quarta-feira, 2 de agosto de 2023

Exposição da AVIPAF: Vida uma passagem só de ida (Poesias) – 4 –


Realizada pela AVIPAF, Academia Virtual Internacional de Poesia, Arte e Filosofia
Local: Feira do Poeta de Curitiba.
Duração: 23 de julho/23 à 25 de Setembro/23.

Curadoras: Isabel Furini e Elciana Goedert.
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Marli Terezinha Andrucho Boldori
AVIPAF | Cadeira 11
Patrono | Dídio Augusto

SEM PASSAGEM DE VOLTA

Dia de festa
o bebê nasceu.
Tudo é novo, até o choro é lindo.
O tempo passou,
a vida floresceu e todas as etapas da vida
venceu,
casamento, filhos,
aposentadoria, viagens, porém
a alegria começou a fenecer.

Quando olhou para o futuro viu
que estava chegando
o dia de ir embora,
a vida não é eterna,
se a estadia foi boa ou ruim
de nada adianta chorar agora,
não há mais volta!
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Maria Antonieta G. Teixeira
AVIPAF | Cadeira 10
Patrono | Castro Alves

DESTINO

Vida é ponte cujo final não se vê
A beleza está na travessia
Naquelas pequenas alamedas
Que não estavam no mapa
Quando se planejou a viagem.

Não precisa ter certeza do destino
Viva a vida e vida plena de alegria
Não perca as oportunidades
Mais ação e menos preocupação.

A vida só tem sentido quando
solidária com todas as pessoas
Absolutamente todas. Isso cria
Conexões com pessoas felizes
Gerando novas visões de mundo
Com boas histórias e novos sorrisos.

A vida traz felicidade,
A criatividade inventa,
O coração dá o caminho
E a vontade conquista.
Tenha paixão pela vida!
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Miriam Maria Santucci
AVIPAF | Cadeira 22
Patrono | Giacomo Leopardi

MINHA MÃE

Venho te ver.
Agora você é feita de letras
impressas na pedra.
Eu olho pra você
e não sei o que dizer.
As palavras
morrem dentro de mim
uma por uma
e vão te fazer companhia.
Eu olho para você
e os olhos se enchem
de lágrimas.
Você, que não tem mais angústias,
você também me olha
e me repreende por chorar
com seus olhos de pedra…
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Nélida Miriam Robledo
AVIPAF | Cadeira 53
Patrono | Domingo Zerpa

A VIDA

Anda.
Não importa quanto. Não importa onde.
Siga em frente, no fim da estrada te espera
a realização concreta de seu objetivo.
Que se faz caminhando para o alto?
Às vezes é difícil a subida?
É a vida!
Que as curvas são estreitas
e as trilhas são íngremes?
Que não há nada que te ajude
quando você sente falta de ar?
Tudo está bem.
Não tenha medo: é a vida.
Apenas siga em frente. Caminhe.
Quando você chegar ao topo
poderá olhar de frente e dizer que,
apesar das quedas, valeu a pena a subida…
da vida…
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Rita Delamari
AVIPAF | Cadeira 41
Patronesse | Gilka Machado

VIAGEM

Um brinde à vida!
Jornada de único destino...
Tênue linha, de precípua atenção.
Maquina engenhosa,
de peças tão precisas.
Abrace o seu coração!
Nas estações desta viagem,
não se esqueça de enxergar
o fascínio que existe, na paisagem!
Viver bem e sempre,
com coragem e resiliência.
A vida é agora, é urgente.
E a escuridão da noite,
traz a lume toda a beleza,
nas flores que plantaste!
Cultive sempre a sua colheita
para deixar o seu perfume,
nos caminhos da existência.

Fonte:
Enviado por Isabel Furini.

Antônio Padilha* (O galanteador na fossa)

Ivaiporã antigamente

O vale do Ivaí teve sua fase áurea com o "rush" da cafeicultura entre os anos de 1956 e 1966. Gente de todos os pontos do País chegava ávida por trabalho e pelo enriquecimento rápido. Pequenos povoados se transformaram em prósperas cidades como Faxinal, Borrazópolis, Jardim Alegre e Ivaiporã, entre outras. Os moradores das áreas rurais dessas localidades eram visitados periodicamente por um mascate conhecido por Turquinho, que trazia de São Paulo as novidades para as donas-de-casa e moças casadouras.

Das malas abarrotadas saíam blusas, anáguas, calcinhas, sutiãs, perfumes, sabonetes, linhas, alfinetes, agulhas, novelos de renda, botões coloridos e diversas bugigangas. Após cumprir seu roteiro, as malas ficavam leves; era o momento de promover a liquidação na zona do baixo meretrício mais próxima. Os coronéis não pechinchavam e atendiam os pedidos das quengas com grande generosidade.

Com o passar dos anos, Turquinho adquiriu os hábitos e o linguajar típicos dos moradores, passando a usar expressões como "Oxente Brimo", "Sartei de Banda Tchê", "Arranquei Pena Brimo", tornou-se torcedor do Corinthians e apreciador de uma cachacinha, transformando-se no mais brasileiro dos turcos que apareceram na região.

