quarta-feira, 28 de agosto de 2024

Recordando Velhas Canções (Pelo telefone)


(Samba, 1917)

Compositor: Donga e Mário de Almeida

O chefe da polícia
Pelo telefone mandou me avisar
Que lá na carioca
Tem uma roleta para se jogar

O chefe da polícia
Pelo telefone mandou me avisar
Que lá na carioca
Tem uma roleta para se jogar

Ai, ai, ai
É deixar mágoas pra trás, ó rapaz
Ai, ai, ai
Fica triste se és capaz e verás

Tomara que tu apanhes
Pra nunca mais fazer isso
Tirar amores dos outros
E depois fazer teu feitiço

Ai, se a rolinha, sinhô, sinhô
Se embaraçou, sinhô, sinhô
É que a avezinha, sinhô, sinhô
Nunca sambou, sinhô, sinhô
Porque este samba, sinhô, sinhô
É de arrepiar, sinhô, sinhô
Põe perna bamba, sinhô, sinhô
Mas faz gozar, sinhô, sinhô

O peru me disse
Se o morcego visse
Não fazer tolice
Que eu então saísse
Dessa esquisitice
De disse-não-disse

Ah! Ah! Ah!
Aí está o canto ideal, triunfal
Ai, ai, ai
Viva o nosso carnaval sem rival

Se quem tira o amor dos outros
Por Deus fosse castigado
O mundo estava vazio
E o inferno habitado

Queres ou não, sinhô, sinhô
Vir pro cordão, sinhô, sinhô
É ser folião, sinhô, sinhô
De coração, sinhô, sinhô
Porque este samba, sinhô, sinhô
De arrepiar, sinhô, sinhô
Põe perna bamba, sinhô, sinhô
Mas faz gozar, sinhô, sinhô

Quem for bom de gosto
Mostre-se disposto
Não procure encosto
Tenha o riso posto
Faça alegre o rosto
Nada de desgosto

Ai, ai, ai
Dança o samba
Com calor, meu amor
Ai, ai, ai
Pois quem dança
Não tem dor nem calor
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O Samba Pioneiro de Donga: Uma Viagem ao Carnaval Antigo
A música 'Pelo Telefone', composta por Donga, é considerada por muitos historiadores como o primeiro samba gravado na história da música brasileira, datando de 1916. A canção é um marco na cultura nacional e reflete o ambiente boêmio e as rodas de samba do início do século XX no Rio de Janeiro. A letra da música traz à tona o cotidiano e as festividades cariocas da época, com uma linguagem que evoca o espírito do carnaval e a malandragem associada ao samba.

A letra menciona o 'chefe da polícia' que avisa, pelo telefone, sobre uma roleta para jogar na região da Carioca, um local conhecido no Rio. Isso pode ser interpretado como uma referência ao jogo do bicho ou outras formas de apostas que eram comuns e, muitas vezes, operavam à margem da lei. A música também aborda temas como traição amorosa e a busca por diversão e alegria, típicos do universo do samba. A expressão 'Ai, ai, ai' e o uso repetido de 'sinhô, sinhô' são elementos que reforçam a oralidade e a informalidade características do gênero musical.

Musicalmente, 'Pelo Telefone' possui uma estrutura rítmica que convida à dança e celebra a alegria do carnaval. A canção é um convite para deixar as mágoas para trás e se entregar à festividade, algo que é reforçado pelo refrão que incentiva a dança e a descontração. Donga, como um dos pioneiros do samba, contribuiu significativamente para a formação da identidade musical brasileira, e 'Pelo Telefone' é um testemunho vivo da riqueza cultural do país e da evolução do samba ao longo dos anos.

