José Joaquim de Campos Leão, conhecido como Qorpo Santo (Triunfo, 19 de abril 1829 — Porto Alegre, 1 de maio de 1883) foi um dramaturgo brasileiro.
José Joaquim Leão, natural da vila do Triunfo, interior do Rio Grande do Sul. Percorreu várias localidades do interior antes de se estabelecer em Porto Alegre. Foi comerciante, professor, vereador, delegado de polícia. Vai para Porto Alegre em 1840, já órfão de pai, para estudar gramática e conseguir emprego na capital, habilitando-se ao exercício do magistério público, que passou a exercer a partir de 1851.
Casa-se em 1855 e, em 1857, muda-se com a família para Alegrete, cidade na qual funda um colégio, adquirindo respeitabilidade como figura pública, escrevendo para jornais locais e ocupando ainda cargos públicos de delegado de polícia e vereador.
Em 1861, de volta a Porto Alegre, segue a carreira de professor e começa a escrever sua Ensiqlopédia ou seis mezes de huma enfermidade. Parecem manifestar-se, neste momento, os primeiros sinais de seus transtornos psíquicos, rotulados então sob o diagnóstico de “monomania”, sendo afastado do ensino e interditado judicialmente a pedido da própria família. QS não aceita pacificamente este seu enquadramento psiquiátrico, recorrendo ao Rio de Janeiro, sendo examinado então por médicos daquela capital, que diferem do diagnóstico inicial e não endossam sua interdição judicial.
Todavia, o estigma estava posto, e o autor se vê cada vez mais isolado. Este isolamento social parece incitá-lo a escrever febrilmente, e o leva ademais a constituir sua própria gráfica, na qual viabiliza e edita sua produção textual.
A extensão e a natureza de seus problemas mentais não são claras. Os médicos que o examinaram no Rio de Janeiro, em 1868, declararam que estava apto para administrar negócios e família. Porém, de volta a Porto Alegre, no mesmo ano, foi interditado pela Justiça. Conseguiu montar uma gráfica, em 1877, para imprimir uma estranha série de livros intitulada Ensiqlopédia, ou Seis Mezes de huma Enfermidade.
As Relações Naturais, Mateus e Mateusa e Eu Sou Vida, Eu Não Sou Morte foram montadas, pela primeira vez, em 1966 na capital gaúcha.
Três anos mais tarde, foi lançada a coletânea das peças por iniciativa de Guilhermino César. Desde a década de 80 sua vida e obra têm inspirado livros, teses e discussões. ‘‘Atualmente, procura-se disfarçar a superficialidade dos seus enredos com algumas tintas de protesto e denúncia’’, afirma o professor Fraga no ensaio Um Corpo que se Queria Santo, introdução ao Teatro Completo. ‘‘Mas, na essência, lá está todo o arsenal cômico vindo diretamente de Martins Pena: quiproquós, esconderijos dentro dos armários, personagens caricaturais, os mesmos velhos preconceitos disfarçados com a máscara da liberalidade.’’
Os textos têm tantos personagens quanto possível diante da crença do autor na migração das almas. A Impossibilidade da Santificação ou a Santificação Transformada, por exemplo, traz 31 deles. Alguns personagens viram outros durante o enredo. ‘‘Alguns personagens são pessoas da sociedade carioca que ele queria atacar’’, conta Denise. Curioso são os nomes: Rubincundo, Revocata, Helbaquínia, Ridinguínio, Ostralâmio, Lamúria, Rocalipsa, Esterquilínea, Eleutério, Régulo, Catinga, Esquisito, Córneo, Ferrabrás, Simplício e por aí segue. A edição mantém os nomes originais, mas atualiza a grafia das palavras para o português usual, em vez de manter a proposta do autor. Muda inclusive a escrita dos títulos: Relasões Naturaes, por exemplo, vira Relações Naturais.
Campos Leão pretendia reformar a língua portuguesa suprimindo letras inúteis como ‘‘u’’ depois do ‘‘q’’ (daí o Qorpo-Santo) e lançou a sua Ensiqlopédia com tipologia própria. Idéia que fazia certo sentido, tanto que algumas de suas propostas foram mais tarde incorporadas ao idioma, como a eliminação do ‘‘ph’’ de pharmacia e o ‘‘h’’ quando não soa, como em deshonesto e deshumano. Para sexo, no entanto, propunha a grafia seqso. Achava que assim atenderia melhor à alfabetização, baseado em sua experiência como professor. ‘‘Quando ele percebeu que não havia chance de suas peças serem lidas, virou tipógrafo e editou a Ensiqlopédia em casa’’, explica Denise.
A Ensiqlopédia ou Seis Meses de uma Enfermidade possui nove volumes. Cada um deles é dedicado a um gênero — as comédias estão no quarto e as poesias, no primeiro. Há três na biblioteca da família Assis Brasil, três com o colecionador Julio Petersen, ambos de Porto Alegre, e os outros três estão desaparecidos. Há somente um exemplar de cada. Reeditada, a obra teatral funciona como pretexto para enveredar pelo universo de uma das figuras mais intrigantes da dramaturgia brasileira. O melhor de tudo parece mesmo o autor, inventor de si mesmo e da proposta que, como lembra Fraga, a Emília de Monteiro Lobato apreciaria conhecer.