Nos dias chuvosos, com as estradas intransitáveis, Turquinho matava o tempo em algum boteco contando casos pitorescos; principalmente de um picareta de terras conhecido por João do Rolo, um baiano metido a galã e conquistador que passou a assediar Adelaide, mulher do comerciante Tião Gaúcho. 

Bastava o gauchaço sair com seu jeep 51 para fazer compras em Apucarana, quando ficava ausente por um ou dois dias, que, de imediato, João do Rolo se aproximava de Adelaide com seus galanteios. Como boa comerciante, Adelaide levava na esportiva, mas, foi se cansando do assédio e decidiu deixar o marido a par da situação. Juntos, tramaram um castigo para o picareta assanhado.

Ao ver Tião saindo para mais uma viagem, o garboso galã correu até a venda e começou a enaltecer os encantos de Adelaide. Desta vez ficou surpreso e radiante de felicidade, quando a pretendida concordou em recebê-lo em casa, após o fechamento do estabelecimento às 21 horas. No horário combinado, a porta estava entreaberta, a luz de vela dava um toque de sensualidade e um clima de pecado. Adelaide, com uma garrafa de vinho e de dois copos, sorriu para João e começaram a conversar.

Passados menos de cinco minutos, ouve-se o jeep de Tião adentrando a garagem. Desespero total; o galã não sabia o que fazer, pela frente não poderia sair, pelos fundos não havia saída. Atende então a sugestão de Adelaide, pula a janela e corre para a privada do quintal, cujo assoalho havia sido retirado, e mergulha na fossa.

A trama dera certo. Com todas as lâmpadas acesas, a polícia é chamada, João do Rolo gritando por socorro, curiosos se aglomeraram, os familiares de João chegaram envergonhados e ajudaram os policiais a tirá-lo do vexame. 

Turquinho garante que o picareta foi de mala e cuia para o Mato Grosso, levando o cheiro insuportável da amarga aventura.

Mahamud Nagi Ibrahim, o Turquinho, em seu bar em Ivaiporã, conta casos memoráveis de uma época que deixou saudades.
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* jornalista em Ivaiporã.

Fonte:
300 Histórias do Paraná: coletânea. Curitiba: Artes e Textos, 2004.

Curiosidades Paranaenses


– Antigamente em Curitiba, acender o foco era acender a lâmpada. 

– Jogo de búrico era jogo de gude.

– Bidê era criado mudo. 

– Estilingue era setra.

– Inhapa era o brinde, o “algo a mais”, a vantagem que recebemos em uma negociação.

– Trubisko era coisa sem importância.

– Vina não é salsicha (que em alemão é wurst) e sim um tipo de salsicha, mais especificamente a do tipo Viena. Na verdade, as outras etnias que conviviam em Curitiba ao verem os alemães falando “wiener wurst” e comendo a salsicha, generalizou o entendimento que vina representava salsicha, independente de tipo.

– A qualificação de cidade-sorriso para Curitiba foi dada pelo poeta sergipano Hermes Fontes, impressionado pela alegria das camponesas que vinham vender sua produção agrícola nas feiras da cidade, sempre cantando.

– Jacaré que mora no parque: Virou quase uma lenda da cidade, mas é verdade que um jacaré vivia no Parque Barigui, um dos mais famosos da capital. Há alguns anos, um animal foi capturado por lá, mas outros foram vistos por turistas depois disso. Porém, desde 2015 não há registros da presença deles no local. A história é tão famosa que uma estátua de jacaré foi colocada no parque.

DICIONÁRIO POPULAR PARANAENSE

Alcochoado: cobertor espesso; edredon.

Arruinar-se: ficar doente, piorar (o estado de saúde).

Barroca: Beira acidentada de estrada, barranco.

Burrichó: Asno, jumento. (tratamento geralmente dado a filhote).

Carreiro: Caminho aberto no mato, trilha.

Chupim: nome popular local dado a pássaro que está sempre no dorso do boi; pessoa que se aproveita ou obtém vantagem de outra; que não sai de perto visando interesses.

Data: terreno.

Desacorçoado: desanimado, sem ímpeto.

Dolé: Sorvete, picolé.

Gaiota: Pequena caçamba, com ou sem tampa, rebocada por veículo.

Guapeca: Cachorro pequeno, vira-latas.

Jaguara: pessoa ruim, trapaceira, de má fé, mal intencionada.

Loque: pessoa bobona, que é facilmente enganada.

Malaco: pessoa de má índole, trapaceiro (o mesmo que jaguara).

Nhanho: pessoa chata, sem classe.

Penal: Estojo .

Piá: Criança do sexo masculino, guri.

Pucarana!: Expressão de espanto.

Raia: Pipa (tipo de papagaio de papel levado ao ar com linha).

Redondo: rotatória de veículos.

Sinaleiro: Semáforo.

Sortido: Refeição popular, prato feito.

Tongo: pessoa boba, sem traquejo social, matuto, sem iniciativa.

terça-feira, 1 de agosto de 2023

Vanda Fagundes Queiroz (Trovando) “10”

 

Monsenhor Orivaldo Robles (Melhor idade?)