terça-feira, 27 de agosto de 2024

A. A. de Assis (Trovas em preto e branco)

A gralha azul à direita, é a ave símbolo do Paraná 

1
– Aceitas dar-me os deleites
da próxima contradança?...
– Aceito, desde que aceites
não me apertar contra a pança!
2
A história, através dos anos,
ensina a grande lição:
– o destino dos tiranos
será sempre a solidão!
3
Ah, poeta, como é lindo
teu trabalho, e quão fecundo...
– Noite e dia produzindo
sonhos novos para o mundo!
4
“Bem-vinda à vida, criança!”,
diz o parteiro sorrindo.
E a frase é um hino à esperança,
no seu momento mais lindo!
5
Coceirinha furibunda,
coça embaixo, coça em cima...
Quando coça na cacunda,
sinto cócegas... na rima!
6
“Deixe-o que faça e aconteça”,
diz a vovó com carinho...
E eis que de ponta-cabeça
vira-lhe a casa o netinho!…
7
Disseste, criança ainda:
"Sou tua... sempre serei!"
- Foi a mentira mais linda
que em minha vida escutei!…
8
Esta é uma antiga lorota,
que jamais se esclareceu:
– Se Judas nem tinha bota,
como foi que ele a perdeu?…
9
Hoje ainda a humanidade
vive o impasse decisivo:
– Parte atrás da liberdade
ou se apega ao paraíso?…
10
Movido a sonho, eu poeta,
porque amo a estrada, não canso.
– Mais importante que a meta
é cada passo que avanço.
11
Na biblioteca há mil sábios
a nosso inteiro dispor.
– Sem sequer abrir os lábios,
cada livro é um professor!
12
Nesta Terra outrora linda,
que aos pouquinhos se desfaz,
o lar é a ilha onde ainda,
às vezes, se encontra a paz.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

AS TROVAS DO ASSIS EM PRETO E BRANCO
por José Feldman

As trovas de A. A. de Assis (Antônio Augusto de Assis) revelam uma sensibilidade poética única, combinando humor, reflexão e crítica social.

AS TROVAS UMA A UMA

1. Contradança e leveza
A troca entre os interlocutores reflete a leveza da vida social. A dança simboliza a alegria e a liberdade, enquanto a referência ao "apertar contra a pança" sugere uma preocupação com a intimidade física, trazendo um toque humorístico.

2. Solidão dos tiranos
Esta trova aborda a inevitabilidade da solidão que acompanha o poder opressivo. A lição histórica indica que, apesar do domínio, os tiranos acabam isolados. A solidão é apresentada como um destino cruel, destacando a fragilidade do poder.

3. Poder da poesia
A dedicação do poeta à criação é exaltada. A ideia de produzir "sonhos novos" reflete a importância da imaginação e da arte na vida humana. O trabalho do poeta é visto como um serviço à sociedade, contribuindo para a renovação cultural.

4. Nascimento e esperança
A saudação ao nascimento é um momento carregado de significado. O parteiro, ao sorrir, simboliza a alegria da chegada de uma nova vida. A frase "um hino à esperança" sugere que cada nascimento é uma nova oportunidade e um desafio para o futuro.

5. Humor e rima
A brincadeira com as cócegas revela um lado lúdico e infantil da vida. A conexão entre corpo e rima cria uma experiência sensorial que reflete a alegria simples encontrada em momentos cotidianos. O humor é uma forma de explorar a leveza da existência.

6. Inocência infantil
A relação entre a avó e o neto ilustra a dinâmica familiar e a inocência da infância. A expressão "de ponta-cabeça" sugere a travessura típica das crianças, mostrando como a pureza infantil pode subverter a ordem estabelecida de forma carinhosa.

7. Promessas não cumpridas
Aqui, a reflexão sobre a sinceridade das promessas infantis revela uma faceta dolorosa da vida. A frase "mentira mais linda" sugere que, embora a promessa fosse vazia, sua beleza reside na esperança e no amor que a envolve, refletindo sobre a fragilidade das relações.

8. Mistério de Judas
A pergunta retórica provoca reflexão, instigando o leitor a considerar as nuances da história e a complexidade das escolhas humanas, desafiando a lógica tradicional.

9. Liberdade versus paraíso
Esta trova aborda um dilema existencial. A humanidade, dividida entre a busca pela liberdade e a busca pelo conforto do "paraíso", reflete uma tensão entre idealismo e materialismo, questionando as prioridades e valores da sociedade contemporânea.