As dezessete comédias (uma delas incompleta) reunidas em Teatro Completo são todas datadas de 1866 e levariam exatamente um século para ser encenadas. A primeira montagem foi realizada por um grupo estudantil de Porto Alegre, em 1966. Desde então, os textos de Qorpo-Santo voltaram poucas vezes ao palco. É um autor difícil, que exige ousadia da direção. Os personagens não apresentam uma identidade coerente, e suas ações são as mais desvairadas: ateiam fogo no cenário, soltam ratos no palco, bolinam e espancam uns aos outros. Muitas peças têm uma pesada carga sexual. As Relações Naturais inclui cenas em um bordel e insinuações de incesto. A Separação de Dois Esposos encerra-se com um diálogo hilariante entre Tatu e Tamanduá, o primeiro casal gay da dramaturgia brasileira. O curioso é que o dramaturgo era um conservador empedernido. Só quando escrevia, o monarquista José Joaquim de Campos Leão dava lugar ao anárquico Qorpo-Santo.
Adotou o nome Qorpo-Santo por razões místicas que não explica muito bem – em seus escritos, compara-se a Jesus Cristo e afirma encontrar-se, pelo fenômeno da "transmigração das almas", com o espírito de Napoleão III. A grafia de "Qorpo" obedece à ortografia criada pelo autor, que assim desejava simplificar a escrita em português.
Obras
* Certa identidade em busca de outra
* Eu sou vida eu não sou morte
* Um credor da Fazenda Nacional
* As relações naturais
* Hoje sou um; e amanhã sou outro
* Um assovio
* Um parto
* Hóspede atrevido ou O brilhante escondido
* A impossibilidade da santificação ou A santificação transformada
* Dois irmãos
* A separação de dois esposos
* La
* Lanterna de fogo
* Marinheiro escritor
* Marido extremoso
* Mateus e Mateusa
* Elias e sua loucura bíblica
Sobre a Obra
Foram necessários quase cem anos, a partir da publicação original dos textos de autor gaúcho do século XIX, José Joaquim de Campos Leão, nome ao qual o próprio autor acrescentou a alcunha de Qorpo-Santo (QS), para que sua obra conquistasse reconhecimento devido aos esforço de muitos intelectuais que assim o quiseram e para tal trabalharam, na década de 1960.
Alguns críticos datando desta republicação, destacando-se o editor de seu teatro completo, Guilhermino César, buscaram situá-lo como precursor de modernas tendências da arte teatral, a princípio o teatro do absurdo -na época, pretendendo atribuir-lhe a paternidade desta moderna corrente teatral- e mais tarde querendo situa-lo como antecessor movimento surrealista.
Flávio Aguiar descreve a época do relançamento das obras, muito bem recebido, com análise profunda, ao seu Os homens precários -ainda na década de 1970, bem como a tendencia dos intelectuais de glorifica-lo como um criador do tão famoso e moderno teatro do absurdo. Enquanto Eudinyr Fraga, em trabalho datado aos anos 80, defende que QS seja enquadrado como autor surrealista, por fazer uso constante em seu texto do chamado "automatismo psíquico", que caracterizaria aquela corrente estética: "Suas personagens são sempre projeção dele próprio, e com ele muitas vezes se confundem, como observamos pelo conhecimento de sua biografia. Inclusive, deixam a categoria de personagens e assumem um tom discursivo, lamentando as infelicidades e as injustiças sofridas pelo criador. Por outro lado, não tem preocupações estéticas. Suas lamúrias estão sempre a um nível existencial, ou melhor, individual. Sua obra visa satisfazer uma necessidade interior que a expressão determina”.
Hoje, QS é visto como um indivíduo criativo e fora de seu tempo, não se propõe mais sua suposta intenção como inovador da estética, mas como um artista envolvido e dedicado intimamente à sua obra, tanto que, por vezes, sua mente invade os personagens liberando seu discurso como uma colagem desconexa da lógica da personagem.
Aguiar analisa em detalhe o teatro de QS, e seus argumentos fogem à discussão sobre ser QS o precursor não reconhecido de modernas tendências do teatro moderno. Para Aguiar, QS constrói um teatro da paralisia, em que o pano de fundo da moralidade vigente é antagonizado pelo desenrolar dos acontecimentos, em atropelo da possível lógica de seus enredos, nas peças de QS o ritmo do tempo se mostra caótico demais para que dele possa nascer, ‘espontaneamente’, qualquer conclusão lógica.
Cabe ressaltar que, à exceção destes dois autores citados acima, é perceptível a ausência de uma reflexão sobre a questão da loucura, a qual foi julgado em vida pelo juridico de Porto Alegre, sobre os limites da normalidade psíquica, no universo textual deste autor. E, no entanto, a falta de razão se faz presente no cerne de seus escritos, nas nervuras de seu texto.
Fontes:
http://pt.wikipedia.org
http://veja.abril.com.br
www2.correioweb.com.br
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