segunda-feira, 3 de abril de 2023

Gislaine Canales (Glosas Diversas) LII


JARDINEIRO...

MOTE:
Sou jardineiro imperfeito,
pois no jardim da amizade,
quando planto amor perfeito
nasce sempre uma saudade...
ADELMAR TAVARES
Recife/PE, 1888 – 1963, Rio de Janeiro/RJ

GLOSA:
Sou jardineiro imperfeito,
mas meu adubo é o amor,
eu amo sem preconceito,
dou a todos, meu calor!

Eu colho muito carinho,
pois no jardim da amizade,
que encontro no meu caminho
existe a felicidade!

Vivo feliz, satisfeito,
espero que o tempo passe...
Quando planto amor perfeito
é um perfeito amor, que nasce!

Mas junto de tantas flores,
às vezes, contra a vontade,
recordando os meus amores,
nasce sempre uma saudade…
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MUITO ALÉM DAS ESTRELAS...

MOTE:
As estrelas... na amplidão,
nem todos conseguem vê-las.
Um sonhador põe a mão
muito além dessas estrelas!
ALOÍSIO ALVES DA COSTA
Umari/CE, 1935 – 2010, Fortaleza/CE

GLOSA:
As estrelas... na amplidão,
embelezam o Universo,
e o poeta com emoção,
as retrata no seu verso!

Ficam distante... não perto,
nem todos conseguem vê-las,
mas quem traz o peito aberto
pode, contudo, entendê-las!

Com amor no coração
e a alma, pura estesia,
um sonhador põe a mão
e logo as torna poesia!

Eu quisera ser poeta
para poder concebê-las,
e pôr a minha alma inquieta,
muito além dessas estrelas!
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ESPERANÇA...

MOTE:
Esperança é o sol aberto
que meu destino conduz,
deixando o sonho mais perto,
bem menos pesada a cruz.
ALONSO ROCHA
Belém/PA, 1926 – 2011

GLOSA:
Esperança é o sol aberto
que vem dourar o meu dia,
onde feliz eu desperto,
esquecendo a nostalgia!

Esse sol tão envolvente,
que meu destino conduz,
tem um calor diferente,
que vem de vibrante luz!

Nesse meu vagar incerto,
quem me sustenta é a esperança,
deixando o sonho mais perto
aumenta a minha confiança!

E um raio de sol, então,
cheio de brilhos, reluz,
tornando, com emoção
bem menos pesada a cruz.
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ILUSÕES

MOTE:
Ferem, sim, mas quero tê-las,
ao longo da caminhada.
Ilusões! Cacos de estrelas,
que enchem de luz minha estrada!
CAROLINA RAMOS
Santos/SP

GLOSA:
Ferem, sim, mas quero tê-las,
agridoces ilusões,
quero também merecê-las,
sentir suas emoções!

Quero que sigam comigo
ao longo da caminhada,
me amparando, dando abrigo,
enchendo de tudo, o nada!

Quero, em meu peito, acendê-las
e deixá-las crepitar...
Ilusões! Cacos de estrelas,
que não cansam de brilhar!

Seguindo nessa ilusão,
me sentirei muito amada,
com luzes no coração
que enchem de luz minha estrada!
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MINHA ALMA GAÚCHA

MOTE:
Do Rio me dou ao luxo
de um abraço terno e doce...
Mesmo eu não sendo gaúcho,
minha alma é como se fosse!
EDMAR JAPIASSÚ MAIA
Nova Friburgo/RJ

GLOSA:
Do Rio me dou ao luxo
de realizar meu desejo,
sou poeta e quase bruxo,
sempre a espera do teu beijo!

Sou o feliz ganhador
de um abraço terno e doce...
que me trouxe o teu calor,
com um gostinho agridoce!

Mas aguentei o repuxo,
me tornei um "taura", forte,
mesmo eu não sendo gaúcho,
joguei o laço na sorte!

Rio Grande eu te bendigo!
Amizade é raiz-doce.
Não sou gaúcho, mas digo:
– Minha alma é como se fosse!
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Fonte:
Gislaine Canales. Glosas. Glosas Virtuais de Trovas XVIII. In Carlos Leite Ribeiro (produtor) Biblioteca Virtual Cá Estamos Nós. http://www.portalcen.org. 2004.

Guerra Junqueiro (Qual será rei?)

Morreu uma vez um rei, deixando quatro filhos, e sem ter designado o sucessor. Reuniu-se a corte, e decidiu-se que a coroa devia pertencer, não ao mais velho dos quatro filhos, mas sim ao mais digno.

Resolveram além disso que o cadáver do rei fosse posto de pé contra um muro, e que o príncipe que acertasse melhor com uma flecha naquele alvo, seria o escolhido para sucessor.

