sábado, 12 de dezembro de 2009

Jerônimo Mendes (História da Poesia Universal – Breve Relato ) Parte I



Nadamos, dia a dia, num rio de desilusões e somos efetivamente entretidos com casas e cidades no ar, com as quais os homens à nossa volta são enganados. Mas a vida é uma sinceridade.

Que nos seja fornecida a cifra e, se as pessoas e coisas são partituras de uma música celestial, que possamos ler os acordes. Fomos lesados em nossa razão; no entanto, houve homens que gozaram uma existência rica e afim. O que eles sabem, sabem para nós.

Em cada nova mente transpira um novo segredo da natureza ; nem pode a Bíblia ser dada por completa até que nasça o último grande homem ”
.
RALPH WALDO EMERSON


CONCEITO DE POESIA

Ao longo do desenvolvimento da monografia foi difícil encontrar alguma citação ou autor que tenha apresentado qualquer definição precisa de poesia sem demonstrar uma ponta de preocupação com a importância da interpretação por parte do leitor. O conceito de poesia, se acreditamos que podemos conceituá-la, é coisa bem diversa do conceito do verso, razão pela qual pude ler e avaliar inúmeros poemas expressos tanto em verso como em prosa. Segundo Wanke (1985), "Tratados têm sido escritos procurando definir poesia, o que demonstra dificuldade do entendimento ”.

Uma das mais abrangentes e interessantes definições de Poesia encontrada ao longo da pesquisa foi, certamente, a de William Wordsworth, poeta inglês do século passado, que disse, no prefácio de suas Baladas Líricas : “Poesia é a emoção novamente colhida (ou recolecionada) em tranquilidade ”.

Nesta definição, a Poesia aparece do ponto de vista não do leitor, mas do poeta, ou seja, a poesia é olhada pelo que a faz, o que, realmente nos interessa. E nos mostra os elementos básicos da coisa: primeiro, o poeta demonstra claramente suas sensações, sentindo-as, e só depois, tranqüilo, ele se lembra do que sentiu e as coloca em palavras, para transmiti-las. Guilherme de Almeida (1890-1969), um dos mais lúcidos poetas, tentou definir Poesia por exclusão, dizendo que “Poesia não é a rosa” . E explicava :

“E não é mesmo. Se Poesia fosse a rosa, para que o canteiro ? ... Poesia é terra. Separada desta, será apenas verso, pedaço, coisa amputada que murcha, apodrece, acaba ” .

Outra definição importante a considerar, vêm do Príncipe dos Poetas Brasileiros, Olavo Bilac, acrescentando a seguinte equação : “ A rosa está para a Terra assim como a Poesia está para o homem ” .

Mas o homem considerado em suas funções mais altas, ou seja, o som, a idéia expressa, a emoção transmitida, o deleite da leitura e até, em alguns casos, a forma das palavras - como o pintor utiliza as cores, o escultor as formas, o músico os sons harmoniosos, etc.

Todo o artista tem sua matéria-prima, seu instrumental, sua tecnologia. O escultor tem, como matéria-prima, o mármore, o gesso, a areia, o ferro-velho, etc. E é com eles que trabalha, para produzir seu produto, a escultura. O pintor tem as tintas, as cores, que manipula com o pincel, os dedos, a espátula, na tela, no papel, na parede - onde expõe seu produto com enorme satisfação após acabado. O músico dispõe do som dos instrumentos musicais - alguns muito estranhos, convenhamos - que combina ou descombina para apresentar seu produto, a música.

A palavra, matéria-prima do poeta, é o mais nobre dos materiais de que o homem dispõe. A palavra nasceu com a civilização e só com ela morrerá. O homem sem a palavra não é o homem. Para que possa aprender a pensar, a criança tem de aprender a entender e a manejar as palavras de sua língua. As próprias línguas são reflexos do grau de civilização do povo que as domina e o mesmo ocorre com a poesia. Novamente citamos Wanke (1985) :

“ Quando, através de um trabalho com a palavra, escrito ou falado, o artista consegue transmitir sentimento, fazer com que o leitor, o ouvinte se sinta comovido, sublimado, arrebatado, terá ele atingido a Poesia : aquela emoção recolhida pelo poeta Worsworth em um momento, e depois fixada, em outra ocasião - agora tranqüila - para seus leitores ”.