Ensina a filosofia do irmão da estrada que na escola da vida não há férias. Desde que nascemos entramos em processo de permanente aprendizado. Seguimos aprendendo até ao dia da nossa morte. Morrer é, na verdade, a última lição do curso. Quando ela chega, deveríamos sabê-la direitinho. Afinal, tivemos toda a vida para estudá-la. Não é, infelizmente, o que acontece. A maioria nem quer ouvir sobre ela. Se há uma lição a cuja aula a gente faz questão de faltar é essa.

Dom Murilo Krieger tinha o costume de dizer: “Morro e não vejo tudo”. Queria deixar claro que podemos ter uma experiência, antes não pensada, que supúnhamos impossível. Porque, queiramos ou não, a vida ensina. Quanto mais tempo a gente acumula na sacola, tanto mais vai também ajuntando conhecimentos. Por isso, aos velhos costuma-se atribuir maior sabedoria que aos jovens. Se bem que, em nossos dias, as pessoas não se mostrem interessadas em sabedoria. Muito mais parece se interessarem por dinheiro, beleza e juventude.

Diógenes (412 a. C. – 323 a. C.) de Sinope, da Grécia (não Sinop, do Mato Grosso), filósofo, exilado de sua cidade, instalou-se em Atenas. Foi viver num tonel ou barrica, a cuja frente ergueu uma placa com o anúncio: “Vende-se sabedoria”. Coitado, estivesse hoje no Brasil, iria morrer de fome, com certeza.

Vivemos a era das aparências que fascinam. Dos brilhos sedutores que dão a impressão momentânea de oferecer uma felicidade que nunca terá fim. Entretanto, como a vida é cambiante, cheia de surpresas e novidades, em pouco tempo, já pensamos em mudar de novo. Parece difícil admitir que algo seja definitivo. Queremos que tudo seja substituível, descartável. Até as pessoas. Talvez nunca, como hoje, os casais tenham trocado tanto de companheiro (a).

Não é possível entender como regra absoluta, mas parece que, quando a mulher procura outro, está interessada num mais rico; o homem, numa mais bonita. Dinheiro e bela aparência foram elevados à categoria de valores imprescindíveis. Ainda assim, menos apreciados que juventude, esta, sim, objeto do desejo de dez entre dez pessoas consideradas normais. A fase que atravessamos é bastante curiosa. Nunca as pessoas desfrutaram, como agora, de vida tão longa. Ao mesmo tempo, nunca apreciaram tanto a aparência de jovem sarado (a). Ser (ou somente parecer) jovem tornou-se um ideal a conquistar, qualquer que seja o custo. Chegamos a esta incoerência: ninguém quer morrer jovem, mas também não quer ficar velho.

De todos os mal-estares da vida seguramente nenhum é pior que a velhice. Para a maioria das pessoas, nela reside a desgraça maior. E não há como evitá-la. Ela vem de braço dado com um bando de más companhias, as temidas doenças. Por mais que se disfarce ou dela se evite falar, a velhice vai inevitavelmente instalando-se no corpo da gente. Não há força capaz de impedir.

Dos idosos espera-se sabedoria, não é? Melhor, então, deixarmos de fingimento e piedosas mentiras. Qual o sentido de expressões como “melhor idade” ou tolice semelhante? Melhor para quem? Para os laboratórios produtores dos remédios de uso contínuo, que precisamos tomar? Nenhum idoso inventou essa bobagem, tenho certeza.

Vamos aceitar, com serenidade e gratidão, que a velhice nos alcance. Mas não permitamos que se instale em nosso espírito. No corpo já está de bom tamanho.

Fonte:
Portal do Rigon. Publicado em 30/08/2014.
in https://angelorigon.com.br/2014/08/30/melhor-idade-2/

Exposição da AVIPAF: Vida uma passagem só de ida (Poesias) – 3 –


Realizada pela AVIPAF, Academia Virtual Internacional de Poesia, Arte e Filosofia

Local: Feira do Poeta de Curitiba.

Duração: 23 de julho/23 à 25 de Setembro/23.

Curadoras: Isabel Furini e Elciana Goedert.
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Isabel Regina Nascimento
AVIPAF | Cadeira 13
Patronesse | Leonilda Hilgenberg Justus

VIDA

Vida estrada sinuosa que se estende
Com passagem só de ida
Um caminho incerto, onde a alma aprende
A sabedoria contida

Viver é um ato sublime e transformador
É aceitar o mistério que a existência traz
É dançar ao ritmo do tempo, sem temor
E cada instante escrever a própria paz

Não há retorno, apenas seguir adiante
Viver intensamente cada instante
Abrir asas e voar rumo ao horizonte
Deixar um legado, um rastro vibrante

A vida é um presente, um dom precioso
Uma viagem com destino desconhecido
E mesmo diante do inevitável destino
É possível fazer dela um livro colorido
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José Feldman
AVIPAF | Cadeira 35
Patrono | Apollo Taborda França

JARDIM DA VIDA

A vida … quimeras sem fim
noite e dia a nos embriagar.
Sementes vivas no jardim,
novas sementes germinar.

Seguimos semeando afora
buscando um novo florescer.
No jardim, a esperança, a flora,
crença de um novo amanhecer.

