domingo, 30 de junho de 2024

Leon Tolstói (Lipúniuchka)

Um velho vivia com uma velha. Não tinham filhos. O velho foi arar a terra e a velha ficou em casa para fazer panquecas. A velha fez as panquecas e disse:

− Se a gente tivesse um filho, ele levaria as panquecas para o pai; mas, agora, a quem vou pedir?

De repente, do meio do algodão, saiu um menininho e disse:

− Bom dia, mamãe!

A velha perguntou:

− Filhinho, de onde você saiu e como se chama?

E o filho respondeu:

− Mãezinha, você fiou o algodão e enrolou as meadas e eu saí de lá. Pode me chamar de Lipúniuchka. Pode deixar, mãezinha, eu levo as panquecas para o papai.

A velha disse:

− Você consegue levar mesmo, Lipúniuchka?

− Consigo, mãezinha…

A velha amarrou as panquecas dentro de uma trouxinha e deu para o filho. Lipúniuchka pegou a trouxa e correu para o campo. No campo, ele topou com um morrinho na estrada e gritou:

− Papai, papai, me ajude a passar pelo morrinho! Eu trouxe panquecas para você.

No campo, o velho ouviu que alguém chamava, foi ao encontro do filho, levou o menino para o outro lado do morrinho e disse:

− De onde você veio, filho?

E o menino respondeu:

− Papai, eu saí do algodão − e deu as panquecas para o pai.

O velho sentou-se para comer e o menino disse:

− Deixe que eu vou arar a terra.

O velho disse:

− Você não tem força para arar a terra.

Mas Lipúniuchka pegou o arado e começou a arar. Ele arava e ainda por cima cantava.

Um senhor de terras passou por aquele campo e viu que o velho estava sentado comendo enquanto o cavalo arava sozinho. O senhor de terras desceu da carruagem e disse para o velho:

− Como pode ser isso, velho? O cavalo está arando sozinho?

O velho respondeu:

− Tenho um menino que está arando, e ele ainda canta.

O senhor de terras chegou mais perto, ouviu a canção e viu Lipúniuchka.

O senhor de terras disse:

− Velho! Venda esse menino para mim.

E o velho respondeu:

− Não, não posso vender, só tenho um.

E Lipúniuchka disse para o velho:

− Venda, papai, eu fujo dele.

O mujique vendeu o menino por cem rublos. O senhor de terras deu o dinheiro, pegou o menino, embrulhou num lenço e guardou no bolso. O senhor de terras correu para casa e disse para a esposa:

− Trouxe uma alegria para você.

E a esposa disse:

− Mostre. O que é?

O senhor de terras tirou o lenço do bolso, abriu e dentro do lenço não havia mais nada. Fazia tempo que Lipúniuchka tinha fugido para o pai.

Fonte: Liev Tolstói. Livros de leitura para crianças. Publicado originalmente em 1864.  Disponível em Domínio Público

Recordando Velhas Canções (Maringá)


Compositor: Joubert de Carvalho

Foi numa leva que a cabocla Maringá 
Ficou sendo a retirante que mais dava o que falar 
E junto dela veio alguém que suplicou 
Pra que nunca se esquecesse de um caboclo que ficou 
  
Maringá,  Maringá 
Depois que tu partiste tudo aqui ficou tão triste 
Que eu "garrei" a imaginar 
Maringá,  Maringá 
Para haver felicidade é preciso que a saudade 
Vá bater noutro lugar 
Maringá,     Maringá 
Volta aqui pro meu sertão pra de novo o coração 
De um caboclo a sossegar 
  
Antigamente uma alegria sem igual 
Dominava aquela gente na cidade de Pombal 
Mas veio a seca, tudo a chuva foi-se embora 
Só restando então as águas 
Dos meus "'óio" quando chora 
Maringá,   Maringá 
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A Saudade e a Seca em 'Maringá' de Joubert de Carvalho

É comum no mundo inteiro cidades emprestarem seus nomes a canções. Difícil é uma canção inspirar o nome de uma cidade, como foi o caso de "Maringá". O fato ocorreu em 1947, quando Elizabeth Thomas, esposa do presidente da Companhia de Melhoramentos do Norte do Paraná, sugeriu que a composição desse nome a uma cidade recém-construída pela empresa, e que em breve se tornaria uma das mais prósperas do estado.

O curioso é que a canção jamais teria existido se seu autor Joubert de Carvalho não fosse, quinze anos antes, um frequentador assíduo do gabinete do José Américo de Almeida (Ministro da Viação e Obras), tinha como chefe de gabinete o senhor Ruy Carneiro , que mais tarde viria a governador e senador do seu Estado (a Paraíba)..

Joubert, formado em medicina, pleiteava uma nomeação para o serviço público. Numa dessas visitas, aconselhado pelo oficial de gabinete Rui Carneiro, o compositor resolveu agradar o ministro, que era paraibano, escrevendo uma canção sobre o flagelo da seca que na ocasião assolava o Nordeste.

Surgia assim a toada "Maringá", uma obra-prima que conta a tragédia de uma bela cabocla, obrigada a deixar sua terra numa leva de retirantes. Alguns meses após o lançamento vitorioso de "Maringá", Joubert de Carvalho foi nomeado para o cargo de médico do Instituto dos Marítimos, onde fez carreira chegando a diretor do hospital da classe.

Joubert de Carvalho gostava da boemia e naquele ambiente veio a conhecer e se tornar amigo do senhor Alcides Carneiro (irmão de Ruy Carneiro e também funcionário do Ministério da Viação e Obras), que solteiro e apaixonado por uma namorada chamada Maria, residente na cidade do Ingá (60 km de João Pessoa - PB), compôs a música “Maringá”, narrando o flagelo da seca no nordeste, principalmente na cidade de Pombal, localizada na alto sertão paraibano. 

