UMA CAIXA TODA BRANCA
No meu peito está disposta
uma caixa toda branca,
mausoléu de uma resposta
que na lápide se tranca.
Nela, o sonho que se gosta
desenvolve a zona franca,
toda noite à luz transposta,
novidade que se estanca.
Entre a fúria e todo o zen,
sei que guarda minha alma,
minha palma, meu vintém...
Branca e nua, a caixa tem
tudo aquilo que me acalma:
seu sorriso, que não vem.
CHUVA DE VERÃO
Você viu a chuva de verão?
Eu, não.
Ocupado que estava em recolher
de mim as últimas lágrimas,
nem vi as dos anjos,
a correr, a escorrer
pela vidraça, nuas, mágicas.
Você viu a chuva de verão?
Eu, não.
Ocupado que estava em revolver
de mim as últimas páginas,
nem vi as das nuvens,
a chover, a esconder
o que se passa, ruas, máquinas
de fazer troça a cada chuva,
de verão, ou não, que há do céu.
Você viu a chuva de verão?
Eu, não.
Mas, só por precaução,
guarda-chuva em punho,
pus a bota e o chapéu.
ENLUARADA
Peguei a lua
e dela fiz meu origami.
Peguei o sol
e dele fiz o seu arame.
Depois,
com a fúria
de um poeta
que foi rei,
na lua o sol
a pino
eu espetei.
Pronto.
A noite
assim ficou
enluarada.
O DESEJO ESCRITO
Queria ter escrito
as primeiras representações
de objetos, ações
ou ideias, ter tido as razões
para dar meu grito
de independência
e ter ficado em pé.
Queria ter criado
uma atividade, um objeto,
ou uma ideia
por um só signo
representados,
ter dado o mais completo
sentido a ti,
a mim, um legado.
Queria ter descrito
os signos que representam
os sons das sílabas
e das letras, que sustentam
todas essas línguas,
ainda vivas,
ainda "on".
Na verdade, queria ter tido
a chance de ter escrito
uma das ridículas cartas
de que nos fala Pessoa,
de amor, de medo, e ferido
a pele da página,
que, calada (nunca em vão),
aceita
a "pena" de um poeta,
o lápis de um menino,
a tinta de uma máquina
que imprime, exprime
e comprime o destino
de todo desejo escrito:
ser lido.
LÂMINA FRIA
Na
lâmina fria
de
um sonho perfeito,
finjo
ter jeito,
janto
um bombom,
bomba
de efeito.
Na
lâmina fria
de
um sonho desfeito,
sinto
teu peito,
canto
sem som,
sombra
no leito.
Na
lâmina fria
de
um sonho refeito,
lindo
confeito,
canto
tão bom,
bom
e imperfeito.
Fonte:
O Autor
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