Sementes da felicidade.
Sementes imersas na dor.
Também sementes da verdade

cultivadas com muito amor.
No coração vive a saudade,
mais um ramalhete em flor…
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José Mauricio Pinto de Almeida
AVIPAF | Cadeira 19
Patrono | Augusto Lopes Côrtes

OUTRA VIDA

Vida que nada me deixa levar
Leva-me, então
Ao sabor das boas coisas
Ao amor às gratidões
Ao entusiasmo dos suspiros
Ao auxílio das sagradas almas
A pensar na sua finitude
Numa volta evoluída
E sem despedida
A uma outra renovada vida
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Jucélia Betinardi
AVIPAF | Cadeira 54
Patrono | José de Alencar

O DOM DE DEUS

A vida é maravilhosa!
É um dom de Deus
A nossa existência

Há coisas magníficas
As quais só Ele pode explicar
O céu, o sol, a lua, as estrelas
As flores, a natureza…

Viver é poder respirar
Dar valor à própria vida
Sempre com nosso espírito
Em paz e em harmonia
Agradecer a cada dia

A vida é tudo isso
E muito mais
Tanta beleza...
Obrigada, meu Deus!
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Luciano Dídimo
AVIPAF | Cadeira 31
Patrono | Horácio Dídimo

VIDA BREVE

"Foge-me a vida no correr do pranto,"
Embora esteja ainda inacabada,
Eu sinto a minha trama ser cortada,
Sem pena, sobreaviso ou acalanto.

Por mais que tenha, pela vida, encanto,
Ao ver a minha tenda desarmada,
Minha morada, à força, arrebatada,
Na dor e no silêncio, eu aquebranto.

Em meio às ilusões e desenganos,
Eu descobri que o amor transbordaria...
Inexplicáveis os divinos planos.

No fim, eu entendi, com alegria:
Para o Senhor, um dia são mil anos,
"Minha ventura só durou um dia!"

* 1° e 14° versos extraídos do poema HOJE, de Auta de Souza

Fonte:
Enviado por Isabel Furini

Hans Christian Andersen (O Pinheirinho)

Lá fora, na floresta, encontrava-se um pequeno e belo Pinheirinho. Nasceu num lugar agradável, onde havia muita luz e muito ar. Estava rodeado de muitas árvores maiores — pinheiros, e abetos também — mas o Pinheirinho ansiava por crescer mais. Não dava valor ao ar fresco, ou às crianças que vinham tagarelar na floresta e procurar morangos e framboesas. Passavam muitas vezes com um cesto cheio, sentavam-se junto ao Pinheirinho e diziam: “Que bonito que é aquele pequenino!”, mas não era isso que o Pinheirinho queria ouvir.

No ano seguinte, tinha crescido um rebento novo e no ano que se seguiu cresceu ainda mais. Pode-se sempre dizer, pelo número de anéis que tem no tronco, há quantos anos uma árvore está a crescer.

— Oh, se eu ao menos fosse tão grande como os outros! — suspirava o Pinheirinho. — Então, espalharia os meus ramos para bem longe e, do meu topo, estaria atento a todo o mundo. Os pássaros construiriam ninhos nos meus ramos e, quando o vento soprasse, apenas abanaria, tão orgulhoso como as outras árvores.

No Inverno, quando a neve pousa por todo o lado branca e brilhante, uma lebre veio a correr e saltou por cima do Pinheirinho, o que o pôs zangado. Mas, três invernos passados, a pequena árvore tinha crescido tanto que a lebre teve que a contornar.

“Oh, crescer, crescer e envelhecer! É, com certeza, a melhor coisa do mundo”, pensou a árvore.

No Outono, os lenhadores vinham sempre para abater algumas das árvores maiores. O Pinheirinho estremeceu de medo, pois as árvores grandes caíam estrondosamente no chão e os ramos eram cortados para que parecessem bastante despidas. Eram colocadas em caminhões e levadas dali. “Para onde iriam?”, perguntava-se o Pinheirinho.

Na Primavera, quando as andorinhas e as cegonhas chegaram, a árvore perguntou-lhes:

— Sabem para onde vão as árvores? Viram-nas?

As andorinhas responderam que não, mas a cegonha disse:

— Sim, penso que sim. Vi muitos navios novos, quando deixei o Egito. Tinham mastros muito altos, penso que eram as árvores. Cheiravam a abetos. Tudo o que posso dizer é que eram altas e imponentes — muito imponentes.

— Quem me dera ser suficientemente grande para ir para o mar! — suspirou o Pinheirinho. — Que tipo de coisa é o mar e a que se assemelha?

— Levaria muito tempo para explicar tudo isso. — disse a cegonha. E partiu.

— Devias estar feliz por ainda seres jovem e forte. — disseram os raios de Sol. E o vento e a chuva beijaram a árvore, mas o Pinheirinho não queria saber do que eles diziam.

Pela altura do Natal, foram cortadas muitas árvores jovens, árvores que eram mais jovens e mais pequenas do que este Pinheirinho impaciente. A estas belas e jovens árvores não foram cortados os ramos quando foram colocadas nos caminhões e levadas para fora do bosque.

— Para onde vão? — perguntou o Pinheirinho. — Algumas são muito mais pequenas do que eu. Porque é que não lhes cortaram os ramos? Para onde vão ser levadas?