Começou o mais velho. Esticou a corda do arco, apontou durante muito tempo, e a flecha foi atravessar a mão esquerda do defunto. O príncipe soltou grito de alegria, cuidando que seus irmãos atirariam pior, e que por conseguinte seria ele quem viria a reinar.

O segundo acertou em cheio na cara do rei, soltando um grito ainda mais alegre do que o outro príncipe.

O terceiro varou o coração de seu pai, e os seus gritos de triunfo quase que chegavam ao céu, porque lhe parecia impossível acertar melhor.

Quando chegou a vez do quarto filho, tiveram de lhe meter nas mãos as flechas e o arco: mas, desde que olhou para o alvo, arrojou as armas longe de si, e desatou a chorar:

- Oh! meu pai! meu querido pai! exclamou ele, como poderei eu jamais consolar-me de ver o teu corpo crivado de flechas pela mão de teus próprios filhos!

Os grandes da corte ouvindo isto proclamaram-no rei, como sendo o mais digno.

Fonte:
Disponível em Domínio Público
Guerra Junqueiro. Contos para a Infância. Publicado originalmente em 1877.

Jaqueline Machado (Aruanda entre nós) 7 – Oxum (continuação)


Oxum é a deusa das águas doces. Esposa do Orixá Xangô. Famosa na cultura Yorubá.

Ela representa a esposa, a mãe. É fiel à  família, no entanto, não faz o tipo submissa. Oxum  é faceira, ama espelhos, batons, joias e doces.

É segura em suas atitudes, sem deixar de ser branda. Sua fala exala candura. E, espontaneamente, todos a respeitam.

Oxum é a dona do ouro, por isso, seus filhos são ricos. Não ricos de bens materiais, ricos das coisas da vida. Quem se deixa conduzir pela força do seu axé, possui sabedoria ao resolver problemas. Ouve seus conselhos e entende que para as águas não há caminhos fechados. Pois a água tem o poder de escorrer entre pedras e espinhos, e por mais confuso que pareça o labirinto, sempre encontra uma saída por onde escorre até alcançar o mar.

Seus protegidos são amantes da alegria, são belos e sensuais. São férteis, porque as águas de Oxum estão sempre a fertilizar o solo dos sonhos.

Essa deusa, Orixá, Entidade, é cultuada no Candomblé e na Umbanda. Chega dançando, cercada de Erês (crianças) ao seu redor.

Seu axé traz o amor desejado e faz a união acontecer.   

Oxum também traz em si, o arquétipo da sereia. É a sereia dos rios. Uma espécie de prima de Iemanjá.  

Suas virtudes são infinitas. E quem mergulha em seus rios, não morre, está sempre a renascer.

CÂNTICO À DEUSA DOS RIOS

Oxum é uma criança
que esqueceu de envelhecer,
mas quando ela dança
seus filhos param de sofrer.
É bela, é muito doce,
cheia de luz e de saber.
Oxum, dona do ouro,
dai-me sustento para viver.
 
Ó Oxum, deusa querida,
das suas águas eu vou beber.
Ser feliz e ter longa vida.
Sua paz quero merecer.
És santa, mulher e deusa,
sangue do bem querer.
Ora iê, iê ô, minha mãe menina,
Ora iê, iê ô, linda flor do amanhecer!

Fonte:
Enviado pela autora.

domingo, 2 de abril de 2023

Dorothy Jansson Moretti (Álbum de Trovas) 22

 

Carolina Ramos (Saudade)

Era o seu encanto aquele neto. Também, o único. E, como tal, soberano absoluto daquele coração cansado.

Morrera cedo a mãe do menino. Ela o criara.

O rosto encarquilhado da velhinha parecia alisar-se de gozo, cada vez que o netinho o tomava entre as mãos, e, a cobri-lo de beijos, segredava-lhe ao ouvido; - "Sabe, vovó, você é a vó mais linda que eu conheço, e é por isso que eu gosto tanto, tanto de você!"

Um dia ... bem, um certo dia, o crupe chegou. Ou difteria, como querem os entendidos. Chegou e agarrou o garoto de surpresa, e não o largou mais. Com suas garras de ferro, estreitou-lhe a gargantinha, pouco a pouco, como a tentar estrangular-lhe a alma!

Ante a tragédia iminente, a velhinha ganhou ânimo de leoa! Cresceu! Avantajou-se! Criou vigor de moça, na luta contra o inimigo implacável!

Com a energia que o desespero concede! Com a clarividência e a coragem que a própria dor empresta!

Tudo inútil! O médico rasgou de um golpe a traqueia obstruída.

A morte ganhou a corrida. E, em vez da golfada salvadora, foi ela quem primeiro atravessou a porta de emergência ...

