domingo, 19 de fevereiro de 2017

Fernando Pessoa (Quadras ao Gosto Popular)


A caixa que não tem tampa 
fica sempre destampada.
Dá-me um sorriso dos teus, 
porque não quero mais nada. 

Adivinhei o que pensas 
só por saber que não era 
qualquer das coisas imensas 
que a minh'alma sempre espera. 

A rosa que se não colhe 
nem por isso tem mais vida. 
Ninguém há que te não olhe 
que te não queira colhida. 

A terra é sem vida, e nada 
vive mais que o coração... 
E envolve-te a terra fria 
e a minha saudade não! 

Cantigas de portugueses 
são como barcos no mar — 
vão de uma alma para outra 
com riscos de naufragar. 

Deixa que um momento pense 
que ainda vives ao meu lado... 
Triste de quem por si mesmo 
precisa ser enganado! 

Depois do dia vem noite, 
depois da noite vem dia, 
e depois de ter saudades, 
vêm as saudades que havia. 

Dias são dias, e noites 
são noites e não dormi... 
Os dias a não te ver, 
as noites pensando em ti. 

Duas horas te esperei, 
dois anos te esperaria. 
Dize: – Devo esperar mais? 
Ou não vens porque inda é dia? 

Em vez da saia de chita 
tens uma saia melhor. 
De qualquer modo és bonita, 
e o bonita é o pior. 

Entreguei-te o coração, 
e que tratos tu lhe deste! 
É talvez por 'star estragado 
que ainda não mo devolveste ... 

Eu tenho um colar de pérolas 
enfiado para te dar: 
– As per'las são os meus beijos, 
o fio é o meu penar. 

Fomos passear na quinta, 
fomos à quinta em passeio. 
Não há nada que eu não sinta 
que me não faça um enleio. 

Levas chinelas que batem 
no chão com o calcanhar. 
Antes quero que me matem 
que ouvir esse som parar. 

Levas uma rosa ao peito 
e tens um andar que é teu... 
Antes tivesses o jeito 
de amar alguém, que sou eu. 

Morto, hei de estar ao teu lado 
sem o sentir nem saber... 
Mesmo assim, isso me basta 
p'ra ver um bem em morrer. 

Não digas mal de ninguém 
que é de ti que dizes mal. 
Quando dizes mal de alguém 
tudo no mundo é igual. 

Não sei se a alma no Além vive... 
Morreste!  E eu quero morrer! 
Se vive, ver-te-ei; se não, 
só assim te posso esquecer. 

No baile em que dançam todos 
alguém fica sem dançar. 
Melhor é não ir ao baile 
do que estar lá sem lá estar. 

Nunca dizes se gostaste 
daquilo que te calei. 
Sei bem que o adivinhaste. 
O que pensaste não sei. 

Ó minha menina loura, 
Ó minha loura menina, 
dize a quem te vê agora 
que já foste pequenina ... 

Ouvi-te cantar de dia. 
de noite te ouvi cantar. 
Ai de mim, se é de alegria! 
Ai de mim, se é de penar! 

Por um púcaro de barro 
bebe-se a água mais fria. 
Quem tem tristezas não dorme, 
vela para ter alegria. 

Quando é o tempo do trigo 
é o tempo de trigar, 
a verdade é um postigo 
a que ninguém vem falar. 

Quando olhaste para trás, 
não supus que era por mim. 
Mas sempre olhaste, e isso faz 
que fosse melhor assim. 

Se ontem à tua porta 
mais triste o vento passou — 
Olha: – levava um suspiro... 
Bem sabes quem to mandou... 

Tenho um relógio parado 
por onde sempre me guio. 
O relógio é emprestado 
e tem as horas a fio. 

Tens uma rosa na mão. 
Não sei se é para me dar. 
As rosas que tens na cara, 
essas sabes tu guardar. 

Tens um livro que não lês, 
tens uma flor que desfolhas; 
tens um coração aos pés 
e para ele não olhas. 

Teus brincos dançam se voltas 
a cabeça a perguntar. 
São como andorinhas soltas 
que inda não sabem voar. 

Teus olhos tristes, parados, 
coisa nenhuma a fitar... 
Ah, meu amor, meu amor, 
se eu fora nenhum lugar! 

Tive uma flor para dar 
a quem não ousei dizer 
que lhe queria falar, 
e a flor teve que morrer. 

Toda a noite ouvi no tanque 
a pouca água a pingar. 
Toda a noite ouvi na alma 
que não me podes amar. 

Trazes a rosa na mão 
e colheste-a distraída... 
E que é do meu coração 
que colheste mais sabida? 

Vai alta a nuvem que passa. 
Vai alto o meu pensamento 
que é escravo da tua graça 
como a nuvem o é do vento. 

Vale a pena ser discreto? 
Não sei bem se vale a pena. 
O melhor é estar quieto 
e ter a cara serena.

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