sábado, 31 de agosto de 2024

Jessé Nascimento (Trovas em preto e branco)


1
Ah, relógio, meu amigo,
teus ponteiros, como correm!
O tempo voa contigo
e com ele os sonhos morrem…
2
Após tantos desenganos
e conselhos não ouvidos,
chego ao final dos meus anos
sem ter meus dias vividos.
3
Com meus sonhos mais singelos,
embalados na esperança,
venho erguendo meus castelos
desde os tempos de criança.
4
Corres tanto, mocidade,
és pela vida levada:
– amanhã, serás saudade,
serás velhice, mais nada.
5
Dos outros não dependamos,
mas cada um erga a voz;
a paz que tanto almejamos
começa dentro de nós
6
Na dureza da porfia
para moldar minha história,
Deus me abençoa e me guia
para chegar à vitória.
7
Não adormeças teus sonhos,
não os esqueças, jamais;
os dias são mais risonhos
pra aqueles que sonham mais.
8
Não censuro o teu pecado,
não me censures também;
de vidro é o nosso telhado,
pecados... quem não os têm?
9
Navegando nas poesias,
nas ondas da inspiração,
iço as velas de alegrias
deixo o rumo ao coração.
10
Nesta vida, de passagem
sem morada permanente,
numa tão breve viagem,
sou um turista somente.
11
O genro sempre é quem dança,
a minha sogra é um porre;
o nome dela é "Esperança"
que é a última que morre.
12
Sempre fui um sonhador,
sonhos...por que não os ter?
Vivo meus sonhos de amor
porque sonhar é viver.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

AS TROVAS DE JESSÉ NASCIMENTO EM PRETO E BRANCO
por José Feldman

AS TROVAS UMA A UMA

1. Ah, relógio, meu amigo
A metáfora do relógio representa a inevitabilidade do tempo. Os "ponteiros" que correm simbolizam a urgência da vida e a perda de sonhos. A ideia de que "com ele os sonhos morrem" sugere uma reflexão sobre como o tempo pode levar embora as esperanças e aspirações.

2. Após tantos desenganos
Aqui, há um tom de melancolia e arrependimento. O eu lírico reflete sobre as oportunidades perdidas e conselhos não seguidos. A frase "sem ter meus dias vividos" implica uma vida de experiências não aproveitadas, levantando questões sobre a valorização do presente.

3. Com meus sonhos mais singelos
Esta trova fala sobre a simplicidade dos sonhos infantis e a construção de "castelos" na imaginação. A conexão entre a infância e a esperança sugere que manter a inocência e a capacidade de sonhar é essencial para a felicidade.

4. Corres tanto, mocidade
A juventude é apresentada como efêmera, um período que rapidamente se transforma em saudade. A ideia de que a mocidade "serás velhice, mais nada" ressalta a transitoriedade da vida e a necessidade de aproveitar cada momento.

5. Dos outros não dependamos
Esta enfatiza a importância da autonomia e da responsabilidade pessoal. A paz interna é vista como um pré-requisito para a paz coletiva, sugerindo que a mudança começa dentro de cada indivíduo.

6. Na dureza da porfia
O esforço e a luta para moldar a própria história são reconhecidos. A presença de Deus como guia indica uma busca por força espiritual e moral para superar desafios, culminando em um desejo de vitória.

7. Não adormeças teus sonhos
Um forte apelo à persistência e à valorização dos sonhos. A ideia de que "os dias são mais risonhos" para aqueles que sonham sugere que a esperança e a ambição trazem alegria à vida.

8. Não censuro o teu pecado
Esta estrofe reflete a aceitação da imperfeição humana. O "telhado de vidro" simboliza a fragilidade das relações e a vulnerabilidade de cada um, reconhecendo que todos têm suas falhas.

9. Navegando nas poesias
A poesia é vista como um meio de libertação e alegria. O ato de içar as velas representa a disposição de seguir o coração e aproveitar a inspiração, sugerindo que a arte é uma forma de navegar pela vida.

10. Nesta vida, de passagem
A metáfora do "turista" implica que a vida é temporária e que devemos valorizar cada experiência. A ideia de "morada permanente" reflete a incerteza e a natureza efêmera da existência humana.

11. O genro sempre é quem dança
Aqui, o humor é utilizado para abordar as dinâmicas familiares. A sogra como "Esperança" sugere que, mesmo em meio a desafios, a esperança permanece, destacando uma visão otimista.

12. Sempre fui um sonhador
Esta trova reafirma a identidade do eu lírico como sonhador. A afirmação de que "sonhar é viver" encapsula a mensagem central das trovas: a importância dos sonhos para uma vida plena e significativa.

TEMAS ABORDADOS E SUAS RELAÇÕES COM OUTROS POETAS

As "Trovas de Jessé Nascimento" capturam a essência do tempo, dos sonhos e da vida com profundidade e sensibilidade.

Transitoriedade do Tempo
Em "O Tempo", Fernando Pessoa reflete sobre a passagem do tempo e a inevitabilidade da morte, semelhante à preocupação de Jessé com a efemeridade dos sonhos e a juventude que rapidamente se transformam em memória, assim como Marcelino Freire que explora a passagem do tempo e a efemeridade das experiências, refletindo sobre a vida de maneira intensa.

Esperança e Sonhos
Em seus poemas, Cecília Meireles fala sobre a importância da esperança e dos sonhos, ecoando a mensagem positiva de Jessé sobre a a importância de manter a esperança e sonhar, enfatizando que a vida é mais rica para aqueles que sonham.

