sexta-feira, 30 de agosto de 2024

Renato Frata (Renascimento de Matilde)

Ninguém saberia dizer o porquê de ela se vestir de preto de segunda a segunda, uma vida toda, como luto antecipado de si mesma a chorar a própria perda. Trazia os lábios pálidos, dentes pretejados e carregava um ar tímido num longo vestido preto de golas altas, meias de seda preta, sapatos pretos e nenhum acessório que não uma fita preta cingindo-lhe a cintura. Minto. Cruzava o corpo a alça longa da bolsa tão negra quanto o que lhe compunha a postura triste de quem tinha a vida como vã passagem.

Esmolava vida, tão grande sua carência.

Chamava-se Matilde, cujo significado "força na batalha, guerreira forte", contrastava com seu ser, um contrassenso, até que certo dia, por volta das nove da manhã, bateu no seu portão um homem musculoso e negro como sua vestimenta, que lhe pediu trabalho.

Capinaria e limparia todo o quintal por um prato de comida.

Viu fome nos olhos dele e cedeu.

Mas não ficaria bem uma mulher sozinha com um desconhecido pelas cercanias, sabia, porém, olhando para o quintal coberto de mato necessitando limpeza, deixou-o entrar, deu-lhe a enxada e o autorizou a iniciar a tarefa. Trancou-se, fechou as cortinas, meteu os ferrolhos nas portas. Pudica como era, não daria azo às vizinhas faladoras.

Lá pelas onze, com a comida pronta, olhou pela fresta e, temerosa, notou que o homem já havia capinado grande área do quintal. Abriu mais a cortina e confirmou; ele trabalhava bem e, como estava envolvido na tarefa, não lhe ofereceria perigo, afinal, era somente um faminto a procurar trabalho.

Então lhe preparou um belo farnel cuja fumaça espalhava o perfume da comida, e um copo de limonada. Com cuidado, levou o almoço até onde ele estava, e foi ali ao lhe passar o prato e o copo que ela, com os olhos cor de garapa saltando das órbitas brancas como louça, pôde contemplar, extasiada, a massa de músculos negros banhada de suor. Sensação que, aliás, nunca havia sentido.

Viu-se diante de um verdadeiro príncipe de ébano, se é que podia dizer isso, E se arrepiou por inteira, com o frio que instantaneamente lhe nasceu no espinhaço, percorreu-a de ponta a ponta e lhe pôs um tremor.

- Ora veja - disse ele, - Muito obrigado, senhora. Não sabe como a fome castiga! - deitou a enxada, desembrulhou o farnel e, sem se fazer de rogado, se pôs a comer. Era tão grande a fome que nem teve como se preocupar com ela, porém, ela não parava de olhá-lo.

Nunca, em toda a vida, estivera tão próxima de músculos tão fortes, rijos, inspiradores e sublimes. E sofreu gastura enquanto esperava, até que num momento ele entornou o copo de refresco e aí sim, olhou firmemente, compenetrado, sorrindo, enquanto lhe devolvia os objetos.

- É a refeição mais gostosa que já tive!

Receosa em lhe dar trela, tremeu como a sentir movimentos peristálticos em todos órgãos do corpo, o que a fez voltar às pressas. Mas não fechou a porta, nem as janelas, nem as cortinas. Deixou que o vento entrasse e a abanasse para amenizar o encantamento do másculo que suava capinando mato, e saísse pelas janelas levando a nebulosa solidão que tanto a martirizava.

Na manhã seguinte Matilde, enfim, fez jus à força do nome; no varal não pendurou somente roupas pretas estendidas ao sol, mas deixou, balançando silente ao vento, uma cueca verde, já gasta pelo uso, que registrava seu renascimento.

Fonte: Renato Benvindo Frata. Fragmentos. SP: Scortecci, 2022. Enviado pelo autor

O nosso português de cada dia (Expressões) = 4

(ISTO É A) CASA DA MÃE JOANA 

Lugar muito bagunçado, sem ordem, onde ninguém manda, onde todos falam e ninguém tem razão, prostíbulo, bordel.

O termo originou-se do prenome da Condessa de Provença, Joana, que viveu no século XIV e que regulamentou o funcionamento dos prostíbulos na cidade francesa de Avignon. Mãe é o apelido dado genericamente pelas prostitutas às donas de bordel.

CASINHA

Para dizer banheiro.

A expressão vem do tempo em que os banheiros não ficavam dentro das casas ou dos escritórios, eram pequenas casas de madeiras que cobriam as fossas higiênicas. Daí chamar o banheiro de casinha. 