Sem falsa modéstia, avaliei, no curto período em que me propus a estudar a arte poética, que a Poesia de que estamos falando até aqui, sempre com inicial maiúscula, é uma qualidade subjetiva inerente a uma composição feita com palavras.

Infelizmente, se compararmos as diversas interpretações das mais diferentes correntes poéticas, cada qual tenta enaltecer e fazer vingar a própria definição, mas acabam-se criando confusões com as acepções diversas do mesmo vocábulo e, assim, temos que o termo Poesia significa, também, uma composição feita de versos.

O que causa maiores problemas ainda é que, além de uma Poesia não conter absolutamente Poesia, um trecho em prosa pode perfeitamente ser Poesia pura. A Rosa-Poesia carece de ser alimentada pela Terra-Homem através da seiva da emoção da palavra. Daí uma tendência, surgida especialmente entre os modernistas e os da geração de 45, de se abandonar a palavra Poesia na acepção de produto versificado para, neste caso, adotar só a palavra poema.

Uma Poesia pode ser um amontoado de versos feitos intencionalmente sem Poesia e pode até acontecer que o poeta, pensando estar compondo Poesia - comunicação de sentimentos - está apenas fazendo um bestialógico, o que pudemos comprovar facilmente entre muitos poetas herméticos ou rebuscados.

Em nossa pesquisa, ninguém melhor do que Geir Campos, tradutor e professor universitário brasileiro, cita tantos autores e definições interessantes, de pura reflexão, a fim de enriquecer o estudo e o conceito de Poesia, embora, admitamos, não se pode atribuir um texto como verdadeiramente único e absolutamente ideal para quaisquer dos autores citados, apesar de, entre eles, termos muitos dos maiores nomes da Poesia de todos os tempos :

Poesia é, antes de tudo, comunicação, efetuada por palavras apenas, de um conteúdo psíquico (afetivo-sensório-conceitual), aceito pelo espírito como um todo, uma síntese ” e o definidor explica ainda que “nesse conteúdo anímico predominará às vezes o sensório, outras vezes o afetivo, outras o conceitual, pois o poeta, ao expressar-se nunca transmite puros conceitos, quer dizer, nunca transmite conceitos sem mescla de sensorialidade ou sentimentalidade ” (Bousono in Campos, 1975).

Poesia é a arte de excitar a alma”(Hardenberg in Campos, 1975).

Toda verdadeira poesia é uma visão de mundo”( Eliot in Campos, 1975 ).

Poesia são as melhores palavras em sua melhor ordem ” (Coleridge in Campos, 1975 ).

Ao fundirmos os três últimos conceitos, o próprio Campos (1975) faz uma espécie de liga conceitual de elevado teor filosófico-literário, com um enfoque individual, um enfoque social e um enfoque estético da arte poética : “ Poesia é a arte de excitar a alma com uma visão de mundo através das melhores palavras em sua melhor ordem ”, uma conceituação ampla e capaz de abranger inclusive as experiências de todas as escolas poéticas.

Outro estudioso, Robert de Souza, em Un Débat sur La Poésie, tenta resumir o pensamento poético do Abade Henri Brémond, grande poeta e estudioso da literatura francesa, em seis itens :

1) Todo poema deve suas características essenciais a uma espécie de realidade unificadora e misteriosa; 2) não basta, nem é necessário, ler poeticamente um poema, para captar-lhe o sentido, uma vez que existe certo encantamento obscuro e independente do significado das palavras; 3) poesia não pode se reduzir a um discurso prosaico, pois constitui um meio de expressão que ultrapassa as formas comuns da prosa; 4) poesia é uma espécie de música e ao mesmo tempo não é apenas música, pois age como uma espécie de condutor de corrente pelo qual se transmite a natureza íntima da alma; 5) é a encantação que proporciona a comunicação inconsciente do estado de alma em que se encontra o poeta até o momento em que se manifesta por idéias e sentimentos, momento esse que se revive confusamente lendo o poema; 6) a poesia é uma espécie de magia mística semelhante ao estado de oração ” .

