sexta-feira, 9 de agosto de 2024

Jaqueline Machado (Isadora de Pampa e Bahia) Capítulo Final: Novo ciclo de amor

Isadora volta para o Sul, decidida a separar-se de Fábio e juntar-se a Genuíno.

– Nenhum obstáculo pode ser maior que o nosso amor- pensou ela. Se despediu de dona Branca, das meninas, que com suas histórias de vida a fizeram entender um pouco mais sobre as hipocrisias e desigualdades sociais, e partiu ao lado de João, em seu caminhão. E ele fez questão de devolvê-la sã e salva ao Pampa Riograndense.                    

- Obrigada, amigo. 

- Um homem de caráter jamais desampara uma mulher, seja ela sua mãe, esposa, irmã ou amiga – disse João. 

As moças da casa de dona Branca estavam emocionadas, pois Isadora estava indo ao encontro do sonho da vida de muitas delas:  encontrar o amor. O amor verdadeiro que a má sorte lhes negou. Depois de uma longa e cansativa viagem, chegaram em Cachoeira do Sul. E seguiram até a fazenda onde Genuíno trabalhava e morava. 

Ao avistá-lo em meio ao arrozal, a prenda correu para os braços do peão. João manteve certa distância, respeitando aquele momento importante e decisivo na vida de sua amiga.

 - O que fazes aqui? - pensei que tivesses partido para nunca mais voltar – disse Genuíno, surpreso.- Estive longe, mas voltei. Voltei por ti e para ti.  E então se abraçaram e trocaram um longo beijo.                 

- E eu, fico aqui, segurando vela. Pensou João com um sorriso de satisfação.      

O casal de amantes estavam, sim, decididos a enfrentar o senhor Antônio, Fábio e quem mais fosse preciso. Isadora apresentou seu amigo a Genuíno. E seguiram rumo à fazenda “Prenda Bonita”.   Estavam ansiosos. E tentavam conversar e se distraírem com as lindas paisagens naturais do lugar.              

 - Apesar de conhecer só uns pedaços do Rio Grande, aqui também me parece ser um belo lugar para se viver – falou João com entusiasmo.  Isadora retornou a sua casa, protegida pelo seu amor e seu amigo. Era hora de almoço e o senhor Antônio devorava um pescoço de frango quando eles chegaram de surpresa.                       

 - Fia. Onde tu andava esse tempo todo? O que esse peão tá fazendo aqui e quem esse outro que não conheço?            

- João é meu amigo. E este peão, é o meu amor. Fugi para a Bahia. Fugi de suas tiranias e das garras de Fábio. Mas voltei. Voltei para lutar pelo meu amor. Nem o senhor, e nem mais ninguém vai impedir minha felicidade.              

- Fia. Tu não deve tá no teu juízo perfeito. Ele não combina contigo. – diz o velho, certamente se referindo à cor de pele de Genuíno.                              

- Por que não combino com sua filha? Porque sou preto? Pois fique o senhor sabendo que sou mais limpo e mais honesto do que muito brancos por aí...                

 - Voceis são amantes?    - Sim, pai. Somos. Mas só por enquanto. Vou pedir o divórcio a Fábio. E logo estaremos livres para nos casarmos.    O senhor Antônio empurrou o prato, ergueu -se, abriu a boca e levantou o dedo na tentativa de dizer alguma coisa, mas sofreu um infarto fulminante. 

O real motivo da causa da morte do velho logo se espalhou. E Fábio, temendo as zombarias por ter sido passado para trás pela mulher, desapareceu. 

Dias se passaram. Isadora tomou a frente das terras que eram do seu pai, reabriu a escola da região, e passou a dar aulas em dois turnos: à tarde, para as crianças, e à noite, para os adultos, que por falta de oportunidade ainda eram semi ou totalmente analfabetos. 

Padre Orestes deu o casamento de Isadora e Fábio por anulado, devido ao seu desaparecimento. Assim, ela se casou com Genuíno. E em grande festa junto de amigos, alunos e os peões de sua fazenda, celebrou a vitória do amor.  

A família de Enila permaneceu unida. E mais felizes do que nunca com a notícia de sua gravidez.