Reflexão e Autoconhecimento
Em obras como "Sentimento do Mundo", Carlos Drummond de Andrade explora a introspecção e o autoconhecimento, temas que também permeiam as trovas acima, uma busca por compreender as próprias experiências, arrependimentos e a necessidade de aproveitar o presente. A poesia de Alice Ruiz é marcada por uma busca íntima e reflexões sobre a vida e o amor, dialogando com a introspecção presente nas trovas.

Individualidade e Coletividade
Em suas poesias, Adélia Prado e Rafael Cortez discutem a relação entre o eu e o outro, similar à necessidade de Jessé de encontrar a própria voz e contribuir para a paz interna e externa destacando a relação entre o indivíduo e a sociedade.

Aceitação da Imperfeição Humana
Com um tom leve e humorístico, Mário Quintana aborda a fragilidade humana em muitos de seus poemas, semelhante às trovas de Jessé que enfatizam a aceitação dos erros e falhas pessoais, reconhecendo a fragilidade das relações e a universalidade do pecado, assim como Thiago de Mello, conhecido por sua visão humanista.

A Vida como Viagem
Vinicius de Moraes reflete sobre a vida como uma jornada, um tema que ressoa com a visão na trova de Jessé, por intermédio da metáfora da vida como uma passagem ou viagem que sugere a importância de valorizar cada experiência, assim como Bruna Beber, que frequentemente utiliza metáforas de viagem e passagem, refletindo sobre a jornada da vida de maneira lírica e introspectiva.

Relações e Dinâmicas Familiares
O humor e a complexidade nas relações familiares são explorados, especialmente em relação à figura da sogra, como Juliana Leite aborda estas relações e complexidades, trazendo um olhar contemporâneo que ressoa com o humor e a leveza de Jessé.

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

A temática das trovas de Jessé Nascimento revela uma rica tapeçaria de reflexões sobre a condição humana, onde a transitoriedade da vida, a importância da esperança e a busca por autoconhecimento se entrelaçam de maneira profunda. Aborda a passagem do tempo com uma sensibilidade que ressoa em muitos leitores, convidando-os a contemplar a efemeridade dos sonhos e a inevitabilidade das mudanças.

A simplicidade de sua linguagem e a musicalidade de suas trovas tornam suas mensagens acessíveis, permitindo que temas universais, como amor, perda e as complexidades das relações humanas, sejam explorados de forma íntima e profunda. O uso de humor e ironia, especialmente em contextos familiares, oferece uma leveza que contrabalança a seriedade de suas reflexões, destacando a dualidade da experiência humana.

Além disso, o trovador enfatiza a importância da individualidade dentro de um contexto coletivo, sugerindo que a paz pessoal é fundamental para a harmonia social. Essa ideia ressoa fortemente em um mundo contemporâneo repleto de desafios, onde a busca por significado e conexão se torna cada vez mais urgente.

Enfim, as trovas de Jessé Nascimento não apenas capturam a essência da vida cotidiana, mas também oferecem um convite à introspecção e à valorização dos momentos simples. Sua obra se estabelece como um farol de esperança e reflexão, incentivando os leitores a sonhar, a viver plenamente e a encontrar beleza mesmo nas incertezas da vida.

Fonte: José Feldman. 50 Trovadores e suas Trovas em preto e branco. IA Open. vol.1. Maringá/PR: Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

Geraldo Pereira (O Mata-Borrão)

Nesses meus sábados ou nesses meus domingos, imperceptíveis, quase, tal a atribulação do meu cotidiano, faço questão de aproveitar a emergência da inspiração e vou transbordando o coração assim, escrevendo. Há tempo para tudo, está escrito, também, para que a alma seja tomada pelas saudades ou pelas lembranças nostálgicas e tempo para que o espírito se encha de satisfação e plenitude. Como há momentos de quedas do humor e outros, de elevação desses sentimentos! Agora, com um computador novo, ganho de presente, da consorte – Com sorte, sempre! Graças a Deus! –, tenho condições diferenciadas para o meu processo, mais do que simples, de criar o texto, pois que ouvindo Josefina Aguiar e Henrique Annes, antecipando os grandes da música universal, Mozart e Tchaikovsky ou Beethoven e Chopin, vou sendo invadido por essa sensação de paz interior, com a sonoridade dos meus conterrâneos ou com os acordes do inteiramente clássico.

Ora, quem como eu fez uso da velha pena, que molhada no tinteiro a intervalos regulares permitia transferir para o papel o pensamento, é muito diferente sentar diante do monitor e observar as letras se juntando em abraços fraternais, formando palavras, as quais se reúnem nas frases e vão dando gosto ao período. Dantes, quando era menino e usava calças curtas, saía de casa para a escola com a minha caneta Compactor e o meu frasco de tinta, da marca Parker e de qualidade Azul Real Lavável! Mas, fiquei maior e na idade de rapaz cheguei, como todos os meus companheiros e não esqueceram os meus pais da lembrança que fazia crescer, também, no reconhecimento dos colegas, por isso me deram uma Parker 51, de cor azul, com a tampa dourada. Usei por anos a fio e tinha a satisfação de dizer a toda a gente que nunca escarrapichou. Há quem saiba mais que verbo é esse? Nem o computador aceita de bom grado a grafia.

E se tudo está mudado, mesmo, na pós-modernidade do tempo, a máquina de escrever desapareceu do habitual das coisas e só as delegacias de polícia resistem à antiguidade do velho equipamento. Era um sacrifício datilografar, diretamente, as minhas crônicas, nem sempre agradáveis ao leitor, para quem transmito as minhas dores e os meus ardores, os meus amores, igualmente, muitas vezes de maneira tão enrustida, que só os de casa ou aqueles de meus convívios compreendem! 