A música 'Maringá', composta por Joubert de Carvalho, é uma obra que retrata a dura realidade do sertão nordestino brasileiro, marcada pela seca e pela migração forçada. A letra conta a história de uma cabocla chamada Maringá, que se torna uma retirante, uma pessoa que precisa deixar sua terra natal em busca de melhores condições de vida. A partida de Maringá é um evento significativo, que causa grande comoção e tristeza na comunidade, especialmente para um caboclo que fica para trás, suplicando para que ela não o esqueça.

A canção também aborda a transformação da cidade de Pombal, que antes era dominada por uma alegria sem igual, mas que foi devastada pela seca. A falta de chuva trouxe desespero e tristeza, restando apenas as lágrimas do caboclo que chora pela partida de Maringá. A seca é uma metáfora poderosa para a ausência e a saudade, que são temas centrais na música. A repetição do nome 'Maringá' no estribilho reforça a intensidade da saudade e o desejo de que ela volte para trazer de volta a felicidade ao sertão.

'Maringá' é uma canção que, além de contar uma história de amor e saudade, também serve como um retrato social e cultural do sertão nordestino. A música destaca a resiliência e a esperança das pessoas que vivem nessa região, mesmo diante das adversidades. A saudade e a seca são elementos que se entrelaçam, mostrando como a ausência de uma pessoa querida pode ser tão devastadora quanto a falta de água. A canção é um exemplo da rica tradição da música brasileira em abordar temas sociais e emocionais de maneira poética e tocante.

Fontes: 

sábado, 29 de junho de 2024

Carolina Ramos (Trovando) = 18 =

 

Monsenhor Orivaldo Robles (Um conto para nossos dias)

 

“De porta em porta, eu andara mendigando pelo caminho da aldeia, quando o teu carro de ouro apareceu na distância como um sonho deslumbrante, e eu me perguntei se seria esse o Rei de todos os reis. Exaltaram-se as minhas esperanças e pareceu-me ver chegado o fim de meus dias maus. E fiquei aguardando esmolas que seriam dadas sem ser pedidas e um tesouro que seria espalhado por toda a parte, na areia.

O carro parou onde eu estava. Teu olhar caiu sobre mim e tu desceste com um sorriso. Senti que, afinal, chegara a felicidade de minha vida. Então, inesperadamente, estendeste-me a tua mão direita e disseste: ‘Que tens tu para me dar?’ Ah, que capricho de rei foi esse de abrires a palma da tua mão para pedires a um pedinte! Fiquei confundido e parei indeciso. E do meu alforje então, lentamente, tirei e dei-te o grão de trigo menor de todos.

Mas que grande surpresa foi a minha quando, pelo fim do dia, entornando no chão a sacola, encontrei entre as minhas migalhas um grão de ouro que era o menor de todos. Amargamente chorei, lamentando não ter tido coragem de me haver dado todo a Ti”.

Seria cristão o autor dessa fina censura ao egoísmo de todos nós? De certa forma, ela remete ao final do episódio do jovem rico: “Todo aquele que deixa casa, irmãos, irmãs, mãe, pai, filhos e campos, por causa de mim e do Evangelho recebe cem vezes mais agora, durante esta vida, com perseguições, e no mundo futuro, a vida eterna” (Mc 10, 17-30). Não, o criativo relato não pertence à literatura cristã. Escreveu-o o poeta indiano Rabindranath Tagore (1861-1941). Com rara sensibilidade ele indica a causa das diferenças sociais que inventamos.

O poema das bem-aventuranças (Mt 5,3-12) principia pelos pobres. Não sem razão. Quem não partilha os bens terrenos se faz cúmplice dos flagelos que infelicitam o planeta inteiro. A História comprova, há séculos, que a cobiça do dinheiro congela os corações. Esteriliza-os de toda a doçura. Infunde-lhes uma dureza que nem os animais bravios demonstram. As misérias globais não permitem ilusão. Atingimos a cifra de sete bilhões de ocupantes de um mundo que não se preocupa que morram de fome, por ano, um bilhão e duzentos mil. Um bilhão e trezentas mil pessoas iguais a nós estão privadas da água potável minimamente necessária. Por falta de comida morrem, a cada dia, onze mil crianças. Tão inocentes quanto as que levamos ao shopping para comprar coisas supérfluas. Entre as várias causas da fome no mundo não se devem omitir “a busca egoísta do dinheiro, do poder e da imagem pública; a perda do sentido de serviço à comunidade, em benefício exclusivo de pessoas ou de grupos; sem esquecer o importante grau de corrupção, sob as mais diversas formas, de que nenhum país se pode afirmar isento”. Foi o que apontou, em 4 de outubro de 1996, o documento pontifício “A Fome no Mundo”.

Estamos carecas de saber verdades claras como o sol do meio-dia. Mas não fazemos caso. O Senhor continua a nos estender a mão: ‘Que tens para me dar’? Desconfiamos que ele nos queira roubar. Tolice. Tudo o que temos foi ele que nos deu. De que aproveita ler a Bíblia e citá-la a todo instante, se recusamos praticar o que ela ensina? Ela não diz, com todas as letras, que Jesus interpreta como feito a Si mesmo o que fizermos ao menor dos irmãos (Mt 25,40)?

Fonte: Portal do Rigon 12/11/2011

Luís da Câmara Cascudo (Os Compadres Corcundas)

Era uma vez dois corcundas, compadres, um rico e outro pobre. O povo do lugar vivia mangando do corcunda pobre e não reparava no rico. O pobre andava triste e de mais a mais o tempo estava cruel e ele era caçador.