(SER) CAXIAS 

Diz-se da pessoa que cumpre os deveres sem questiona-los, que é fiel seguidor de ordens e que não abre mão de executar tarefas que lhes foram incumbidas,

A referência é explícita ao comportamento de Luís Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, 1803-1880, conhecido como O Pacificador. O título veio por haver, no seu tempo de servidor militar, sufocado várias rebeliões contra o Império. Caxias sempre foi bem sucedido no que era designado para fazer. Pôs fim à Guerra pela independência da Bahia, em 1823; à Campanha Cisplatina, em 1825; à Abrilada, em 1832; à Balaiada, em 1839; à Revolução Liberal de São Paulo, em 1842; à Rebeldia de Ponche Verde, em 1843; à Guerra do Paraguai, com a Dezembrada, em 1868.

CESARIANA

É a técnica de remoção de um bebê do útero materno, por incisão abdominal, antes ou ao fim do período de gestação.

A origem remonta a uma lei romana que determinava a abertura do ventre de mulheres mortas em estado de gravidez, com o objetivo de salvar o feto se, porventura, estivesse vivo.

A lenda da origem do nome diz que Júlio César nasceu assim, Caio Júlio César, 100 - 44 a. C, foi um general romano de tão grande prestígio que seu sobrenome serviu de título para os imperadores que o sucederam como senhores de todo um vasto período de dominação,

(DAR) CHABU

No sentido de confusão ou frustração de uma expectativa.

Chabu, originalmente, é estouro chocho e imprevisto de um busca-pé ou outro fogo de artifício.

(SER) CHEIO DE NOVE HORAS 

Cerimonioso, metódico, formalista em excesso.

No século XIX, considerava-se nove horas da noite, a hora de referência para o fim das visitas e das festas de família, Portanto, qualquer pessoa que seguia as regras sem discuti-las poderia ser taxado de cheio de nove horas.

(FAZER) CONTA DE CAMELO 

Conta que tem o propósito de enganar alguém. "Matemágica" usada para iludir as pessoas por meio do raciocínio com números.

A expressão vem da história Os 35 camelos, do livro O homem que calculava, do escritor Malba Tahan, pseudônimo do professor carioca Júlio César de Mello e Souza, 1895 - 1974. Na referida história, Beremiz, o homem que calculava, alegra três irmãos desesperados que não conseguiam dividir bem os 35 camelos herdados do pai. O irmão mais velho deveria receber metade; o do meio, um terço; e o mais novo, um nono. Conta que se feita, daria sempre em números quebrados: 17 e pouco, 11 e pouco, 3 e pouco. O sábio calculador ofereceu seu camelo para eles, tornando o número de ímpar, 35, em par, 36. A partir daí cada um passou a receber mais do que pretendia: o primeiro recebeu 18; o segundo, 12 e o terceiro, 4. Todos ficaram então muito felizes, inclusive e sobretudo Beremiz, que recebeu como pagamento um camelo, mesmo depois de haver retirado o que havia dado. Basta observar que 18 + 12 + 04 = 34, portanto há algo de "matemágíca" aí.

Fonte: Nailor Marques Jr. Será o Benedito?: Dicionário de origens de expressões. Maringá/PR: Liceu, 2002.

Recordando Velhas Canções (Pierrô e Colombina)


(Valsa, 1913)

Compositor: Oscar de Almeida

Há quanto tempo saudoso 
Procuro em vão Colombina
Sumiu-se a treda ladina 
Deixou-me em trevas choroso
Procuro-a sim como um louco 
Nos becos, nas avenidas
As esperanças perdidas 
Tendo-as vou já pouco a pouco

Se em todo o carnaval 
Não conseguir ao menos
Seu rosto fitar 
Palavra de Pierrô
Eu juro me matar 
Não posso suportar
Esta cruel ausência 
Que me afoga em dor
Meu coração morrer 
Sinto de amor

É dia de risos e flores 
Todos folgam só eu não
Ela, talvez num cordão 
Procure novos amores
Oh! Companheira impiedosa 
Vê que suplício cruel
Vejo a minha alma afogar-se 
Num oceano de fel

Oh! Vós que acabais de ouvir 
Meu pranto, meu padecer
Tenho um pedido a fazer 
Tenham dó do meu carpir
Se encontrarem Colombina 
Que é da minha alma o vigor
Digam-lhe que assim se fina 
Procurando-a, seu Pierrô
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = = = = = = = = = = 

Antes do advento do samba e da marchinha, fazia sucesso no carnaval qualquer tipo de música, nem sempre alegre, como é o caso de "Pierrô e Colombina". Também chamada de "O despertar de Pierrô" e "Paixão de Pierrô", esta valsa de versos ("A vós que acabais de ouvir meu pranto, meu padecer / quero um pedido fazer / tenham dó do meu carpir...") e melodia carregados de tristeza, tomou conta do Rio de Janeiro nos carnavais de 1915 e 16, por paradoxal que possa parecer.

