quarta-feira, 12 de junho de 2024

Silmar Bohrer (Croniquinha) 114

Quando estamos caminhando no ritmo habitual, sem pressa, em busca do que parece quase nada, na verdade vamos num solilóquio, conversando com os EUS interiores, olhar tranquilo, mas esperto, a observar as árvores, a abrigar-se na sombra, a sentir a brisa suave, ouvir os cantos passarinhos, os gorjeios sabiás, os pintassilgos sonoros. 

Eis a pureza dos dias. 

Conversas na intimidade nos levam para para longe, como nos trazem passadas inteiras vividas. Em breves instantes nos fazem lembrar da palavra "delícia" , que significa DE - fora, mais LACERE - atrair, surgindo delícia com o significado de atração, encanto, ato de cativar. Porque a vida não é só laborar, ocupar-se com trabalho. Nestes andares-divagações a gente põe o espírito em serenidade, ao bel-prazer, bebericando paisagens que os caminhos oferecem. 

Eis os deleites da vida. 

Fonte: Texto enviado pelo autor 

segunda-feira, 10 de junho de 2024

Daniel Maurício (Poética) 68

 

Antonio Brás Constante (Eles, elas e a direção)

Na vida devemos (às vezes) correr riscos, testar, usar e abusar da sorte fazendo jorrar a adrenalina que nosso corpo produz, por isso resolvi deixar o bom senso de lado e escrever este texto.

Na eterna disputa entre os sexos, um dos assuntos que mais vem à tona é sobre o trânsito. De um lado os homens, afirmando que elas não sabem “pilotar” nada que não seja a pia de lavar louça ou o fogão. Do outro as mulheres, respondendo que são muito mais responsáveis do que eles na direção e que, se a eventual falta de experiência delas pode vir a dificultar um pouco a condução de veículos, muito pior é o desempenho dos machões quando colocados para cumprir os afazeres domésticos.

É uma briga de cães e gatas, onde as gatas acabam geralmente levando a melhor, pois contam com uma memória assustadoramente superior a dos cães que ficam latindo, mas acabam mordendo o próprio rabo.

Lembro que uma vez na praia se iniciou uma discussão sobre este assunto. Na ocasião minha cunhada argumentou que as estatísticas nacionais comprovavam que as mulheres dirigiam melhor do que os homens. Eu respondi que isto somente provava duas coisas: primeiro que, independente de qualquer estatística, as mulheres continuavam não sabendo dirigir e segundo que isso provava que os homens não sabiam fazer estatísticas. Falei brincando, mas ainda assim, quase não escapei vivo do lugar (foi muita adrenalina).

Se analisarmos os fatos, perceberemos que os homens têm um jeito mais ousado de dirigir. Por exemplo, numa ultrapassagem em um horário de grande movimento, ao visualizarem um espaço disponível entre os carros da esquerda, onde caberia no máximo uma bicicleta, eles certamente vão avançar por ali. Pela lógica masculina, se entra uma bicicleta, também entra um carro, pois todos os veículos têm freios e o motorista de trás não vai querer bater em nada que amasse ou tire a cera de seu automóvel (amigo fiel e companheiro das estradas).

Já as mulheres pensam de forma diferente. Quando veem o espaço do uma jamanta entre os carros que passam por elas, primeiramente analisam os riscos de entrar no meio deles, depois mentalizam todo processo que deverão empregar para proceder com segurança aquela operação de troca de pista. Lembram que se cometerem um erro, toda culpa será delas, pois no mundo machista em que vivem são sempre as culpadas. Calculam as probabilidades da necessidade de fazer aquilo e finalmente percebem que a brecha não existe mais e que deverão reiniciar todo processo.

Em última analise, penso que as mulheres são geralmente culpadas pelos acidentes que acontecem, pois desviam a atenção dos homens com seus vestidinhos curtos, calças justas com cintura baixa e decotes provocantes.

Nós homens, somos vítimas da beleza feminina. Talvez no futuro inventem formas de se evitar que os acidentes aconteçam. Somente espero que para isso, não proíbam nossas musas de abrilhantar nossos caminhos, pois prefiro correr o risco de uma distração, a ter toda uma viagem sem a graça feminina desfilando suas virtudes divinas pelas ruas de meu destino. (ATENÇÃO: Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança, seja ela comportamental ou não, com a vida real terá sido mera coincidência - Espera-se com estas últimas palavras ter ajudado a manter a integridade física do autor, principalmente no âmbito de seu lar...).

Figueiredo Pimentel (O vestido rasgado)

Por que Ivone virá hoje tão triste da escola? Faria por lá alguma maldade? Não. A mestra ficou muito satisfeita com ela.

Foi isto: quando ela se levantou do banco, rasgou o vestido, sem querer.

E que buraco! Dar-se-á o caso que o saiba consertar, sem se ficar conhecendo?

Bem pode ser, porque a mãe (uma pobre lavadeira), quando chega à casa, vem mortinha de cansaço. Como estava escuro, Ivone acendeu o candeeiro, e foi procurar a caixa em que a mãe costuma guardar todos os retalhos.

— Aqui está um azul, da cor do meu vestido, pensou Ivone, estendendo o retalho. Se eu lhe puder meter uma tira!

Despiu o vestido, deitou um xalinho pelos ombros, e pôs mãos à obra, com tanto afã, que nem deu pela chegada da mãe.

— Aconteceu-te alguma coisa? perguntou-lhe, chegando ao pé da filhinha. Estás a consertar o vestido? Rasgaste-o? Olha que seria uma desgraça, porque não tens outro, nem há mais nenhum bocado de pano azul.

— Há sim, minha mãe, respondeu a pequenina, mostrando-lhe o vestido.