10. Jornada poética
A ideia de que o processo é mais importante que a meta sugere uma filosofia de vida que valoriza a experiência e a reflexão. O "caminho" do poeta é um símbolo da jornada humana, onde cada passo é significativo e forma parte da construção do ser.

11. Sabedoria dos livros
A imagem da biblioteca como um espaço repleto de sabedoria enfatiza o valor do conhecimento. Cada livro, como um "professor", simboliza a educação e a aprendizagem, mostrando que a sabedoria está acessível a todos que buscam.

12. Busca pela paz
A reflexão sobre a transformação do mundo e a busca pela paz no lar destaca a importância do refúgio familiar. O lar é apresentado como um espaço de resistência, onde a paz é ainda possível em meio às turbulências da vida moderna.

ESTRUTURA POÉTICA

1. Repetição e Paralelismo
A repetição de estruturas e ideias reforça temas e sentimentos. O uso de paralelismo, onde ideias ou frases semelhantes são apresentadas em sequência, cria uma cadência que enriquece a experiência do leitor.

"Movido a sonho, eu poeta,
porque amo a estrada, não canso.
– Mais importante que a meta
é cada passo que avanço."

O paralelismo entre as duas estrofes reforça a mensagem sobre a jornada.

2. Imagens e Metáforas
As trovas são ricas em imagens vívidas e metáforas que evocam emoções. A linguagem é acessível, mas carregada de significado, permitindo múltiplas interpretações.

"Na biblioteca há mil sábios
a nosso inteiro dispor.
– Sem sequer abrir os lábios,
cada livro é um professor!"

A metáfora da biblioteca como um espaço de sabedoria é poderosa.

3. Tom e Humor
O tom varia entre o lúdico e o reflexivo. O uso do humor, muitas vezes sutil, permite que o poeta aborde temas sérios de maneira leve, facilitando a conexão com o leitor.

"Coceirinha furibunda,
coça embaixo, coça em cima..."

Essa abordagem lúdica e humorística traz leveza ao texto, permitindo a identificação do leitor.

4. Tema e Mensagem
Cada trova aborda temas universais, como amor, liberdade, infância e solidão. A mensagem frequentemente reflete uma crítica social ou uma observação sobre a condição humana, proporcionando profundidade ao texto.

"Hoje ainda a humanidade
vive o impasse decisivo:
– Parte atrás da liberdade
ou se apega ao paraíso?…"

A reflexão sobre a escolha entre liberdade e conformismo é um tema profundo e universal.

5. Diálogo e Vozes
A interação entre personagens, como em diálogos, cria dinamismo e envolvimento. Essa técnica permite que diferentes perspectivas sejam exploradas, enriquecendo a narrativa.

"Deixe-o que faça e aconteça,
diz a vovó com carinho..."

O diálogo entre a avó e o neto dá vida à cena, mostrando diferentes perspectivas.

Esses elementos fazem das trovas de A. A. de Assis não apenas uma expressão artística, mas também uma forma de reflexão sobre a vida e as relações humanas, mantendo um equilíbrio entre estética e conteúdo.

CONCLUSÃO

As trovas de A. A. de Assis representam uma rica expressão da poesia brasileira, combinando humor, lirismo e crítica social de forma acessível. Através de sua estrutura poética bem definida, com rimas, imagens vívidas e diálogos dinâmicos, Assis consegue transmitir reflexões profundas sobre a condição humana, as relações interpessoais e as complexidades da vida.

Em resumo, as trovas de A. A. de Assis não são apenas um testemunho da habilidade poética de seu autor, mas também uma valiosa contribuição à literatura que continua a inspirar, provocar e entreter. Sua relevância perdura, fazendo delas uma parte essencial da herança literária brasileira e uma fonte de reflexão contínua para o mundo contemporâneo. Elas promovem um sentimento de identidade cultural e pertencimento, ligando gerações por meio de uma linguagem comum e experiências compartilhadas.

A obra de Assis serve como um modelo para novos poetas e escritores, demonstrando que é possível abordar questões sérias de forma criativa e envolvente.

