Entendemos mal os costumes deles, mas os intercambistas indianos também terão dificuldade para entender porque, no Brasil, 'a novela das oito' começa às nove...
Em abril/maio, num IGE (Intercâmbio de Grupo de Estudos) patrocinado pela Fundação Rotária, os Rotary Clubes do Distrito 4.620 hospedaram indianos. Durante 30 dias, profissionais liberais e homens de negócio, liderados por um rotariano, percorreram municípios da região, ao mesmo tempo em que grupo de brasileiros viajou pelo distrito emparceirado na Índia. Os intercambistas visitaram famílias, clubes, cidades, empresas, autoridades enquanto se familiarizavam com meio ambiente e costumes diversos dos seus. Nas reuniões rotárias, apresentam clipes ou vídeos com informações geopolíticas e culturais do país de origem. Como o que acontece na TV estimula a curiosidade, durante a estadia, o grupo deverá ser crivado de perguntas sobre a Índia. Tive oportunidade de conversar rapidamente com o arquiteto Paul K. Jacob, na primeira visita de sua programação. Como não poderia deixar de fazer, perguntei-lhe se havia visto 'O Caminho das Índias' e o que achara. O líder do grupo parece não ter gostado do que assistiu. Antes de voltar-se à instalação e ajustes do vídeo-show, falou: -Non sense. It's only soap opera!
O linguajar novelesco anda criando neologismos que deverão desaparecer logo após o último capítulo. Palavras como 'are baba' (poxa! Oh, Deus!), 'arebaguandi' (ah, meu Deus!), 'firanghi' (estrangeiro), 'tik' (sim), 'baldi' (pai), 'mamadi' (mãe) pululam nas conversas dos que se amarram na novela das oito. Entendemos mal os costumes deles, mas os intercambistas indianos também terão dificuldade para entender porque, no Brasil, 'a novela das oito' começa às nove...
Gosto de minisséries, mas não costumo acompanhar novelões. Coincidências - filme indiano vencedor do Oscar, recente leitura da biografia de Gandhi, artigos que publiquei neste espaço e, agora, o IGE dos indianos - acabaram por me prender à telinha, especificamente para acompanhar exotismo dos cenários e comportamento excêntrico dos personagens hindus. Não vou negar, estou me divertindo! Pena que, para tanto, precise acompanhar aquelas improváveis estórias que ocorrem no Rio.
No cenário carioca, doentes e doenças me despertam a atenção: psiquiatra com TOC (transtorno obsessivo compulsivo), personalidade psicopática (Letícia Saba... pra lá de bela!), dois esquizofrênicos (um deles, corretíssimo na interpretação dos surtos).
Como pediatra, não devo ignorar a estenose hipertrófica do piloro do filho da Duda. A referida estenose, mais encontrada no sexo masculino, é malformação comum e se manifesta por vômitos persistentes desde os primeiros dias de vida. A partir da segunda semana, o estreitamento do piloro (ponto de comunicação entre estômago e duodeno) impede a passagem do leite ingerido. O nenê vomitador acaba gravemente desidratado e desnutrido. O reconhecimento da doença, realizado pelo personagem-cirurgião, apenas pela ausculta do bebê, é licença poética de novela. O diagnóstico clínico seria possível na criança emagrecida, se a palpação mostrasse o 'sinal da oliva' (espessamento do duodeno com tamanho e consistência de pequena azeitona). Para confirmar a suspeita ele precisaria usar radiografia contrastada do estômago-duodeno; o estreitamento do piloro apareceria como imagem que lembra o 'seio materno com bico'. Pelo tempo virtual da trama, acredito que o personagem-nenê tenha 3 meses de idade. Na vida real, dificilmente uma criança resistiria tanto tempo a essa obstrução alta do sistema digestório; desidratação, desnutrição e suas conseqüências teriam levado o portador a incrementar as estatísticas de mortalidade infantil.
Cirurgia para corrigir o defeito é muito simples: pequeno corte no anel musculoso que envolve o piloro traz resultados excelentes e rápida recuperação do pacientezinho. Agora, diante das baixas remunerações e riscos de processos na Justiça, impossível mesmo é encontrar profissional que se arrisque a operar um bebê contra a vontade da mãe.
Diante das dificuldades que a classe médica vem enfrentando, no Brasil, só mesmo exclamando Are baba! Are baguandi!...