Se recorrermos ao dicionário, teremos uma definição formal de Poesia, mas nunca a definição que nos agrade ou que corresponda à realidade que buscamos. Faz muito mais sentido e causa maior conforto as definições embevecidas de imaginação e lirismo, como as que acabamos de mencionar anteriormente no texto.

Silveira Bueno (1996), em seu Minidicionário da Língua Portuguesa, define : “ Poesia - arte de escrever em verso; composição poética; inspiração; o que desperta sentimento do belo ” .

E muitas outras definições podemos encontrar pelo caminho da pesquisa, de diferentes épocas, escolas, autores e adeptos da literatura, portanto, conforme citado por Wanke anteriormente, de difícil entendimento. Homem e poesia, Poesia e vida, vida e arte estão intimamente ligados, não há como separá-los, mesmo porque os conceitos se confundem.

Somos testemunhas da influência da Poesia desde os primeiros séculos até hoje, pois a Poesia esteve presente em todas as épocas, em todos os povos, em todos os dias e assim deve permanecer por milhares de anos. Vejamos esta máxima de Emerson ( 1994), retirada do seu livro Ensaios : “ A vida pode ser um poema lírico ou uma epopéia, bem como um poema ou um romance ”.

Até onde o entendimento nos permitiu alcançar, concordamos que a Poesia requer inspiração, sensibilidade, vibração de nervos e sentimento. É pura imaginação e poucos foram os privilegiados ao longo dos séculos, talvez mais em séculos anteriores onde ela foi praticada com afinco, dedicação e pureza de espírito.

Seu conceito é amplo e ao mesmo tempo restrito, depende da perspectiva do leitor. Como diria Maiakovski, célebre poeta russo do início do século : “ A Poesia começa onde existe uma tendência ” .

O FLORESCER DA POESIA

1. OS PRIMEIROS POETAS

Poeta, do grego poietes, significava autor. Era o indivíduo que compunha a letra e a música dos dramas, das epopéias (Exposição de feitos grandiosos, narrados pelos poetas antigos) e dos cantos sentimentais. “ Hoje chamamos poeta ao escritor que compõe versos, é o literato que pensa por meio de imagens ” (Macedo, 1979).

De acordo com os registros oficiais, a Poesia ganhou impulso e teria começado a existir como expressão de arte na primavera de 534 a.C., na Grécia antiga, época em que as primeiras tragédias foram encenadas, por decreto oficial, no Festival de Dioniso, em Atenas.

A tragédia grega, pelo que apuramos ao longo da pesquisa nos poucos livros que se propõem a desvendar o assunto, era mais do que um entretenimento público promovido pelo governo para distrair a multidão, e mais do que um ritual em honra ao Deus Dioniso (Deus da fertilidade e criatividade, segundo a mitologia grega), a quem os gregos tanto louvavam.

Reconhecidamente, ela assinalou o florescimento de uma arte cujas raízes se estendem pelo menos até a Idade do Bronze (Período pré-histórico compreendido entre 3.500 e 3.000 a.C., quando o bronze era o principal material utilizado para fabricação de armas e utensílios). Tanto no conteúdo como na forma, a Poesia se revelou a expressão completa da essência de um povo.

Os temas das tragédias eram mitológicos, extraídos da numerosa coleção de histórias existentes nas epopéias e nos hinos de Homero e seus sucessores.

Todos os que se dizem um pouco conhecedores do assunto sabem que nos antigos e familiares relatos da Ilíada e Odisséia (Considerados os maiores poemas épicos da Grécia antiga) encontravam-se todos os tipos de personagens; suas aventuras, seus amores e dilemas espelhavam todas as possíveis situações humanas.

Homero, principal poeta da antiga literatura grega, parece ter vivido 700 a.C., provavelmente na área jônica (Atualmente Turquia Ocidental). A tradição diz que era cego e que pode ter cantado para as cortes reais da mesma forma que os bardos cantam no seu poema Odisséia. Não se sabe quanto suas palavras originais correspondem aos textos hoje disponíveis, mas parece claro que a base do poema, assim como a da sua Ilíada, foi oral.

Ao mesmo tempo, suas obras, como as conhecemos atualmente, apresentam uma unidade impressionante, apesar de serem muito longas. A Ilíada concentra-se em uma série de episódios conectados um com o outro durante o sítio de Tróia.