Conhecido por fazer versos de improviso, cantando e tocando modinhas ao violão. Em 1915 compôs “Pierrô e Colombina” (ou “Paixão de Pierrô”), grande sucesso no carnaval daquele ano e também no seguinte. Esta composição ao que parece, foi apresentada em primeira audição pública numa batalha de confete na Rua Dona Zulmira em Vila Izabel pela banda do Grupo do Camisa Preta. A valsa foi tão cantada pelas ruas naqueles carnavais que teve a letra deturpada, o que levou o autor a escrever carta ao Jornal do Brasil solicitando a transcrição da letra correta no que foi atendido. A composição foi gravada na Odeon pelo cantor Carlos Lima. Durante algum tempo houve uma polêmica a respeito de uma possível parceria com Eduardo das Neves nessa valsa, o que foi desmentido por Almirante que afirmou ser a autoria da melodia e da letra integralmente do carteiro.

Fontes: – A Canção no Tempo - Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello - Editora 34.
– Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira. – Ricardo Cravo Albin – 2021.

quinta-feira, 29 de agosto de 2024

José Feldman (Versejando) 147

 

Jerson Brito (Trovas em preto e branco)


 1
Aquela vila afastada,
nas brenhas do interior,
parece pobre... Que nada!
É manancial de amor…
2
A riqueza genuína
da tapera ou da mansão
vem do amor que predomina,
não se mede com cifrão.
3
Digo com sinceridade:
É melhor pro coração,
o amargor duma verdade,
do que o mel d’uma ilusão.
4
Esperança assim defino:
rio que corre veloz,
banhando nosso destino
sem chegar à sua foz.
5
- Fui bronze! Missão cumprida!
Disse o sujeito aos parentes,
sem mencionar que a corrida
só tinha três concorrentes.
6
Na crise, eu me fortaleço,
não perco os sonhos de vista;
toda queda é o recomeço
para quem crê na conquista!
7
Na luta, quando entendido
o recado de um tropeço,
qualquer espinho vencido
escreve um fim... e um começo!
8
O fracasso e a vitória
fazem parte do existir.
É normal na trajetória,
de vez em quando cair.
9
Qual cometa incandescente,
a paixão passa e se vai,
deixa no peito da gente
uma dor que nunca sai.
10
Se o fracasso tem dois lados,
vale muito a decisão;
chorar os planos frustrados
ou bendizer a lição.
11
Sobre opiniões e crenças,
a sensatez nos diria
que o respeito às diferenças
tece teias de harmonia.
12
Um cenário me devasta:
a garrafa de champanhe,
duas taças, vela gasta
e ninguém que me acompanhe.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

AS TROVAS DO JERSON EM PRETO E BRANCO
por José Feldman

As trovas de Jerson Brito capturam sentimentos profundos e reflexões sobre a vida, amor, e superação. Cada uma traz uma mensagem única, misturando lirismo e sabedoria.

AS TROVAS UMA A UMA

1. Aquela vila afastada
A abertura destaca um contraste entre a aparência de pobreza e a riqueza emocional. A "vila" simboliza lugares simples que guardam profundos sentimentos de amor. A ideia central é que o amor é um recurso valioso, superando bens materiais.

2. A riqueza genuína
Aqui, Jerson reforça que a verdadeira riqueza é medida pelo amor que existe nas relações e ambientes, não por riquezas financeiras. A "tapera" e a "mansão" são metáforas de que o valor está nas conexões humanas.

3. Digo com sinceridade
Essa trova aborda a importância da verdade, mesmo que dolorosa. O "amargor duma verdade" é preferível ao "mel d’uma ilusão", sugerindo que enfrentar a realidade, por mais difícil que seja, é mais saudável para o coração.

4. Esperança assim defino
A esperança é comparada a um rio que flui, simbolizando continuidade e movimento. A metáfora indica que, embora a esperança seja vital, ela pode nunca chegar a um destino final, refletindo a natureza incerta da vida.

5. Fui bronze! Missão cumprida!
Esta trova utiliza o humor para criticar a superficialidade das conquistas. O sujeito se vangloria de um prêmio em uma competição com poucos concorrentes, destacando a ironia de se sentir realizado em um contexto de baixa competição.

6. Na crise, eu me fortaleço
A resiliência em tempos de crise é o foco aqui. A queda é vista como uma oportunidade de recomeço, e a ideia de que "quem crê na conquista" pode transformar dificuldades em oportunidades é inspiradora.

7. Na luta, quando entendido
Jerson enfatiza a aprendizagem que vem dos tropeços. Cada dificuldade superada traz um novo começo, sugerindo que a vida é um ciclo de desafios e renovações, onde cada fim é uma oportunidade.