Fonte: José Feldman. 50 Trovadores e suas Trovas em preto e branco. vol.1. Maringá/PR: Plat.Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

segunda-feira, 26 de agosto de 2024

Carolina Ramos (Trovando) “23”

 

Renato Alves (Trovas em preto e branco)


1
Ao repensar minha história,
encontrei com emoção
por trás de cada vitória
um mestre no coração! 
2
“Conhecer não é saber”
- ensina a douta ciência...
”Pôr alma no que aprender” ,
isto, sim, é sapiência!
3
De meu pai herdei o nome,
de minha mãe, a ternura;
da pobreza herdei a fome,
a minha herança mais dura!
4
Escute a voz da razão:
– Nunca esmoreça, persista!...
É com determinação
que o sonho vira conquista.
5
Mesmo em meio à dura lida,
fazer versos nos renova:
– Cabe todo o bem da vida
nas quatro linhas da trova!
6
Mil livros já devorei,
mas neles não achei graça,
até hoje eu nada sei...
– Muito prazer, sou a traça!
7
Não diga que é velho alguém
pela idade transcorrida...
Só é velho quem não tem
mais sonhos em sua vida!
8
Ninguém há que saiba tudo,
nem tudo pode saber...
Muito se aprende e, contudo,
há sempre o que se aprender!
9
O mar geme nos rochedos
prantos tão desconsolados,
pois guarda muitos segredos
e sonhos dos afogados…
10
O trabalho é punição,
uma herança do passado...
Deus quis castigar Adão,
e sobrou pro nosso lado!..
11
Pode ser pobre ou poeta,
sem perder a autoestima;
mas há de ter como meta
não ter pobreza na rima.
12
Ser poeta é transformar
a palavra em brasa ardente
para com ela queimar
a emoção que está na gente!
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SOBRE AS TROVAS DO PROFESSOR RENATO ALVES
por José Feldman

As trovas do Professor Renato Alves capturam emoções profundas e reflexões sobre a vida, a sabedoria e a poesia. Cada uma delas traz um ensinamento valioso, seja sobre a importância dos sonhos, a busca pelo conhecimento ou a transformação da dor em arte.

TEMAS ABORDADOS

Sabedoria dos mestres: 
A importância dos mestres em nossa jornada. A figura do mestre é central em várias trovas, destacando como as influências positivas moldam nosso caminho. A valorização do aprendizado e da orientação é um convite para que reconheçamos aqueles que nos guiaram.

Conhecimento e emoção: 
A ideia de que saber não é o mesmo que conhecer profundamente nos lembra que a educação deve ser acompanhada de paixão e vivência. O aprendizado se torna significativo quando é vivido com intensidade.

Heranças e Identidade:
Renato Alves fala sobre como as heranças familiares, sejam boas ou desafiadoras, moldam nossa identidade. Isso nos leva a refletir sobre como cada aspecto de nossa vida contribui para quem somos. Nossas origens moldam quem somos.

Persistência e Sonhos:
A determinação é uma mensagem recorrente. Acreditar em nossos sonhos e lutar por eles, mesmo diante das dificuldades, é fundamental para a realização pessoal.

Renovação através da Arte:
A poesia é apresentada como uma forma de renovação e superação. Escrever e expressar-se artisticamente pode ser um caminho para lidar com as adversidades da vida. A poesia e a arte oferecem renovação e reflexão. A autoestima é essencial para a criatividade. Ser poeta, ou artista, é um ato de coragem e autovalorização.

Humor e Autodescoberta:
O uso de humor, como na metáfora da "traça", traz leveza e nos lembra que todos enfrentamos desafios e que o aprendizado é um processo contínuo. Nunca paramos de aprender, independentemente de nossas experiências.

Juventude do Espírito:
A mensagem de que a idade não determina a vitalidade é inspiradora. Manter sonhos vivos é o que realmente nos mantém jovens. 

Natureza e Seus Segredos:
As imagens do mar evocam mistério e beleza, sugerindo que a natureza guarda histórias e emoções que muitas vezes não são visíveis à primeira vista. 

Trabalho e Legado:
A relação entre trabalho e castigo é uma crítica social que provoca reflexão sobre a história e o significado do trabalho em nossas vidas.