Olhos esbugalhados de horror, a velhinha sentiu pesar-lhe nos braços o corpo frouxo do neto.

Não chorou uma lágrima sequer. Também, nunca mais sorriu.

Daí para frente, foi ficando cada vez mais pequenina. As costas encurvadas de tanto olhar o chão. Para que olhar à volta, se, para ela não havia mais horizontes?! As mãos sempre frias, trêmulas e côncavas, num desejo mórbido de, antecipadamente, cruzarem-se sobre o peito. Os pés, mais e mais pesados, como a deitar raízes, sempre que parados.

Pela mesma porta em que saíra o caixãozinho branco enfeitado de flores, saiu, não muito depois, um ataúde roxo, quase tão roxo quanto as olheiras e a saudade da velhinha.

Muitos choravam ainda, quando a cova escura engoliu a última flor. Contudo, quem atentasse para a música da brisa, que brincava de fazer dançar o corpo esguio dos ciprestes, teria ouvido, entre risos cristalinos, uma voz meiga de criança que indagava perplexa:

- "E por que choram, vózinha?l Você estava morta ... agora, ressuscitou !..."

E aqueles, cujo privilégio de enxergar além da matéria o permitia, puderam vislumbrar o vulto de duas crianças felizes, uma de cinco anos e outra de quase oitenta, caminhando, mãos dadas, rumo ao sempre.

Fonte:
Cláudio de Cápua. Era uma vez… (coletânea de contos). Comptexto: outubro 1989.

Coletânea Contos de Mistério e Suspense (Participe. Até 10 de abril)


Queremos convidar você e seus amigos a participarem da Coletânea Contos de Mistério e Suspense (Temática sugerida por: Renata Pereira Gonçalves e Equipe PerSe). As inscrições, que já estão abertas há algum tempo, podem ser feitas até o dia 10 de Abril. Veja mais informações abaixo!

Agora em 2023 o livro "Assassinato no campo de golfe" de Agatha Christie completa 100 anos de Lançamento, e em comemoração estamos lançando nossa Coletânea Contos de Mistério e Suspense e para ela buscamos Contos que preferencialmente envolvam situações que poderiam ser consideradas reais... vale releituras de contos existentes (até mesmo de "Assassinato no campo de golfe"), contos existentes com desfechos diferentes, e etc. Esta é uma coletânea eminentemente de Contos.

Importante lembrar que sua participação é Gratuita.

Após recebermos os Textos, faremos uma seleção/avaliação dos melhores e publicaremos um livro com eles. Essa Coletânea ficará à venda na Loja Online da PerSe, com impressão sob demanda, para quem quiser adquiri-la.

Como dissemos, sua participação não terá nenhum custo!

Você encontra todos os detalhes para sua inscrição no link abaixo:

1) Quero enviar meu texto:  

Aguardamos ansiosamente seu Conto... Inscreva-se já!

Forte abraço,
Equipe Apparere

ALTO e IHGM (Programação do ano)


Sessões solenes e especiais da Academia de Letras de Teófilo Otoni/MG e do Instituto Histórico e Geográfico do Mucuri/MG, programadas para o ano de 2023.

20 de maio, sábado:

Sessão Solene para recepção e posse de sócios efetivos e correspondentes do Instituto Histórico e Geográfico do Mucuri e início das comemorações dos 20 anos de fundação da entidade: Jubileu de Porcelana: 2003-2023.

Local: Plenário da Câmara Municipal de Teófilo Otoni, às 19:00 horas.

23 de junho, sexta-feira: 

Edição especial do projeto Sala de Leitura para lançamentos literários.

Local: Auditório da Casa do Estudante, às 19:00 horas

24 de junho, sábado:

Sessão da Saudade destinada a homenagear o acadêmico Humberto Luiz Salustiano Costa e comemoração do Dia do escritor teófilootonense (Lei nº 6.788, de 28 de outubro de 2006) com a outorga do Troféu Jornalista Humberto Luiz aos escritores teófilootonenses e convidados.

Local: Plenário da Câmara Municipal de Teófilo Otoni, às 19:00 horas.

19 de agosto, sábado:

Sessão Solene do Instituto Histórico e Geográfico do Mucuri, em comemoração ao Dia Nacional do Historiador (Lei nº 12.130, de 17 de dezembro de 2009) e, inauguração da Estrada de Rodagem Santa Clara-Filadélfia: primeira estrada de rodagem construída no Brasil, considerada data cívica municipal, pela Lei nº 5.770, de 19 de outubro de 2007. 

