quinta-feira, 18 de outubro de 2018

Antonio Brás Constante (Bem versus mal [façam suas apostas])


O bem e o mal. Para alguns estes conceitos antagônicos vivem em eterna guerra. Uma guerra que começa em vida e termina na morte. Onde a partir daí, cada um vai para o seu reduto. Uns seguem iluminados, embalados pelo som de harpas tocadas por anjos voando rumo ao céu azul. Outros compram passagem expressa para descida sem volta aos confins do inferno. Cada um seguindo de acordo com sua escolha de vida.

Mas, discordo dos que dizem que existe uma luta entre o bem e o mal. Afinal, o bem não luta. Prefere uma saída diplomática e pacífica para a situação. Não acredita que violência seja a solução para qualquer tipo de conflito. Etc. O mal, por sua vez, também evita qualquer tipo de duelo, pois, apesar de perverso, é covarde (e covardes não lutam). Prefere uma tocaia básica. Um tiro pelas costas. Um veneninho servido em alguma salada, ou outra ideia traiçoeira qualquer, para que as suas chances de vitória sejam obtidas de forma fácil e sem muito esforço.

Apesar do que as pessoas pensam, o pior inimigo do mal é o próprio mal. O bem compartilha. Doa. Ampara. Algo detestável para aqueles que têm pretensões maléficas. Porém, de muita valia para se arrebanhar os bens do bem. E em matéria de surrupiar, o mal é muito bom. Nos embates entre essas duas forças, surgem junções pouco amistosas, pois, a partir de seus confrontos, tudo fica bem mal. Mas como alguns males vêm pra bem, as coisas acabam voltando ao normal, deixando para a próxima batalha uma possível decisão para o sempre fatídico “confronto final”.

O mal não gosta do trabalho, pois dizem que o trabalho enobrece, e enobrecer não está nos planos de quem quer ser mal. Para ele a semana deveria ter cinco dias de descanso, e dois de feriado. Isso demonstra que mesmo o mal tem o seu lado bom de viver, com pensamentos próximos aos anseios da maioria das pessoas.

O ser vil não gosta de servir. Prefere ser servido. Adorado. Retribuindo com toda maldade possível de se praticar. Todos esses atributos detestáveis o deixam em desvantagem frente ao sucesso. Mas o mal é esperto, e está sempre querendo se dar bem, achando formas inovadoras que impeçam os seus planos de irem mal.

O mal é o doce veneno que mata. O bem é o amargo remédio que cura. O mal é uma floresta escura, cheia de perigos e encantos, com lobos espreitando em cada um de seus recantos. O bem é campo florido, lugar onde pastam ovelhas, bezerros e vaquinhas malhadas. O bem é o amor puro e iluminado. O mal é a essência do pecado, vontade insaciável de supremo poder. É fogo que arde envolto em sombras, que chama para junto de suas chamas, incendiando vontades com promessas de prazer. O bem é o lugar seguro, é serenidade. Consciência que nos faz refletir. É estender a mão aos que precisam. É mesmo triste ter coragem de sorrir. O mal é inquieto, sem raízes onde se fixar. Segue nômade, procurando vítimas para atacar. É sedutor. Alegre em ser amoral. Superficial. Gosta de estender a mão para empurrar. Sorrir das tristezas que possa provocar.

Nós, seres humanos, somos invólucros que contêm generosas parcelas do bem e do mal, que estão gravadas em nossa existência, sussurrando em nossos ouvidos em cada decisão a ser tomada. Dizendo-nos para fazer assim ou assado. Sinalizando caminhos a seguir, na incerteza de chegar. A decisão final é nossa. O bem e o mal ficam guardados em nossas entranhas, esperando uma brecha para tomar as rédeas de nossas vidas e passar enfim a guiá-las rumo à essência de suas (ou nossas?) próprias vontades.

Fonte:
Constante, Antonio Brás.  Hoje é o seu aniversário! “Prepare-se” : e outras histórias. 
Porto Alegre, RS : AGE, 2009.

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