Numa feita, esperando uns veados, já tardinha, adormeceu no jirau e acordou noite alta. Ficou sem querer voltar para casa. Ia se acomodando para pegar no sono de novo quando ouviu uma cantiga ao longe, como se muita gente cantasse ao mesmo tempo.

“Deve ser alguma desmancha de farinha aqui por perto. Vou ajudar!”

Desceu da árvore e botou-se no caminho, andando, andando, no rumo da cantiga que não descontinuava. Andou, andou, até que chegando perto de um serrote, onde havia uma laje limpa, muito grande e branca, viu uma roda de gente esquisita, vestida de diamantes que espelhavam ao luar. Velhos, rapazes e meninos, todos cantavam e dançavam de mãos dadas, o mesmo verso, sem mudar.

Segunda, terça-feira,
Vai, vem!
Segunda, terça-feira,
vai, vem!

O caçador ficou tremendo de medo. As pernas nem deixavam ele andar. Escondeu-se numa moita de mofundos* e assistiu sem querer àquela cantoria que era sempre a mesma, horas e horas.

Com o tempo, foi-se animando, ficando mais calmo e, sendo metido a improvisador e batedor de viola, cantou, na toada que o povo esquisito estava rodando.

Segunda, terça-feira,
Vai, vem!
E quarta e quinta-feira,
Meu bem!

Boca para que disseste! Calou-se tudo imediatamente e aquele povo todo espalhou-se como rebaçã (bando de pombos) procurando, procurando. Acharam o corcunda e o levaram para o meio da laje como formiga carrega barata morta. Largaram ele e um velhão, brilhando como um sacrário, perguntou, com uma voz delicada:

– Foi você quem cantou o verso novo da cantiga?

O caçador cobrou coragem e respondeu:

– Fui eu, sim senhor!

O velhão disse:

– Quer vender o verso?

– Quero sim, senhor. Não vendo, mas dou o verso de presente porque gostei do baile animado.

O velho achou graça e todo aquele povo esquisito riu também.

– Pois bem – disse o velhão –, uma mão lava a outra. Em troca do verso eu te tiro essa corcunda e esse povo te dá um bisaco (alforje) novo!

Passou a mão nas costas do caçador e este tornou-se esbelto como um rapaz, sem corcunda nem nada. Trouxeram um bisaco novo e recomendaram que só abrisse quando o sol nascesse.

O caçador meteu-se na estrada, andando, andando e assim que o sol nasceu abriu o bisaco e o encontrou cheio de pedras preciosas e moedas de ouro. Só faltou morrer de contente.

No outro dia comprou uma casa, com todos os preparos, mobília, vestiu roupa bonita e foi para a missa, porque era domingo. Lá na igreja encontrou o compadre rico, também corcunda. Este quase cai de costas, assombrado com a mudança. Perguntou muito e mais espantado ficou reparando no traje do compadre, e ao saber que ele tinha casa e cavalo gordo e se considerava rico.

O pobre contou tudo; e, como a medida do ter nunca se enche, o rico resolveu arranjar ainda mais dinheiro e livrar-se da corcunda nas costas. 

Esperou uns dias pensando no que ia fazer e largou-se para o mato no dia azado. Tanto fez que ouviu a cantiga e botou-se na direção da toada. Achou o povo esquisito dançando de roda e cantando:

Segunda, terça-feira,
Vai, vem!
Quarta e quinta-feira,
Meu bem!

O rico não se conteve. Abriu o par de queixos e logo berrando:

Sexta, sábado e domingo!
Também!

Calou-se tudo rapidamente. O povo esquisito voou para cima do atrevido e o levaram para a laje onde estava o velhão. Esse gritou, furioso:

– Quem lhe mandou meter-se onde não é chamado, seu corcunda besta? Você não sabe que gente encantada não quer saber de sexta-feira, dia em que morreu o Filho do Alto; sábado, dia em que morreu o Filho do Pecado, e domingo, dia em que ressuscitou quem nunca morre? Não sabia? Pois fique sabendo! E para que não se esqueça da lição, leve a corcunda que deixaram aqui e suma-se da minha vista senão acabo com seu couro!

E quando falava os outros iam dando empurrão, tapona e beliscão no rico. O velho passou a mão no peito do corcunda e deixou ali a outra, aquela de que o compadre pobre se livrara.

Depois deram uma carreira no homem, deixando-o longe, e todo arranhado, machucado, roxo de bofetadas e pontapés.

E assim viveu o resto de sua vida, rico, mas com duas corcundas, uma adiante e outra atrás, para não ser ambicioso.
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* Mofundo = lugar de repouso do gado ou esconderijo de animais

Fonte> Luís da Câmara Cascudo. Contos Tradicionais do Brasil. Publicado originalmente em 1946. Disponível em Domínio Público.

Recordando Velhas Canções (No Tabuleiro da Baiana)


Compositor: Ary Barroso

No tabuleiro da baiana tem
Vatapá, oi
Caruru
Mungunzá, oi
Tem umbu, pra ioiô

Se eu pedir você me dá
O seu coração, seu amor de iaiá

No coração da baiana tem
Sedução, oh
Canjerê
Ilusão, oh
Candomblé pra você

Juro por Deus, pelo Senhor do Bonfim
Quero você, baianinha, inteirinha pra mim
Sim, mas depois, o que será de nós dois?
Seu amor é tão fugaz, enganador

Tudo já fiz fui até um canjerê
Pra ser feliz, meus trapinhos juntar com você
E depois vai ser mais uma ilusão
Que no amor quem governa é o coração
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A Magia e Sedução do Tabuleiro da Baiana

"No Tabuleiro da Baiana" é um dos maiores sucessos de Ary Barroso nos anos trinta. Sucesso, aliás, que o surpreendeu, conforme confessou à revista Carioca, em 23.10.37: "'No Tabuleiro da Baiana' foi a primeira música que vendi, tão descrente eu estava do seu mérito. Foi-me encomendada por Jardel Jercolis, que pretendia incluí-la em uma das revistas de sua companhia. A música foi mais 'fabricada' que inspirada; produzi-a mais ou menos à força e acabei compondo-a nos moldes de um batuque feito por mim há vários anos (o samba 'Batuque', gravado por Sílvio Caldas e Elisa Coelho em 1931)".