Outorga da Medalha de Reconhecimento Reinaldo Ottoni Porto, aos professores de história e geografia que atuaram no ensino das disciplinas, no município e região e, do Prêmio Frei Samuel Tetteroo, conferido a pessoas naturais ou jurídicas que hajam destacado na promoção de estudos e, na difusão de conhecimentos de história, geografia e ciências afins, assim como no fomento a cultura, defesa e preservação do patrimônio histórico, artístico e cultural do vale do Mucuri e comemoração oficial dos 20 anos de fundação: Jubileu de Porcelana: 2003-2023.

Local: Plenário da Câmara Municipal de Teófilo Otoni, às 19:00 horas.

16 de setembro, sábado:

Sessão Solene da Academia de Letras de Teófilo Otoni em conjunto com o Instituto Histórico e Geográfico do Mucuri, para outorga da Medalha Conselheiro João da Matta Machado (Benfeitor do Município de Teófilo Otoni (Lei nº 5.505, de 06 de outubro de 2015). 

Homenagem aos diversos profissionais das artes plásticas, cerâmica, escultura, xilogravura, desenho e artesanato, com outorga do Diploma e Medalha de Honra ao Mérito Albert Schirmer e homenagens especiais pela passagem dos 170 anos de fundação do Município de Teófilo Otoni.

Local: Plenário da Câmara Municipal de Teófilo Otoni, às 19:00 horas.

03 de novembro, sexta-feira: 

Edição especial do projeto Sala de Leitura para lançamentos literários.

Local:  Auditório da Casa do Estudante, às 19:00 horas

04 de novembro, sábado:

Sessão da Saudade destinada a homenagear a acadêmica Hilda Ottoni Porto Ramos - Dona Didinha com recital e outorga da Medalha de Mérito Cultural Dona Didinha. Celebração do Dia Nacional da Cultura e da Ciência (Lei nº 5.579, de 15 de maio de 1970) e Dia Nacional da Língua Portuguesa (Lei nº11.310, de 12 de junho de 2006) com a entrega da Medalha de Reconhecimento Prof. Patrício Ferreira Gomes, aos professores de língua portuguesa que atuaram no ensino da disciplina na cidade e região, bem como a concessão do Prêmio Isaura Caminhas Fasciani.

Local: Plenário da Câmara Municipal de Teófilo Otoni, às 19:00 horas.

16 de dezembro, sábado:

24ª Noite do Café-com-Letras: lançamento do 21º número da Revista Literária Café-com-Letras com recital, entrega do VIII Prêmio Literário Gonzaga de Carvalho e distribuição de Cestas Literárias a instituições educacionais, sociais e culturais da cidade e região.

Local: Auditório da Casa do Estudante, às 19:00 horas.

OBS: Os lançamentos literários - na Academia de Letras - serão realizados somente no projeto Sala de Leitura: oportunidade para o autor apresentar ao público e convidados a obra e o processo de criação literária. Portanto, estão suspensos os lançamentos literários em sessões solenes.

Fonte:
Wilson Colares da Costa , secretário-geral 

sábado, 1 de abril de 2023

Edy Soares (Manuscritos (Di)versos) – 26: Alvorada

 

Humberto de Campos (O milagre)

Um escritor francês, cujo nome complicado me fugiu, como um pássaro, da gaiola da memória, escreveu seiscentas páginas de prosa cerrada sobre a psicologia do milagre. Acha ele que os milagres são possibilíssimos, esquecendo-se, entretanto, de citar um episódio famoso, que circula, entre nós, com diversas modalidades, nos anais da anedota nacional.

D. Eufrosina estava doente do fígado, e submetia-se, uma tarde, sem o assentimento do marido, ao exame que o Dr. Abdenago Fortuna lhe exigira, quando bateram repentinamente no portão da casa.

- Minha Nossa Senhora! É meu marido! E eu não queria que ele soubesse que eu me submeti a exame médico! Como há de ser, meu Deus?!...

E repetia:

- Como há de ser, minha Nossa Senhora?!!...

As mulheres possuem, felizmente, uma qualidade providencial que falta aos homens: removem com facilidade os obstáculos mais graves, mesmo os que nos parecem, à primeira vista, irremovíveis. E foi essa virtude que socorreu, nessa tarde, D. Eufrosina, a qual, criando ânimo, pediu, aflita, ao jovem esculápio:

- Fuja, doutor! Pelo amor de Deus, fuja! Esconda-se ali, depressa!

E apontou o alto do guarda-vestidos, para onde o médico subiu, trêmulo, afim de evitar um escândalo e uma tragédia.

Dois minutos depois o chefe da casa batia à porta da alcova, onde a mulher o metralhou, logo, com uma saraivada de beijos.

- Meu amor! - exclamava a moça, abraçando-o.

- Meu amor! - plagiava o marido, correspondendo.