Amélia e Pedro estavam com a relação estremecida por razões de desconfianças e ciúmes, mas apesar dos boatos de traição da mulher com seu amigo Simão continuarem a todo vapor entre colegas, eles fizeram as pazes. E voltaram a se amar ardentemente. 

Os demais trabalhadores estavam muito contentes com a fazenda sob a direção de Isadora e Genuíno, que tinham agora a difícil missão de impedir a total falência das produções geradas naquelas terras.

João retornou a Salvador, deixando a promessa de revisitar a terra do arroz em breve. E vó Gorda... Ah... Vó Gorda permanecia à espreita, observando tudo e rezando por todos... 

FIM!

Fonte: Texto enviado pela autora.

Recordando Velhas Canções (Atiraste uma pedra)


Compositor: David Nasser e Herivelto Martins

Atiraste uma pedra no peito de quem só te fez tanto bem
E quebraste um telhado, perdeste um abrigo
Feriste um amigo
Conseguiste magoar quem das mágoas te livrou

Atiraste uma pedra com as mãos que essa boca
Tantas vezes beijou
Quebraste um telhado
Que nas noites de frio te servia de abrigo
Perdeste um amigo que os teus erros não viu
E o teu pranto enxugou

Mas acima de tudo atiraste uma pedra
Turvando esta água
Esta água que um dia, por estranha ironia
Tua sede matou
Atiraste uma pedra no peito de quem
Só te fez tanto bem
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 
A Dor da Traição em 'Atiraste Uma Pedra' de Herivelto Martins
A música 'Atiraste Uma Pedra', composta por Herivelto Martins, é uma profunda reflexão sobre a dor da traição e a ingratidão. A letra descreve a sensação de ser traído por alguém que se amava e em quem se confiava. A metáfora da pedra atirada simboliza um ato de agressão e deslealdade, que causa uma ferida profunda no coração de quem sempre fez o bem para o outro. A imagem do telhado quebrado e do abrigo perdido reforça a ideia de que a traição destrói a segurança e a confiança que existiam na relação.

Herivelto Martins utiliza uma linguagem poética para expressar a mágoa e a decepção de quem foi traído. A repetição da ideia de que a pessoa traída sempre esteve ao lado do traidor, enxugando suas lágrimas e perdoando seus erros, intensifica o sentimento de injustiça. A letra também menciona a ironia de que a mesma pessoa que agora traiu, um dia foi salva e acolhida por quem agora sofre. Essa dualidade entre o bem que foi feito e o mal que foi recebido é um dos pontos centrais da canção.

A música também aborda a ideia de que a traição não apenas fere o traído, mas também turva a pureza de algo que era vital e essencial, como a água que matou a sede. Essa metáfora finaliza a canção com uma nota de amargura, mostrando que a traição tem consequências profundas e duradouras. 'Atiraste Uma Pedra' é, portanto, uma canção que fala sobre a dor da ingratidão e a devastação emocional causada pela traição, temas universais que ressoam com muitos ouvintes.  

quinta-feira, 8 de agosto de 2024

José Feldman (Versejando) 145

 

Coelho Neto (O lenhador)

Quando chegamos à cabana do velho Amâncio, à boca da mata, um cãozinho que dormia encolhido sobre um monte de bagaços de cana já secos, perto de uma moenda, saltou ladrando: mas o velho aquietou-o, e abrindo a cancelinha que dava ingresso ao terreiro, recebeu-nos amavelmente.

A casa de taipa, coberta de sapê, era um ninho entre as árvores. As laranjeiras carregadas vergavam os ramos ao peso dos frutos.

Num lado o canavial e os milhos, em outro lado a horta, onde cantava um fino córrego; e sob a rama frondosa de robusta mangueira agasalhava-se o paiol modesto; mais adiante, o cercado onde berrava a cabra leiteira, o galinheiro e a ceva.

Amâncio era homem de cinquenta anos, moreno e robusto, de olhos vivos, barbas e cabelos grisalhos. Falava sorrindo com expressão afável, e a boa Lívia, sua esposa, que o acompanhava desde a mocidade, já com a pele enrugada e a cabeça toda branca, parecia mais velha do que ele.