Mas, embora assim classificada, "No Tabuleiro da Baiana" é uma excelente composição, bem ao estilo Ary Barroso, já mostrando várias daquelas inovações que ele começava a incorporar ao samba. Sua introdução instrumental é tão adequada que faz parte integrante da música. A letra dialogada entre homem e mulher, muito bem construída, ideal para um quadro cômico-musical, têm interferências que funcionam como breques, alguns improvisados na gravação original - por exemplo, o breque "Mentirosa, mentirosa, mentirosa..." foi introduzido pelo cantor Luís Barbosa. A seção "Juro por Deus, pelo Senhor do Bonfim..." quase ad libitum, no meio da música, antecipa um procedimento que Ary usaria outras vezes e que sem dúvida, valoriza o retorno ao ritmo marcado, como em "Os quindins de Iaiá" ( 1941 ) e na segunda versão de "No Morro (Eh, eh!)", rebatizada de "Boneca de piche" (1938).

Comprador dos direitos de "No Tabuleiro da Baiana", para uso exclusivo no teatro, Jardel Jercolis o incluiu na revista Maravilhosa (outubro de 36), na qual era cantado e dançado pela dupla Déo Maia e Grande Otelo. Em 31.12, a composição voltou à cena, na revista É Batata!, da mesma companhia, desta vez apresentada por Oscarito e a menina Isa Rodrigues, então chamada de "Shirley Temple brasileira" e que faria carreira no teatro e na televisão. Antes porém da estreia teatral, "No Tabuleiro da Baiana" já estava gravado por Carmen Miranda e Luís Barbosa, sendo revivido em 1980 por Gal Costa e Caetano Veloso e em 1983 por Maria Bethânia e João Gilberto.

A música 'No Tabuleiro da Baiana' é uma celebração da cultura baiana e dos sabores e encantos que ela oferece. A letra começa descrevendo os quitutes típicos que se encontram no tabuleiro de uma baiana, como vatapá, caruru, mungunzá e umbu. Esses elementos não são apenas alimentos, mas símbolos da rica tradição culinária e cultural da Bahia, que é conhecida por sua diversidade e sabor marcante. A menção a esses pratos evoca uma sensação de nostalgia e pertencimento, conectando o ouvinte às raízes culturais da região.

A canção também explora temas de amor e sedução, utilizando a figura da baiana como uma metáfora para a paixão e o desejo. O coração da baiana é descrito como cheio de sedução, canjerê (um tipo de feitiço), ilusão e candomblé, sugerindo que o amor é uma mistura de magia e mistério. A referência ao Senhor do Bonfim, uma figura religiosa importante na Bahia, adiciona uma camada de espiritualidade e devoção ao desejo do narrador de conquistar a baiana. Essa combinação de elementos culturais e emocionais cria uma atmosfera rica e envolvente, onde o amor é visto como algo poderoso e, ao mesmo tempo, efêmero.

A música termina com uma reflexão sobre a natureza fugaz do amor. O narrador expressa sua preocupação de que, apesar de todos os esforços e até mesmo de recorrer a um canjerê para garantir a felicidade, o amor pode acabar sendo apenas uma ilusão. Essa dualidade entre a esperança e a desilusão é um tema recorrente na obra de João Gilberto, que frequentemente explora as complexidades das emoções humanas através de suas canções. 'No Tabuleiro da Baiana' é, portanto, uma ode à cultura baiana e uma meditação sobre os altos e baixos do amor, capturando a essência da vida com sua mistura de sabores, sentimentos e espiritualidade. 

Fontes:

sexta-feira, 28 de junho de 2024

Edy Soares (Fragata da Poesia) 50: Ausência

 

Mensagem na Garrafa = 122 =

A. A. DE ASSIS 
(Maringá/PR)

PROCURAM-SE OUVIDOS
 
Nós, os trovadores, aliás os poetas de modo geral, somos carentes de ouvidos que nos escutem. Os mortais comuns nem sempre estão dispostos a conversar sobre algo que não seja economia, política, esporte, programas de televisão, coisas assim. Papo poesia é do interesse de uns poucos privilegiados sonhadores, pouquíssimos. Por isso é preciso valorizar mais os nossos encontros, desde as reuniões mensais com os companheiros residentes na mesma cidade até os grandes momentos como os Jogos Florais. Nessas ocasiões a gente fala e ouve tudo o que estava acumulado no coração, à espera de chance para vir à tona. E como isso faz bem! Puxa vida... é muito triste, por exemplo, você fazer uma trova e não ter a quem dizê-la. Ficam aqueles versos presos na garganta, querendo sair, e não há por perto um ouvido generoso capaz de hospedar e de entender o seu recado. Algumas vezes a angústia é tanta que a gente pega o telefone, liga para um trovador ou para uma trovadora distante e solta o desabafo. Fazemos falta uns aos outros. Muita falta. Somos gente rara neste mundo seco; então, quando nos encontramos, é aquela festa enorme. Cada qual aproveita para libertar a alma, trocar ideias, atualizar notícias, matar saudade. O problema é que os nossos encontros duram tão pouco. Umas poucas horas de intensa alegria, e temos logo de descer do Parnaso, voltar ao que habitualmente as outras pessoas chamam de realidade... Que pena!