Sentados no leito, passaram os dois a conversar, íntimos, sinceros, carinhosos. E discutiam matéria econômica, isto é, as dificuldades financeiras do casal, quando, em certo momento, o marido aludiu a uma letra de vinte contos, que devia pagar naquele mês.

- Coitado! - soluçou a mulher. - Deixa estar, que tudo será arranjado!

E, levantando os olhos para o teto, com a fé no coração:

- Aquele que está lá em cima, lá no alto, há de nos ajudar! Tem confiança!

E assim aconteceu. Para pagamento da letra, o Dr. Abdenago, aquele "que estava lá em cima", entrou com dez!

Fonte:
Disponível em Domínio Público
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925

Lóla Prata (Aborto)

Vera, uma católica, engravidou do sexto filho. Gravidez indesejada, visto que representaria mais despesa na família encalacrada por dívidas, com o marido desempregado, casal morando em casa dos pais. Veio a tentação de abortar, como solução do problema. Conflitos de consciência vieram, fortes e desconcertantes, abafados pela ideia fixa, tudo em surdina, para não atormentar mais o quadro terrível em que se achava o lar. E a tentação foi levada à prática: começou com lavagens vaginais, continuou com a ingestão de chás, pulos de alturas cada vez mais altas, compressas quentes, etc. A paz fugira de seu coração. O tempo passando, e a gravidez se denunciando nos enjoos e azias. Pouco dormia, emagrecia, tinha olheiras e tristeza. Nem percebia mais os outros filhos, também pequenos.

Uma noite, cansadíssima, estava na cama e rezou, imaginem, para que Deus a fizesse perder naturalmente, a criança. Dormiu quando a exaustão chegou ao auge. E sonhou... 

No sonho, seu pai lhe cochichava um conselho:

- Minha filha, pare com isso, senão, quando eu morrer, sairão três caixões de casa: o meu, o seu e o do bebê.

Ao despertar, lembrava-se perfeitamente do conselho e foi ao encontro do pai que estava na cozinha: – Papai, o senhor anda bem de saúde?

- Tinindo... tudo sob controle. E você, Vera, emagrecendo, triste? Alegre-se...

- Vou me alegrar... a partir de agora. Estou esperando outro filho...

- Parabéns! Será bem-vindo!

Vera voltou aos sacramentos; alojou a esperança novamente, em seu coração.

Alguns dias após o acontecido, o pai é vítima de enfarte fulminante. Choque duro para a família que, sofrendo muito, vê o corpo saindo da casa num caixão. A grávida lembrou-se do sonho e ponderou:

- Será que seriam três caixões?

Nunca saberemos!

Fonte:
Maria de Lourdes Prata Garcia (Lóla Prata). Provai e vede como o Senhor é bom! Bragança Paulista: ABR, 2009. Ebook enviado pela autora.

Luiz Poeta (Poemas Escolhidos) – 12 –


MIOLO E CONTEÚDO

O mundo é forte... e o homem tão... fragilizado... 
pobre coitado desse vão super-herói, 
tão de si mesmo... presunçoso e ensimesmado 
que só se iguala quando a solidão lhe dói. 

Quem se acha o máximo, vendo o outro, seu vassalo, 
vai no embalo de uma tola intolerância, 
com arrogância, só quando lhe aperta o calo, 
sente o abalo da insignificância. 

O sonhador, que às vezes parece tão tolo, 
Tem por consolo sua própria consciência 
Sua inocência é conteúdo... e não miolo, 
olha o monjolo e vê, no rio, a sua essência. 

O egocêntrico é o dono da verdade, 
quando a verdade se veste de absoluta, 
em sua gruta, onde repousa a falsidade 
a insanidade que ele tem, nem ele escuta.
 
Ele se grita, qual Narciso ou bruxa má, 
e ao escutar o que o espelho lhe revela, 
destrói a tela e vai galgar seu baobá, 
pequeno príncipe invejando a Cinderela. 

Quem não se basta, olha a casta e discursa, 
para si mesmo, calculista, sem pudor, 
olhando os outros como quem vê uma ursa 
com seus filhotes... e os fita... com pavor. 

Nessa viagem, todo humilde aprendiz 
vive das bênçãos divinais que a vida tem, 
porque semeia o mesmo amor que o faz feliz, 
que só floresce em quem pratica e faz... o bem. 

A humildade é a virtude dos que agem, 
sobrevivendo de maneira natural, 
levando sempre o otimismo na bagagem, 
e dividindo o seu amor com seu igual. 
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NA MÃO DA ALEGRIA

Certas pessoas, não há como defini-las 
analisá-las sem ser psicanalista; 
tiram da lista quem sequer pôde feri-las, 
para entendê-las, há que ser malabarista. 