8. O fracasso e a vitória
Essa trova reflete a dualidade da vida. Tanto o fracasso quanto a vitória fazem parte da existência humana. A normalidade de cair é uma parte essencial do percurso, ressaltando a importância da experiência.

9. Qual cometa incandescente
Aqui, a paixão é retratada como efêmera, intensa e, por fim, dolorosa. A metáfora do cometa sugere que, embora a paixão possa ser deslumbrante, a dor que fica é uma parte inevitável da experiência amorosa.

10. Se o fracasso tem dois lados
Sugere que a resposta ao fracasso influencia nosso crescimento. A escolha entre lamentar ou aprender com as frustrações é crucial. A "lição" é um ativo valioso que pode ser extraído das experiências difíceis.

11. Sobre opiniões e crenças
A ênfase aqui é no respeito mútuo e na importância das diferenças. A "teia de harmonia" sugere que a convivência pacífica e o entendimento entre diferentes visões de mundo são fundamentais para a sociedade.

12. Um cenário me devasta
Esta trova traz um tom de melancolia. A cena de solidão, com uma garrafa de champanhe e velas gastas, simboliza a busca por conexão e a tristeza de estar sozinho em momentos que deveriam ser comemorativos.

TEMAS ABORDADOS

Amor e Riqueza: 
A verdadeira riqueza não está no material, mas no amor que habita os lugares, sejam eles simples ou grandiosos.

Verdade e Ilusão: 
A sinceridade é mais valiosa do que viver em ilusões; enfrentar a verdade pode ser doloroso, mas é libertador.

Esperança: 
Descrita como um rio que flui incessantemente, a esperança é vital, mesmo que nunca chegue a um fim definitivo.

Superação: 
A resiliência é central nas adversidades; cada queda é uma oportunidade de recomeço e aprendizado.

Amor e Solidão: 
A imagem do cenário solitário com champanhe simboliza a busca por companhia e a tristeza da solidão.

AS TROVAS DE JERSON NA LITERATURA CONTEMPORÂNEA

Temáticas Universais
As trovas podem refletir a busca pela verdade e a complexidade das emoções, semelhantes a temas em "Os Lusíadas" ou na obra de Pessoa, que aborda a melancolia e a identidade.

A valorização do interior e da vida simples nas trovas incorpora elementos da cultura local, refletindo costumes, linguagem e tradições que ressoam com a literatura regionalista, semelhante a autores como Guimarães Rosa e Jorge Amado.

Estilo Lírico
Utiliza uma linguagem poética e acessível, o que é uma característica comum na poesia contemporânea. A simplicidade das palavras, aliada à profundidade dos temas, permite que sua obra atinja um público amplo.

Reflexão sobre a Vida
As reflexões sobre a verdade, a experiência e as relações se alinham com a literatura contemporânea que explora a subjetividade e a busca por significado em um mundo complexo.

Crítica Social
Embora suas trovas sejam frequentemente pessoais, há uma crítica implícita à sociedade e suas expectativas, similar a muitos autores contemporâneos que abordam questões de identidade, classe e cultura. Como na literatura regionalista, há uma crítica subjacente às desigualdades sociais e às dificuldades enfrentadas pelas comunidades do interior, ecoando preocupações de autores como Rachel de Queiroz.

Intertextualidade
As trovas podem ser vistas como parte de um diálogo intertextual com outros poetas e escritores, refletindo influências e referências que são comuns na literatura atual, onde a interconexão entre obras é cada vez mais valorizada.

Exploração da Emoção
A exploração das emoções humanas de maneira honesta e crua é uma preocupação central na literatura contemporânea. Jerson, ao abordar temas como a dor e a alegria, contribui para essa tradição.

Conexão com o Cotidiano
A conexão com o cotidiano e a espiritualidade em suas trovas pode ser comparada à poesia de Adélia Prado, que frequentemente aborda temas de amor e fé em contextos simples e profundos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

As trovas revelam uma sensibilidade profunda às emoções humanas e uma reflexão sobre a vida. Ele aborda temas universais como amor, verdade, resiliência e solidão, convidando o leitor a refletir sobre sua própria experiência.

Suas trovas também refletem influências da literatura regional, incorporando elementos da cultura e do cotidiano do interior, o que estabelece uma conexão com escritores contemporâneos que buscam valorizar suas raízes e identidades locais.

A intertextualidade é evidente nos temas universais que ele aborda, como amor, solidão e superação, que são recorrentes na poesia contemporânea. Isso cria um laço com outras obras que tratam dessas experiências humanas, permitindo uma leitura mais rica. Esta intertextualidade não apenas enriquece sua poesia, mas também a conecta a uma tradição literária mais ampla e ao contexto contemporâneo. Essa rede de referências e diálogos permite uma leitura multifacetada, onde cada trova se torna um ponto de partida para novas interpretações e conexões.