— Pois eu julgava que não havia; mas está me parecendo que sabes fazer muito bem um conserto.

— Já sei, já, respondeu Ivone, brilhando-lhe os olhos.

Naquela noite foi se deitar contentíssima.

De manhã levantou-se, vestiu-se, lavou-se, olhou para o vestido, e chegou ao pé da janela para o examinar de mais perto.

— Olhe! Minha mãe! Minha mãe! – gritou ela em choro - venha cá ver. Pois não pus uma tira verde no meu vestido azul? Que hei de eu fazer agora? Não posso ir à escola com esse vestido assim!

— Então, como foi isso? Não sabes que muitas vezes, à luz do candeeiro, o azul se confunde com o verde, e o verde com o azul? Mas, por causa disso, não hás de faltar à escola. Talvez que o avental te esconda a tira.

Ivone vestiu o vestido, e pôs o avental. Qual história! O avental é pequeno demais, e a tira continuava a ser vista.

— Lembra-me uma coisa, disse Ivone: é pôr a pasta dos papéis mais para trás, e assim parece-me que não se verá.

Lá foi para a escola, e empregou tanto cuidado todo o dia, que ninguém reparou.

À saída, porém, esqueceu-se da tira. Foi pôr a pasta a um canto do pátio, e começou a brincar com as condiscípulas. Não brincou por muito tempo, porque dali a pouco reparou em duas meninas, que olhavam para ela a rir-se. De repente, lembrou-se do vestido, fez-se muito corada, e sentiu duas lágrimas rolarem-lhe pelas faces. Pegou na pasta, e saiu.

***

Eugênia, uma das meninas que tinha feito escárnio do vestido de Ivone, não voltou muito contente da escola, nem a mãe a ouvia cantarolar, como costumava, pela escada acima. Não fez senão pensar na colega, que viu sair da escola tão triste.

— Eu é que fui culpada, pensava. Faz-me tanta pena ter-me rido. Mas também para que foi ela deitar uma tira verde num vestido azul?  Falando a verdade, era muito esquisito.

Eugênia pegou na boneca para brincar, mas a boneca não a distraía. Por mais que fizessem, tinha defronte dos olhos o rosto melancólico de Ivone.

— Foi decerto por ela não ter outra fazenda da cor do vestido; se eu a tivesse, dar-lhe-ia.

Correu, então, a casa toda, a ver se a achava. Perguntou à mãe. Tudo debalde. Pôr mais voltas que desse, não encontrou alguma fazenda azul, senão a do vestido da boneca. Então pegou nesta, abraçou-a, olhou muito para ela e parecia refletir.

— Minha adorada Ida, disse de repente: bem conheço o teu bom coraçãozinho, por isso te vou pedir uma fineza. Não te lembras da Ivone, que no outro dia vistes em nossa casa? Hás de acreditar que deitou uma tira verde no vestido azul! Por mais que imagines, não podes fazer ideia da fealdade que ficou. Tenho a certeza de que não quererias para ti um vestido consertado daquela maneira. Foi decerto por não ter outra fazenda. O vestido é da cor do teu. Farias tu o sacrifício de lhe dar este, para mudar a tira? Bem sei que não tens outro para o inverno, mas a nossa casa é quentinha. Não te parece que, vestindo o teu vestido de verão, e pondo o teu xalinho de lã escarlate, ficarás ainda uma boneca senhoril?

Ida olhou para a dona, com o sorriso do costume. Pareceu a Eugênia que ela fazia o sinal de consentir. Despiu-lhe, então, o vestido do corpo, separou a saia, e pegando nesta, correu à casa de Ivone.

Quando chegou, a porta estava entreaberta.

Antes de entrar, parou um instante, e ouviu Ivone dizer para a mãe:

— Olha! mamãe! Eu não posso tornar à escola com esse vestido!

— Hás de tornar, bradou-lhe Eugênia (abrindo de repente a porta), olha, aqui tens um bocado de fazenda para consertares. Só Deus sabe o que me afligi por ter sido a causa de te ver chorar. Não penses mais nisso, não?

***

Diz a vizinhança que Ivone ficou tão contente, que de tudo se esqueceu daquele desgosto.

Colocou nova tira no vestido, e no outro dia entrou alegríssima na escola. Eugênia, pulando de contentamento, voltou para a boneca, encontrando-a a sorrir como sempre. E desde aquela ocasião, as duas meninas, Ivone e Eugênia, ficaram amicíssimas.

Fonte: Alberto Figueiredo Pimentel. Histórias da Avozinha. Publicado em 1896. Disponível em Domínio Público. 

Recordando Velhas Canções (Agonia)


 Compositor: Mongol

Se fosse resolver
iria te dizer
foi minha agonia
Se eu tentasse entender
por mais que eu me esforçasse
eu não conseguiria
E aqui no coração
eu sei que vou morrer
Um pouco a cada dia
E sem que se perceba
A gente se encontra
Pra uma outra folia
Eu vou pensar que é festa
Vou dançar, cantar
é minha garantia
E vou contagiar diversos corações
com minha euforia
E a amargura e o tempo
vão deixar meu corpo,
minha alma vazia
E sem que se perceba a gente se encontra
pra uma outra folia
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A Dança da Vida em 'Agonia' de Oswaldo Montenegro
A música 'Agonia', de Oswaldo Montenegro, é uma obra que transita entre a melancolia e a celebração da existência. A letra aborda a inevitável passagem do tempo e os sentimentos de dor e alegria que acompanham a jornada humana. No início, o eu lírico expressa uma sensação de impotência diante de suas emoções, reconhecendo que a agonia é uma parte inescapável de sua experiência. A dificuldade em compreender plenamente a própria dor é admitida, sugerindo que há aspectos da vida que estão além do entendimento racional.