Somos artistas, nosso palco é nossa vida 
curta ou comprida, quem entende o destino ? 
Alguns se curam da sua própria ferida; 
outros se ferem... sem nem ter quem os agrida. 

E cada qual tem um enredo, uma história 
para viver, para contar... repetitiva, 
tempos felizes abastecem a memória, 
mas de saudades há quem diga que não viva. 

Quando ela chega, sempre sem fazer alarde, 
conta segredos silenciosos, traz sorrisos, 
lágrimas tristes... ela nunca chega tarde, 
e traz, consigo, sentimentos tão precisos... 

Cada imagem que vem nela, é nebulosa 
e ao mesmo tempo fotográfica, fiel 
trazendo flashes de uma história majestosa... 
lembrança triste é amargor, saudade.. é mel. 

O ser humano... inumano... se transforma, 
não se conforma com dádivas que recebe, 
bebe silêncios adversos e o que forma 
provém da própria solidão que a si concebe. 

Infelizmente, alguém ruim sempre planeja 
coisas nocivas ao seu próximo e alega, 
de modo falso, mentiroso, que deseja 
tornar feliz o seu igual... mas o renega. 

Porém quem ama, de verdade, o seu irmão, 
não o despreza, abandona ou repudia, 
não o descarta, pois o tem, no coração, 
e a emoção... cabe na mão... dessa alegria. 
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POETAS

Alguns poetas morreram de solidão, 
trancafiados na prisão dos sentimentos, 
num abandono contumaz sem solução, 
desapontados com seus próprios pensamentos. 

Alguns exaltam seu legado com emoção; 
outros demonstram nunca tê-los conhecido, 
há até quem diga, que se foram sem razão 
porém, quem ama, se orgulha por tê-los lido. 

Todo poeta tem seu próprio alimento, 
o seu alento é o amor que o inspira, 
se a vida tira-lhe a dor e o sentimento, 
cada momento do amor cura-lhe a ira. 

Os pensamentos de um poeta são diversos, 
há universos profundos que ele transporta; 
quando ele abre as comportas dos seus versos, 
a dor afoga-se no amor que lhe abre a porta. 
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SENTIMENTOS VIRTUAIS

Eu nunca dei tantos abraços virtuais, 
beijos , desejos felizes... tanta oração, 
para dizer, do fundo do meu coração, 
que amo os amigos que são tão especiais. 

Nunca pedi a Deus com tanta esperança 
que Ele salvasse os irmãos que não perdi 
e resgatasse novamente essa bonança 
que tantas vezes, no meu coração, senti. 

Nunca escrevi, fugindo de um tema tão triste, 
que o povo insiste em copiar dos pessimistas, 
dos revoltados que agridem, de dedo em riste, 
parlamentares, jornais, tevês... e revistas. 

Não que eu não tenha, como eles, a vontade 
de dar meu brado contra tanta injustiça, 
porém, se a arte complementa a liberdade 
de ser feliz, por que essa areia... movediça ? 

A perda triste dos amigos traz vazios 
tão doloridos e abandonos tão cruéis, 
que é como estar na solidão de um cais sombrio, 
buscando barcos que sumiram nas marés. 

Mas eu insisto nos abraços... a saudade 
é o sentimento mais sincero que visita 
a solidão de um coração... por ser bendita, 
ela habita os ermos da... fraternidade. 

Só Deus consegue ouvir o que a gente pensa 
ou sente, Ele conhece nossos segredos, 
nossos mistérios, nossos tédios, nossos medos, 
Ele é quem monta nossos líricos enredos. 

Minha palavra mais precisa é gratidão 
e meu perdão aos que um dia me magoaram, 
pois os momentos mais felizes que deixaram, 
abençoaram, com amor, meu coração. 
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Fonte:
Facebook do poeta. Também disponível no Recanto das Letras.

Aparecido Raimundo de Souza (Bob)

SEMPRE QUE SE ENTREVISTAVA com seu psiquiatra, Taborda falava de seus problemas, de suas angústias e aflições e acabava por tecer longos comentários a respeito do pequeno Bob, um menino de dez anos. A grande preocupação do paciente, não se prendia aos problemas pessoais que enfrentava. Seus medos e temores se faziam outros: estavam voltados para o bem estar do tal garoto, que vivia com a mãe, uma jovem solteira e desempregada. 

Taborda, por sua vez, morava sozinho e tinha a senhora sua mãe em idade bastante avançada. Logo a velhinha completaria noventa e oito anos e ele, passava da casa dos sessenta. Se viesse a faltar, de repente, o menino Bob, coitado, ficaria desamparado, embora morasse com a genitora. Sem ele por perto, imaginava que o piá (garoto) poderia cair em mãos de estranho, o que certamente transformaria a sua vida num verdadeiro inferno. 