Sempre usei os dedos todos das duas mãos em meus trabalhos, pois que na década de 1960, nos inícios desses doces anos, quase tirei o diploma de datilógrafo, para me garantir, dizia meu pai, e trabalhar no comércio, se preciso fosse! Se errasse, todavia, era um problema e a borracha de duas cores – azul e vermelha – entrava em cena, apagando o vocábulo e permitindo a nova escrita, mas ficava tudo borrado, sujo, verdadeiramente.

Um belo dia – já contei isso por aqui –, a minha mãe comunicou a todos, na hora do jantar, que tinha visto uma caneta nova, diferente, sobretudo, e trocando o nome, chamou de “Caneta Estereográfica”, cuja característica mais importante, explicou, em alto e bom som, era a de não exigir o tinteiro e a de não esvaziar nunca, senão de uma vez só. Uma beleza! E de pronto, todo mundo no Recife adotou a invenção, com o efeito colateral de ter o bolso, quase sempre, completamente molhado pela tinta da novidade emergente. Eram rodas azuis na camisa de muitos pelas ruas, apontando o defeito dos começos, o vazamento comum desses apetrechos que chegavam. As marcas populares ganharam fama e ainda hoje a Bic anda por aí, mostrando a cor azul-escuro da tampa e o transparente do corpo.

Rabisca o bom e o ruim, risca os discursos da elite e faz o jogo do bicho, aposta no carneiro e termina dando touro, converte gente e promove a descrença. É paradoxal, então! 

E o mata-borrão? Há quem se lembre disso? Só os mais velhos. É que depois da frase escrita, havia a necessidade de secar a tinta, de enxugar os excessos e para tanto funcionava o então conhecido papel de natureza porosa, com o poder de sugar os excedentes da mancha gráfica daqueles antanhos. Eram promocionais, inclusive, porque veiculavam propagandas, de remédios, por exemplo. Estas, distribuídas aos médicos, como ao meu tio Hênio, de Campina Grande, faziam a mídia da época. E ele trazia em boa quantidade para nós outros, para o meu pai e para mim, para os meus irmãos e para a minha tia velha, que fazia de suas cartas a forma de resgate dos pretéritos perdidos em terras potiguares. Em casa havia uma peça de madeira bem cuidada, na qual se colocava o mata-borrão, propriamente, fixando-se fortemente e assim era possível usar de maneira mais ampla, no texto por inteiro, quase!

Tudo isso passou! O tempo mudou ou mudaram os homens? E agora, a máquina substitui a criatura, despreza a pena e aposenta a caneta, vai dispensando o papel e diminuindo as distâncias, dando ao penitente do hoje condições de acessar o mundo inteirinho, da baixaria à nobreza, da pornografia descuidada aos textos da ciência. E viva a pátria, o computador e os avanços! Mas, viva, sobretudo, o mata-borrão!

Fonte: Geraldo Pereira. A medida das saudades. Recife/PE, 2006. Disponível no Portal de Domínio Público

Silmar Bohrer (Croniquinha) 120

Quando lembro de Edgar Morin vou logo pensando num dos maiores pensadores das ciências em todos os tempos. Conhecido, admirado, respeitado pelas ideias tantas no campo do conhecimento e do saber. 

O francês chegou aos 103 anos na segunda (08 de junho) nos levando ao sociólogo, filósofo, antropólogo, humanista e educador com propostas como as dos seus "Sete saberes necessários para a educação do futuro". E outras mais... 

Mas quem pensa, pesquisa, escreve e também dissemina, tem sua diversidade de pensares, de interpretações e conhecimentos ligados ao lado pessoal. E nestes três anos de labor pós-centenário devemos lembrar do Morin humanista, relendo o que o também escritor escreveu sobre o viver. A vida de todos nós! 

"Às vezes me sinto esmagado pelo amor à vida. Que beleza, que harmonia, que unidade profunda, que complementariedade e solidariedade entre os seres vivos! Que força criadora para inventar miríades de espécies animais e vegetais singulares! Às vezes me sinto esmagado pela crueldade da vida, pela necessidade de matar para viver, por sua energia destruidora, seus conflitos, sempre com o triunfo da morte. Depois consigo reunir, manter, ligar indissoluvelmente as duas verdades contrárias. A vida é dádiva e fardo, a vida é maravilhosa e terrível ". 

Belos dias, bela vida, quantos ensinamentos!

Fonte: Texto enviado pelo autor 

O nosso português de cada dia (Expressões) = 5

CORTIÇO

Favela, casebres amontados, várias casas simples que dividem o mesmo terreno.

Cortiço é casa de abelhas, a expressão surge por aproximação e foi usada pela primeira vez para essa designação pelo escritor Aluísio Azevedo, em 1890, ao denominar assim um  romance que tratava justo deste tipo de habitação.

(SER) CRICRI

Dizemos de pessoas muito chatas, ranzinzas, que incomodam. 

O adjetivo cricri teve origem onomatopaica no barulho irritante produzido pelos grilos.

(SER) CURVA DE RIO

Pessoa de qualidade duvidosa, mau elemento, indesejado, pilantra.

Sua origem está associada à geografia dos rios que, correndo, viajam em linha reta e também fazem curvas e pela existência da força centrífuga tudo que está à flor da água é jogado para margem quando elas surgem. Portanto, tudo que não presta, tudo que não é água, para ali.