A Odisséia, que pode ter sido escrito por um outro autor, conta as perambulações de um dos líderes gregos, Ulisses (Odisseu), em Tróia, durante o longo e atribulado retorno a seu reino de Ítaca.

A Ilíada, enquanto relata a inimizade entre Aquiles e Agamenon, incorpora muito da mitologia em dez anos da guerra de Tróia; as fortes cenas de lutas são ofuscadas por suaves quadros da vida cotidiana.

Da mesma forma, na Odisséia, o relato sobre o retorno de Ulisses a Ítaca e a vingança sobre os pretendentes de sua mulher são colocados no cenário mais amplo da volta dos heróis gregos, oferecendo muitos detalhes a respeito de outras fases da vida de Ulisses em Tróia e em outros locais.

A Ilíada e Odisséia são consideradas os maiores poemas épicos da Grécia Antiga. A época em que receberam sua forma final é controversa, mas pode ter sido no final do século 7 a.C..

A estrutura dos versos e a disposição dos cânticos são o resultado de uma longa tradição oral rapsódica que contava histórias e lendas da era heróica da Grécia, no final do período micênico; mas eles também contém elementos que podem ser posteriores a este período.

Os maiores poetas trágicos (ou os mais conhecidos) - Ésquilo, Sófocles, Eurípedes - explicitavam os personagens e as situações para as audiências, relevando-lhes a própria condição humana.

Eram comuns, entre os intelectuais admiradores da Poesia na época, dilemas dignos de estudo e investigação em todas as peças encenadas : Que tipo de escolha tem os seres humanos em sua existência ? Como os indivíduos podem entender a ambigüidade no mundo e conviver com o fato de que ele é, ao mesmo tempo, bom e mau, protetor e cruel, agressivo e amável ? Os poetas trágicos exploravam a fundo as questões mais simples do cotidiano e transformavam-nas em peças teatrais que arrastavam multidões.

Mas eles não foram os primeiros a explorar os mitos. Gerações de poetas líricos haviam moldado a língua grega em versos de incomparável beleza (mais adiante veremos alguns trechos desses poemas).

As formas poéticas eram tão familiares para os gregos quanto para os mitos; os poemas sempre eram declamados em público e nunca escritos para leitores solitários. Os próprios versos eram musicais, com ritmos diferentes em cada tipo de poema e apropriados para cada ocasião, intimamente ligados à dor ou alegria do poeta. Embora declamassem também em banquetes e reuniões íntimas, os poetas alcançavam fama e fortuna nas disputas promovidas em festivais religiosos.

Paramentados e engrinaldados, eles participavam de diversas competições: de rapsódia, nas quais declamavam versos, em geral, épicos, sem acompanhamento musical; de citaródia, isto é, a declamação individual com acompanhamento de lira; e de canto coral, para o qual os poetas treinavam tanto os cantores quanto os dançarinos.

As competições eram realizadas em toda Grécia - em Delfos, em Esparta, em Olímpia -, exceto, até o início do século VI a.C., em Atenas. Os poetas foram levados para lá por Psístrato e seus filhos; as competições de rapsodos foram introduzidas lá durante as festividades panatenaicas. E foi em Atenas, numa época de agitação política e ameaça externa, que ocorreu a síntese representada pela tragédia.

Segundo a lenda, o responsável por tal síntese foi o poeta Tépsis de Icária, que teve a idéia de introduzir um ator para servir de contraponto ao coro. O ator representava mascarado, o que era uma inovação surpreendente para a época e estimulava a curiosidade e imaginação da população : ele não declamava seus próprios versos, mas era alguém que personificava outra pessoa, mas terminava por arrebatar todas as glórias.

Tépsis venceu o primeiro concurso de dramaturgia realizado no Festival de Dionísos, mas de suas obras restam apenas fragmentos. A amplitude da tragédia grega pode ser vista nas obras de seus sucessores. Esses poetas competiam não apenas nos festivais atenienses, mas também por toda a Grécia. Eles levaram adiante a inovação de Tépsis e introduziram outros atores em suas peças. Também orquestraram os diferentes ritmos e formas dos poetas líricos - as rapsódias, as citaródias e os coros - em obras únicas, harmonias que cantavam as paixões do coração humano, semelhante hoje ao que podemos admirar em óperas, músicas românticas impregnadas de poesia pura, capazes de remeter o mais cruel dos homens ao mundo da imaginação e fantasia por conta da sua própria fragilidade.