Somente em pensar nessa hipótese, Taborda ficava temeroso e bastante preocupado com seu futuro. Não queria nada de ruim para o pequeno. O infante não era seu filho, mas o amava como se fosse. Por essa razão, trabalhava duro em dois empregos distintos. E tudo o que ganhava, revertia para melhorar as condições de Bob, que perdera o pai muito cedo num acidente de moto e, desde então, ficara sob a guarda e responsabilidade da Eunice Fininha, a mãe, uma jovem de vinte e nove anos. 

Taborda não tinha caso com essa moça. Ajudava-a com dinheiro, roupas, alimentos e remédios, por ter bom coração. Agia como um bom samaritano, sem pedir ou querer nada em troca. O doutor Frestrincheiquime, psiquiatra de Taborda, de longos janeiros, sabia de toda a história relacionada ao menino. E mais que médico da criatura, se transformara em seu amigo particular. Dessa forma, quando chegava ao consultório, o doutor o ouvia pacientemente, sem interrupções. 

De vez em quando, a fim de não cair no marasmo, ou correr o risco de “pegar no sono”, fazia uma pergunta nova (embora soubesse de antemão qual seria a resposta), objetivando passar o tempo e a coisa não ficar piegas demais. Numa dessas entrevistas, Taborda segredou ao psiquiatra:

— Precisa ver que maravilha. Bob já sabe navegar na Internet. Fez um e-mail para mim. Imagine, Frestrincheiquime. Um e-mail. E eu, que mal sei ligar o computador. (Risos). Esse moleque vai longe. 

— Você comentou, na última vez em que esteve aqui, que Bob é bom em matemática?

— Perfeito. Nasceu com o dom dos números...

— Como foi mesmo a história dos camelos?

— Três irmãos discutiam acaloradamente sobre como dividiriam trinta e cinco camelos entre si. Um teria direito apenas a metade, o outro a terça parte e o mais novo, ficaria com a nona parte. Trinta e cinco divididos por dois, dá dezessete e meio. A terça parte e a nona parte de trinta e cinco, também não são exatas. (*)

Taborda levantou da cadeira, acendeu um cigarro, foi até o envidraçado. Olhou demoradamente para a cidade, quarenta e cinco andares abaixo de seus pés. Após algumas tragadas retornou ao seu assento e indagou: como proceder? Saberia fazer essa conta, meu caro doutor?

— De forma alguma. Tenho aversão aos números, Taborda.

— Faço minha as suas palavras. Confesso que não sei juntar dois mais dois. Bob, ao contrário, nossa! Bob fez a divisão na hora, num abrir e piscar de olhos... eu e a mãe dele, a Eunice Fininha, ficamos paralisados, como dois bobocas diante de uma “resma de leões famintos” prestes a nos devorar sem piedade.  

O médico insistiu batendo na mesma tecla de todas as consultas: 

— Gostaria como já lhe pedi trocentas vezes, conhecer o pequeno Bob. 

— Por certo. Não faltará oportunidade, meu caro Frestrincheiquime. Asseguro que não faltará oportunidade...

O tempo continuou passando. E as sessões acontecendo, sem mudanças no quadro. Tudo corria às mil maravilhas. Contudo, toda vez que o esculápio insistia em conhecer o pequeno Bob, Taborda saia pela tangente, desconversava, mudava de assunto. 

O doutor, diante disso, passou a desconfiar. Estava claro. Havia alguma coisa errada entre seu paciente e o tal do Bob. Precisava tirar a limpo e pôr às dúvidas às claras. Ligou para a mãe dele. Dona Espingardina generosamente recebeu o galeno com um abraço fraterno e o convite para se acomodar na sala e tomar uma xícara de café que ela havia mandado a empregada fazer. Por telefone, um dia antes, o doutor combinara que chegaria após a saída de Taborda para o trabalho. Taborda não morava com a mãe. 

Residia próximo dela, duas ruas abaixo para ser mais preciso. Porém, Taborda não seguia para a empresa sem antes passar pela residência da anciã, tomar o dejejum com ela, pedir a benção e dar um beijo de bom dia. Assim foi: 

— A que devo sua amável visita, doutor? Algum problema com meu filho?

O clínico se abriu num sorriso alegre e cativante:

— Em absoluto, senhora. Só queria lhe dar um alô e ver como andam as coisas.

Dona Espingardina, entretanto, não engoliu a explicação:

— Doutor, pelos meus anos de experiência, tenho plena convicção de que o senhor não veio até aqui exclusivamente para uma visita cordial. Não tenho seu estudo, nem desfruto da sua visão de capacidade, mas posso ver em seus bugalhos que esconde um segredo. Gostaria que se abrisse comigo. Algo errado com meu Tabordinha?