Transformação pela Palavra:
A capacidade da palavra de evocar emoções e transformar experiências é um dos pontos altos da poesia. Isso nos convida a explorar e expressar nossos sentimentos.

Esses temas fazem das trovas de Renato Alves uma rica fonte de reflexão sobre a condição humana, incentivando a busca por conhecimento, a valorização da arte e a importância de sonhar.

CONCLUSÃO

Essas trovas são um convite à introspecção e à valorização da vida, inspirando-nos a abraçar nossa jornada com coragem e criatividade. Ao refletir sobre esses ensinamentos, podemos encontrar novos caminhos para nosso próprio crescimento pessoal e artístico.

Fonte: José Feldman. 50 Trovadores e suas Trovas em preto e branco. IA Open. vol.1. Maringá/PR: Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

Laé de Souza (E se o mundo acabasse)

Aquele dia foi de alvoroço. Cruzei com um amigo acostumado à prosa, estava numa correria e recusou-se a conversar, alegando que não podia perder tempo, pois tinha algumas coisas a concluir antes de começar a escurecer. Espantou-se com a minha ignorância de que o mundo estava prestes a acabar. (Preciso encontrá-lo para ver o que tanto não podia ficar sem fazer). 

Por preguiça, não escrevi naquele momento. Se acabasse mesmo, seria desperdício de tempo. Mas entre a dúvida de ficar no meu canto a rezar e sair a indagar e a observar, venceu a curiosidade.

Uma mulher que tinha um caso antigo com um vizinho, convenceu-o a se levantar bem cedo e, sem dar satisfação aos cônjuges, dirigiram-se a um jardim e com olhos fixos no firmamento, de mãos dadas, esperavam a chegada do Senhor.

Uns doaram bens numa atitude desesperada da busca do paraíso. Juliano vendeu esperanças e garantiu lugar privilegiado a quem tinha posses. Aos de menos recursos, por preço camarada, um lugar mais na frente da fila. E faturou um troco legal.

Mães-de-santo cobraram uma fortuna para prorrogar o fim, O pastor Queixada me garantiu que o mundo só não acabou como previsto por sua intercessão e para que desse tempo a alguns irmãos de se arrependerem. Mas me avisou que não vai dar para segurar por muito tempo, portanto, desapeguem-se dos seus bens.

Muitos rezaram, confessaram e se arrependeram.

Minha filha me fez perguntas que nunca ousara. Minha mulher me questionou umas coisas esquisitas, que prometi responder assim que escutasse a primeira trombeta tocar e visse os anjos descendo do céu.

Gumercindo não despregava os olhos do relógio e de nada resolveram os calmantes. Chorava que dava dó, pedia perdão à mulher por falhas e contou coisas que só se conta na hora da morte, e morte certa mesmo.

Chiquinho abriu as gaiolas, soltou todos os pássaros e se escondeu debaixo da cama. Roberval, devedor contumaz, fez mais compras e mandou que todos os credores viessem no dia seguinte. MAS NÃO ACABOU!

Assim, por culpa de um tal de Nostradamus, o que ia até mais ou menos se encrencou. A mulher do Gumercindo retirou o perdão e foi para a casa da mãe com as crianças, não sem antes dar uma bofetada no sujeito e ameaçá-lo de proibir visitas aos filhos.

Chiquinho chora a falta dos pássaros e Roberval se esconde dos cobradores. A mulher e o vizinho tiveram que juntar as trouxas e fugir. Eu ando me esquivando da minha mulher, mas sinto que a qualquer hora ela vai me pegar de jeito e vou ter que responder àquela pergunta, e aí, não sei não… Por tudo isso, Manelão interrogou-se:

"Ele erra na profecia e nóis é que se ferra?”

Fonte: Laé de Souza. Acredite se quiser. SP: Ecoarte, 2000. Enviado pelo autor.

O nosso português de cada dia (Expressões) = 2

COMER O FÍGADO DE ALGUÉM

Punir severamente alguém por algo que não deveria ter sido feito.

A expressão tem origem mitológica na punição de Prometeu. Diz a lenda que Prometeu, filho do titã Jápeto, era primo de Zeus, o mais importante deus do Panteão helénico, que, por sua vez, era filho de Cronos.