Renato Frata (Microcontos Escolhidos) * 1

CONSTATAÇÃO 2

     Julho iniciou com o cinza mastigando o azul em mordidas pequenas, e construiu com elas uma colcha opaca que impede o sol de sorrir.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 

ESPADACHIM

     Desenhou com a espada a rosa dos ventos: queria delimitar as direções que tomaria.
     Seguiu uma: a da cama dela.
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ESPUMAS

     Poetizando, o mar espumou a praia: em cada bolha, versos em redondilha.
     A menina brincando com os pés na água, não sabendo ler, os desfez.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 

FALTA DE PASSADO

    Atônita, Eva repreendeu Caim pelo assassinato; ao que ele, ainda cobrando, lhe perguntou:
     – Exemplo, mamãe, que exemplo você deu?
     Não soube o que dizer.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 

FRIVOLIDADE

     Na casa de Zezé não tem pão, não tem café; mas tem batom e tem rapé…
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 

INFÂNCIA

     À beira da calçada, o copo com água e sabão e a haste de arame envergado faziam sonhos, felicidade magia.
     Todos assoprados nas bolhas de sabão.
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INVEJA OU TRISTEZA?

     A borboleta mostrava às flores o lindo vestido. A mariposa amarfanhada e bêbada, disse:
     – Já fui assim, menos colorida, mas fui…
     Lágrima escorreu.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 

PERCEPÇÃO

     No desfile, o plocploc dele é diferente dos plocplocs dos demais. Então da plateia, uma égua relincha:
     – sapatos novos, hein garanhão?
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 

VAZIO

     O negror se abre para a lua. Com ela, o frescor recolhe pessoas, mas, na madrugada, uivados vadios quebram o silêncio.
     – É a voz da solidão.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 

VIDA CURTA

      A noite efêmera se deitou fria.
     Pessoas se banharam, vestiram-se e se amaram. Quando deu conta, o sol lambia seus pés.

Fonte: Renato Benvindo Frata. 200 microcontos… e mais alguns. Paranavaí/PR: Ed. Paranavaí, 2016. Enviado pelo autor.

Recordando Velhas Canções (Lata D’água)


Compositores: Jota Júnior / Luiz Antonio

Lata d'água na cabeça
Lá vai Maria
Lá vai Maria

Sobe o morro e não se cansa
Pela mão
Leva a criança
Lá vai Maria

Maria
Lava a roupa
Lá no alto
Lutando pelo pão
De cada dia
Sonhando com a vida
Sonhando com a vida
Do asfalto
Que acaba
Onde o morro principia
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A Luta Diária de Maria: Uma Análise de 'Lata D'Água'
A música 'Lata D'Água', é um retrato da vida árdua das mulheres que moram nas favelas e periferias do Brasil. A letra descreve a rotina de Maria, uma figura que representa muitas mulheres reais, que enfrentam o cotidiano de trabalho pesado e cuidados com a família. A imagem da lata d'água na cabeça simboliza o peso das responsabilidades e a força necessária para sustentar o lar.

Maria é descrita subindo o morro, um elemento geográfico comum nas cidades brasileiras onde se localizam muitas comunidades carentes. A menção de que ela não se cansa e ainda leva uma criança pela mão amplifica a ideia de resiliência e determinação. A luta pelo 'pão de cada dia' é uma expressão que remete à necessidade básica de alimentação, mas também pode ser entendida como a busca por condições mínimas de sobrevivência.

O sonho de Maria com a vida do asfalto, ou seja, a parte da cidade que não é o morro, reflete o desejo de uma vida melhor e mais justa, longe das dificuldades impostas pela pobreza e pela marginalização social. A música, portanto, além de ser um retrato da realidade de muitas mulheres, é também um comentário social sobre as desigualdades presentes na sociedade brasileira. (https://www.letras.mus.br/marlene/399382/

Aparecido Raimundo de Souza (A surpresa do provador)

DESDE QUE VIERA trabalhar naquela loja de departamentos, coubera a Andressa a tarefa de cuidar dos provadores, aquele local reservado onde os clientes antes da decisão final têm a liberdade de experimentarem os produtos que pretendem levar para casa. Uma calça, uma camisa, um cinto, um vestido, uma blusa, um terno. Enfim, é ali, exatamente no provador, que o público em geral toma para si a certeza de ficar ou não com o artigo escolhido nas dependências de qualquer magazine que comercializa com a venda em varejo de artigos os mais diversos, sejam eles masculinos, femininos ou crianças. Na imensidão que se perdia de vista, havia um bom número de provadores. Do lado direito ficava a ala masculina e, do esquerdo, o feminino. Andressa controlava as doze cabines sentada atrás de um balcão onde entregava as fichas com o número de peças que as pessoas levavam para dentro das cabines. 

Laborava, a princesa, de oito da manhã às dez da noite com apenas uma hora de almoço. Mal e parcamente via a luz do sol. O namorado que arranjara a abandonara dois meses depois, até porque passava a maior parte do tempo enfurnada no serviço. Nos dias de folga, aproveitava para cuidar das roupas que usava durante a semana e jaziam amontoadas numa velha cesta num canto do banheiro. Quando terminava os afazeres, altas horas, morta de cansada, caia na cama e dormia feito pedra. Praticamente deixara de viver para se dedicar, de corpo e alma, à labuta do cotidiano. Embora jovem, necessitava tocar a vida adiante. Longe dos pais, carecia de sobreviver. Com o aluguel comendo junto na mesa e outras despesas necessárias, não saia com as amigas da empresa nem para uma balada num barzinho que ficava perto do apartamento que dividia com mais duas colegas. 