Fontes:
Publicado na edição de 30/05/2009 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 2 do caderno A.
Douglas Lara
Em abril/maio, num IGE (Intercâmbio de Grupo de Estudos) patrocinado pela Fundação Rotária, os Rotary Clubes do Distrito 4.620 hospedaram indianos. Durante 30 dias, profissionais liberais e homens de negócio, liderados por um rotariano, percorreram municípios da região, ao mesmo tempo em que grupo de brasileiros viajou pelo distrito emparceirado na Índia. Os intercambistas visitaram famílias, clubes, cidades, empresas, autoridades enquanto se familiarizavam com meio ambiente e costumes diversos dos seus. Nas reuniões rotárias, apresentam clipes ou vídeos com informações geopolíticas e culturais do país de origem. Como o que acontece na TV estimula a curiosidade, durante a estadia, o grupo deverá ser crivado de perguntas sobre a Índia. Tive oportunidade de conversar rapidamente com o arquiteto Paul K. Jacob, na primeira visita de sua programação. Como não poderia deixar de fazer, perguntei-lhe se havia visto 'O Caminho das Índias' e o que achara. O líder do grupo parece não ter gostado do que assistiu. Antes de voltar-se à instalação e ajustes do vídeo-show, falou: -Non sense. It's only soap opera!
O linguajar novelesco anda criando neologismos que deverão desaparecer logo após o último capítulo. Palavras como 'are baba' (poxa! Oh, Deus!), 'arebaguandi' (ah, meu Deus!), 'firanghi' (estrangeiro), 'tik' (sim), 'baldi' (pai), 'mamadi' (mãe) pululam nas conversas dos que se amarram na novela das oito. Entendemos mal os costumes deles, mas os intercambistas indianos também terão dificuldade para entender porque, no Brasil, 'a novela das oito' começa às nove...
Gosto de minisséries, mas não costumo acompanhar novelões. Coincidências - filme indiano vencedor do Oscar, recente leitura da biografia de Gandhi, artigos que publiquei neste espaço e, agora, o IGE dos indianos - acabaram por me prender à telinha, especificamente para acompanhar exotismo dos cenários e comportamento excêntrico dos personagens hindus. Não vou negar, estou me divertindo! Pena que, para tanto, precise acompanhar aquelas improváveis estórias que ocorrem no Rio.
No cenário carioca, doentes e doenças me despertam a atenção: psiquiatra com TOC (transtorno obsessivo compulsivo), personalidade psicopática (Letícia Saba... pra lá de bela!), dois esquizofrênicos (um deles, corretíssimo na interpretação dos surtos).
Como pediatra, não devo ignorar a estenose hipertrófica do piloro do filho da Duda. A referida estenose, mais encontrada no sexo masculino, é malformação comum e se manifesta por vômitos persistentes desde os primeiros dias de vida. A partir da segunda semana, o estreitamento do piloro (ponto de comunicação entre estômago e duodeno) impede a passagem do leite ingerido. O nenê vomitador acaba gravemente desidratado e desnutrido. O reconhecimento da doença, realizado pelo personagem-cirurgião, apenas pela ausculta do bebê, é licença poética de novela. O diagnóstico clínico seria possível na criança emagrecida, se a palpação mostrasse o 'sinal da oliva' (espessamento do duodeno com tamanho e consistência de pequena azeitona). Para confirmar a suspeita ele precisaria usar radiografia contrastada do estômago-duodeno; o estreitamento do piloro apareceria como imagem que lembra o 'seio materno com bico'. Pelo tempo virtual da trama, acredito que o personagem-nenê tenha 3 meses de idade. Na vida real, dificilmente uma criança resistiria tanto tempo a essa obstrução alta do sistema digestório; desidratação, desnutrição e suas conseqüências teriam levado o portador a incrementar as estatísticas de mortalidade infantil.
Cirurgia para corrigir o defeito é muito simples: pequeno corte no anel musculoso que envolve o piloro traz resultados excelentes e rápida recuperação do pacientezinho. Agora, diante das baixas remunerações e riscos de processos na Justiça, impossível mesmo é encontrar profissional que se arrisque a operar um bebê contra a vontade da mãe.
Diante das dificuldades que a classe médica vem enfrentando, no Brasil, só mesmo exclamando Are baba! Are baguandi!...
Fontes:
Publicado na edição de 30/05/2009 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 2 do caderno A.
Douglas Lara
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