CUSPIDO E ESCARRADO

Duas pessoas que andam ou estão sempre juntas e que se parecem muito,

A expressão é resultado da deformação da original esculpido em carrara. Carrara é uma cidade italiana de onde se extrai, há mais de dois mil anos, um dos melhores e mais caros mármores. Esta pedra era usada como matéria-prima para os escultores renascentistas, que a utilizavam por ser dura, resistente e, depois de polida, ter a aparência de pele humana. Como a arte da renascença, de inspiração clássica, consistia em fazer cópias exatas ou fiéis de seus modelos (basta observar as produções de Michelangelo), o modelo e a estátua eram idênticos, daí dizer que pessoas muito parecidas eram como se tivessem sido esculpidas em carrara.

DA LATA

Muito bom, coisa de boa qualidade.

Esta expressão teve origem no fim dos anos 80, depois que o navio Solana Star, foi interceptado pela Guarda Costeira brasileira. A tripulação ciente de que transportava uma grande quantidade de maconha, resolveu jogar a mercadoria ilícita ao mar, para evitar que fossem presos. Dias depois, a muamba que estava acondicionada em latas lacradas, apareceu nas praias do Rio de Janeiro e foi logo recolhida e aproveitada pela população carioca. A notícia correu o Brasil, não só do fato. como da excelente qualidade da droga. Como as expressões se criam com muita facilidade, a partir daí o que é de boa qualidade para o Rio e o resto do país passou a ser da lata.

(USAR) DÁLÍAS

Na linguagem televisiva, "dália" é aquele cartaz que fica ao alcance dos olhos do ator para que ele possa se socorrer na hora em que esquece o texto.

Esse nome, Dália, surgiu depois de um "acidente de cena", muito comum nos tempos da TV ao vivo. Um ator bastante famoso da época, o Fregolente, tinha grande dificuldade em decorar suas falas, por isso, ele as escrevia sempre em pequenas cartolinas e colocava-as junto a um vaso de dálias, que fazia parte do cenário. Um belo dia, o contra-regra, sem querer, acabou levando o vaso com as dálias e, junto com elas, as cartolinas do Fregolente. Na hora em que o programa foi ao ar, na deixa do Fregolente, ele olhou para a mesa, não viu o vaso e, desesperado, falou, em alto e bom som: "Onde diabos meteram as minhas dálias?!" E assim que o nome "dália" acabou ficando até hoje.

(SER) DALTÔNICO

Pessoa com dificuldades de reconhecer cores, principalmente o verde e o vermelho.

ü termo vem do nome do cientista britânico John Dalton que, em 1794, publicou um estudo no qual revelava ter dificuldades para reconhecer as cores verde e vermelha. Após sua morte, seus olhos foram doados para estudos e, a partir daí, os problemas semelhantes receberam seu nome.

DANTESCO

Horroroso, exagerado, diabólico, infernal.

O termo é derivado do nome do poeta italiano Dante Alighieri, 1.265 - 1321, considerado o precursor da literatura renascentista. A associação com o que é horrível diz respeito à sua obra Divina Comédia, mais especificamente à descrição que ele faz do inferno e suas desgraças.

DAR A MÃO À PALMATÓRIA

Reconhecer o próprio erro e aceitar o castigo.

Palmatóría era um instrumento de castigo para alunos até meados do século XX. Consistia num pedaço de madeira firme que terminava com faceta arredondada e chata, cheia de furos. Os alunos ofereciam as mãos e recebiam pancadas nas palmas. Os orifícios do instrumento puxavam a pele e isto provocava muita dor.

Fonte: Nailor Marques Jr. Será o Benedito?: Dicionário de origens de expressões. Maringá/PR: Liceu, 2002.

Recordando Velhas Canções (Noite dos mascarados)

(Marcha, 1967)


Compositor: Chico Buarque de Holanda

- Quem é você?
- Adivinha, se gosta de mim!

Hoje os dois mascarados
Procuram os seus namorados
Perguntando assim:

- Quem é você, diga logo...
- Que eu quero saber o seu jogo...
- Que eu quero morrer no seu bloco...
- Que eu quero me arder no seu fogo.

- Eu sou seresteiro,
Poeta e cantor.
- O meu tempo inteiro
Só zombo do amor.
- Eu tenho um pandeiro.
- Só quero um violão.
- Eu nado em dinheiro.
- Não tenho um tostão.
Fui porta-estandarte,
Não sei mais dançar.
- Eu, modéstia à parte,
Nasci pra sambar.
- Eu sou tão menina...
- Meu tempo passou...
- Eu sou Colombina!
- Eu sou Pierrô!

Mas é Carnaval!
Não me diga mais quem é você!
Amanhã tudo volta ao normal.
Deixa a festa acabar,
Deixa o barco correr.

Deixa o dia raiar, que hoje eu sou
Da maneira que você me quer.
O que você pedir eu lhe dou,
Seja você quem for,
Seja o que Deus quiser!
Seja você quem for,
Seja o que Deus quiser!
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Máscaras e Mistérios: A Essência do Carnaval em 'Noite dos Mascarados'
A música 'Noite dos Mascarados', composta por Chico Buarque, é uma obra que explora a temática do Carnaval, mas vai além da festividade, adentrando nos jogos de identidade e na liberdade de expressão que a ocasião permite. A letra apresenta um diálogo entre duas pessoas mascaradas que flertam e brincam com a ideia de esconder suas verdadeiras identidades, enquanto se permitem viver o momento de festa e sedução que o Carnaval proporciona.

O uso de máscaras é uma metáfora para as facetas que as pessoas podem escolher mostrar ao mundo, especialmente em um contexto de festa onde as convenções sociais são temporariamente suspensas. A música sugere que, sob a proteção das máscaras, as pessoas se sentem mais livres para expressar desejos e sentimentos que, em circunstâncias normais, poderiam ser reprimidos. A interação entre os personagens revela um jogo de adivinhação e charme, onde a identidade real é menos importante do que a experiência compartilhada naquele instante.