O coração é mencionado como o local onde o eu lírico sente que morre um pouco a cada dia, uma metáfora para o sofrimento e a perda que todos enfrentamos ao longo do tempo. No entanto, há uma reviravolta na narrativa quando o foco muda para a celebração. A música propõe que, apesar da agonia, é possível encontrar momentos de festa e alegria. O eu lírico decide abraçar a festividade, dançar e cantar, como uma forma de garantia contra a tristeza. Essa atitude contagia os outros, espalhando euforia e afastando a amargura.

Por fim, a música reflete sobre a transitoriedade da vida, onde a alma eventualmente se esvazia, mas mesmo assim, a esperança de novos encontros e celebrações permanece. 'Agonia' é um convite para reconhecer a dor, mas também para encontrar força na alegria coletiva, na dança e na música, elementos que unem as pessoas em um ciclo contínuo de altos e baixos.

Dicas de Escrita (Como Escrever uma Fábula) = 3, final

(por Danielle McManus, PhD*)

3 EDITANDO E COMPARTILHANDO SUA FÁBULA

1 Releia e revise. 

Leia toda a sua fábula e verifique se todas as partes estão no lugar e se trabalham em harmonia.

Cuidado com trechos em que a fábula pode parecer muito prolixa ou complicada. A natureza dela é ser uma história simples e concisa que não mede palavras ou que desvia para algo verboso.

Verifique se cada parte — ambiente, personagens, conflito, resolução e moral — está claramente estabelecida e inteligível.

2 Edite para melhorar o estilo e a gramática.

Depois de revisar o conteúdo, releia tudo de novo, agora focando nos problemas de gramática e clareza de cada frase.

Chame um amigo ou colega para ler seu texto. Um segundo par de olhos é importante para encontrar erros.

3 Compartilhe seu trabalho!

Uma vez que tiver terminado os toques finais, é hora de mostrar sua fábula a um público.

O lugar mais fácil e lógico de começar é com a família e os amigos: poste sua fábula no Facebook, em um blog, para compartilhar em alguma rede social ou envie para sites que publiquem escrita criativa.

Você também pode enviar o texto para jornais ou revistas em sua cidade.

REFERÊNCIAS
– http://literarydevices.net/fable/
– http://www.litscape.com/indexes/Aesop/Morals.html
– http://www.creative-writing-ideas-and-activities.com/writing-fables.html
– http://www.learnnc.org/lp/media/lessons/katebboyce1142004123/Rubric_-_Fable.htm
– http://jerrydunne.com/2013/12/26/how-to-write-a-modern-fable-for-the-adult-reader/
– http://www.slideshare.net/lolaceituno/fables-and-morals
– http://www.learnnc.org/lp/media/lessons/katebboyce1142004123/Rubric_-_Fable.htm
– http://jerrydunne.com/2013/12/26/how-to-write-a-modern-fable-for-the-adult-reader/
– http://lerebooks.files.wordpress.com/2013/01/fabulasdeesopo.pdf
– http://www.newworldencyclopedia.org/entry/fable
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* Danielle McManus, PhD é Conselheira de Graduação em Davis, Califórnia. Completou seu PhD em Língua e Literatura Inglesa na UC Davis em 2013.

domingo, 9 de junho de 2024

José Feldman (Versejando) 140

 

Contos Tradicionais Portugueses (O aprendiz de mago)

Um homem de grandes artes tinha em sua companhia um sobrinho, que guardava a casa quando precisava sair. Uma vez deu-lhe duas chaves, e disse:

– Estas chaves são daquelas duas portas; não as abras por coisa nenhuma do mundo, senão morres.

O rapaz, assim que se viu só, não se lembrou mais da ameaça e abriu uma das portas. Apenas viu um campo escuro e um lobo que vinha correndo para arremeter contra ele. Fechou a porta a toda a pressa passado de medo. 

Daí a pouco chegou o Mago:

– Desgraçado! Para que me abriste aquela porta, tendo-te avisado que perderias a vida?

O rapaz, chorou tanto que o Mago lhe perdoou. 

Uma outra vez saiu o tio e fez-lhe a mesma recomendação. 

Não ia muito longe, quando o sobrinho deu volta na chave da outra porta, e apenas viu uma campina com um cavalo branco a pastar. Nisto lembrou-se da ameaça do tio e já o sentindo subir pela escada, começou a gritar:

– Ai que agora é que estou perdido!

O cavalo branco falou-lhe:

– Apanha desse chão um ramo, uma pedra e um punhado de areia, e monta já quanto antes em mim.

Mal as palavras foram ditas, o Mago abriu a porta da casa, e o rapaz salta para cima do cavalo branco e grita:

– Foge! Que aí vem o meu tio para me matar.

O cavalo branco correu pelos ares afora. 

Mas indo lá muito longe, o rapaz torna a gritar:

– Corre! Que meu tio já me apanha para me matar.

O cavalo branco correu mais, e quando o Mago estava quase a apanhá-los, disse para o rapaz:

– Solta fora o ramo.

Fez-se logo ali uma floresta muito fechada, e, enquanto o Mago abria caminho por ela, foram para muito longe. Ainda o rapaz tornou outra vez a gritar:

– Corre! que já aí está meu tio, que me vai matar.

Disse o cavalo branco:

– Solta a pedra.

Logo ali se levantou uma grande montanha cheia de pedras, que o Mago teve de subir, enquanto eles avançavam caminho. 

Mais adiante, grita o rapaz:

– Corre, que meu tio agarra-nos.

– Pois lança ao vento o punhado de areia. - disse-lhe o cavalo branco.