Até o dia em que Ricardo, um varão boa pinta apareceu com quatro jeans para provar. Entre eles, foi amor à primeira vista. Ela se encantou por aquele deus grego, um tremendo “mau caminho saradão,” cheio de tatuagens pelo corpo afora. Ela entregou um número a ele e ficou olhando, perdidamente, até que o charmoso sumiu em um dos cubículos e puxou a cortina. De repente, para espanto dela, dois minutos depois, ele a chamou. A voz grossa de macho, e, ao mesmo tempo gostosa de ser ouvida, vibrou por todo seu corpo. O galã queria uma opinião. Saber dela, se alguma daquelas calças cairiam bem ou necessitava trocar por outros modelos. Andressa, meio acanhada, e informando que não poderia estar ali, se achegou e opinou. De repente, nessa desculpa de declarar a sua manifestação no simples troca-troca, eles se examinaram e se tocaram intimamente. 

No instante seguinte, Ricardo já aninhava a presa contra seu peito. Numa troca envolvente de afagos e blandícias, colou a sua boca nos lábios dela. Aconteceu. Foi muito rápido. Naquele dia, só rolou os tais selinhos, aliás, bem calientes. A partir daí os encontros tomaram uma afeição “mais desproporcional” e jamais imaginada. Escapou aos controles de ambos. Andressa simplesmente passou a transar dia sim, dia não, com o Ricardo, dentro do provador, sem se importar com quem pudesse chegar sem avisar e flagra-los na maior sacanagem da paróquia. O inusitado, a partir da primeira vez, esquentou e passou a pegar fogo todas as vezes que ele dava os ares da graça. E esses “ares” se escancaravam cada vez mais compridos e descontrolados. 

Os clangores apimentavam sempre enleados nas alegações dela –, ou seja –, da beldade opinar ao seu “amado,” se tal peça a ser comprada, cairia bem ou não. O assombramento rimbombante maior aconteceu e não só trovejou, estardalhaçou meses à frente. Ou mais precisamente, ao completar nove meses. Ricardo havia acabado de entrar na loja e correu ligeiro em direção às cabines. Seria mais uma seção rápida de sexo e depois, sem maiores problemas, regressaria aos afazeres no escritório onde trabalhava, próximo dali, como gerente de uma empresa de telemarketing. Ao chegar na entrada de acesso dos compartimentos, topou com um rostinho diferente no atendimento. Não a sua fogosa e intrépida Andressa. Perguntou por ela e a nova auxiliadora disse que a funcionária anterior, uma tal de Andressa, que ela não conhecia, acabara de ser levada as carreiras para um hospital.  

Desesperado, Ricardo saiu a indagar daqui e dali e nada. Foi ao gerente e este, esclareceu o ocorrido. Andressa havia sido internada. Sofrera um acidente grave de moto, quando saíra de casa e se dirigia à empresa. Ricardo entrou em um frenesi exaltado e inquieto. Nada sabia da garota, a não ser que vivia sozinha e morava com amigas. Seus familiares residiam no interior de São Paulo. Em face do fortuito colossal, ninguém aparecera para reclamar qualquer tipo de assistência familiar. A pobre estava no hospital aos reveses da sorte, beneficiada apenas pela companhia de uma das gerentes, que fora colocada em auxílio, e, logicamente, à disposição, caso houvesse algum imprevisto mais fulminante que carecesse de solução imediata. Depois de muita luta e empenho, um dia e meio depois, Ricardo finalmente descobriu o hospital para onde Andressa fora levada. 

Correu para lá o mais depressa que pode. Quando chegou na recepção, precisou mentir se dizendo “namorado” da vítima, ou não conseguiria o ingresso para subir ao andar onde à mesma lutava entre a vida e a morte. Ao se apresentar no andar indicado, entretanto, a gerente designada pela empresa lhe veio ao encontro e o pôs à par da nefasta notícia, confirmada, em seguida, por uma das enfermeiras de plantão. 

— A senhorita Andressa, infelizmente acabou de vir à óbito. Se o senhor tivesse aparecido dois minutos antes... 

Coisa de dez minutos depois, outra notícia bombástica tirou Ricardo do chão. Literalmente. Uma segunda plantonista apareceu na sala onde Ricardo acabara de saber do falecimento. A moça se abriu num sorriso triste. 

Como Ricardo, estava na condição de “namorado,” a jovem lhe confortou com palavras de carinho. Em seguida, após as condolências, ofereceu seu apoio irrestrito e os mais sinceros pêsames em nome de toda a equipe da pediatria. Finalmente, no tempo em que apertava as mãos do assustado apolíneo, uma terceira criatura se fez presente. Era a pediatra. 

— Meu rapaz, você é o Ricardo, não é mesmo? Minhas   sinceras condolências. Sua “namorada” nos deixou. Fizemos o possível, acredite. Contudo, sei que a hora não é propícia, mas tenho algo maravilhoso para revelar. – tomou fôlego e continuou.

— Está vendo aquele vidro enorme de um canto a outro da parede? Venha comigo. Conseguimos salvar a criança. Nasceu prematura. O senhor foi contemplado. Meus parabéns. Sua pessoa poderá se considerar, a partir de agora, o homem mais feliz do mundo. O prezado acaba de se tornar papai de uma linda menininha. 

Fonte: Texto enviado pelo autor

quinta-feira, 27 de junho de 2024

A. A. de Assis (Jardim de Trovas) 49

 

Figueiredo Pimentel (A alma do outro mundo)

Zeneida tinha um namorado com quem queria a todo o modo casar-se. Sendo ele, porém, um homem do povo, conquanto honrado e trabalhador, a família dela, orgulhosa, com fumaças de fidalguia, e rica, não o consentiu, e tratou de lhe arranjar outro casamento.