As trovas de Jerson, com sua combinação de lirismo, reflexões profundas e crítica social, se insere bem no contexto da literatura contemporânea. Sua capacidade de tocar em questões universais e a forma como se relaciona com a experiência humana o tornam relevante e ressonante com as tendências atuais.

Fonte: José Feldman. 50 Trovadores e suas Trovas em preto e branco. IA Open. vol.1. Maringá/PR: Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

Eduardo Affonso (Agosto)

31 de agosto, 1960

– Você vai à parada do dia 7 tocando bumbo! – garantiu o obstetra à minha mãe.

Não deu.

E ela gostava tanto de setembro.

Casou-se em setembro.

Um de seus filmes favoritos – ao lado de “As neves do Kilimanjaro” e “Candelabro italiano” – era “Quanto setembro vier”.

Quando setembro viesse, viria o segundo filho. De preferência, uma filha.

Esperara um ano antes pela Rita de Cássia, e vim eu. Desta vez, em setembro, Rita de Cássia haveria de vir.

Mas no dia 31 do mês do agouro, dos ventos e dos cachorros loucos, sentiu que o tempo virava – lá fora e dentro de si.

Entrou em trabalho de parto enquanto o céu começava a desabar – ou o céu desabou quando ela começou a sentir as dores, não é mais possível saber, e não faz diferença, pois não há relação de causa e efeito. Ou há?

Imaginemos que à primeira contração correspondeu um relâmpago, à segunda um trovão, às seguintes as janelas fechadas às pressas, e então as telhas voaram, e a água desceu pelas paredes, pelo bocal da lâmpada, até que se pôde ver o céu faiscando por entre as frestas do forro de madeira, e o quarto foi inundado.

Minha vó acudiu com rezas e panos. Meu avô abriu um guarda-chuva sobre a cama, para proteger a parturiente – avô, avó, cama, todos com água já pelas canelas.

Minha mãe queria que tudo acabasse logo – o vendaval, as dores – mas queria também que desse logo meia-noite e fosse setembro. E nem setembro chegava, nem o temporal se ia.

Às 11 e tanto, ainda sob a tempestade e o guarda-chuva,  envolvida pelas ave-marias e salve-rainhas que tentavam subir aos céus se esgueirando por entre os raios e trovões, foi mãe de novo.

No quarto inundado, fez ela mesma o batismo com o resto de água benta guardada no armário, antes que o teto viesse a desabar, e o bebê morresse pagão.

E o batizou de novo, para o caso de os estrondos terem abafado sua voz; e uma terceira vez, por garantia, e talvez porque ainda tivesse forças e houvesse água benta – ou quem sabe já fosse água da bica.

Sobreviveram todos – ela, o bebê, meus avós, os móveis, eu (possivelmente aos berros no colo de alguém), as tesouras do telhado, parte das telhas, o teto.

Ela queria tanto uma menina, que viria quando setembro viesse.

Foi mais um menino.

E ainda era agosto.

A. A. de Assis (O nosso português de cada dia) Um régulo na panturrilha

Não se assuste se ouvir alguém dizer que fulano tem um “régulo na panturrilha”. Significará apenas que o tal fulano tem um “reizinho na barriguinha”. 

Se os diminutivos em português fossem todos marcados por “inho” ou “zinho”, seria moleza (barquinho, barzinho). O problema é que muitos deles vieram prontos do latim, mantendo a forma erudita; outros chegaram até nós via espanhol, francês, italiano, e alguns nem parecem diminutivos. Por exemplo: é fácil entender que “caixinha” é diminutivo de “caixa”, porém nem todos percebem de imediato que “cápsula” (do latim “capsa” = caixa) é a mesma coisa, isto é, uma “caixinha”. 

Assim também acontece com “régulo”, diminutivo erudito de “rei”, e com “panturrilha”, palavra que pedimos emprestada ao espanhol e que em geral é empregada no sentido de “barriga da perna” (daí que os jogadores de futebol frequentemente se queixam de “contratura na panturrilha”). A palavra tem origem no latim “pantex” (= barriga), que virou “panza” em espanhol e “pança” em português. De “pantex” temos também os verbos “empanturrar” e “empanzinar”. 

Há muitos outros casos interessantes. Por exemplo: poucos percebem que o “asterisco” (*) é assim chamado por ser uma estrelinha. É um diminutivo do latim “aster” = astro, estrela. 

Só os mais antigos se dão conta de que “maçaneta” é um diminutivo de “maçã”. Nos velhos bons tempos as maçanetas das portas tinham o formato de uma maçãzinha. 

Desde também os velhos tempos foi sempre comum alguém dar uma gratificação a quem lhe prestasse um pequeno serviço. Dizia-se: “Leve pra molhar a gorja” (tomar uma cachacinha). “Gorjeta” é um diminutivo de “gorja” = “garganta”, “goela”. É uma “gargantinha”. 