Apareceu logo ali um mar sem fim, que o Mago não pôde atravessar. 

Foram dar em uma terra onde estavam em muitos prantos. 

O cavalo branco ali largou o rapaz e disse-lhe que quando se visse em grandes trabalhos, por ele chamasse, mas que nunca dissesse como viera ter ali. 

O rapaz foi andando e perguntou por quem eram aqueles grandes prantos.

– É porque a filha do rei foi roubada por um gigante que vive em uma ilha, onde ninguém pode chegar. 

– Pois eu sou capaz de ir lá.

Foram dizê-lo ao rei e o rei obrigou-o com pena de morte a cumprir o que dissera. 

O rapaz valeu-se do cavalo branco, e conseguiu ir à ilha trazendo de lá a princesa, porque apanhara o gigante dormindo.

A princesa assim que chegou ao palácio não parava de chorar. 

Perguntou-lhe o rei:

– Porque choras tanto, minha filha?

– Choro porque perdi o meu anel que me tinha dado a minha fada madrinha e, enquanto o não tornar a achar, estou sujeita a ser roubada outra vez, ou ficar para sempre encantada.

O rei mandou divulgar em como dava a mão da princesa a quem achasse o anel que ela tinha perdido. 

O rapaz chamou o cavalo branco, que lhe trouxe do fundo do mar o anel, mas o rei não lhe queria já dar a mão da princesa, porém ela é que declarou que casaria com o jovem para que dissessem sempre: Palavra de rei não volta atrás.

Fonte> Teóphilo Braga. Contos Tradicionais do Povo Português. Publicado em 1883. Disponível em Domínio Público .

Milton Sebastião Souza (Mães e Filhos)

Nem todas as mães estarão festejando no seu dia. Existem muitas mães abandonadas nos asilos, solitárias, saudosas dos seus filhos que “não têm tempo” para uma visita. Existem muitas mães doentes, padecendo nos hospitais, com a saúde abalada, muitas vezes por terem dedicado o melhor dos seus dias para filhos ingratos e sem reconhecimento. Existem muitas mães confinadas atrás das grades, condenadas por algum deslize cometido. Existem muitas mães que foram completamente esquecidas pelos filhos depois que a idade reduziu as suas tantas utilidades para a família. Existem muitas mães que não vão receber uma rosa e, um abraço e, muito menos, um presentinho no dia das mães.

É claro que também existem muitos filhos que dariam parte da sua vida para poder abraçar as suas mães neste dia. Filhos que choram a ausência da mãe que já partiu para a eternidade. Filhos que, por algum capricho do destino, foram criados em orfanatos e nunca souberam quem eram as suas mães. Filhos que foram abandonados pelas ruas e cresceram sem saber o que era ter uma mãe. Filhos que, mesmo tendo mãe, sofreram a vida inteira porque aquela mãe que a vida lhes deu, que não merecia ser chamada de mãe...

Mas existem também aqueles filhos mais sortudos (como eu), que estarão juntinhos com as suas mães no seu dia ou que poderão, pelo menos, repassar um abraço pelo telefone ou pela Internet. É para estes filhos que vai o recadinho final destas linhas: aproveitem cada segundo da presença das suas mães nas suas vidas. Curtam cada sorriso desta mãe. Ampliem cada gesto e cada atitude que brotar do coração desta pessoa especial. Se ela estiver alegre, riam juntos. Se ela estiver triste, chorem com ela e ajudem a secar as suas lágrimas. Se ela tiver tempo sobrando, tentem, de alguma maneira, preencher este tempo com a sua presença e o seu apoio constante. Façam pela sua mãe aquilo que ela fazia por vocês quando eram pequenos: 24 horas de cuidados e de amparo constante.

Para completar o dia delas, façam da presença o melhor presente. Um abraço e algumas palavras de carinho, muitas vezes, ficam gravados no coração para sempre. Um rosa ou um ramalhete de flores são presentes lindos. Mas eles não duram muito tempo. Outros presentes materiais, por mais caros que sejam, também têm um tempo de duração definido pelo desgaste. O gesto de amor fica para sempre. E não existe imagem mais linda do que um filho olhar o seu próprio rosto refletido no olhar da mãe, mesmo que este olhar esteja embaçado pelo tempo ou nublado pela presença de algumas lágrimas de alegria. É exatamente o coração generoso de cada mãe que nos facilita a tarefa de sermos bons filhos. Afinal, elas só querem o nosso carinho e o nosso reconhecimento. Um beijo e um abraço conseguem falar todas aquelas palavras que as mães merecem ouvir e que nós, muitas vezes, não sabemos ou não temos coragem de pronunciar. Feliz Dia das Mães para todos aqueles que são bons filhos.

Dicas de Escrita (Como Escrever uma Fábula) = 2

(por Danielle McManus, PhD*)

2 ESCREVENDO A HISTÓRIA DA FÁBULA

1 Preencha todo o seu rascunho. 

Uma vez que tiver um esboço dos principais componentes da história, comece a detalhá-los.

Estabeleça o ambiente e o relacionamento dos personagens com ele, que deve ser facilmente reconhecível e estar ligado diretamente aos eventos da história.

2 Coloque o enredo em ação.

Apresente o conflito entre os personagens com detalhes o bastante para que o conflito ou problema fique claro e implore por uma solução.

Avance com eficácia do evento para seu efeito. Não desvie do objetivo da história.

Tudo que acontecer na história deve ser direta e claramente relacionado ao problema e à sua resolução/moral.

Trabalhe para deixar o ritmo da fábula rápido e conciso. Não desperdice tempo com passagens descritivas desnecessariamente elaboradas ou com meditações sobre os personagens e seus arredores.

