quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Antonio Brás Constante (Aprisionados, ou melhor... casados)


O casamento é a prisão perfeita, pois faz com que o próprio apenado decida se entregar, construindo sua cela em um terreno financiado por ele mesmo, providenciando o seu sustento e de sua carcereira. Tudo feito por atos espontâneos, motivados pela sociedade, que convence o candidato a prisioneiro com promessas de
felicidade eterna.

A pena para quem casa é de prisão perpétua, pois o juiz, ou melhor, o padre sempre finaliza a sentença dizendo: “até que a morte os separe”. A única forma conhecida de se libertar dessa prisão é por mau comportamento. O casamento é um regime onde
o prisioneiro cumpre sua pena em regime semiaberto. Saindo durante o dia para trabalhar como qualquer homem livre e solteiro, e voltando ao seu cárcere ao anoitecer.

Para que o homem não se sinta tentado a “pular o muro” em busca de alguma louca aventura fora de sua cela, existem dispositivos extremamente eficientes para monitorá-lo, intitulados de “vizinhos” e “parentes”, que conseguem rastrear suas atividades, impedindo qualquer desvio de sua conduta.

Uma das curiosidades sobre o casamento é que o homem (por se achar muito esperto) resolve em um dado momento que pode roubar a sua noiva dos pais dela, mas esquece que fazendo isto é ele quem acabará preso. Aliás, o casamento é o único sistema penal onde o prisioneiro pode abertamente ter relações íntimas com sua carcereira, tendo inclusive filhos com ela, que podem ser futuros prisioneiros ou futuras carcereiras. Como o aprisionado dispõe dessa liberdade com a carcereira, fica proibido de ter outras visitas íntimas.

As punições por seus erros de conduta vão desde a falta de um jantar até algumas noites dormindo no “solitário” (também conhecido como sofá), que é uma versão doméstica da solitária. É nesse lugar que o pobre marido tem de se sujeitar a ficar em eventuais brigas conjugais. Ao invés de algemas, o apenado recebe uma aliança, que deve permanecer em seu dedo enquanto viver. A retirada ou perda dessa joia é recebida com sessões de tortura, que começam nos ouvidos e terminam com a ameaça da vinda de sua sogra para morar com eles em sua cela.

Nos finais de semana, os prisioneiros têm direito a banhos de sol, desde que façam os mesmos segurando uma enxada, que será utilizada para capinar o pátio. O prédio da prisão onde o apenado reside serve para duas situações: garantir o conforto de sua carcereira e prole, bem como facilitar a localização do mesmo para o recebimento dos impostos vindos pelo correio, onde é cobrado pelo governo por estar preso.

O homem, quando se deixa enfeitiçar pelos encantos de uma mulher, fica cego de amor e logo vai entregando a chave de seu coração, esquecendo-se de que o resto do corpo também faz parte do pacote. Em algumas dessas prisões chamadas de lares, as carcereiras efetuam revistas nos prisioneiros quando estes retornam do trabalho, procurando em seus corpos e bolsos marcas ou bilhetes que sirvam de prova contra os réus.

Algumas normas devem ser obedecidas na prisão: Não “roubar” doces da geladeira. Não ficar atirado no sofá da sala “matando” tempo. E principalmente não “desviar” olhares para outras mulheres.

Enfim, o casamento é uma prisão dentro de outra prisão chamada vida, e, apesar de todas as reclamações que possam surgir, ainda é um lugar maravilhoso, seguro e aconchegante, pelo qual vale a pena cumprir integralmente a sua pena. Case-se, e saberá se estou dizendo a verdade ou apenas lhe pregando uma peça.

Fonte:
Constante, Antonio Brás.  Hoje é o seu aniversário! “Prepare-se” : e outras histórias. 
Porto Alegre, RS : AGE, 2009.

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