Zeus era rei dos homens e dos deuses, um deus que reinava nas alturas luminosas do céu e foi aviltado e enganado por Prometeu duas vezes: a primeira, quando dividiu um boi dando carnes e vísceras para os homens e ossos e banha ao deus supremo; a segunda, quando roubou sementes de fogo do sol ou da forja de Héfesto e deu de presente aos humanos. O pai dos deuses resolveu se vingar dele e dos homens, que eram seus protegidos: para os homens enviou Pandora com seus vícios (vide caixa de Pandora); Prometeu, por sua vez, foi acorrentado no alto do Cáucaso e tinha seu fígado devorado por uma águia durante o dia, porém, à noite a víscera se refazia para ser novamente devorada pelo pássaro no dia seguinte.

COMER GRAMA PELA RAIZ

Morrer, falecer.

A expressão jocosa para significar pessoa morta nasceu da observação da posição em que o morto se encontra embaixo da terra, com a boca voltada para cima e, portanto, teoricamente, de encontro às raízes da grama que cresceria por cima de seu túmulo.

COMPLICAÇÃO

A palavra que todos conhecemos tem a mesma origem de explicação, duplicação, etc.

Plicas, em latim quer dizer dobras, portanto quem está complicando, está colocando dobras em alguma coisa. Ao contrário se estiver explicando, estará retirando as tais dobras e facilitando a vida de quem, porventura, entrar em contato com o objeto sem as dobras.

Por isso, chamamos também as saias ou blusas que possuem pequenas dobras em sequência, de plissadas.

CÂNONE

Modelo, maneira de agir, padrão. É comum ouvir as pessoas dizerem que algo serve de cânone.

A expressão é muito antiga e surgiu ao acaso. O escultor Polyclitus, por volta do ano 450 a. C, esculpiu a estátua de um homem com uma lança e uma amazona ferida, suas proporções eram tão perfeitas e simétricas, que seu autor a chamou de cânone, e assim permaneceu influenciando a arte até o nascimento das vanguardas.

CANTEIRO DE OBRAS

Hoje o termo é empregado para designar qualquer espaço definido para a realização de trabalhos manuais, mais associados, evidentemente, à construção civil.

Muitos pensam que a expressão deriva do ato de cantar enquanto se trabalha. O termo, no entanto, é mais preciso, quer dizer pedreiro: de canto [pedra] + o sufixo -eiro. Canteiro, portanto, diria respeito ao operário que trabalha em cantaria, isto é, com pedras, à época da criação do termo, quebrando-as. Canteiro, portanto, seria sinônimo de pedreiro, na sua origem.

Fonte: Nailor Marques Jr. Será o Benedito?: Dicionário de origens de expressões. Maringá/PR: Liceu, 2002.

Recordando Velhas Canções (Caminhemos)


(samba-canção, 1948)

Compositor: Herivelto Martins

Não, eu não posso lembrar que te amei
Não, eu preciso esquecer que sofri
Faça de conta que o tempo passou
E que tudo entre nós terminou
E que a vida não continuou pra nós dois
Caminhemos, talvez nos vejamos depois

Vida comprida, estrada alongada
Parto à procura de alguém
Ou à procura de nada...
Vou indo, caminhando
Sem saber onde chegar
Quem sabe na volta
Te encontre no mesmo lugar
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Caminhos Separados: A Dor e a Esperança em 'Caminhemos'
A música 'Caminhemos', de Herivelto Martins, é uma obra que aborda a dor da separação e a necessidade de seguir em frente, mesmo diante do sofrimento. A letra começa com uma negação enfática: 'Não, eu não posso lembrar que te amei / Não, eu preciso esquecer que sofri'. Essa negação reflete a luta interna do eu lírico para superar um amor passado e a dor associada a ele. A repetição do 'não' enfatiza a dificuldade de esquecer e a necessidade de se distanciar emocionalmente.