Por exemplo, em "A Lebre e a Tartaruga", o enredo evolui rápido do desafio para a corrida ao erro da lebre e, então, à vitória da tartaruga.

3 Desenvolva o diálogo.

Ele é um componente-chave para transmitir a personalidade e a perspectiva dos personagens. Em vez de descrever os traços deles de forma explícita, use o diálogo para ilustrá-los.

Inclua diálogos o bastante para ilustrar os relacionamentos entre os personagens e com a natureza do conflito que eles enfrentam.

Por exemplo, as duas características da tartaruga e da lebre são estabelecidas como equilíbrio e calma, de um lado, e arrogância e ansiedade, do outro, como podemos notar no tom do diálogo: a lebre costumava fazer troça da tartaruga por ela ser tão lenta. "Tu alguma vez chegas ao teu destino?", perguntou-lhe um dia zombando dela. "Sim", replicou a tartaruga, "e chego mais depressa do que pensas. Vamos fazer uma corrida e provar-te-ei". A lebre achou graça do desafio da tartaruga e, para se divertir, resolveu aceitar.

4 Crie a resolução.

Depois de mostrar a natureza e os detalhes do conflito, comece a avançar para a resolução dele.

Deve haver um relacionamento claro e direto entre as ações dos personagens, o desenvolvimento do problema e a ilustração da moral/resolução.

Deve haver uma solução para todos os aspectos do problema previamente estabelecido e de que não haja fios soltos.

Pegando de novo o exemplo da tartaruga e da lebre, a resolução ocorre quando a lebre arrogante dispara na corrida e para para tirar uma soneca, enquanto a equilibrada tartaruga simplesmente segue caminhando devagar, ultrapassando a rival adormecida mais tarde e alcançando primeiro a linha de chegada.

5 Articule a lição.

Quando o enredo da fábula tiver se resolvido, apresente a moral ou a lição da história.

Em fábulas, a moral da história costuma ser colocada em uma única frase incisiva.

Procure deixá-la de modo que resuma o problema, a solução e o que deve ser aprendido desta.

A simples moral de "A Lebre e a Tartaruga", por exemplo, é "Nem sempre quem muito corre é o primeiro a chegar". Ela engloba tanto o erro — ser preguiçoso e arrogante por ter confiança demais — e a lição a ser aprendida — que lentidão e persistência acabam vencendo rapidez e desleixo.

6 Escolha um título relevante e criativo.

Ele deve captar o espírito geral da história e ser atrativo o bastante para capturar a atenção do leitor.

Normalmente, é melhor esperar para fazer este Passo até escrever tudo ou ao menos até você ter o rascunho da história de modo que o título possa refleti-la de maneira geral.

Você deve escolher algo básico e descritivo, como a tradição das fábulas de Esopo (ex: "A Lebre e a Tartaruga") ou algo mais criativo e irreverente.
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continua…
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* Danielle McManus, PhD é Conselheira de Graduação em Davis, Califórnia. Completou seu PhD em Língua e Literatura Inglesa na UC Davis em 2013.

Recordando Velhas Canções (O barquinho)


Compositores: Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli

Dia de luz festa de sol
E o barquinho a navegar 
No macio azul do mar,  
tudo é verão o amor se faz
Num barquinho pelo mar
Que desliza sem parar
  Sem intenção nossa canção vai saindo
Deste mar e o sol
Beija o barco e luz, dias tão azuis

Volta do mar, desmaia o sol
E o barquinho a deslizar 
e a vontade de cantar, 
céu tão azul, ilhas do sul
E o barquinho coração, 
deslizando na canção, 
tudo isso faz, tudo isso traz
Uma calma de verão e então

O barquinho vai, a tardinha cai
O barquinho vai...
A tardinha cai o barquinho vai
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Namorada de Ronaldo Bôscoli, Nara Leão sempre o acompanhava nas excursões ao mar de Cabo Frio, que ele fazia com o par Menescal, um aficionado da caça submarina. Foi naquele ambiente praieiro que nasceu “O Barquinho”, um samba paisagístico que levou para o mar a bossa nova do amor, do sorriso e da flor.

Na vida real “O Barquinho” era o Thiago III, uma traineira com motor a gasolina e capacidade para dez passageiros, que Menescal alugava para transportar sua turma aos locais de pescaria. Dirigia o Thiago III o barqueiro Ceci, um tipo meio bronco que jamais acreditou serem seus passageiros “artistas de rádio”.

Rapidamente, “O Barquinho” deslizou para os primeiros lugares das paradas musicais, ganhando várias gravações como a de Maysa, mais apreciada até do que a de seu lançador, João Gilberto. Aliás, nessa gravação do João — informa Ruy Castro no livro Chega de saudade — o tecladista Walter Wanderley quase foi à loucura, por não conseguir reproduzir no órgão um ronco de navio, no exato timbre que o cantor insistia em lhe transmitir... com a voz. Finalmente, no arremate do disco, o maestro Tom Jobim conseguiu colocar nos trombones o tal ronco imaginado e desejado pelo João. 

Aparecido Raimundo de Souza (A menina dos olhos sem luz)

VOU CONTAR a história da menina Fernanda, uma jovenzinha de quinze anos, que morava com a sua tia, a dona Lurdes, em Aldeia da Serra, um bairro elegante de São Paulo, entre Barueri e Santana de Parnaíba. Apesar de todo o conforto oferecido, Fernanda carregava consigo um problema que a fazia diferente das demais mocinhas da sua idade. Seus olhos não viam. Não enxergavam um palmo adiante do nariz. Apesar dessa ablepsia, seu mundo (mergulhado em escuridão perpétua), não se mostrava hostil e aborrascado. A casa da tia Lurdes, se constituía em uma mansão elegante de dois andares, edificada num terreno imenso e bem cuidado, com árvores frondosas e plantas as mais diversas. A bem da verdade, um lugar elegantemente pitoresco e aconchegante, onde as cores mais exuberantes da natureza se mostravam em todo o albor da excelsitude* e realeza. 

