segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Luís Carlos (Poemas Diversos)


A MISSÃO DO POETA

Quem já disse o que sofre? Quem da vida
Pode, acaso, esperar tudo o que sonha?
Não se vê pela face mais risonha
Esgueirar-se uma lágrima incontida?

Quem não leva, por fim, desiludida
A alma, após si seguindo tão tristonha,
Que, em silencioso, de rastos, não suponha
Já ser o enterro prévio de um suicida?

Ai de quem vê nosso destino a fundo:
O homem, a cada passo, diferente,
Mas sempre, em qualquer cousa, moribundo!

Pois, ser poeta é sentir, constantemente,
Esta expiação de compreender o mundo
E este mal de sofrer por toda a gente.

ATO DE FÉ

Musa, que em mim raiais como um clarão sonoro,
Incendendo-me o ser no ardor de um sonho imenso;
E que, corporizando a essência do que penso,
Em poemas converteis as lágrimas que choro;

Não me deis o esplendor de efêmero meteoro;
Condensai-me no estilo a força que eu condenso
Na minha fé - vapor de luminoso incenso -
Quando no ofício da Arte Excelsa me afervoro.

Quero a rima tocar; ver se ao mármore irmana,
Na contextura, e , assim, por pedestal do verso
Tomando-a, ter no verso uma coluna ufana!

E alto, sobre a coluna, ao sol, no Espaço imerso,
Hastear e defender contra a vileza humana
O pavilhão do ideal em face do Universo.

A UMA ÁRVORE

Escuta, árvore amiga, a minha vida
É, de certo, mais triste do que a tua.
Sofres, apenas, quando tumultua
O Vento em galopada desabrida.

No mais, o teu destino é uma subida:
É crescer, sob o Sol e sob a Lua,
Deitando sombra, quando o Sol estua,
Quedando, à luz do luar, adormecida.

Que diferença no meu ser tristonho!
Vives quieta, vivo eu porque me agito.
E, se adormeço, vibro mais no sonho.

Pois não tens, como eu tenho, a arrebatar-te
Dia e noite, a sem-fins, por toda a parte,
O pensamento — boêmio do Infinito.

CLAUSTRO ABANDONADO

Esta ruína que vês, cujo zimbório abriga,
Na severa feição de venerável urna,
Recalcadas paixões de tradição soturna,
É um claustro, que existiu ao sol da idade antiga.

- Entra-lhe a porta e vê: cresce por tudo a urtiga...
Melancoliza o ambiente uma expressão noturna;
Negreja, a cada passo, a boca de uma furna,
Bocejando, ao torpor de secular fadiga.

- Ajoelha, pecador. São túmulos daquelas
Que a glória teologal de penitências tantas
Por fim transfigurou na solidão das celas!

- Ajoelha, pecador. Nestas ferais gargantas,
Sufocaram-se os ais das místicas donzelas
- Monjas, durante a vida; ao fim da vida santas.

CREPÚSCULO

No pudor melancólico do ambiente
O Céu dissolve a sua paz de asilo,
Desvanecendo o azul, serenamente,
Entre uns tons de ametista e de berilo...

Fluidificam-se, ao longe, sutilmente,
As rosas do crepúsculo tranqüilo,
Transparecendo no vitral do poente,
À feição de um seráfico sigilo...

Vaga uma unção litúrgica nas cousas,
Num silêncio de naves e de lousas,
Que enleia a luz e a sombra, a entretecê-las...

E da angústia profunda do horizonte
Vem a noite, trazendo sobre a fronte
A coroa de espinhos das estrelas...

FINADOS

Dois de novembro. Finados.
Quanta flor! Quantas criaturas,
Guarnecendo as sepulturas
Dos ricos e potentados!

E junto deles, fadados
Sempre às mesmas desventuras,
Dormindo em campas obscuras
Os pobres — abandonados!

Mas, como que em julgamento
De súbito, irrompe o vento.
E, às suas arremetidas,

Os mausoléus, tão cobertos
De flores, ficam desertos
E as covas rasas — floridas.

MINHA SOMBRA

Esta minha implacável companheira,
Que em si me reproduz a vã figura,
Numa expressão de morte prematura,
Caminhando comigo a vida inteira;

Sempre muda, se fez a mensageira
Dos silêncios da minha desventura;
Convertendo-me o corpo em nódoa escura,
À força de ser muda é verdadeira.

Em vão procuro aprofundar-lhe o arcano.
Sombra... Visão de uma outra vida ausente.
Toco-a. Dissolve-a o meu contato humano.

Mas, se esqueço quem sou, surge-me à frente
E, quanto mais ao sol me aprumo e ufano,
Mais ao chão me reduz humildemente.

REFLEXOS

Velho tronco derrubado,
Mas inda a reflorescer,
Lá tens, pelo mesmo fado,
As condições do meu ser.

Tudo o que sempre hei sonhado
Fez-se dor e era prazer:
O coração sem cuidado,
Bate, bate até doer.

Tombado agora por terra,
Tua seiva ainda descerra
Uns restos de floração,

Como eu, nos versos que faço,
Tombado já de cansaço,
Floresço em recordação.

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