Quando entramos na sala da pobre gente, fora na mata, as cigarras cantavam, e as pombas punham uma nota de melancolia no crepúsculo. Vendo-nos com a espingarda, e sabendo que pretendíamos passar a noite na montanha para que pudéssemos surpreender a caça na hora em que ela sai pelas trilhas sossegadas, Amâncio ofereceu-nos do que tinha no armário, enquanto a boa Lívia estendia na mesa tosca uma toalha alvíssima, que exalava o suave perfume da erva de São João.

Aceitando o repasto que nos oferecia o honesto lenhador, pusemo-nos à mesa.

À luz de uma candeia, a sala tinha um triste aspecto, mas a pobreza era largamente compensada pelo escrupuloso asseio.

Mariposas voavam em torno da candeia, e lá fora, no silêncio, à luz das estrelas, os sapos coaxavam. Em uma das paredes, entre vários quadros de santos, havia uma litografia representando o general Osório.

— Vosmecês estão olhando? — disse o lenhador sorrindo. — Aquele é o homem que nos defendeu nos campos de guerra, por isso está perto de Nosso Senhor. A gente acostuma-se a querer bem a esses patrícios, e acaba fazendo o que eu fiz. Lívia anda sempre insistindo comigo para tirar o retrato dali, porque não é santo. Mas fez tanto como se o fosse, porque salvou a honra do povo! Pois não é assim? Deus Nosso Senhor do céu há de aprovar meu pensamento. Eu sou assim: tudo por minha terra e pelos homens que lhe fazem bem.

— Desde quando vives neste monte, Amâncio?

— Eu sei lá! Posso dizer que foi neste cantinho que nasci. Quando dei por mim, meu pai, que era um caboclo forte, morava em uma casinha um pouco mais lá embaixo. Tudo era mato nesse tempo, hoje é quase tudo cidade. Ainda as onças vagavam pelos caminhos, e não se andava neste monte com o sossego com que se anda agora...

— Havia perigo?

— Se havia perigo! Tudo isto estava ainda como Deus criou. Bem me lembro! À noite era um cuidado! Muita vez meu pai saía com a espingarda para espantar as suçuaranas que rondavam a casa. E isto não era como é hoje. Os bichos foram para longe, não há mais aqui em cima, nem mesmo na Mantiqueira onde está o Itatiaia, que é o pico mais alto do Brasil, vosmecês sabem. Só as árvores ficaram, ainda assim já desceram muitas.

O velho lenhador baixou a cabeça grisalha, mas levantando-a, pouco depois, continuou:

— Américo (vosmecês não conhecem meu filho Américo, que é marinheiro?) disse-me, certa vez, uma coisa que me fez pensar: “Ah! Meu pai, a gente na cidade é que compreende o valor das árvores que foram as suas companheiras. O tronco que meu pai derruba vem para as oficinas — de uma sai feito navio, de outra sai transformado em leito: é mobília do rico, é o catre do pobre, é o esteio da casa, é o altar. Quase tudo quanto a gente vê em construções saiu da floresta. O navio no qual eu estou, foi um canto de bosque — teve folhas e flores — hoje, depois que os troncos foram trabalhados, anda sobre as águas: é a floresta que vai pelo mundo levando a nossa bandeira nos mastros como uma flor no galho. Eu vejo a floresta em toda parte, meu pai.” É bem verdade! Américo disse bem! E não é só a madeira que vai do monte — é a água, que mata a sede, é a caça, que alimenta, são as penas dos passarinhos, é a flor, é a resina, é a erva que cura, é tudo quanto há de bom nesse mundo. No tempo da guerra — tempo triste! — vieram aqui buscar madeira para os navios, para os carros, para os esteios, e a mata foi descendo, a seguir com o exército. A terra também entra em combate quando os seus filhos pelejam por sua honra.

— E você vive de lenhar, Amâncio?

— Então? Cada um faz o que pode, contanto que trabalhe. O cavoeiro vem, abre a cava, queima a lenha e desce com o carvão que vai dar fogo às casas. Não é um homem honrado? É, faz a sua tarefa. Eu derrubo árvores, vosmecês estudam. Eu trabalho para vosmecês, vosmecês trabalham para mim. É duro o meu serviço, estou com as mãos cheias de calos, mas a minha consciência é leve, porque nunca procedi mal.