Obviamente todas as maravilhas se faziam sentidas e vivenciadas por quem quer que ali chegasse. Em face da sua desdita, contrariando a tudo e a todos –, notadamente pelo seu coração (que possuía mil razões para se ver e se sentir amargurado), a pequena não se lastimava, nem choramingava pelos cantos. Tampouco se deixava ser levada ou abatida pela melancolia ou pela neurastenia do desespero. A consternação, por seu turno, não lhe tirava o foco. Tampouco o derrotismo, ou o desânimo avassalador, lhe enchiam o coração de medos e inquietações. Fernanda não se sentia, em momento algum, acabrunhada ou triste, levando em conta os sentidos vitais inerentes a sua visão não lhe propiciarem a chance, por menor que fosse, de vivenciar a magia contagiante do efêmero, nem que fosse por um milésimo de segundo. 

Sem se melindrar, ou se sentir ao nível do chão, a jovem agia dentro da normalidade, como se os seus olhos fossem perfeitos. Assim, as formas das coisas se moldavam em toda a sua plenitude, como a venustidade* que se fazia percebida de uma maneira que poucos poderiam acreditar e entender. Os males responsáveis pela sua “cegueira” agiam duramente como janelas fechadas em quartos ensombrecidos e lâmpadas queimadas. Para aumentar a degradante tristeza, que ela não sentia, seu “eu” interior maravilhado, não se fechara para o céu azul. Tampouco para o sol radiante e para as estrelas e a lua, quando, à noite, se prostravam no firmamento. Seu coração, mesmo norte, se fazia como uma vidraça corpulenta escancaradamente aberta para um universo paralelo de sensações imorredouras. 

Nesse unissonante paraíso, ela tocava as flores e conhecia as suas cores pelos cheiros e odores dos perfumes que exalavam. Mesmo tom, ao ouvir o vento, distinguia intimamente as paisagens que ele descrevia em suas canções. As pessoas que gravitavam ao seu redor, as empregadas, o motorista da tia, os parentes e os vizinhos que a conheciam, se quedavam em lamentações: “pobre menina! Que horror os seus olhos não capturarem as belezas que o Criador nos deu sem termos que pagar um centavo para desfrutarmos seus esplendores.” Mas Fernanda, ao tomar conhecimento dessas conversas meio que maquiavélicas, não dava a mínima. Limitava a se moderar em sorrisos indescritíveis. Sabia que, de certa forma, percebia, ou melhor, assimilava, nos mínimos detalhes... discernia mais que todo mundo, notadamente os que faziam parte do seu dia a dia, que o seu “eu” interior não vivia e não só vivia, sentia a verdadeira essência das coisas enroupadas numa majestade de beleza única e imperecível. 

As fragrâncias balsâmicas, em iguais passos, não se detinham   apenas em suas aparências. Elas se expandiam e voavam longe. Transcursavam para o divorciado (sic) dos sisudos muros que guarneciam as paredes da luxuosa construção. Certo dia, chegou ao seu conhecimento, que o Carlos –, um rapazote mais velho que ela um ano (morador quatro casas abaixo), tanto perturbou a sua mãe que, sem mais desculpas, a tal senhora se viu obrigada a bater na porta da suntuosa casa milionária. A tia de Fernanda, nessa ocasião, gentilmente atendeu as pretensões do menino, dando-lhe o acesso pleiteado. A mãe de Carlos trocou algumas palavras com a sua circunjacente, culminando com a tia aquiescendo com o encontro do garoto e a sua sobrinha. Com o ingresso do adolescente, permitiu que o púbere realizasse o seu sonho.  

A tia, apesar da nova amiga morar próxima, colocou um segurança discreto a observar o casal. Nesse interregno, convidou a mãe do piá*, para acompanhá-la até a cozinha, onde se sentaram e, enquanto os adolescentes trocavam impressões, dona Lurdes pediu para uma de suas funcionárias preparar um lanche para os convidados. O rapaz estava triste e abatido. Revelara à Fernanda que se sentia deveras insatisfeito. Apesar da pouca idade, seu sonho maior se constituía em ser pintor, porém, não sendo um profissional, e via outra* (sic), ter dado vida para uma grande quantidade de quadros, de repente lhe sucumbira a paixão pela arte. 
— Fernanda, como posso pintar novamente se faz tempo perdi o rumo, levando em conta não ver mais nenhuma beleza no mundo?

Fernanda agasalhou as mãos de Carlos entre as suas e as colocou direto sobre o coração. 
— “Sinta –, disse ela a certa altura. A beleza está aqui. – Para onde você olhar, sentirá a sua força avassaladora. Você só precisará ver com os olhos da alma, jamais com os olhos físicos. ”
O garoto, de pronto, entendeu a mensagem. Inspirado pela graciosa, dias depois recomeçou a pintar. Produziu quadros, como nunca antes havia ousado com seus pincéis. Desde então, matizou os sons do riso, eternizou as texturas da esperança e perenizou os aromas das aventuras. Graças a Fernanda, a menina dos olhos embaciados, ele descobriu uma vastidão ao seu redor de uma maneira jamais vista e sentida. 