Já reparou que a “cedilha” (aquele rabinho que vem embaixo do “ç”) na verdade é um pequeno “z”? Pois é... “cedilha” (em espanhol “zedilla”) é um diminutivo da letra grega “zeta”. A função do “z-zinho” (ç) é indicar que aquele “c” tem o som de “tz” (ss). 

“Aedes” (latim) é casa, edifício. O diminutivo de “aedes” (édis) é “aedicula” (edícula). Daí o nome daquela pequena casa habitualmente construída no quintal. 

“Boca” em latim é “os, oris” (de onde temos a palavra “oral”. “Ósculo” (diminutivo de “os”) é uma pequena boca. Mas em português “ósculo” é sinônimo de “beijo”. Explica-se: quando você vai beijar contrai os lábios, como que formasse uma boquinha... 

Na mesma linha, temos numerosos outros diminutivos curiosos: castanhola é uma pequena castanha. Donzela (diminutivo de “dona”) é uma doninha, uma senhorita. Opúsculo (pequena obra literária) é dimunitivo de “opus” = obra. Palito é diminutivo de “palus” = pau (é um pauzinho). Roseta é um diminutivo de rosa. Sarjeta é diminutivo de “sarja” = valeta, escoadouro de águas. Vesícula é diminutivo de “vesica” = bexiga (é uma bexiguinha). Vírgula é diminutivo de “virga” = vara (a vírgula tem a forma de uma varinha). E por hoje ficamos por aqui. Pax. 
==================== 
(Crônica publicada no Jornal do Povo – 29-8-2024)

Fonte: Texto enviado pelo autor

Antero Jerónimo (Lançamento do livro "Na pele do sentir", em Lisboa, 19 de outubro)


Recordando Velhas Canções (No bico da chaleira)


(Polca, 1909)

Compositor: Juca Storoni

Iaiá me deixe subir esta ladeira,
Que eu sou do grupo do pega na chaleira,
Iaiá me deixe subir esta ladeira,
Que eu sou do grupo do pega na chaleira.

Que vem de lá,
Bela Iaiá,
Ó abre alas,
Que eu quero passar,
Sou Democrata,
Águia de Prata,
Vem cá mulata,
Que me faz chorar..
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Diariamente, o Morro da Graça no bairro das Laranjeiras no Rio de Janeiro era frequentado por dezenas de pessoas - senadores, deputados, juízes, empresários ou, simplesmente, candidatos a cargos públicos ou mandatos eletivos. A razão da romaria era que no alto do morro morava o general senador José Gomes Pinheiro Machado, líder do Partido Republicano Conservador, que dominou a política nacional no início do século.

Pois foi para satirizar o comportamento desses bajuladores que o maestro Costa Júnior (Juca Storoni) fez a animada polca "No Bico da Chaleira", sucesso do carnaval de 1909: "Iaiá me deixe subir nessa ladeira / eu sou do grupo que pega na chaleira...". E tamanha foi a popularidade da composição que acabou por consagrar o uso dos termos "chaleira" e "chaleirar" como sinônimos de bajulador e bajular. Isso porque, dizia-se na época, o pessoal que subia a ladeira da Graça disputava acirradamente o privilégio de segurar a chaleira que supria de água quente o chimarrão do chefe.

Com a morte de Pinheiro Machado, assassinado por um débil mental em 1915, deram seu nome à Rua Guanabara, onde começava a subida para sua casa, na qual passou a funcionar o Colégio Sacre Coeur e tempos depois uma empresa construtora.

quarta-feira, 28 de agosto de 2024

Ademar Macedo (Ramalhete de Trovas) 23

 

Edy Soares (Trovas em preto e branco)

O beija-flor à direita, é a ave símbolo do Espírito Santo

1
A memória enfraquecida,
a fronte calva, a bengala,
mostra no ciclo da vida
o velho que o neto embala.
2
A trapaça é artifício
do covarde sem pudor,
que sem nenhum sacrifício
quer se fazer vencedor.
3
Da semente, a nova planta;
da planta, a semente e o pão.
Do pão, a vida que encanta,
que planta e cultiva o chão
4
- Era profunda a raiz!
Disse o dentista ao cliente,
ao perceber que o nariz
saiu agarrado ao dente.
5
Eu... você... as confidências...
Que pena que o tempo passa!
Hoje vivo de aparências
e a vida já não tem graça…
6
Meu Noel é de dar dó...
Nesta crise, veio a pé,
sem renas e sem trenó...
E entalou na chaminé!
7
O chato que mais me irrita
e que mais me funde a cuca...
é aquela pessoa aflita,
que enquanto fala, cutuca.
8
Por egoísmo e ganância
a Terra está dividida.
Tanto poder e arrogância,
ante a pobreza sofrida.
9
Quer, ricos ou indigentes,
todos são filhos de Deus;
sejam mansos ou valentes,
sejam nobres ou plebeus.
10
Sem o amor do jardineiro,
o que seria da flor?...
Rosas não teriam cheiro,
jardins não teriam cor!…
11
- “Três dias de penitencia”,
pede o padre ao confessado.
- "Pode dobrar a exigência,
vou repetir o pecado!”
12
Velhas fotos no monóculo,
na gaveta de uma estante...
É como ver de binóculo,
um tempo já bem distante.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