 Assim dizendo levantou-se, abriu uma janela ao luar e ao perfume do monte:

— Se vosmecês querem apanhar alguma coisa, vão indo — agora as pacas estão bebendo. Eu vou também para mostrar os caminhos. Dá cá a espingarda, minha velha. Fecha a casa e dorme. Vamos! Está uma noite como poucas, e a gente, aqui em cima, parece que está mais perto do céu. Vamos com Deus e a Virgem!

E saímos os três pelo monte adormecido.

Fonte: Olavo Bilac & Coelho Neto. Contos Pátrios. RJ: Francisco Alves, 1931. Disponível em Domínio Público. 

Vereda da Poesia = 78 =


Trova de Pouso Alegre/MG

CIOMARA FERNANDES CASCELLI

Um cumprimento, um sorriso,
“obrigado” logo após...
À paz só isso é preciso:
- um pouco de todos nós!
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Poema de São José dos Campos/SP

MYRTHES MAZZA MASIERO

Em fogo brando

Enquanto escolhos os feijões,
sem querer faço alusões;
um grão..., dois...
e enfim,
não sobra tempo pra mim!
Corro para lavar o arroz,
deixo a mágoa pra depois.
Enquanto lavo as verduras,
me frito em conjeturas...
Enquanto escorro os legumes,
vou ruminando os queixumes.
Enquanto tempero a carne,
sinto ligar meu alarme...
Enquanto destrincho o frango,
fervo a raiva em fogo brando.
Enquanto aqueço a gordura,
unto as minhas queimaduras.
Enquanto o fogo se mantém,
Santo Deus! Sou uma refém...
Enquanto misturo os molhos,
cascas de sonhos, recolho.
Enquanto a salada esfria,
asso a vida em banho-maria.
Na hora de pôr a mesa
é que refogo a tristeza.
Mas quando sirvo o cozido...
Ah! Nem tudo está perdido!...
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Trova Paulista

CAMPOS SALES
Lucélia/SP, 1940 – 2017, São Paulo/SP

A mágoa que a um pai consome,
e do olhar rouba-lhe o brilho,
é ver a cara da fome
na cara do próprio filho!
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Soneto de São José dos Campos/SP

AMILTON MACIEL MONTEIRO

Artesão

Quisera ser poeta... Sou apenas
um humilde artesão da poesia,
que lida com palavra, a duras penas,
para louvar o amor com alegria.

Trabalho quando as noites são amenas
e tenho a alma cheia de estesia;
tal qual oleiro que produz dezenas
de vasos até ver o que queria...

O artífice de si só dá o melhor,
na busca de alegrar seu bem maior,
que é uma das razões de seu viver.

Se não tem perfeição de um bom poeta,
coloca o coração no que arquiteta...
Por seu amor..., não importa se morrer!
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Trova Premiada  no Rio de Janeiro/RJ, 2006

LUIZ POETA
Luiz Gilberto De Barros 
(Rio de Janeiro/RJ)

De tanto voar sozinho
No rumo de alguma flor,
Meu coração passarinho
Fez ninho no teu amor.
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Poema de Vila Velha/ES

APARECIDO RAIMUNDO DE SOUZA

Regresso

Que fazes aqui?!
Mandaram-te embora
                         E somente agora
                    vens procurar
                          o teu ninho antigo
                            para te abrigar?!...

Pobre coitada!...
Por que fostes assim desprezada?...
...tamanha maldade fizeram contigo...

Mas, se vens para ficar
Com este primeiro
E verdadeiro
amigo,

Podes entrar... venha, SAUDADE,
Fique comigo!...
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Trova Popular

Das lágrimas faço contas
com que rezo às escuras;     
oh! morte que tanto tardas!        
oh! vida que tanto duras!    
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Soneto da Alemanha 

WALTER BENJAMIM 
(Walter Benedix Schönflies Benjamin)
Berlim/Alemanha (1892 - 1940) Portbou/Espanha

A Mão que a Seu Amigo Hesita em Dar-se 

Perguntaste se eu amo o meu amigo?
como rompendo um demorado açude
na tua voz quis hausto que transmude
todo o cristal dos ímpetos consigo

Neste meu choro enevoado abrigo
pôs-me a palavra o peito em alaúde
que uma doce pergunta tua ajude
no sim furtivo que eu levei comigo

Mas a meu lábio lento em confessar-se
um mestre inda melhor o cunharia
A mão que a seu amigo hesita em dar-se

ele a tomou o que mais firme a guia
para que ao coração secreto amando
ao mundo todo em rimas o vá dando.