Em conclusão dessa história, a Fernanda (que não via com os olhos físicos), ensinou com palavras simples e gestos delicados, ao seu mais novo amigo e vizinho, a usufruir da verdadeira luz que para ele estava e se fazia fria, grosso modo, gélida, oculta e apagada. Descerrou, em paralelo, uma estrada de compleição ensandecida vinda diretamente de dentro do âmago. Ela mostrou também, na sua inocência, que a beleza ímpar, o acendrado* e o inconspurcado* não estavam somente enleados ou escondidos naquilo que olhamos, e não vemos, mas, sobretudo, na maneira sublime e bucólica de como percebemos e sentimos o Universo posicionado bem lá no alto e acima, muito aquém da nossa tão sonhada e inesgotável imaginação. 
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* Vocabulário do blog, em ordem alfabética

Acendrado = depurado.
Excelsitude = magnificência.
Inconspurcado = imaculado.
Piá = guri, garoto, é uma expressão regionalista muito usada no sul do Brasil.
Sic Põe-se entre parênteses depois de uma palavra, expressão ou frase, para indicar que a citação é textualmente exata como escrita pelo autor, e que por ela não se responsabiliza quem a publica.
Venustidade = formosa, graciosa.
Via outra = entretanto,  de outro modo.

Fonte: texto enviado pelo autor

sábado, 8 de junho de 2024

Carolina Ramos (Trovando) “16”

 

Lima Barreto (A ave estranha)

Uma anedota do Reino dos Perus

Um dia em que o azul do ar transluzia e os seus delgados filetes paralelos vibravam como cordas de violino, ao reino dos Perus, sem que se soubesse de onde, chegou uma ave estranha.

Era alta e garbosa, leve e esguia. Vinha envolvida numa doida atmosfera de rubro, de miragem dourada. A doce curva de seu pescoço tomava os mais elegantes ímpetos para atingir o céu distante. Rebrilhavam as suas penas nos matizes mais variados e imprevistos; ora, a turquesa das alturas vivia-lhe na plumagem. Ora, a esmeralda do mar serpenteava pelo seu dorso, por toda ela, aqui, ali, pintas, olhos, cruzes, estrelas de safiras, ágatas, de topázios e rubis brilhavam.

Foi grande a surpresa no domínio do Perus. Cada qual, não saindo do círculo de giz em que desde tempos imemoriais se haviam metido, ergueu a cabeça hedionda.

Oh, espanto! Oh, terror! A ave não se parecia com eles.

Não tinha as penas negras de brilho esverdeado, movia-se em todos os sentidos, os traços de giz não suspendiam seus passos. Mal pousou em terra, familiarmente, como se de há muito conhecesse o hábito, pôs-se a falar, a comentar com liberdade, com segurança. Não tinha medo nem das palavras, nem das ideias, nem dos outros perus, os maiores que eles diziam existir poderosos.

Era tolerante, sabia a grande variabilidade das coisas, a maneira diversa que cada qual pode compreendê-las.

Mas os perus não se podiam capacitar que o mesmo objeto visto por duas pessoas desperte dois modos de ver diferentes. Para eles toda árvore era verde, todo verde era um só. Isso nascia da reflexão da sua natureza íntima.

Todos eram iguais, do mesmo povo, com a mesma voz, com mesmos gostos; as diferenças que, porventura, se lhes pudesse dar o nascimento, os anos lhes tiraram.

Sabiam escrever, mas só de um modo, sabiam pensar, mas só de um modo, não admitiam a dúvida.

Era certo o que diziam, era exato o que representavam. Paravam nas palavras, não iam ao pensamento.

E a letra? Ah! A letra!

Quem tinha letra bonita, escrevia as verdades; e na letra bonita estava o imperativo categórico.

O mundo era rígido, para eles, igual, medido, não tinha diferenças, não tinha nuances, era uma curva abominável. O mundo, já lá dizia o filósofo, é a ilusão do nosso entendimento.

O espanto foi contido e com falsas vozes de amigo, os perus indagaram:

— Donde vens?

— De longe. Atravessei mares, lagos, rios e minhas asas por vezes roçaram na cabeleira verdolenta das florestas. Vi o azul fosforescente do mar dos trópicos, as adustas areias da Ásia, a gama de fogo do Chibuazo, do Cotopaxi. Vi pagodes, cubatas, palácios. Os boulevards de Paris, os jardins de Sandes e as nascentes do Nilo encantaram alternativamente meus olhos. Raças, povos, famílias, de cores e de sangue mais vários amei.

Fonte: Lima Barreto. Contos completos. São Paulo: Cia das Letras, 2010. Disponível em Domínio Público.

Hans Christian Andersen (O Livro Silencioso)

Numa estrada cercada por floresta de ambos os lados, vemos ao fundo uma fazenda dividida por essa estrada. Podia se ver uma bela e enorme árvore bem no centro dessa floresta. 

O dia estava ensolarado, calmo e fresco, como eram dias de verão na Dinamarca todas as janelas da casa da fazenda estavam abertas. Havia um toque de vida vindo de dentro da casa. Porém, no centro do jardim, debaixo de uma tenda feita de um arbusto de sirenes, estava um caixão aberto. Ele aguardava a tampa que o marceneiro estava fazendo para poder sepultar o morto. 

Ninguém veio para vê-lo. Ele estava só, deitado em seu leito e sobre sua face, um pano branco. Mas, ao se olhar de perto, podia-se notar que o semblante do morto estava em paz e até um leve ar de felicidade emanava de sua face. 

Algo interessante e inusitado aparecia debaixo da cabeça do morto, não havia um travesseiro como de costume, mas um livro grande e grosso. Suas folhas eram de um papel de alta qualidade e entre cada folha, uma flor. Havia ali um herbário completo selecionado e colecionado de diferentes lugares. 

Ele havia pedido que esse livro fosse enterrado com ele. Cada flor estava relacionada a um capítulo de sua vida.