Apresentando-se como pretendente um velho, que enriquecera no comércio, o pai obrigou-a a aceitá-lo por noivo. A moça obedeceu, a seu pesar, não gostando daquele marido que lhe ofereceriam, e não se tendo esquecido do seu apaixonado.

Realizadas as bodas, os noivos partiram para uma longa viagem que devia durar três meses.
***

Uma vez estavam jornadeando, e tiveram que passar um rio, largo e fundo, sobre uma estreita ponte de madeira. Zeneida, alegando muito medo, fez o marido passar adiante, e, quando se viram no meio, atirou-o à água.

Na ocasião em que estava prestes a se afogar, o velho ricaço, antes de desaparecer submergindo, exclamou:

– Deixe estar malvada, que minha alma te há de perseguir!...

Desde esse dia, uma voz invisível acompanhou-a sem cessar, noite e dia repetindo todas as palavras que ela pronunciava.

A rapariga foi obrigada a se fingir muda, receosa que viessem a descobrir o seu crime.
***

Continuando a viagem sozinha, Zeneida foi ter a um grande país, a cuja capital chegou.

Aí, passeando pelos arredores, foi vista por um príncipe, que dela se apaixonou, dirigindo-lhe declarações de amor, e terminando por pedi-la em casamento.

Por meio de gestos mímicos, ela fez compreender que aceitava, mas que não podia falar por ser muda.

O príncipe ficou sentidíssimo, porque a lei vedava-o casar com qualquer moça que não fosse absolutamente perfeita. Todavia mandou levá-la para o paço, confiando-a aos cuidados dos mais notáveis médicos do reino, que a examinaram, desenganando-se de curá-la.

Quando se achava a sós, Zeneida tentava falar. Mas, à menor palavra, que pronunciasse, a alma do seu marido a repetia, e mesmo conversavam.

Um dia soube que o príncipe ia casar-se, vendo que ela não ficava boa. A noiva devia chegar nessa manhã, e todos os criados do palácio tinham ido ver o seu desembarque.

Zeneida, ficando sozinha, dirigiu-se à cozinha real, também abandonada, onde se preparava o banquete. Destampou uma panela, e provando o guisado, exclamou:

– Oh! como está gostoso!

– Oh! como está gostoso, repetiu a alma.

– Queres um bocadinho?

– Quero.

– Então, chega-te aqui, para a ponta de meu dedo!

A alma chegou-se, e, assim que a sentiu bem na extremidade do indicador, Zeneida estalou o dedo no fogão.

Ouviu-se um grande estrondo, e ela disse com um suspiro de alívio:

– Uff! Felizmente estou livre!

Falou, cantou, recitou, e não ouviu mais a voz da alma que a importunava.

Foi se vestir deslumbrantemente.

O cortejo da nova princesa já havia chegado ao palácio.

Zeneida dirigiu-se para o salão, onde viu a noiva sentada num trono, junto ao príncipe.

Ao avistá-la, a noiva, querendo fazer espírito, perguntou:

– Esta é muda mudona?

A outra retorquiu:

– E esta é a noiva noivona, que já está tão sabichona?

Admirado de ouvi-la falar, o príncipe desmanchou o casamento com a primeira, vindo a se casar com Zeneida.

Fonte: Alberto Figueiredo Pimentel. Histórias da Avozinha. Publicado em 1896. Disponível em Domínio Público.

Célio Simões (“Bater pernas”)

A expressão significa andar por aí com a intenção apenas de se distrair, sem compromisso de horário, sem destino certo, ou como diz Caetano Veloso na música “Alegria Alegria”, “caminhando contra o vendo, sem lenço e sem documento”. Observação oportuna: para muitos, o lenço é um dos últimos vestígios do cavalheirismo, pois os homens os carregam para as mulheres, quando elas choram... 

Ou seja, “bater pernas” é sair sem objetivo definido, podendo ser uma ida às compras, visitar um amigo ou passear nos recantos da cidade, em lugares bonitos que ela tem, que jamais são notados quando a pessoa está ao volante do carro, atento à buraqueira das ruas ou tentando escapar das loucuras do trânsito, cada vez mais caótico e incivilizado. 

Não existe registro de como ou quando surgiu essa expressão, que é meramente figurativa, de puro contexto popular. Pode até mesmo ser considerada uma gíria, uma expressão idiomática, visto que o sentido literal dos termos - "bater” e “pernas" - não é exatamente o que ocorre na prática, pois ninguém caminha batendo uma perna na outra.

Em muitos lugares do Brasil é comum ouvir frases do tipo: “Já vai bater perna por ai”? “Vamos bater perna no shopping hoje”? “Estou de folga do trabalho e vou tirar o dia para bater pernas” ou “nas minhas férias, vou viajar e bater pernas pelo mundo”. Mas o que isso significa exatamente? Em resumo, essa expressão coloquial quer dizer andar a esmo ou como diz a turma mais jovem, dar um ‘rolê’ pelos lugares mais badalados.

A verdade é que a origem certa dessa expressão permanece desconhecida. Pode-se especular que ela pode ter surgido a partir da observação sobre o ato mecânico de caminhar, quando alguém movimenta as pernas - só que, ressalve-se novamente – no ato de caminhar ninguém bate as pernas uma na outra. Outra versão propala que sua origem seria  uma possível analogia com o movimento repetitivo dos pássaros ao “baterem as asas”. Mas como os humanos se locomovem com os membros inferiores, “bater perna” passou a ser usada para representar figurativamente o deslocamento sem objetivo pré-definido.