(Tradução de Vasco Graça Moura)
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Trova Humorística de Portugal

ANTONIO ALEIXO
(António Fernandes Aleixo)
Vila Real de Santo António (1899 — 1949) Loulé

Uma mosca sem valor
pousa com a mesma alegria,
na cabeça de um doutor
como em qualquer porcaria.
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Poema de Ribeirão Preto/SP

RITA MARCIANO MOURÃO

Fonte de inspiração

O dia amanhecia flamejante.
Dentro de mim também flamejava, amanhecia.
No carro de boi, Sô Quincas Carreiro carreava
nossas tralhas e alegrias.
íamos para vila assistir aos rituais da Semana Santa.
Meu pai, minha mãe e eu,
todos no carro que seguia rangente estrada afora.
Cantávamos hinos de louvor.
O carro também cantava um monólogo triste
que invadia os grotões do sertão das Minas Gerais.
Dentro dele eu, meio santa, meio profana,
sonhava encontrar meu seguidor entre os seguidores de Cristo.
Quanto sonho, quanta esperança no coração daquela
criança verde!
O tempo passou e cumpriu sua meta, à revelia.
O asfalto engoliu a terra, a estrada ficou cinzenta
e meus sonhos mudaram de cor.
Só o carro de boi varou meus sentimentos,
atravessou fronteiras
e até hoje me fala de POESIA!
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Trova Humorística de São Paulo/SP

THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA

Não houve pancadaria
nem sufoco na paquera...
“Sou homem”, disse a Maria.
Ainda bem que o Zé... não era!
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Soneto de Sorocaba/SP

DOROTHY JANSSON MORETTI
Três Barras/SC, 1926 – 2017, Sorocaba/SP

Folhas Esparsas

Quando a tarde, ao cair, toda dourada,
lenta transmuda em gradações cambiantes,
sinto minh’ alma sensibilizada,
afinar-se ao sabor dos tons mutantes.

E os versos que componho em tais instantes
assumem cor ardente ou desmaiada:
vivos do leve Alegro aos sons vibrantes,
tristes, do grave Adágio à dor velada.

São notas desprendidas da Sonata,
dispondo um clima de jovial Cantata,
ou da Pavana o sufocado grito.

São folhas soltas, pelo vento esparsas…
Verdes ou murchas, voam como garças,
deixam meus sonhos no azul do infinito.
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Trova de Bandeirantes/PR

LUCÍLIA ALZIRA TRINDADE DE CARLI

Deves repartir teu pão
com quem pede, no momento,
pois, às vezes, a inversão
ocorre ao sabor do vento...
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Spina de São Paulo/SP

SOLANGE COLOMBARA

Reencontro

Exalas cada manhã 
tuas cores, pairando 
nas esquinas frias 

ilusões, ou serão velhas poesias?
Um badalar do sino, timidamente, 
anuncia em vozerios, tuas magias
ou será um poeta (re)descobrindo 
este renascimento todos os dias?
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Trova de Campinas/SP

ARTHUR THOMAZ

Tua voz a sussurrar,
quando estamos nos amando,
parece a brisa do mar,
mansas ondas encrespando...
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Soneto de Portugal

LUIS VAZ DE CAMÕES
Coimbra (1524 – 1580) Lisboa

XIX

Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida descontente,
Repousa lá no Céu eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste.
            
Se lá no assento Etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente,
Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te
Alguma coisa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,

Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.
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Trova Premiada em Juiz de Fora/MG, 1988

ANA MARIA MOTTA 
(Nova Friburgo - RJ)

Quando a vida nos golpeia
e o trauma nos acompanha,
qualquer montinho de areia
ganha forma de montanha!
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Poema dos Estados Unidos

ROBERT FROST
(Robert Lee Frost)
São Francisco (1874 – 1963) Boston

A Família da Rosa

 A rosa é uma rosa
E sempre foi rosa.
Mas hoje se usa
Crer que a pera é rosa
E a maçã vistosa
E a ameixa, uma rosa.
Pergunta a amorosa
Que mais será rosa.
Você, claro, é rosa –
Mas sempre foi rosa.