— A senhora tem toda razão, dona Espingardina. Vim aqui com outro propósito.  Conhecer o pequeno Bob...

A velhota se espantou com o nome e encarou o doutor além das lentes grossas que ele usava:

— Bob? Quem é Bob, doutor?

O doutor Frestrincheiquime passou, então, a relatar em breves palavras, as seções com Taborda. Finalizou explicando o capítulo Bob:

— Não sei quem é essa tal de Eunice Fininha e, menos ainda, o tal do Bob, doutor. Meu filho nunca comentou. Tem certeza de que é esse o nome da beldade e do moleque? Creia, meu nobre, se meu Tabordinha tivesse um caso com alguém, eu seria a primeira a tomar conhecimento. Ele nunca me escondeu coisa alguma.  

O médico concluiu que a velhota literalmente situada no tempo e no espaço, se fazia de sonsa. Mentia descaradamente. Por óbvio, escondia sujeira muito séria de seu rebento. O que, nessa altura do campeonato? Possivelmente algo que não pudesse ser revelado por um entrave qualquer que ele desconhecia. Aceitou uma segunda rodada de café, papeou um pouquinho mais. Falou de trivialidades e, com uma desculpa bem convincente, minutos depois, deu por encerrada a entrevista. 

Na seção seguinte, depois de um longo papo, nele incluindo Bob, evidentemente Frestrincheiquime se mostrou austero a ponto de enroscar os fios de seu bigode com os de Taborda:   

— Você é meu paciente faz cinco anos. Mais que isso, se tornou meu amigo. Amigo e parceiro. Precisamos agora, esclarecer, de uma vez por todas, um ponto obscuro que até este momento tem estado fora de foco...

— Que ponto obscuro é esse, meu amigo. O que é que está fora de foco?

— Bob. Quero conhecer o Bob.

Taborda ficou sério e pensativo:

— Não chegou a hora, ainda. No momento...

—...Taborda, esta é a hora. Traga Bob aqui para que eu o conheça, ou darei ordens expressas à senhorita Xicória, minha secretária, para que não agende suas próximas consultas. Ademais, lembre-se de um detalhe: estamos terminando o mês e você tem consciência que careço renovar o atestado de capacidade mental para a sua empresa. Farei isso se você trouxer Bob até mim. Fui claro?

— Claríssimo. Falo tanto no menino esses anos todo e você nunca o viu... 

— Então?

— Que tal na sexta?

— Para mim está ótimo. 

— Combinado.

— A que horas?

— As quatro, está legal para você?

— Perfeito.

No dia e hora aprazados, a bela senhorita Xicória interfonou anunciando a chegada de Taborda. 

Antes de mandá-lo entrar no consultório, Frestrincheiquime indagou, pelo interfone, se o paciente se fazia acompanhar de alguém:

— Ele está só, doutor.

— Senhorita Xicória, não há uma criança com ele, digo, um menino?

— Não, doutor. A propósito, acho que está acontecendo alguma coisa de estranho com o senhor Taborda... 

— Exatamente o quê? — Procure ser mais objetiva... 

— Ele está conversando animadamente com uma pessoa ao seu lado...

— Algum paciente à minha espera?

— Não, doutor, o seu Taborda é o derradeiro.

— Então com quem ele bate papo, senhorita Xicória?

— O senhor não vai acreditar. Ele está falando e gesticulando sozinho, como se tivesse alguém ao lado. 

A secretária imprimiu ao diálogo uma breve pausa e continuou:

— Doutor, o senhor está sentado? 

— Claro que estou sentado, senhorita Xicória. O que está havendo?

— Seu Taborda se levantou, pegou dois copinhos de café e ofereceu um ao invisível da cadeira... espere, doutor. Meu Deus! Ele agora está vindo em minha direção...

— Ele quem, senhorita Xicória? O Taborda ou o invisível que o acompanha?

Sem entender as palavras do seu patrão, a moça se abriu, chorosa:

— Doutor, fala sério! Isso é algum tipo de brincadeira?

— Claro que não, senhorita Xicória. Olha, me escuta. Aja com calma e cautela. Respire. Conte até mil. Não demonstre medo. Sobretudo, não deixe o Taborda perceber que fala comigo. Rápido, saia da sua mesa, vá até o banheiro, leve o interfone debaixo da blusa. Em lá chegando, dê descarga no aparelho e se jogue pela janela.
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(*) Este problema encontra-se no livro “O homem que calculava”, de Malba Tahan.

Fonte:
Texto enviado pelo autor.