Os palcos eram no início muito simples; o público sentava-se em degraus de pedra em volta da orquestra. As apresentações eram durante o dia, ao ar livre.

Os poetas apresentavam três tragédias (geralmente sobre temas diferentes) e uma peça satírica, mais leve. Poucos se atreviam a apresentar peças que sustentassem, de alguma forma, posições contrárias às imposições do governo ou algo semelhante, não muito diferente de algum tempo em nosso país. Ofereciam-se prêmios ao melhor poeta e o vitorioso recebia uma coroa de hera (Planta típica da época, símbolo da união e do casamento ( deusa do casamento)).

Podemos avaliar a presença maciça da poesia na cultura dos habitantes da Grécia antiga e, muito provavelmente, de outros que também se deslocavam até as cidades onde as peças, mescladas à poesia, eram encenadas.

Era comum na época, reunião de um grupo de pessoas em torno de algum poeta de plantão, disposto a iniciar uma declamação digna de apreciação mesmo sob forte pressão dos olheiros do governo oficial que temiam vulgarizar a poesia, motivo pelo qual, inclusive, as competições e mesmo eventos de simples apresentações, obedecerem a um rígido cronograma oficial. Se a poesia, aliada ao teatro, foi tão importante para a época em que os estudos da arte eram levados a sério, por prazer e gosto, cabe-nos questionar a razão, 2.500 anos depois, pela qual a poesia não conseguiu sustentar a mesma importância, embora resista à indiferença dos editores preocupados mais com o título do que o conteúdo nos tempos atuais.

Os jônicos (Povo da Ásia Menor, habitante das margens do Mar Mediterrâneo (Turquia)) também se distinguiram pela elegância de sua cerâmica e, não menos importante, pela sua poesia, demonstrando uma profunda compreensão dos prazeres e desapontamentos da vida, expressa nas odes (Poesia sentimental caracterizada pela elevação de pensamento e entusiasmo) de Safo, a poetisa do amor que viveu na ilha de Lesbos.

Alceu, poeta da mesma ilha, provavelmente foi o que melhor resumiu o espírito da cultura jônica. “ Traga-me vinho ” , solicitava, “ vinho e verdade ” . Os relatos são obscuros, mas, ainda na Grécia antiga, conta-se que o poeta ático Tepsis era também um amante da arte de representar e teria dado o passo decisivo ao colocar um ator em cena, cujo papel era conduzir o diálogo com o coro.

O ateniense Ésquilo teria colocado o segundo e Sófocles, o terceiro ator, unindo assim, a simplicidade da poesia e o mágico poder da representação. A união das duas especialidades da arte deu origem ao que se chamou na época de teatro grego. Embora o público dedicasse maior admiração pelo conjunto da representação, as cenas não seriam possíveis de se realizar sem os declamadores, ou seja, um completava o outro para promover o encanto da população e arrastar multidões onde quer que houvesse encenação. Elegias (Lamento ou canto fúnebre, acompanhado com som de uma flauta), sátiras e canções de amor para cantores solo; hinos, peãs (Na versificação greco-latina, o Metro ou Pé formado por 4 sílabas, sendo uma longa e três breves.) e cantos processionais para coros - tudo isso foi legado pelos poetas líricos da Grécia aos dramaturgos atenienses.

Cada tipo de verso tinha sua própria forma. Todos partilhavam da rica herança da mitologia. Notamos que a mitologia era o principal motivo da maioria dos poemas da época, com seus personagens heróicos e misteriosos, recheados de feitos e proezas inimagináveis para os dias de hoje.

Infelizmente, apenas uma pequena parte da produção desses poetas líricos foi preservada - o suficiente para revelar a variedade de seus estilos e personalidades, de costumes e preferências da época.

Excepcional dentre eles foi Safo, nascida em Lesbos no século VII a.C., tanto por ser mulher quanto por seu gênio delicado. Platão, filósofo grego, a chamou de décima musa. Safo era famosa por suas canções de amor e por seu deleite com a natureza, revelado em poemas como o dedicado à estrela vespertina, cujo teor fazemos questão de transcrever :

ESTRELA VESPERTINA

Estrela da Tarde
Tu és a pastora da tarde,
Vésper, e trazes para casa
tudo o que a Aurora dispersou.
Trazes a ovelha, trazes a cabra,
trazes as crianças para junto das mães.