(Tradução: Renato Suttana)
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Trova de Maringá/PR

A. A. DE ASSIS

Cuidado, amigo, atenção... 
não beba o primeiro trago. 
– Quando se escuta o trovão, 
o raio já fez o estrago!
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Indriso de Villanueva e La Geltrú/Espanha

ISIDRO ITURAT

O Ladrão de Lençóis

Um raio de lua que é pássaro e homem
através do xadrez do vitrô entra,
e de halo, então, passa a corpo denso.

É chamado pelo dormir das que não sabem
de seus sonhos e, assim, os lençóis
rouba. E quiçá deixe como se um orvalho

que fica no corpo ou como um sabor

de lua nos lábios ou um sonhar que esteve.
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Trova Humorística da Princesa dos Trovadores

CAROLINA RAMOS
Santos/SP

Deu a tantos seu carinho
que no enlace, em confusão,
deu o sim para o padrinho
e o beijo no sacristão!
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Hino de São Mateus do Sul/PR

Fulgurante no vigor da mocidade
São Mateus, bela cidade, meu torrão,
Eu te adoro como adoro a liberdade
E a ti levanto um altar no coração
Terra sublime, por Deus amada,
Tu és a fada do meu sonhar.
Neste regime de ardor e zelo
Ao bom e belo te quero amar.

ESTRIBILHO
Rainha bela do Iguaçu tão majestosa
Neste alvor esperanço e juvenil
Na tua vida já lutaste vitoriosa
Com amor pela grandeza do Brasil.
Terra sagrada, São-Mateuense
Que luta e vence com rigidez
Nesta alvorada de grandes feitos
Batem os peitos com altivez.

Da colina que entronizas dignamente
Ao longe vedes tuas matas de valor,
E ao beijar num longo beijo reverente
Teus alvos pés, o Iguaçu com tanto amor,
Bela cidade dos bons ervais
Que tem jamais tristeza e dor.
Na mocidade robusta e forte
Confieis a sorte do teu valor.
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Trova de Porto Alegre/RS

FLÁVIO ROBERTO STEFANI

Na pescaria, de fato,
notei teu jeito “chinfrim”,
mas o olhar era de gato:
um no peixe e outro em mim...
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Soneto de de Porto Alegre/RS

IALMAR PIO SCHNEIDER

Mágoas e queixas

Fazer versos é fácil - dir-me-eis -
se lerdes minhas páginas singelas
e simplesmente reparardes nelas
mágoas que nem de longe conheceis....

Se assim pensardes, nunca entendereis
da própria alma as fatídicas procelas
surgindo à noite, não em tardes belas,
e sois felizes porque não sofreis...

Se, no entanto, sentirdes a tristeza
transparecendo aqui nas entrelinhas
destes versos, que os leva a correnteza

a transbordar em zonas ribeirinhas,
é possível que tendes, com certeza,
queixas amargas iguais às minhas !
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Trova de Irati/PR

MAFALDA DE SOTTI LOPES

Toda semente que eu planto
nos sulcos da minha dor,
germina regada em pranto,
mas, desabrocha em amor!
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Fábula em Versos da França

JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry, 1621 – 1695, Paris

Os lobos e as ovelhas

Os lobos e as ovelhas, que tiveram
Uma guerra entre si, tréguas fizeram:
Os lobos em reféns lhes entregavam
Os filhos; as ovelhas os cães davam.
Os lobinhos, de noite, pela falta
Dos pais, uivavam todos em voz alta:
Acudiram-lhes eles acusando
As ovelhas de um ânimo execrando;
Pois contra o que é razão e o que é direito,
Algum mal a seus filhos tinham feito:
Faltavam lá os cães que as defendessem,
Deu isto ocasião a que morressem.

