quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Jean-Pierre Bayard (História das Lendas) Parte XXII



CAPÍTULO VII

ALGUNS CONTOS DE PERRAULT


I — Introdução

Perrault, depois do êxito de Pele de Burro, pensou em transcrever Les contes de la mère l’Oye; suas fontes nos são desconhecidas mas os motivos existem numa literatura coletiva, talvez criada pelo produto inconsciente da imaginação proveniente de fontes multo antigas.

Se o texto age por encantamento, descobre também um sentido que ultrapassa a simples moralidade devida a Perrault, que aliás se desinteressou pelas fontes iniciais. Bacon escreve: “Confesso simplesmente que desde sua origem as fábulas antigas foram alegóricas e encerravam lições importantes”.

1. — Valor do conto

Ora, encontramos de novo o mesmo repertório de contos — com seus temas iniciais semelhantes — em cada país e em cada latitude; essa migração prova um ritual unicamente acessível aos iniciados. Mas essas palavras de encantamento, forma de uma magia vinda até nos Evangelhos, não são apenas simbólicas. Além das cerimônias iniciáticas, o conto interpreta a vida e as tradições regionais. Por suas virtudes místicas, o encanto dessas ficções não pode ser nem pueril nem grotesco. E é preciso abandonar nossa atitude racional de homens que querem ser instruídos e inteligentes para desfrutar o sabor desses contos que nos lembram a alvorada de nossa infância.

2. — Tese solarista

Despertou grande interesse a tese solarista de B. Busson. Barba-Azul é uma alegoria do sol que mata cada dia a Aurora, sua nova esposa. A Aurora é curiosa; ela penetra por toda parte. Mas no aposento proibido estará encerrado o trovão; a Aurora é libertada por dois cavaleiros, os Açvins do Rig-Veda, os dois crepúsculos. O Pequeno Polegar relacionar-se-ia com os sete raios do alvorecer. André Lefevre, Frédéric Dillaye compartilham essa opinião. Na mitologia antiga podemos encontrar o sol com o seu emblema de chaves.

Porém, Barba-Azul pode ser Saturno em luta com o novo ano, sua nova esposa; contudo as pesquisas para justificar a significação do número 7 conduzem a outras interpretações cujo caráter esotérico não poderia nos escapar.

3. — Valor do algarismo 7

Se as sete esposas de Barba-Azul, ou os sete irmãos do Pequeno Polegar, as sete fadas da Bela Adormecida no Bosque, as sete filhas do papão, as sete mulheres do gigante podem se assemelhar aos sete dias da semana, o valor desse número é extraordinário. Encontramos as sete solenidades do Judaísmo, os sete ramos do Castiçal de ouro, os sete filhos de Macabeu, enquanto que Tóbis é o sétimo esposo de Sara. O Espírito Santo tem sete dons, a Virgem, sete dores, o evangelho sete demônios e sete anjos planetários. Temos ainda os sete sacramentos, os sete diáconos, os sete selos do Apocalipse, os sete pecados mortais, as sete virtudes, as sete cores do raio luminoso, as sete notas musicais, as sete maravilhas do mundo. Para Anne Osmont cada um dos sete planetas do Pater se aplica a um dos planetas que compõem a antiga astrologia enquanto que para os hindus a terra se dividia em sete planetas.

Sete seria o símbolo da vida eterna, da ação e da evolução; a própria iniciação tem sete graus. Esse algarismo, que se liga a três e onze, é ainda encontrado numerosas vezes.

4. — Simbolismo

O conto — que se reúne à lenda pela transformação do seu tema — reflete, no que concerne sua interpretação, a moda intelectual do dia. Os heróis podem personificar fenômenos naturais, mitos meteorológicos, usos cotidianos de todos os povos. O internacionalismo desses contos nos conduz a pensar numa transmissão oral. Os presentes das fadas podem constituir ritos de aniversários e Pele de Burro torna-se uma rainha de carnaval. Se voltarmos às nossas origens poderemos encontrar novamente o frescor da nossa alma de criança, e assim, num mundo deformado, evoluem esses heróis dotados pela natureza; mesmo sendo os personagens minúsculos, podem realizar grandes feitos pela sua coragem e pelos benefícios da iniciação. Os animais são bons e os próprios objetos tornam-se atributos do poder; o boné torna invisível, o bastão invencível e a sandália é o signo da velocidade.

Este simbolismo dos objetos é discernível na água de Juvência, nas beberagens de imortalidade e o herói, para alcançar um estado superior, põe-se à busca de um objeto que pode ser um objeto mágico, um tesouro, uma noiva. Na história de Gata Borralheira o herói busca a luz e os três vestidos cósmicos (céu, lua e sol) participam da vida universal.

O conto representa um mundo sobrenatural no estado de pureza; não mais se ocupa do sentido literal e chega até o absurdo para se preocupar apenas com um simbolismo bastante aparente. O ouro torna-se o emblema da energia solar e os cabelos, símbolos da vida, são de ouro. A Bela Helena, assim como Pele de Burro assemelham-se a Aquiles- e Ménégal.

Os contos, apólogos religiosos, ensinam, a moderação de nossos desejos na aceitação da nossa condição. (Les souhaits ridicules, Griselidis) (Os desejos ridículos), mas são também uma evasão. Em vista da credulidade popular receber mal o desaparecimento do herói e criar uma lenda que o faz reviver desde o dia da sua morte, alguns desses personagens imaginários podem reviver; da mesma forma como nunca se admitiu a morte de Joana d’Arc, de Napoleão ou de Hitler, não se pode admitir a morte de heróis dotados de qualidades excepcionais.

É por isso que os contos divertem e instruem ao mesmo tempo.

5. — Os predecessores de Perrault

Esses contos de tradições antigas, “memórias coletivas”, como diz Guenon, foram compilados por vários autores.

Antes da publicação dos contos de Perrault (1697), outras compilações já existiam. Citaremos apenas as mais importantes, sendo as variantes particulares anotadas no seguinte estudo esquemático. Antes de tudo é a engenhosa reunião de contos que parecem engendrar uns e outros: o livro de Mil e uma noites.

Antes dos Contes du Perroquet (Contos do Papagaio), os Contes du Vampire (Contos do Vampiro), o compêndio mais antigo é o Pantchatantra que se havia multiplicado na forma ocidental do Roman des sept sages (Romance dos sete sábios) e na forma árabe no Le livre de Kabile et Dimna.

Entre os que tomaram a dianteira de Perrault notemos o Decameron de Bocáccio, Les nuits de Straparole e o Pentameron de Basile. Perrault e em seguida Mme d’Aulnoy, adaptaram essas ficções ao gosto do público francês. Walter Scott fez o mesmo na Inglaterra, os irmãos Grimm na Alemanha, Afanasieff na Rússia e Asblörnsen na Noruega.
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continua...

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Fonte:
BAYARD, Jean-Pierre. História das Lendas. (Tradução: Jeanne Marillier). Ed. Ridendo Castigat Mores

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