A repetição do verso 'Seja você quem for, seja o que Deus quiser!' reforça a ideia de entrega ao momento e à celebração, independentemente das diferenças individuais. Chico Buarque, conhecido por suas letras poéticas e críticas sociais, utiliza a canção para refletir sobre a natureza efêmera da vida e a importância de viver plenamente, mesmo que seja por uma noite de Carnaval. A música se torna um hino à liberdade, ao amor sem preconceitos e à alegria sem limites.

sexta-feira, 30 de agosto de 2024

Daniel Maurício (Poética) 75

 

Renato Frata (Renascimento de Matilde)

Ninguém saberia dizer o porquê de ela se vestir de preto de segunda a segunda, uma vida toda, como luto antecipado de si mesma a chorar a própria perda. Trazia os lábios pálidos, dentes pretejados e carregava um ar tímido num longo vestido preto de golas altas, meias de seda preta, sapatos pretos e nenhum acessório que não uma fita preta cingindo-lhe a cintura. Minto. Cruzava o corpo a alça longa da bolsa tão negra quanto o que lhe compunha a postura triste de quem tinha a vida como vã passagem.

Esmolava vida, tão grande sua carência.

Chamava-se Matilde, cujo significado "força na batalha, guerreira forte", contrastava com seu ser, um contrassenso, até que certo dia, por volta das nove da manhã, bateu no seu portão um homem musculoso e negro como sua vestimenta, que lhe pediu trabalho.

Capinaria e limparia todo o quintal por um prato de comida.

Viu fome nos olhos dele e cedeu.

Mas não ficaria bem uma mulher sozinha com um desconhecido pelas cercanias, sabia, porém, olhando para o quintal coberto de mato necessitando limpeza, deixou-o entrar, deu-lhe a enxada e o autorizou a iniciar a tarefa. Trancou-se, fechou as cortinas, meteu os ferrolhos nas portas. Pudica como era, não daria azo às vizinhas faladoras.

Lá pelas onze, com a comida pronta, olhou pela fresta e, temerosa, notou que o homem já havia capinado grande área do quintal. Abriu mais a cortina e confirmou; ele trabalhava bem e, como estava envolvido na tarefa, não lhe ofereceria perigo, afinal, era somente um faminto a procurar trabalho.

Então lhe preparou um belo farnel cuja fumaça espalhava o perfume da comida, e um copo de limonada. Com cuidado, levou o almoço até onde ele estava, e foi ali ao lhe passar o prato e o copo que ela, com os olhos cor de garapa saltando das órbitas brancas como louça, pôde contemplar, extasiada, a massa de músculos negros banhada de suor. Sensação que, aliás, nunca havia sentido.

Viu-se diante de um verdadeiro príncipe de ébano, se é que podia dizer isso, E se arrepiou por inteira, com o frio que instantaneamente lhe nasceu no espinhaço, percorreu-a de ponta a ponta e lhe pôs um tremor.

- Ora veja - disse ele, - Muito obrigado, senhora. Não sabe como a fome castiga! - deitou a enxada, desembrulhou o farnel e, sem se fazer de rogado, se pôs a comer. Era tão grande a fome que nem teve como se preocupar com ela, porém, ela não parava de olhá-lo.

Nunca, em toda a vida, estivera tão próxima de músculos tão fortes, rijos, inspiradores e sublimes. E sofreu gastura enquanto esperava, até que num momento ele entornou o copo de refresco e aí sim, olhou firmemente, compenetrado, sorrindo, enquanto lhe devolvia os objetos.

- É a refeição mais gostosa que já tive!

Receosa em lhe dar trela, tremeu como a sentir movimentos peristálticos em todos órgãos do corpo, o que a fez voltar às pressas. Mas não fechou a porta, nem as janelas, nem as cortinas. Deixou que o vento entrasse e a abanasse para amenizar o encantamento do másculo que suava capinando mato, e saísse pelas janelas levando a nebulosa solidão que tanto a martirizava.

Na manhã seguinte Matilde, enfim, fez jus à força do nome; no varal não pendurou somente roupas pretas estendidas ao sol, mas deixou, balançando silente ao vento, uma cueca verde, já gasta pelo uso, que registrava seu renascimento.

Fonte: Renato Benvindo Frata. Fragmentos. SP: Scortecci, 2022. Enviado pelo autor

O nosso português de cada dia (Expressões) = 4

(ISTO É A) CASA DA MÃE JOANA 

Lugar muito bagunçado, sem ordem, onde ninguém manda, onde todos falam e ninguém tem razão, prostíbulo, bordel.

O termo originou-se do prenome da Condessa de Provença, Joana, que viveu no século XIV e que regulamentou o funcionamento dos prostíbulos na cidade francesa de Avignon. Mãe é o apelido dado genericamente pelas prostitutas às donas de bordel.

CASINHA

Para dizer banheiro.

A expressão vem do tempo em que os banheiros não ficavam dentro das casas ou dos escritórios, eram pequenas casas de madeiras que cobriam as fossas higiênicas. Daí chamar o banheiro de casinha. 

(SER) CAXIAS 

Diz-se da pessoa que cumpre os deveres sem questiona-los, que é fiel seguidor de ordens e que não abre mão de executar tarefas que lhes foram incumbidas,

A referência é explícita ao comportamento de Luís Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, 1803-1880, conhecido como O Pacificador. O título veio por haver, no seu tempo de servidor militar, sufocado várias rebeliões contra o Império. Caxias sempre foi bem sucedido no que era designado para fazer. Pôs fim à Guerra pela independência da Bahia, em 1823; à Campanha Cisplatina, em 1825; à Abrilada, em 1832; à Balaiada, em 1839; à Revolução Liberal de São Paulo, em 1842; à Rebeldia de Ponche Verde, em 1843; à Guerra do Paraguai, com a Dezembrada, em 1868.