A canção segue com uma tentativa de racionalização: 'Faça de conta que o tempo passou / E que tudo entre nós terminou'. Aqui, o eu lírico sugere uma espécie de autoengano como mecanismo de defesa, fingindo que o tempo curou todas as feridas e que a relação chegou ao fim de forma natural. No entanto, a melancolia persiste, evidenciada pela frase 'E que a vida não continuou pra nós dois', indicando que, apesar dos esforços, a vida sem o outro ainda parece incompleta.

O refrão 'Caminhemos, talvez nos vejamos depois' traz uma mistura de resignação e esperança. A ideia de caminhar simboliza a jornada da vida, cheia de incertezas e possibilidades. A estrada longa e a busca por algo ou alguém ('Parto à procura de alguém / Ou à procura de nada...') refletem a incerteza do futuro e a necessidade de seguir em frente, mesmo sem um destino claro. A última estrofe, 'Quem sabe na volta / Te encontre no mesmo lugar', sugere uma esperança tênue de reencontro, mas também a aceitação de que a vida pode seguir caminhos diferentes.

"Caminhemos não tem história", declara Herivelto Martins, "é o reflexo de mil histórias, de um estado de espírito que eu vivia e o público desconhecia". Na realidade, atravessando na época um período conturbado de sua vida sentimental, o compositor extravasava em sua música os problemas que o afligiam.

Assim, não foi por acaso que saíram em sequência "Segredo", "Caminhemos", "Cabelos brancos" e, por fim, as composições que marcaram a polêmica de sua separação da mulher, Dalva de Oliveira. Lançado em novembro de 47, "Caminhemos" firmou-se na preferência popular após o carnaval do ano seguinte.
Fontes: 

domingo, 25 de agosto de 2024

Therezinha Dieguez Brisolla (Trov’ Humor) 37

 

Professor Garcia (Trovas em preto e branco)

                                   

1
A dor que se intensifica
e amedronta os dias meus,
é pensar na dor que fica
depois da palavra adeus!
2
A liberdade do poeta,
está num verso... Num grito...
No equilíbrio se completa,
vencendo o próprio infinito!
3
A musa chega e me inspira,
num delírio encantador...
Afina as cordas da lira
e enche o meu mundo de amor!
4
A solidão me angustia
e à noite aumenta o meu drama,
vendo a cadeira vazia
que a tua ausência reclama!
5
Cada tropeço me ensina
que a vida é eterno sonhar.
Na vida nada termina,
muda de forma e lugar.
6
Cadeira velha!...Esquecida,
sem dono e sem mais ninguém...
Só a saudade atrevida
reclama a ausência de alguém!
7
Dai-nos ó, Pai, a razão,
desta santa imagem tua…
e que eu reparta o meu pão,
com quem não tem pão na rua!!!
8
Esta aliança que um dia,
já guardou nossos segredos;
hoje guarda a nostalgia
das digitais de outros dedos!
9
Já pronta e de vela içada
tremulando de ansiedade,
vai para o mar a jangada
carregada de saudade!
10
Morre a flor na flor da idade,
padece a planta de dor;
a ausência deixa saudade,
até na morte da flor!
11
Ninguém é pedra polida,
se não mudar de conduta;
pois, a pedreira da vida
é feita de pedra bruta!
12
O mundo é roda gigante,
girando sempre a girar,
e eu sou passageiro errante
procurando meu lugar!
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SOBRE AS TROVAS DO PROFESSOR GARCIA
por José Feldman

As "Trovas do Professor Garcia" revelam uma rica reflexão sobre sentimentos universais, como a dor, a saudade, a liberdade e a busca por significado na vida. Cada estrofe aborda temas profundos e humanos, utilizando imagens poéticas para transmitir emoções.

TEMAS PRINCIPAIS

Saudade e Ausência: Muitas trovas expressam a dor da ausência, seja de uma pessoa amada ou de momentos passados, como na cadeira vazia e na aliança que guarda nostalgia.

Liberdade e Criatividade: A liberdade do poeta é um tema recorrente, mostrando como a arte e a expressão criativa são formas de superar limites e encontrar significado.

Reflexão sobre a Vida: Há uma contemplação sobre o aprendizado que vem com as dificuldades e a transitoriedade da vida, sugerindo que nada é permanente.