Alceu conheceu e amou Safo; há fragmentos suficientes de seus poemas para que se saiba que não foi correspondido. Os poemas de Alceu refletem uma vida dedicada à guerra e à política - e uma vigorosa apreciação dos prazeres da vida, como podemos apreciar no poema que segue :

INVERNO

Zeus faz chover, e do céu
cai terrível tormenta. Os rios congelaram ...
Afugenta o inverno. Junta lenha ao fogo
e tempera, sem exagerar na água, o doce vinho.
Envolve nossas cabeças em macias
coroas cerimoniais de pele.
Não devemos nos deixar invadir pela tristeza.
Não iremos a arte alguma com o pesar, minha Bukchis.
O melhor a fazer é prepararmos muito vinho, e tomá-lo
.

Simônides de Ceos, nascido por volta de 550 a.C., era um poeta cortesão muito viajado que contava com a proteção dos tiranos de Atenas, da Tessália e da Siracusa. Ele era um mestre, admirado pela perfeição de suas canções, pela elegância de seus epigramas funerários (Nos tempos antigos, era uma pequena composição em verso colocada nos túmulos ou nos templos e terminava por uma nota mordaz) e pela profundidade com que tratava os temas mitológicos.

Seu lamento por Dânae era um exemplo típico. Dânae teve um filho – o herói Perseu - de Zeus. O pai de Dânae colocou-a, juntamente com o bebê, numa arca que foi lançada ao mar. Eles sobreviveram graças a um milagre. Eis uma simples demonstração de um pequeno epigrama funerário de Simônides :

EPITÁFIO

Este é o túmulo de Megístias, morto pelos persas
e medos após cruzarem o Rio Spercheios;
de um advinho que, mesmo vendo claramente
a morte aproximar-se,
jamais pensou em abandonar os reis de Esparta.

Mais jovem do que Simônides, Píndaro de Tebas foi tão apadrinhado quanto este e alcançou fama ainda maior. Grandioso, idealista e profundamente religioso, ele celebrou suas odes e as vitórias gregas nas Guerras Persas (Famosas guerras travadas entre os povos da Grécia antiga e da Pérsia (Irã)) e as vitórias dos atletas em Olímpia.

Abaixo podemos apreciar um trecho da introdução de sua primeira Ode Olímpica, em homenagem a Hierão, atleta vencedor das corridas a cavalo :

OLÍMPICA I

O melhor elemento é a água e o ouro,
como fogo que se inflama, brilha na noite
mais do que a orgulhosa opulência.
Se jogos celebrar desejas,
ó minh´alma -
nunca mais quente do que o sol procures outro astro
que brilhe de dia no céu deserto -
nunca superior à de Olímpia
uma competição celebraremos.
De lá o renomado hino envolve
o gênio dos poetas que para louvar
o filho de Cronos ao lar vieram
rico e feliz de Hierão.
Da justiça ele detém
o cetro da fecunda Sicília, colhendo
o que há de mais alto de todas as virtudes
e gloria-se também
com as excelências do canto com que nos recreamos
amiúde ao redor de sua mesa amiga

Avaliando superficialmente o poema podemos arriscar-nos a insinuar que, ignorando a má interpretação dos tradutores através dos séculos, por influências pessoais, Píndaro e os demais poetas da época utilizavam um nível elevado teor metafórico.

Dentre dezenas de poetas trágicos, três eram considerados os maiores. Ésquilo, o mais velho, nasceu cerca de uma década antes de 500 a.C. Filho de aristocrata, participou da Batalha de Maratona.

O jovial e culto Sófocles, nascido por volta de 497 a.C., combateu sob Péricles na guerra contra Samos. Sete de suas 130 peças foram preservadas. Eurípedes, nascido por volta de 480 a.C., era um filósofo austero, recluso e menos idealista do que os outros dois. Das noventa peças que escreveu, restam dezoito.

(continua)

Fonte:
Monografia feita pelo autor em Curitiba / PR , março de 2001

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