CESARIANA

É a técnica de remoção de um bebê do útero materno, por incisão abdominal, antes ou ao fim do período de gestação.

A origem remonta a uma lei romana que determinava a abertura do ventre de mulheres mortas em estado de gravidez, com o objetivo de salvar o feto se, porventura, estivesse vivo.

A lenda da origem do nome diz que Júlio César nasceu assim, Caio Júlio César, 100 - 44 a. C, foi um general romano de tão grande prestígio que seu sobrenome serviu de título para os imperadores que o sucederam como senhores de todo um vasto período de dominação,

(DAR) CHABU

No sentido de confusão ou frustração de uma expectativa.

Chabu, originalmente, é estouro chocho e imprevisto de um busca-pé ou outro fogo de artifício.

(SER) CHEIO DE NOVE HORAS 

Cerimonioso, metódico, formalista em excesso.

No século XIX, considerava-se nove horas da noite, a hora de referência para o fim das visitas e das festas de família, Portanto, qualquer pessoa que seguia as regras sem discuti-las poderia ser taxado de cheio de nove horas.

(FAZER) CONTA DE CAMELO 

Conta que tem o propósito de enganar alguém. "Matemágica" usada para iludir as pessoas por meio do raciocínio com números.

A expressão vem da história Os 35 camelos, do livro O homem que calculava, do escritor Malba Tahan, pseudônimo do professor carioca Júlio César de Mello e Souza, 1895 - 1974. Na referida história, Beremiz, o homem que calculava, alegra três irmãos desesperados que não conseguiam dividir bem os 35 camelos herdados do pai. O irmão mais velho deveria receber metade; o do meio, um terço; e o mais novo, um nono. Conta que se feita, daria sempre em números quebrados: 17 e pouco, 11 e pouco, 3 e pouco. O sábio calculador ofereceu seu camelo para eles, tornando o número de ímpar, 35, em par, 36. A partir daí cada um passou a receber mais do que pretendia: o primeiro recebeu 18; o segundo, 12 e o terceiro, 4. Todos ficaram então muito felizes, inclusive e sobretudo Beremiz, que recebeu como pagamento um camelo, mesmo depois de haver retirado o que havia dado. Basta observar que 18 + 12 + 04 = 34, portanto há algo de "matemágíca" aí.

Fonte: Nailor Marques Jr. Será o Benedito?: Dicionário de origens de expressões. Maringá/PR: Liceu, 2002.

Recordando Velhas Canções (Pierrô e Colombina)


(Valsa, 1913)

Compositor: Oscar de Almeida

Há quanto tempo saudoso 
Procuro em vão Colombina
Sumiu-se a treda ladina 
Deixou-me em trevas choroso
Procuro-a sim como um louco 
Nos becos, nas avenidas
As esperanças perdidas 
Tendo-as vou já pouco a pouco

Se em todo o carnaval 
Não conseguir ao menos
Seu rosto fitar 
Palavra de Pierrô
Eu juro me matar 
Não posso suportar
Esta cruel ausência 
Que me afoga em dor
Meu coração morrer 
Sinto de amor

É dia de risos e flores 
Todos folgam só eu não
Ela, talvez num cordão 
Procure novos amores
Oh! Companheira impiedosa 
Vê que suplício cruel
Vejo a minha alma afogar-se 
Num oceano de fel

Oh! Vós que acabais de ouvir 
Meu pranto, meu padecer
Tenho um pedido a fazer 
Tenham dó do meu carpir
Se encontrarem Colombina 
Que é da minha alma o vigor
Digam-lhe que assim se fina 
Procurando-a, seu Pierrô
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Antes do advento do samba e da marchinha, fazia sucesso no carnaval qualquer tipo de música, nem sempre alegre, como é o caso de "Pierrô e Colombina". Também chamada de "O despertar de Pierrô" e "Paixão de Pierrô", esta valsa de versos ("A vós que acabais de ouvir meu pranto, meu padecer / quero um pedido fazer / tenham dó do meu carpir...") e melodia carregados de tristeza, tomou conta do Rio de Janeiro nos carnavais de 1915 e 16, por paradoxal que possa parecer.

Conhecido por fazer versos de improviso, cantando e tocando modinhas ao violão. Em 1915 compôs “Pierrô e Colombina” (ou “Paixão de Pierrô”), grande sucesso no carnaval daquele ano e também no seguinte. Esta composição ao que parece, foi apresentada em primeira audição pública numa batalha de confete na Rua Dona Zulmira em Vila Izabel pela banda do Grupo do Camisa Preta. A valsa foi tão cantada pelas ruas naqueles carnavais que teve a letra deturpada, o que levou o autor a escrever carta ao Jornal do Brasil solicitando a transcrição da letra correta no que foi atendido. A composição foi gravada na Odeon pelo cantor Carlos Lima. Durante algum tempo houve uma polêmica a respeito de uma possível parceria com Eduardo das Neves nessa valsa, o que foi desmentido por Almirante que afirmou ser a autoria da melodia e da letra integralmente do carteiro.

