propósito. Ele cuidava do jardim, plantava flores e desfrutava da natureza ao seu redor. O passarinho voava pelo quintal, pousando nas árvores e cantando, e Paulo sempre o esperava na janela.

A liberdade do passarinho trouxe vida nova a Paulo. Ele entendia, finalmente, que a verdadeira amizade é baseada na liberdade e no respeito. E assim, o passarinho e Paulo formaram um laço que transcendeu as paredes da casa, celebrando a beleza da liberdade e a alegria da companhia.


A liberdade e o respeito pela vida dos outros sempre são recompensados. A verdadeira amizade não se baseia na possessão, mas na capacidade de permitir que o outro seja livre e feliz.

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JOSÉ FELDMAN, poeta, trovador, escritor, professor e gestor cultural. Formado em técnico de patologia clínica trabalhou por mais de uma década no Hospital das Clínicas de São Paulo. Devido à situação financeira insuficiente não concluiu a Faculdade de Psicologia, na FMU, contudo se fez e ainda se faz presente em mais de 200 cursos presenciais e online no Brasil e no exterior (Estados Unidos, México, Escócia e Japão), sendo em sua maioria de arqueologia, astronomia e literatura. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais. Morou na capital de São Paulo, onde nasceu, em Taboão da Serra/SP, em Curitiba/PR, em Ubiratã/PR, em Maringá/PR. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras, como Confraria Brasileira de Letras, Academia Rotary de Letras, Academia Internacional da União Cultural, Academia de Letras Brasil/Suiça, Confraria Luso-Brasileira de Trovadores, Academia Formiguense de Letras, Academia de Letras de Teófilo Otoni, etc, possui os blogs Singrando Horizontes desde 2007, e Pérgola de Textos, um blog com textos de sua autoria, Voo da Gralha Azul (com trovas do mundo). Assina seus escritos por Floresta/PR. Dezenas de premiações em crônicas, contos, poesias e trovas no Brasil e exterior.
Publicações de sua autoria “Labirintos da vida” (crônicas e contos); “Peripécias de um Jornalista de Fofocas & outros contos” (humor); “35 trovadores em Preto & Branco” (análises); “Canteiro de trovas”; “Pérgola de textos” (crônicas e contos), “Caleidoscópio da Vida” (textos sobre trovas) e “Asas da poesia”.

Fontes:
José Feldman. Pérgola de Textos. Floresta/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
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