— Nós sabemos! Nós sabemos! — chilrearam os pardais. — Andamos sempre a espreitar pelas janelas na cidade e, por isso, sabemos para onde vão. Vão ser decoradas da maneira mais bonita que possas imaginar. Olhamos pelas janelas e vimos que eram colocadas em vasos, numa sala de estar quente e decoradas com as coisas mais bonitas — maçãs douradas, bolos de mel, brinquedos e centenas de velas. 

— E depois? — perguntou o Pinheirinho, com todos os ramos a tremer. — E depois? O que acontece depois?

— Bem! — disse o pardal — Só vimos isso, mas era maravilhoso.

— Talvez isso me aconteça um dia! — gritou o Pinheirinho. — Isso ainda era melhor do que viajar pelo mar. Se pelo menos agora fosse Natal! Oh, se ao menos me levassem! Se ao menos estivesse numa sala de estar quente, decorado com coisas bonitas! E depois? O que aconteceria? Devia ser ainda mais maravilhoso. Porque me enfeitariam? Oh, quem me dera que isto me acontecesse!

— Sê feliz aqui conosco! — disseram o ar e a luz do Sol. — Sê feliz aqui na floresta.

Mas o Pinheirinho não era nada feliz. Crescia, crescia e continuava ali, verde, verde-escuro. As pessoas que o viam diziam: — É uma árvore muito bonita! E, na altura do Natal, foi cortada antes dos outros. O machado cortou-a bem fundo, no tronco, e a árvore caiu para o chão com um suspiro: sentiu uma dor, e agora estava triste por ter de deixar o lar. Sabia que nunca mais iria ver os amigos, os pequenos arbustos e as flores — talvez até os pássaros.

A árvore só voltou a si quando estava a ser descarregada num quintal, juntamente com outras árvores, e ouviu um homem dizer:

— Esta é a melhor. Só queremos esta!

Depois, vieram dois criados vestidos com uniformes brilhantes e levaram o Pinheirinho para uma sala enorme e bonita. Havia, por todo o lado, quadros pendurados nas paredes e, junto do fogão, estavam enormes jarros chineses com leões.

Havia cadeiras de balanço, sofás de seda, mesas cobertas de livros ilustrados e centenas de brinquedos por todo o lado.

O Pinheirinho foi posto dentro de um vaso grande com areia. A árvore tremeu! O que iria acontecer a seguir? Os criados e as crianças começaram a enfeitá-lo. Nos ramos, penduraram pequenos sacos feitos de papel colorido. Cada saco era enchido com guloseimas, maçãs douradas e nozes pendiam, como se tivessem nascido ali, e centenas de velinhas foram atadas aos galhos. Bonecas que pareciam pessoas de verdade pendiam de outros ramos e, mesmo no topo da árvore, estava fixada uma estrela de latão. Era magnífico, extraordinário!

— Esta noite, — disseram todos — esta noite, a estrela brilhará.

— Oh! — disse o Pinheirinho — Se ao menos já fosse noite! Oh, espero que acendam as velas brevemente. Será que as árvores vêm da floresta para me ver? E será que os pardais vão espreitar pelas janelas? Será que vou ficar aqui ornamentado para sempre?

Todas estas perguntas causaram dores de costas à árvore e as dores de costas são tão más para as árvores como as dores de cabeça para as pessoas. Por fim, as velas foram acesas. Que brilho, que esplendor! O Pinheirinho tremeu tanto que uma das velas pegou fogo a um ramo verde, mas foi rapidamente apagado.

E, naquele momento, as portas foram abertas de par em par e as crianças entraram cheias de pressa. Olharam fixamente e em silêncio para a árvore, mas apenas por um minuto. Começaram a gritar de alegria e a dançar em volta da árvore, puxando os presentes.

“O que estão a fazer?”, pensou o Pinheirinho. “O que se está a passar?”

As velas arderam até ao fim, as crianças tiraram as guloseimas da árvore e dançaram com os brinquedos novos. Já ninguém olhava para a árvore, exceto um homem idoso que se aproximou e espreitou por entre os ramos para ver se todas as nozes e maçãs tinham sido comidas.

— Uma história! Uma história! — gritavam as crianças, e levaram, para junto da árvore, um homem divertido, que se sentou mesmo debaixo dela.

— Vamos fingir que estamos no bosque verde, — disse — e que a árvore consegue ouvir o conto.

E o homem divertido contou o conto de Klumpey-Dumpey, que estava sempre a cair pelas escadas abaixo e, já no fim, casou com uma princesa. O Pinheirinho ficou bastante silencioso e pensativo. Os pássaros do bosque nunca tinham contado uma história como esta. Klumpey-Dumpey sempre a cair pelas escadas abaixo e, mesmo assim, casou com uma princesa.

— Bem! Bem! — disse o Pinheirinho. — Quem sabe? Talvez eu também tenha de cair pelas escadas abaixo e casar com uma princesa! — e estava ansioso por ser de novo decorado com velas, brinquedos e frutos, na noite seguinte.

Mas, de manhã, os criados vieram tirá-lo da sala, levaram-no para o sótão e puseram-no num canto, onde não entrava a luz do dia. “O que significa isto?” pensou a árvore. “O que estou a fazer aqui? O que está a acontecer?”

Encostou-se à parede, pensou e pensou. E teve tempo suficiente, pois passaram-se dias e noites e ninguém voltou lá a subir.