AS TROVAS DE EDY SOARES EM PRETO E BRANCO
por José Feldman

AS TROVAS UMA A UMA

1. A memória enfraquecida
A primeira trova reflete sobre a passagem do tempo e a fragilidade da memória. A imagem do velho sendo embalado pelo neto simboliza a continuidade da vida e a relação entre gerações.

2. A trapaça é artifício
Aqui, o autor critica a covardia e a falta de ética. A trapaça é apresentada como uma solução fácil para quem não quer se esforçar, destacando a desonestidade como um caminho sem valor.

3. Da semente, a nova planta
Esta trova aborda o ciclo da vida e a conexão entre natureza e existência. A semente representa o potencial, enquanto o pão simboliza a vida e a sustento, enfatizando a importância da agricultura.

4. Era profunda a raiz!
Com um toque de humor, essa trova brinca com a relação entre dentista e cliente. A metáfora da raiz dental que "sai agarrado ao dente" retrata a relação entre dor e cuidado.

5. Eu... você... as confidências...
Refere-se à passagem do tempo e à superficialidade das relações modernas. O eu lírico lamenta que, apesar das confidências, a vida perdeu sua essência, tornando-se apenas aparência.

6. Meu Noel é de dar dó...
Essa trova traz uma crítica à realidade econômica, usando a figura do Papai Noel como símbolo de esperança que se tornou ineficaz. A imagem de Noel "entalado na chaminé" é uma metáfora para as dificuldades da vida.

7. O chato que mais me irrita
Aqui, o autor fala sobre a irritação causada por pessoas que não param de falar. A "cutucada" é uma metáfora para a insistência, destacando a falta de empatia.

8. Por egoísmo e ganância
Essa trova critica a desigualdade social. A Terra dividida simboliza a luta por poder e a arrogância dos que têm em contraste com a pobreza dos que não têm.

9. Quer, ricos ou indigentes
O autor reafirma a ideia de que todos são iguais diante de Deus, independentemente de sua condição social. A mensagem é de unidade e humanidade.

10. Sem o amor do jardineiro
Esta trova celebra a importância do cuidado e do amor. Sem o jardineiro, as flores não teriam seu valor; essa relação enfatiza a dependência entre amor e beleza.

11. Três dias de penitência
Com humor, essa trova aborda a hipocrisia nas práticas religiosas. O diálogo entre o padre e o confessado revela a ideia de que a penitência é muitas vezes superficial.

12. Velhas fotos no monóculo
Por fim, essa trova reflete sobre a nostalgia e a memória. As fotos guardadas simbolizam recordações de um passado distante, visto de forma distorcida, como se olhado através de um binóculo.

ABORDAGENS

As trovas de Edy Soares são uma expressão rica e multifacetada da poesia popular brasileira, refletindo tanto a simplicidade quanto a profundidade das experiências humanas.

Conexão com a Tradição Popular
As trovas se inserem na tradição da poesia popular, que é acessível e frequentemente recitada em diferentes contextos sociais. Essa conexão com o folclore e a oralidade confere às trovas um caráter atemporal.

Reflexão sobre a Condição Humana
Cada trova traz uma reflexão sobre a vida, abordando questões como a passagem do tempo, a fragilidade das relações e as desigualdades sociais. Essa capacidade de capturar a essência da experiência humana torna as trovas relevantes em diferentes épocas e contextos.

Humor como Ferramenta Crítica
O uso do humor e da ironia é uma característica marcante. A leveza com que Edy Soares aborda temas pesados permite que o leitor reflita sobre questões sérias sem sentir-se oprimido. O humor é uma forma eficaz de crítica social, tornando as mensagens mais impactantes.

Imagens e Metáforas
As metáforas utilizadas nas trovas são poderosas e evocativas, permitindo que o leitor visualize e sinta as emoções descritas. A utilização de elementos da natureza, por exemplo, serve para simbolizar experiências humanas, criando uma conexão íntima entre o homem e o meio ambiente.

Universalidade e Acessibilidade
A linguagem simples e direta torna as trovas acessíveis a um público amplo. Essa universalidade permite que pessoas de diferentes idades e origens se identifiquem com as mensagens, promovendo um sentimento de comunidade e pertencimento.