Solidão e Conexão: A solidão é uma constante, mas também é um espaço onde a conexão com a própria essência e com a arte pode florescer.

AS TROVAS, UMA A UMA

1. A dor que se intensifica
Reflete a dor emocional que acompanha a despedida. A repetição da palavra "dor" enfatiza a profundidade do sofrimento. A ideia de que a dor persiste após o adeus sugere que as memórias são difíceis de esquecer.

2. A liberdade do poeta
Esta trova destaca a relação entre a criação poética e a liberdade. O verso e o grito representam a expressão autêntica. A conclusão sobre vencer o infinito sugere que a arte transcende limitações.

3. A musa chega e me inspira
A musa é uma figura clássica que simboliza a inspiração. A metáfora da lira afina as emoções, indicando que a arte é um meio de conectar-se ao amor e à beleza.

4. A solidão me angustia
A solidão é personificada através da cadeira vazia, simbolizando a presença da ausência. Essa imagem é poderosa, evocando tristeza e uma forte conexão emocional com quem foi perdido.

5. Cada tropeço me ensina
Reflete a ideia de que cada dificuldade é uma oportunidade de aprendizado. A vida como um eterno sonhar sugere que as transformações são constantes e necessárias.

6. Cadeira velha!... Esquecida
A cadeira representa a solidão e a saudade. A descrição de uma cadeira sem dono evoca a perda e a nostalgia, mostrando como objetos podem carregar memórias.

7. Dai-nos ó, Pai, a razão
Uma invocação à divindade, pedindo compreensão e compaixão. A imagem de repartir o pão enfatiza a importância da solidariedade e da empatia em tempos de necessidade.

8. Esta aliança que um dia
A aliança simboliza promessas e segredos compartilhados. A mudança de quem toca a aliança indica a passagem do tempo e o que foi perdido, trazendo um tom melancólico.

9. Já pronta e de vela içada
A jangada simboliza a jornada emocional. Carregada de saudade, sugere que as lembranças e sentimentos ainda influenciam o presente, mesmo em novos começos.

10. Morre a flor na flor da idade
A morte da flor na juventude é uma metáfora para a efemeridade da vida. A ausência deixa saudade, mostrando que até a beleza tem um fim, mas deixa lembranças.

11. Ninguém é pedra polida
A metáfora da pedra sugere que o crescimento pessoal exige mudança e adaptação. A "pedreira da vida" simboliza os desafios que moldam quem somos.

12. O mundo é roda gigante
A roda gigante representa a ciclicalidade da vida e a busca incessante por um lugar no mundo. O "passageiro errante" reflete a incerteza e a busca por identidade e pertencimento.

ESTRUTURA POÉTICA
Rimas e Ritmo: As trovas possuem uma musicalidade que facilita a leitura e a memorização. Isso é típico da poesia popular, tornando-as acessíveis a um público amplo.

Imagens Visuais: As metáforas e imagens, como a cadeira vazia e a jangada, criam cenários que evocam emoções profundas. Essas imagens tornam as experiências universais e relatáveis.

IMPACTO 
As trovas têm um poder emocional significativo. Ao abordar temas como dor, saudade e liberdade, elas podem tocar o coração dos leitores, provocando reflexão e empatia. A simplicidade das palavras contrasta com a profundidade dos sentimentos, permitindo uma conexão imediata.

CONCLUSÃO
As trovas se destacam pela sua simplicidade, musicalidade e conexão emocional. Elas servem como uma ponte entre a tradição poética e a experiência cotidiana, fazendo com que sentimentos universais sejam facilmente compartilhados e apreciados. Enquanto outros estilos podem exigir uma leitura mais atenta ou interpretação, as trovas convidam à reflexão de maneira direta e acessível.

O uso de trovas é comum em várias culturas, onde a poesia é utilizada para expressar sentimentos e contar histórias de forma concisa e impactante.

As "Trovas do Professor Garcia" não são apenas poemas; são reflexões sobre a condição humana. Elas capturam a essência da vida, com suas dores e alegrias, e convidam o leitor a se conectar com suas próprias experiências.

Fonte: José Feldman. 50 Trovadores e suas Trovas em preto e branco. vol.1. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.