A árvore parecia ter sido totalmente esquecida.

— Agora é Inverno lá fora. — disse o Pinheirinho. — A terra está dura e coberta de neve, e as pessoas não podem plantar-me. Suponho que devo ficar aqui abrigado, até que venha a Primavera. Que atenciosos! Mas que pessoas boas! Se ao menos aqui eu não estivesse tão às escuras e tão sozinho!… Era bonito lá fora, na floresta, quando a neve pousava espessa, e aquela lebre vinha saltar por cima de mim mas, na altura, eu não gostava. Isto aqui em cima é terrivelmente solitário! Mas que pessoas boas!

De repente, dois ratinhos aproximaram-se lentamente. Cheiraram o Pinheirinho e, depois, subiram para os ramos.

— Está muito frio aqui em cima. — disseram os dois ratinhos. — Também achas, árvore velha?

— Não sou velha. — disse o Pinheirinho.

— De onde vens? — perguntaram os ratos. — E o que conheces?

Eram muito inquisitivos.

— Conta-nos sobre o lugar mais bonito do mundo! Já estiveste lá?

— O lugar mais bonito do mundo, — disse a árvore — é a floresta, onde o Sol brilha e os pássaros cantam. E, depois, contou aos ratos tudo sobre a sua juventude. Os ratinhos ouviram e disseram:

— Tantas coisas que já viste! Deves ter sido muito feliz!

— Fui! — disse o Pinheirinho. — Aqueles foram, realmente, tempos de felicidade.

Mas, depois, contou-lhes sobre a Véspera de Natal, quando tinha sido enfeitado com guloseimas e velas.

— Oh! — disseram os ratinhos. — Como foste tão feliz, árvore velha!

— Não sou velha. — disse a árvore. — Só saí da floresta este Inverno.

— Mas que histórias maravilhosas podes contar! — disseram os ratinhos.

E no dia seguinte, vieram com mais quatro ratinhos para ouvir o que a árvore tinha para contar.

Assim, o Pinheirinho contou-lhes a história do Klumpey-Dumpey e os ratinhos correram direitos para o topo da árvore, cheios de satisfação. Na noite seguinte, vieram muito mais ratos, e o Pinheirinho contou outra vez a mesma história. Mas, quando descobriram que a árvore não sabia mais histórias, os ratos ficaram aborrecidos e foram-se embora.

O Pinheirinho ficou triste.

— Era muito agradável, quando os ratinhos divertidos ouviam a minha história, mas em breve vai chegar a Primavera. Vou ficar tão feliz quando me tirarem deste local solitário!…

Quando chegou a Primavera, as pessoas vieram remexer no sótão. Um criado levou a árvore para baixo, onde a luz do dia brilhava.

“Agora, a vida vai começar de novo!”, pensou a árvore.

Sentiu o ar fresco e os raios do Sol no pátio. O pátio estava perto de um jardim, onde as rosas estavam em flor, as árvores cheias de folhas e as andorinhas a cantar.

— Agora, tenho de viver! — disse a árvore, alegremente, e esticou os ramos. Mas, meu Deus! Estavam todos murchos e amarelos. Ficou a um canto, entre as urtigas e as ervas daninhas. A estrela de latão ainda lá estava e brilhava com a luz do Sol.

No pátio, as crianças, que no Natal tinham dançado à volta da árvore, estavam a brincar. Uma delas trepou à árvore e tirou a estrela dourada.

— Vejam o que está agarrado a este velho e feio Pinheirinho. — disse a criança, e começou a pisar-lhe os ramos até partirem debaixo das botas.

E a árvore olhou para todas as flores e para o belo jardim e, depois, para ela própria, e desejou ter ficado no canto escuro do sótão. Pensou na juventude fresca na floresta, na Véspera de Natal feliz e nos ratinhos que ouviram com tanta alegria a história do Klumpey-Dumpey.

— Passado! Passado! — disse a velha árvore. — Acabou tudo. Se ao menos tivesse sido mais feliz naquela época.

E veio um criado e cortou a árvore aos pedacinhos. Estava ali um feixe enorme. Ardia resplandecente no fogão, suspirava profundamente e cada suspiro era uma pequena explosão. As crianças sentaram-se junto da lareira, olharam para ela e gritaram:

— Zás! Trás!

Mas, a cada explosão, que era um suspiro profundo, a árvore pensava num dia de Verão na floresta, ou numa noite de Inverno, quando as estrelas brilhavam. Pensava na Véspera de Natal e no Klumpey-Dumpey, a única história que tinha ouvido ou que sabia contar; e, depois, a árvore foi queimada.

As crianças brincaram no jardim e o mais novo usou a estrela dourada que a árvore tinha usado na sua noite mais feliz.

Agora, tudo acabara. A vida da árvore tinha terminado e o conto também.

Fonte:
Disponível em domínio público
Contos de Andersen. Publicado originalmente em 1844.

Concurso de Trovas Memorial "Cláudio de Cápua" (Prazo: 31 de outubro de 2023)

 


Realização:
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Confraria Brasileira de Letras/PR
Falando de Trova (https://falandodetrova.com.br) /SP

O Blog Singrando Horizontes, comemorando 16 anos de existência, com quase 18 mil publicações e cerca de 3 milhões de leitores, realiza o Concurso de Trovas homenageando o trovador Cláudio de Cápua.