“Batendo perna nas bibliotecas”, é o nome de um Projeto de Extensão da Escola de Biblioteconomia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, tão emblemática é a expressão para conceituar quem perambula sem rumo, em busca de alguma coisa. Entretanto, sendo um recurso linguístico, expressões idiomáticas como “bater perna” não se confundem com os conhecidos “ditados populares”, considerando que a característica destes, é serem frases curtas e de efeito, que passam um ensinamento, uma lição, uma advertência. 

Um exemplo: “O sujo falando do mal lavado” - para enfatizar a contradição de alguém sabidamente desonesto, que exige honestidade de outrem. E qual o ensinamento ou advertência que “bater pernas” transmite? Nenhum. Tampouco pode ser considerada como uma metáfora, que são figuras de linguagem que também utilizam o verbo bater, com vários significados, como: bater de frente, bater o pé, bater o martelo, bater boca, bater as botas, bater em retirada, bater papo, etc.

Ana Cristina da Costa e Jorge Fernando Ribeiro Trindade compuseram o excelente samba intitulado “Batendo Perna”, cujo trecho aqui transcrito bem traduz o espírito despreocupado de quem segue sem rumo, livre de compromissos: “Já bati de frente // Perdi e ganhei // Também teve gente // Que incomodei // Mas de mão beijada // Juro ganhei nada // Por qualquer parada eu não me curvei // Por isso tô batendo perna // Tô batendo perna // Tô batendo perna...”. 

O poeta, ficcionista, tradutor e crítico literário gaúcho Carlos Nejar, membro da Academia Brasileira de Letras, na conversa que teve com André Argolo (participação no PublishNews), fala da sua solidão, de seus livros e da sua enorme vontade de “bater pernas pelo país e falar o quanto puder, de poesia, assunto de sua vida inteira, em conferências, palestras, onde for”. No caso, tanto os dois compositores, como o imortal da ABL, usaram a expressão com o mesmo e intencional sentido: sair por aí sem preocupações, para fazer o que lhes der vontade...
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(*) O autor é advogado, escritor, palestrante, poeta e memorialista. É membro da Academia Paraense de Letras, da Academia Paraense de Letras Jurídicas, da Academia Paraense de Jornalismo, da Academia Artística e Literária de Óbidos, da Confraria Brasileira de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará e do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós.

Fonte: Texto enviado pelo autor

Recordando Velhas Canções (Estúpido Cupido)


Compositores: Howard Greenfield / Neil Sedaka

Oh, Cupido, vê se deixa em paz
(Oh-oh, Cupido) meu coração que já não pode amar
(Oh-oh, Cupido) eu amei há muito tempo atrás
(Oh-oh, Cupido) já cansei de tanto soluçar
(Oh-oh, Cupido) hei, hei, é o fim
Oh-oh, Cupido, vá longe de mim
(Oh-oh, Cupido)

Eu dei meu coração a um belo rapaz
(Oh-oh, Cupido) que prometeu me amar e me fazer feliz
(Oh-oh, Cupido) porém, ele me passou pra trás
(Oh-oh, Cupido) meu beijo, recusou, e meu amor, não quis
(Oh-oh, Cupido) hei, hei, é o fim
Oh-oh, Cupido, vá longe de mim
(Oh-oh, Cupido)

Não fira um coração cansado de chorar
A flecha do amor só traz a angústia e a dor (oh-oh, Cupido)

Mas, seu Cupido, o meu coração
(Oh-oh, Cupido) não quer saber de mais uma paixão
(Oh-oh, Cupido) por favor, vê se me deixa em paz
(Oh-oh, Cupido) meu pobre coração já não aguenta mais
(Oh-oh, Cupido) hei, hei, é o fim
Oh-oh, Cupido, vá longe de mim

(Oh-oh, Cupido) mas, seu Cupido, o meu coração
(Oh-oh, Cupido) não quer saber de mais uma paixão
(Oh-oh, Cupido) por favor, vê se me deixa em paz
(Oh-oh, Cupido) meu pobre coração já não aguenta mais
(Oh-oh, Cupido) hei, hei, é o fim
Oh-oh, Cupido, vá longe de mim

(Oh-oh, Cupido) hei, hei, é o fim
Oh-oh, Cupido, vá longe de mim
(Oh-oh, Cupido)
(Oh-oh, Cupido)
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Desilusões Amorosas ao Som do Rock dos Anos 60
A música "Estúpido Cupido", interpretada por Celly Campello, é um clássico do rock brasileiro dos anos 60 que aborda as desilusões amorosas de uma forma leve e descontraída. A letra da música faz uma referência direta ao Cupido, a figura mitológica responsável por fazer as pessoas se apaixonarem. No entanto, a narradora da canção pede que o Cupido a deixe em paz, pois seu coração já está cansado de sofrer por amor.

Através de uma narrativa pessoal, a protagonista conta que já amou e se entregou a um relacionamento no passado, mas foi traída e seu amor não foi correspondido. A repetição do refrão "Hei, hei, é o fim / Oh, oh, cupido / Vá longe de mim" enfatiza o desejo de se libertar das amarras do amor que só trouxe dor e angústia. A música reflete um sentimento comum a muitas pessoas que, após experiências amorosas negativas, preferem se fechar para novos relacionamentos.

A canção se tornou um hino para aqueles que já se sentiram enganados ou cansados de procurar o amor. Celly Campello, com sua voz marcante e interpretação carismática, conseguiu capturar a essência de um coração partido que busca paz e a cura das feridas emocionais. "Estúpido Cupido" é um retrato da juventude da época, mas continua a ressoar com ouvintes de todas as idades que já passaram por desventuras amorosas. (https://www.letras.mus.br/celly-campello/45016/