– Quem era o morto? – Podemos perguntar. 

E a resposta era: 

– “Um velho estudante de Uppsala, uma cidade na Suécia situada ao norte, a 70 km de Estocolmo. Ele deve ter sido muito inteligente, pois aprendeu línguas, canto, sem contar que escrevia muito bem; mas então algo aconteceu... e ele parou com tudo que fazia, começou inclusive a beber bebidas alcoólicas muito fortes. Porque abandonou tudo, sua saúde um dia o abandonou também. Sem nada e não tendo a quem recorrer, escondeu-se no campo onde encontrou pessoas boas que lhe davam de comer. Apesar de tudo, ele continuava um homem bom, piedoso e simples como uma criança, mas quando uma de suas crises voltava, ele fugia para a floresta e se escondia lá como um animal que estava sendo caçado, mas se o levássemos para casa e dávamos para ele o livro com as folhas, flores e ervas secas, ele se acalmava e podia ficar sentado o dia todo a olhar para uma erva e depois para outra, e muitas vezes lágrimas escorriam pelo seu rosto. Somente Deus sabia a razão dessas lágrimas! Ele pediu que seu livro fosse enterrado com ele, agora ele está lá, apoiando sua cabeça, em pouco tempo a tampa será fechada, e ele terá seu doce descanso na sepultura.”

A mortalha fúnebre foi levantada. Havia paz no rosto do morto, um raio de sol caiu sobre ele; uma andorinha passou em seu voo rápido pelo caramanchão e girou, chilreando sobre a cabeça do homem morto.

Como é estranho, no entanto, - todos nós sabemos disso - pegar velhas cartas de nossa juventude e lê-las; faz uma vida inteira acordar, por assim dizer, com todas as suas esperanças, com todas as suas lembranças, com todas as suas tristezas. Quantas pessoas, como nós, em um tempo vivido com tanto carinho, agora vivem como se estivessem mortos para nós, e ainda vivem, mas por muito tempo não pensamos neles, contudo, ao nos lembrarmos de alguém, deveríamos sempre nos agarrar a essa lembrança para poder compartilhar nossas tristezas e alegrias.

A folha de carvalho murcha no livro, lembra o amigo, amigo dos tempos de escola, amigo para a vida; ele fixou esta folha no boné do estudante, na floresta verde quando esse pacto foi selado para a vida.

- Onde ele está agora?  

A folha escondida, lembra a amizade esquecida. 

Agora temos uma planta de estufa estrangeira, muito boa para os jardins nórdicos – é como se ainda houvesse fragrância nessas folhas! Ela a deu a ele, uma nobre do jardim de ervas nobre. A nenúfar, ele arrancou e molhou com lágrimas salgadas, essa flor nasce em águas doces. Há também uma urtiga, o que sua folha diz? O que ele estava pensando ao pegá-la, ao escondê-la? Outras surgem: o lírio do vale, da solidão da floresta e mais a folha de cabra ambas e outras adornam o vaso de flores da estalagem, por fim a folha de grama nua e afiada !

A sirene em flor derrama seu cacho fresco e perfumado sobre a cabeça do morto –, a andorinha voa novamente: “Qvivit! qvivit!” 

Chegam os homens com pregos e com martelos, a tampa é colocada sobre o morto, que descansa a cabeça no livro mudo. Escondido - esquecido!

Fonte> Hans Christian Andersen. Contos. Publicados originalmente entre 1835 – 1872. Disponível em Domínio Público

Recordando Velhas Canções (Bandolins)


Compositor: Oswaldo Montenegro

Como fosse um par que nessa valsa triste
Se desenvolvesse ao som dos bandolins
E como não, e por que não dizer
Que o mundo respirava mais se ela apertava assim
Seu colo como se não fosse um tempo
Em que já fosse impróprio se dançar assim
Ela teimou e enfrentou o mundo
Se rodopiando ao som dos bandolins

Como fosse um lar, seu corpo a valsa triste
Iluminava e a noite caminhava assim
E como um par, o vento e a madrugada
Iluminavam a fada do meu botequim
Valsando como valsa uma criança
Que entra na roda, a noite tá no fim
Ela valsando só na madrugada
Se julgando amada ao som dos bandolins
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A Dança da Vida em 'Bandolins' de Oswaldo Montenegro
A música 'Bandolins' de Oswaldo Montenegro é uma obra que evoca a nostalgia e a beleza dos momentos efêmeros da vida. Através da metáfora da dança, Montenegro descreve uma cena onde uma mulher dança ao som dos bandolins, como se cada movimento fosse um ato de desafio e afirmação perante o mundo. A valsa triste que se desenvolve ao som dos bandolins pode ser interpretada como a própria vida, com seus altos e baixos, mas ainda assim bela e digna de ser dançada.

A letra sugere uma resistência contra o que é considerado 'impróprio' pela sociedade, representado pela mulher que dança apesar das expectativas. Ela não se deixa levar pelo que é convencionalmente aceito, escolhendo viver o momento presente com intensidade e paixão. A imagem da 'fada do botequim' ilumina a noite, trazendo um toque de magia e encantamento, reforçando a ideia de que a vida, mesmo com suas tristezas, possui uma luz própria que deve ser celebrada.

A música também toca na temática da solidão e da busca por amor, como visto na última estrofe onde a mulher 'valsando só na madrugada' se julga amada. Isso pode ser visto como uma reflexão sobre a busca por conexão e a esperança de encontrar amor, mesmo quando se está sozinho. 'Bandolins' é uma canção que fala sobre a coragem de viver a vida plenamente, apreciando cada momento como se fosse uma dança, mesmo que seja uma valsa triste.