Cláudio de Cápua, aviador, jornalista profissional. Especialista em jornalismo cultural, nas áreas de Artes Plásticas e Literatura, com publicações em diversos veículos de Comunicação da Pauliceia e Litoral paulista. Lato Sensu em História da Arte (Universidade Mackenzie), graduado em Filosofia pela Universidade Católica de Santos. Nasceu em 8 de março de 1945, São Paulo/SP. Iniciou na TV Tupi em um grupo que adapta obras literárias para novelas, na década de 70. Produtor e diretor de jornalismo especializado (arte, cultura e lazer) na TV Gazeta, entre 1978 e 1980. Editou a Revista Santos Arte e Cultura, da qual foi editor e articulista. Biógrafo, prosador e poeta, foi um dos fundadores da “União Brasileira de Trovadores”, Seção de São Paulo e, desde 1980, parte do quadro associativo da Seção de Santos. Conquistou vários prêmios em Concursos de Trovas em território nacional. Cláudio de Cápua, que era casado com Carolina Ramos,  faleceu em Santos/SP,  onde se radicou definitivamente, de aneurisma, a 5 de dezembro de 2021, aos 76 anos.

ÂMBITO NACIONAL/INTERNACIONAL

Categoria Veteranos: 
 
Tema: SEGREDO/S (lírica/filosófica)

Em noite alta... madrugada,
contemplo a lua contrito
- Barca de prata aportada
nos segredos do infinito.
Cláudio de Cápua


Categoria Novo Trovador: 
 
Tema: SEMENTE/S (lírica/filosófica)

Com mensagem sempre nova,
transpondo mágoas e dor,
pelos caminhos da trova
planto sementes de amor.
Cláudio de Cápua


Novo Trovador é aquele que não obteve até a divulgação deste regulamento 3 (três) classificações em concursos de trovas oficiais da UBT, a nível nacional, independente de ser associado ou não à UBT.

A palavra tema deve estar na trova.


Máximo de 2 (DUAS) Trovas por concorrente.

Apesar do concurso seguir as normas da UBT, mas por não ser promovido por ela, não se enquadra como concurso oficial da entidade. Este é, como os concursos anteriores, independente.

ENVIO DAS TROVAS POR EMAIL (Prazo: 31 de outubro)

para o Fiel Depositário:
Prof. Giuseppe Paolo Dell’Orso

E-mail:   
 gpdellorso@gmail.com

Como enviar trovas por e-mail (no corpo do e-mail):

Assunto: Concurso de Trovas Memorial “Cláudio de Cápua”

Acima da Trova:
Categoria (Novo Trovador ou Veterano)

Abaixo da trova:
Nome inteiro, cidade/estado (país se não for do Brasil), e-mail para contato (obrigatório).

Caso o trovador use pseudônimo ou abreviatura do nome, favor enviar o nome completo, caso venha a ser premiado, a não ser que opte por manter a abreviatura ou pseudônimo.

Anexos não serão aceitos.
 
Sistema de Envelopes (Prazo: 31 de Outubro de 2023)

Enviar para:
Profa. Alba Krishna Topan Feldman
Av. Mário Clappier Urbinatti, 724
Bloco E ap. 11
Zona 7
CEP. 87020-901   Maringá - PR


Aconselha-se que enviem as trovas por e-mail, em virtude de os correios estarem com atrasos em entregas simples.

Após o encerramento haverá uma espera de mais 5 dias para os envelopes que podem estar atrasados nos correios, e ao final do quinto dia as trovas serão enviadas para julgamento.

Como enviar pelo Sistema de envelopes

As trovas devem ser coladas na face externa de um pequeno envelope. Dentro dele deverá estar o nome do autor completo com seus dados pessoais: cidade/estado/país, e-mail para contato, telefone fixo (e operadora para contato, no caso de celular. Ex: TIM, Vivo, Claro, etc.).

Na face externa do envelopinho a trova (DIGITADA ou DATILOGRAFADA, não serão aceitas manuscritas), o tema no alto da trova. Se Veterano ou Novo Trovador, colocar abaixo da trova esta categoria. Lacrar o envelope. Num envelope maior colocar o nome e endereço a quem deve enviar, e no remetente, o mesmo endereço para quem está enviando, e o nome Cláudio de Cápua.

Observação: A trova deve ser digitada (datilografada), não serão aceitas trovas manuscritas.


§ - Seja por envelopes ou por email, é necessário constar a que categoria (Veteranos ou Novo Trovador) a que concorre.

As Trovas devem ser inéditas, isto é, que não tenham sido premiadas em outros concursos ou divulgadas pela Internet ou outros meios de divulgação até a data da publicação do resultado.

Serão eliminadas as trovas que contenham erros como: não colocar pontuações; não seguir o sistema ABAB (rimar 1. com 3. verso e 2. com o 4. verso); erros gramaticais; não tiver a palavra tema na trova; de conteúdo racista, pornográfico, político, etc.

O Prazo se encerra à meia-noite de 31 DE OUTUBRO DE 2023.

Os resultados serão divulgados em blogs, sites, facebook, emails enviados aos premiados, revistas virtuais, academias e blogs.