Impacto Emocional
As trovas conseguem tocar em questões emocionais profundas, provocando reflexões sobre amor, perda, nostalgia e esperança. Essa capacidade de evocar emoções é o que torna a poesia de Edy tão ressonante.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Essas trovas, com seu tom leve e crítico, oferecem uma rica reflexão sobre a vida, a sociedade e as relações humanas. Cada trova aborda temas universais, como a vida, a morte, as relações humanas e as questões sociais, muitas vezes com um toque de humor ou ironia. O uso de metáforas é comum, enriquecendo a mensagem e proporcionando múltiplas interpretações. Mensagens profundas transmitidas de maneira concisa e memorável.

Enfim, as trovas de Edy Soares são uma rica contribuição à literatura brasileira, combinando forma, conteúdo e emoção de maneira magistral. Elas não apenas entretêm, mas também oferecem uma profunda reflexão sobre a vida e a sociedade, tornando-se uma fonte de inspiração e aprendizado. A sua relevância perdura, mostrando que a poesia pode ser um meio poderoso de expressão e crítica.

Fonte: José Feldman. 50 Trovadores e suas Trovas em preto e branco. IA Open. vol.1. Maringá/PR: Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

Mensagem na Garrafa = 133 =

RITA MOURÃO 
Ribeirão Preto/SP

Porque sou poeta

Era uma casinha modesta no meio do chapadão. Ali o sertão me cultivava. 

Lá fora, o vento com seus dedos esguios tocava a folhagem e as árvores gemiam. A noite passeava em mim e seguia seu curso em busca de um novo amanhecer. 

Tudo era um chamado à meditação, tudo mostrava um recado do Criador que, em minha precoce alma de poeta, eu procurava decifrar. 

O dia amanhecido me reerguia igual ao sol daquela manhã cheia de significados, enquanto eu, miúda de extravagâncias, deixava que a santidade do sertão me cultivasse de acordo com aquele momento sublime, vazio de ambições, mas repleto de Deus. E minha alma vagava pela imensidão dos campos verdes pisando aquela manhã orvalhada de poesia. 

Ali, nasceu meu jeito de ser poeta. Um poeta das miudezas, diante do imenso mundo que me cercava. 

Minha alma foi treinada para menos, sou abastada de conformidades, a poesia me fez terra, rio e sertão. Isso me basta. 

Sou poeta porque a natureza versa em mim.

Fonte: Texto enviado pela autora 

O nosso português de cada dia (Expressões) = 3

CÃO DOS INFERNOS

Para animal ou pessoa muito brava.

A associação vem da mitologia, já que a porta do inferno é guardada por um cão chamado Cérbero. Na mitologia grega, era um monstruoso cão de três cabeças que guardava a entrada do mundo inferior, o reino subterrâneo dos mortos, deixando as almas entrarem, mas jamais saírem e despedaçando os mortais que por lá se aventurassem.

CAOS (ESTAR UM)

Bagunça generalizada, expressão usada, na maioria das vezes, no sentido hiperbólico.

Caos, na mitologia, é a personificação do vazio primordial, anterior a qualquer criação, no tempo em que, por não existirem os elementos, a ordem não havia ainda sido imposta. Ele criou Érebo, que representa as trevas infernais, Nyx, que é a noite, Hémera, representando o dia, e Éter, personificando o céu superior, onde a luz é mais pura do que no céu que está mais próximo da Terra.

CAROCHINHA (HISTÓRIAS DA)

Contos-de-fadas, histórias para crianças.

Carochinha não é um ser imaginário ou um animal. Carocha quer dizer mulher velha, portanto carochinha é uma velhinha.

CARIOCA

Denominação genérica dada aos habitantes do Rio de Janeiro.

A palavra vem do nome dado pelos índios cari (branco) e oca (casa) à feitoria fundada por Gonçalo Coelho em 1504 e desativada por Cristóvão Jaques em 1516. No mesmo lugar, o atual Flamengo, foi construída uma casa-forte, um estaleiro e uma ferraria pela missão de Martim Afonso de Sousa, em 1531.

CARRANCUDO

Diz-se do indivíduo que está mau humorado, bravo, com a cara fechada.

A expressão se origina, por analogia, à aparência das carrancas, caras disformes de pedra, madeira ou metal, com que são ornadas bicas ou chafarizes. Carrancas ou cara de monstros são também bustos, emblemas ou florões que são colocados nas embarcações (no Rio São Francisco há muitas) para ornamentação ou, como querem alguns, para espantar os maus espíritos.

Fonte: Nailor Marques Jr. Será o Benedito?: Dicionário de origens de expressões. Maringá/PR: Liceu, 2002.