Fontes: – A Canção no Tempo - Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello - Editora 34.
– Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira. – Ricardo Cravo Albin – 2021.

quinta-feira, 29 de agosto de 2024

José Feldman (Versejando) 147

 

Jerson Brito (Trovas em preto e branco)


 1
Aquela vila afastada,
nas brenhas do interior,
parece pobre... Que nada!
É manancial de amor…
2
A riqueza genuína
da tapera ou da mansão
vem do amor que predomina,
não se mede com cifrão.
3
Digo com sinceridade:
É melhor pro coração,
o amargor duma verdade,
do que o mel d’uma ilusão.
4
Esperança assim defino:
rio que corre veloz,
banhando nosso destino
sem chegar à sua foz.
5
- Fui bronze! Missão cumprida!
Disse o sujeito aos parentes,
sem mencionar que a corrida
só tinha três concorrentes.
6
Na crise, eu me fortaleço,
não perco os sonhos de vista;
toda queda é o recomeço
para quem crê na conquista!
7
Na luta, quando entendido
o recado de um tropeço,
qualquer espinho vencido
escreve um fim... e um começo!
8
O fracasso e a vitória
fazem parte do existir.
É normal na trajetória,
de vez em quando cair.
9
Qual cometa incandescente,
a paixão passa e se vai,
deixa no peito da gente
uma dor que nunca sai.
10
Se o fracasso tem dois lados,
vale muito a decisão;
chorar os planos frustrados
ou bendizer a lição.
11
Sobre opiniões e crenças,
a sensatez nos diria
que o respeito às diferenças
tece teias de harmonia.
12
Um cenário me devasta:
a garrafa de champanhe,
duas taças, vela gasta
e ninguém que me acompanhe.
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AS TROVAS DO JERSON EM PRETO E BRANCO
por José Feldman

As trovas de Jerson Brito capturam sentimentos profundos e reflexões sobre a vida, amor, e superação. Cada uma traz uma mensagem única, misturando lirismo e sabedoria.

AS TROVAS UMA A UMA

1. Aquela vila afastada
A abertura destaca um contraste entre a aparência de pobreza e a riqueza emocional. A "vila" simboliza lugares simples que guardam profundos sentimentos de amor. A ideia central é que o amor é um recurso valioso, superando bens materiais.

2. A riqueza genuína
Aqui, Jerson reforça que a verdadeira riqueza é medida pelo amor que existe nas relações e ambientes, não por riquezas financeiras. A "tapera" e a "mansão" são metáforas de que o valor está nas conexões humanas.

3. Digo com sinceridade
Essa trova aborda a importância da verdade, mesmo que dolorosa. O "amargor duma verdade" é preferível ao "mel d’uma ilusão", sugerindo que enfrentar a realidade, por mais difícil que seja, é mais saudável para o coração.

4. Esperança assim defino
A esperança é comparada a um rio que flui, simbolizando continuidade e movimento. A metáfora indica que, embora a esperança seja vital, ela pode nunca chegar a um destino final, refletindo a natureza incerta da vida.

5. Fui bronze! Missão cumprida!
Esta trova utiliza o humor para criticar a superficialidade das conquistas. O sujeito se vangloria de um prêmio em uma competição com poucos concorrentes, destacando a ironia de se sentir realizado em um contexto de baixa competição.

6. Na crise, eu me fortaleço
A resiliência em tempos de crise é o foco aqui. A queda é vista como uma oportunidade de recomeço, e a ideia de que "quem crê na conquista" pode transformar dificuldades em oportunidades é inspiradora.

7. Na luta, quando entendido
Jerson enfatiza a aprendizagem que vem dos tropeços. Cada dificuldade superada traz um novo começo, sugerindo que a vida é um ciclo de desafios e renovações, onde cada fim é uma oportunidade.

8. O fracasso e a vitória
Essa trova reflete a dualidade da vida. Tanto o fracasso quanto a vitória fazem parte da existência humana. A normalidade de cair é uma parte essencial do percurso, ressaltando a importância da experiência.

9. Qual cometa incandescente
Aqui, a paixão é retratada como efêmera, intensa e, por fim, dolorosa. A metáfora do cometa sugere que, embora a paixão possa ser deslumbrante, a dor que fica é uma parte inevitável da experiência amorosa.

10. Se o fracasso tem dois lados
Sugere que a resposta ao fracasso influencia nosso crescimento. A escolha entre lamentar ou aprender com as frustrações é crucial. A "lição" é um ativo valioso que pode ser extraído das experiências difíceis.

11. Sobre opiniões e crenças
A ênfase aqui é no respeito mútuo e na importância das diferenças. A "teia de harmonia" sugere que a convivência pacífica e o entendimento entre diferentes visões de mundo são fundamentais para a sociedade.

12. Um cenário me devasta
Esta trova traz um tom de melancolia. A cena de solidão, com uma garrafa de champanhe e velas gastas, simboliza a busca por conexão e a tristeza de estar sozinho em momentos que deveriam ser comemorativos.

TEMAS ABORDADOS

Amor e Riqueza: 
A verdadeira riqueza não está no material, mas no amor que habita os lugares, sejam eles simples ou grandiosos.

Verdade e Ilusão: 
A sinceridade é mais valiosa do que viver em ilusões; enfrentar a verdade pode ser doloroso, mas é libertador.

Esperança: 
Descrita como um rio que flui incessantemente, a esperança é vital, mesmo que nunca chegue a um fim definitivo.

Superação: 
A resiliência é central nas adversidades; cada queda é uma oportunidade de recomeço e aprendizado.

Amor e Solidão: 
A imagem do cenário solitário com champanhe simboliza a busca por companhia e a tristeza da solidão.

AS TROVAS DE JERSON NA LITERATURA CONTEMPORÂNEA

Temáticas Universais
As trovas podem refletir a busca pela verdade e a complexidade das emoções, semelhantes a temas em "Os Lusíadas" ou na obra de Pessoa, que aborda a melancolia e a identidade.