As decisões das comissões julgadoras serão definitivas.

A premiação, composta de certificado e ebook com as trovas premiadas, serão enviados diretamente aos premiados via e-mail.

Será premiado também, o trovador veterano melhor colocado em seu estado e que tenha obtido pelo menos a média mínima (e não tenha sido premiado na classificação geral do Nacional/Internacional).


Os membros da comissão julgadora, o coordenador e os fiéis depositários não poderão participar do concurso.

A participação no concurso significa aceitação plena das normas aqui relacionadas.

Maringá ,  08 julho de 2023.
J. Feldman – coordenador geral
Contatos, dúvidas: gralha1954@gmail.com

segunda-feira, 31 de julho de 2023

Versejando 119

 

A. A. de Assis (Antessala do céu)

Tenho lido aqui, ali e alhures que cerca de 97 por cento da população mundial declara crer em Deus e na continuidade da vida após o repouso do corpo provisório. Significa que 97 em cada 100 pessoas, em alguns momentos, certamente se preocupam com o que lhes acontecerá no lá mais adiante. Eterna felicidade ou sofrimento eterno? 

O ideal seria que todos, desde crianças, tivéssemos condições para trilhar sem desvios o caminho da pureza e do amor. No entanto isso é difícil demais. Somente umas raríssimas pessoas conseguem chegar ao final da peregrinação terrena com a alma prontinha para de imediato ingressar no reino da bem-aventurança.  

É que nossa passagem por este complicado planeta é cheia de atropelos, tentações, transtornos mentais, competições, carências, machucados de todo tipo, de modo que se torna quase impossível concluir a jornada livres de manchas, recalques, ressentimentos, culpas, remorsos – resquícios que precisam ser expurgados.

De minha parte, acredito que o sacrifício de Jesus Cristo já nos redimiu. Todavia penso ser indispensável a gente estar com a alma suficientemente em ordem no momento da transferência para a celestial morada.

A esperança, então, é que a inesgotável bondade de Deus nos conceda a chance de passar por um estágio intermediário de higienização moral e espiritual, durante o qual possamos completar a cura das nossas imperfeições e assim chegar finalmente ao estado de céu. Alguns creem num processo de aperfeiçoamento mediante sucessivas reencarnações; outros, eu inclusive, acreditamos que tal processo ocorra num capítulo único, conhecido como purgatório. 

Em linguagem humana, é difícil, no entanto, definir o que seja purgatório. Não é um tempo, não é um lugar. Como o nome indica, seria uma generosa oportunidade que Deus nos oferece para purgar, depurar, limpar as nossas impurezas. 

Também não se trata de um castigo, mas de uma escola. Um treinamento para a nossa paulatina integração na comunidade dos justos. 

Imagino que tal treinamento inclua muita oração e longos momentos de reflexão sobre os erros e omissões cometidos no relacionamento com os irmãos e irmãs aqui no mundo físico e sobre como cada um fez uso dos seus talentos. Incluiria também, provavelmente, um crescente esforço de domínio sobre os maus impulsos, além de exercícios diversos para o fortalecimento de nossas virtudes. 

Seria, enfim, uma preparação complementar das almas para a convivência amorosa, solidária e eternamente feliz com a população do céu. 
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(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 27-4-2023)

Nilto Maciel (Joam, o Sedutor)

Eu não morro de amores,
eu vivo de amor.
(Anônimo)

Dom Joam não chegou a conhecer Hugo Capeto nem o imperador Oton. Não lhe interessavam monarcas, fossem francos ou saxões. Muito menos bizantinos. Sua vida toda dedicou-a a amar mulheres.

A primeira delas – uma formosa senhora  – chamou-se Maria. Sua própria mãe. E esta paixão durou alguns anos.

Nasceu Joam pleno de virtudes. Sua beleza física deixava pasmas as mulheres. Cedo aprendeu a falar. E a falar galante­mente. Num minuto convencia a mais empedernida virgem a entregar-se-lhe. No mais das vezes, valendo-se da poesia. Pois também fazia versos. Vilancetes, coplas, cantigas de amor.

Muitas mulheres o amaram. Algumas chegaram a assumir publicamente o adultério. As solteiras acabaram nos prostíbulos. Outras se envenenaram.

Porém, muito ódio andou à volta de Joam. Principalmente por parte dos maridos enganados. Mas também dos invejosos. E dos esposos de mulheres belas.

Logo sua fama de Don Juan chegou aos ouvidos d’El Rei, assim como aos do papa de plantão. Acusado de solapar a família cristã, de criminoso e pecador mortal.

O julgamento trouxe a público cenas escandalosas. Os mais poderosos fidalgos consumiam-se de indignação.

Indefeso, Joam recebeu a pena da eterna prisão.

Adendo: Apesar de preso, Joam continuou o mesmo. Ignorava os sultões de Bizâncio ou os imperadores do Sacro Império. E, livre como sempre, amava cada vez mais as mulheres. E as seduzia – em sonho, nos seus ou nos delas. Ou talvez por teleplastia*.
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* Teleplastia = fenômeno de aparição materializada de alguém em local de onde está ausente.

Fonte:
Enviado pelo autor.
Nilto Maciel. Itinerário: contos. Fortaleza, CE: Ed. do Autor, 1974.