Haja paz, cessem guerras tão choradas;
Mas fiquem sempre as armas e os soldados,
Que inimigos que são atraiçoados,
Tomaram ver potências desarmadas.
Não durmam, nem descansem confiadas
Em ajustes talvez mal ajustados:
Nem creiam na firmeza dos tratados,
Que os tratados às vezes são tratadas.
Só as armas os fazem valiosos;
E ter muitos, soldados ali juntos
Respeitáveis a reis insidiosos;
Senão, para os quebrar há mil assuntos;
E mais tratados velhos, carunchosos,
Firmados na palavra dos defuntos.
(tradução: Couto Guerreiro)

quarta-feira, 7 de agosto de 2024

Carolina Ramos (Trovando) “21”

 

Geraldo Pereira (A Normalista Linda)

Sou do tempo do gasômetro e do bonde elétrico, do telefone cônico no ouvido e do largo bocal voltado às palavras de um interlocutor qualquer, que aos gritos deixava a sua mensagem, sem as sofisticações do hoje. Das ligações para Boa Viagem intermediadas pela telefonista, atenciosa sempre, do Serviço de Informações Gerais - o SIG -, cujo número gravei na memória (3011) e para o qual ligávamos todos, à cata dos melhores filmes e das localizações urbanas das ruas e das avenidas, dos becos e das vielas ou à procura de uma conversa fiada com a moça da empresa. E a resposta vinha antecedida por um comercial, chamado de reclame ao tempo: "Num presente exclusivo das Pílulas de Vida do Doutor Rossi, o cinema São Luiz exibe nesta tarde o desenho animado de Walter Disney: Peter Pan!". Mas, alertava a minha mãe, se alguém ligasse e fizesse uma pergunta - "Rins doentes?" -, não esquecesse de responder: "Tome Urudonal e viva contente!". Havia prêmios, dizia ela, para quem acertasse! Nunca ouvi a indagação e muito menos conheci as benesses resultantes!

E sou do tempo em que o sabonete Phebo oferecia uma casa a quem fizesse uso do produto, trazendo escondida, nessas intimidades saponáceas, uma chave. Todos cuidavam em passar no corpo, mais e mais, aquele escorregadio pretume, para encontrar a salvação da família inteira.

Nunca soube, também, de penitente aquinhoado, brindado com essa riqueza, a da casa própria. Vez ou outra, todavia, a marca Lever vinha à tona, o sabonete das estrelas, para que se pudesse cumprir o desiderato do devaneio, fantasiando-se no imaginário pueril Brigitte Bardot tomando um delicioso banho na Riviera francesa. Quem colecionasse tampinhas de Coca-Cola podia ganhar um carro da marca Skoda ou geladeiras em quantidade. Uma dessas, entretanto, tornou-se de tal forma difícil, que virou apelido de quem se julgava importante: G15. Até as marcas de sorvete agradavam ao consumidor, expondo nos palitos o direito de mais
um picolé, O Daqui, por exemplo, com o gostoso Tatá ou com o Saía-eBlusa.

Na soverteria Xaxá nos começos da rua Bispo Cardoso Ayres, a rapaziada do Nóbrega fazia ponto, para assistir o desfile das moças do Colégio Eucarístico, de branco e encarnado, escuro e carregado ou para saborear o maracujá e o cajá virados em gelo de bom paladar. Lá pras bandas da rua do Príncipe, esquina com a Afonso Pena, partiam as meninas do Colégio Arquidiocesano de volta ao lar paterno, primeiro e derradeiro abrigo, na voz do poeta! “Vestida de azul e branco/Trazendo um sorriso franco...”, como está no cancioneiro. Mas a normalista linda/Não pode casar ainda/Só depois que se formar/...”. 

Gente bonita e  faceira, de pele estirada, no viço da idade, de formas protundentes em geral, tagarelando conversa! Saias rodadas, mesmo que plissadas ao rigor do ferro quente, dando graça ao requebrado das ancas, engrandecendo movimentos de lateralidade explícita! Muitos amores nasceram assim, de um flerte qualquer no meio da rua ou no passeio ou no andar plácido e tranquilo do tempo, no nada das coisas ou no nada da vida.

O conquistador desvairado, entretanto, acomodado em seu Mustang cor do sangue, tirou de tantos o gosto da sedução, rodando a chave do carro no indicador da direita, nas alamedas do parque ou nas festas das igrejas. Aniquilou desejos que se encorparam pras bandas do novo edifício, do Vitória Régia, então, tomando de assalto a musa daquele prédio, Cida por cognome! Encantou a gregos e a troianos, mas nunca desencantou vontades!

Fonte> Geraldo Pereira. Fragmentos do meu tempo. Recife/PE. Disponível no Portal de Domínio Público