A valorização do interior e da vida simples nas trovas incorpora elementos da cultura local, refletindo costumes, linguagem e tradições que ressoam com a literatura regionalista, semelhante a autores como Guimarães Rosa e Jorge Amado.

Estilo Lírico
Utiliza uma linguagem poética e acessível, o que é uma característica comum na poesia contemporânea. A simplicidade das palavras, aliada à profundidade dos temas, permite que sua obra atinja um público amplo.

Reflexão sobre a Vida
As reflexões sobre a verdade, a experiência e as relações se alinham com a literatura contemporânea que explora a subjetividade e a busca por significado em um mundo complexo.

Crítica Social
Embora suas trovas sejam frequentemente pessoais, há uma crítica implícita à sociedade e suas expectativas, similar a muitos autores contemporâneos que abordam questões de identidade, classe e cultura. Como na literatura regionalista, há uma crítica subjacente às desigualdades sociais e às dificuldades enfrentadas pelas comunidades do interior, ecoando preocupações de autores como Rachel de Queiroz.

Intertextualidade
As trovas podem ser vistas como parte de um diálogo intertextual com outros poetas e escritores, refletindo influências e referências que são comuns na literatura atual, onde a interconexão entre obras é cada vez mais valorizada.

Exploração da Emoção
A exploração das emoções humanas de maneira honesta e crua é uma preocupação central na literatura contemporânea. Jerson, ao abordar temas como a dor e a alegria, contribui para essa tradição.

Conexão com o Cotidiano
A conexão com o cotidiano e a espiritualidade em suas trovas pode ser comparada à poesia de Adélia Prado, que frequentemente aborda temas de amor e fé em contextos simples e profundos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

As trovas revelam uma sensibilidade profunda às emoções humanas e uma reflexão sobre a vida. Ele aborda temas universais como amor, verdade, resiliência e solidão, convidando o leitor a refletir sobre sua própria experiência.

Suas trovas também refletem influências da literatura regional, incorporando elementos da cultura e do cotidiano do interior, o que estabelece uma conexão com escritores contemporâneos que buscam valorizar suas raízes e identidades locais.

A intertextualidade é evidente nos temas universais que ele aborda, como amor, solidão e superação, que são recorrentes na poesia contemporânea. Isso cria um laço com outras obras que tratam dessas experiências humanas, permitindo uma leitura mais rica. Esta intertextualidade não apenas enriquece sua poesia, mas também a conecta a uma tradição literária mais ampla e ao contexto contemporâneo. Essa rede de referências e diálogos permite uma leitura multifacetada, onde cada trova se torna um ponto de partida para novas interpretações e conexões.

As trovas de Jerson, com sua combinação de lirismo, reflexões profundas e crítica social, se insere bem no contexto da literatura contemporânea. Sua capacidade de tocar em questões universais e a forma como se relaciona com a experiência humana o tornam relevante e ressonante com as tendências atuais.

Fonte: José Feldman. 50 Trovadores e suas Trovas em preto e branco. IA Open. vol.1. Maringá/PR: Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

Eduardo Affonso (Agosto)

31 de agosto, 1960

– Você vai à parada do dia 7 tocando bumbo! – garantiu o obstetra à minha mãe.

Não deu.

E ela gostava tanto de setembro.

Casou-se em setembro.

Um de seus filmes favoritos – ao lado de “As neves do Kilimanjaro” e “Candelabro italiano” – era “Quanto setembro vier”.

Quando setembro viesse, viria o segundo filho. De preferência, uma filha.

Esperara um ano antes pela Rita de Cássia, e vim eu. Desta vez, em setembro, Rita de Cássia haveria de vir.

Mas no dia 31 do mês do agouro, dos ventos e dos cachorros loucos, sentiu que o tempo virava – lá fora e dentro de si.

Entrou em trabalho de parto enquanto o céu começava a desabar – ou o céu desabou quando ela começou a sentir as dores, não é mais possível saber, e não faz diferença, pois não há relação de causa e efeito. Ou há?

Imaginemos que à primeira contração correspondeu um relâmpago, à segunda um trovão, às seguintes as janelas fechadas às pressas, e então as telhas voaram, e a água desceu pelas paredes, pelo bocal da lâmpada, até que se pôde ver o céu faiscando por entre as frestas do forro de madeira, e o quarto foi inundado.

Minha vó acudiu com rezas e panos. Meu avô abriu um guarda-chuva sobre a cama, para proteger a parturiente – avô, avó, cama, todos com água já pelas canelas.

Minha mãe queria que tudo acabasse logo – o vendaval, as dores – mas queria também que desse logo meia-noite e fosse setembro. E nem setembro chegava, nem o temporal se ia.

Às 11 e tanto, ainda sob a tempestade e o guarda-chuva,  envolvida pelas ave-marias e salve-rainhas que tentavam subir aos céus se esgueirando por entre os raios e trovões, foi mãe de novo.

No quarto inundado, fez ela mesma o batismo com o resto de água benta guardada no armário, antes que o teto viesse a desabar, e o bebê morresse pagão.

E o batizou de novo, para o caso de os estrondos terem abafado sua voz; e uma terceira vez, por garantia, e talvez porque ainda tivesse forças e houvesse água benta – ou quem sabe já fosse água da bica.

Sobreviveram todos – ela, o bebê, meus avós, os móveis, eu (possivelmente aos berros no colo de alguém), as tesouras do telhado, parte das telhas, o teto.

Ela queria tanto uma menina, que viria quando setembro viesse.

Foi mais um menino.

E ainda era agosto.