quarta-feira, 21 de maio de 2025

Asas da Poesia * 24 *

 

Trova de
A. A. DE ASSIS 
Maringá/PR

Para espalhar, num momento,
uma notícia qualquer,
não há melhor instrumento
que o rádio, a imprensa e a mulher...
= = = = = =

Poema de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal

Não há distância entre um nada e outro nada
(Narciso Alves Pires in "Para Além do Adeus")

Não há distância entre um nada e outro nada
Já que todos os nadas são iguais
Mas o nada que dizes me dói mais
Do que a mágoa que fosse a mais pesada,

Já sei que a minha sorte foi traçada
Para morar num barco preso ao cais
Sem provar o mar chão e os temporais
E não tive, sequer, uma largada.

Ê tudo igual nos tempos que medeiam
As horas destes dias que semeiam
No meu peito uma ausência de porto.

Confinado ao tão pouco que hoje sou
Fico aqui, sei que não chego nem vou
No ponto de partida eu já estou morto.
= = = = = = = = =  

Triverso de
MARIA HELENA LOURENÇO TAVARES
São Vicente/SP

Lua

Só uma metade…
Quem foi que escondeu
O resto da Lua?
= = = = = = 

Poema de
VANICE ZIMERMAN
Curitiba/PR

As mãos que colheram as uvas...

Feito, finas rendas que com o tempo
Tornaram-se translúcidas e, aos poucos
Desapareceram,
As mãos que colheram as uvas,
Permanecem vivas, pulsando
Nas lembranças de outras mãos
Colhendo uvas em um antiga ritual
Árduo e encantado,
Mantendo a tradição de colher com cuidado e,
Carinho, e assim extrair
Dos doces cachos, o vinho...
As mãos que colheram as uvas,
Vivas permanecem em vinícolas,
E na solitária garrafa escura, ao lado do queijo.
E também, em telas
E no olhar de quem, curioso
As observa ao alcance das mãos
Em um fim de tarde, repleta
De cores, amor e silêncio...
= = = = = = 

Trova de
DOROTHY JANSSON MORETTI 
Três Barras/SC, 1926 – 2017, Sorocaba/SP

Cheguei tarde para a festa...
De véu, grinalda e um sorriso,
ela é a imagem que me resta
de um pretenso paraíso.
= = = = = = 

Poema de
PIA TAFDRUP
Copenhague/Dinamarca

Qual a Hora, Qual o Momento?

Uma falha na vida é às vezes castigada
com a morte
- veneno – gás – choque – tiros – ou enforcamento –
mas o que é a morte
senão um castigo?
Uma recompensa ou não?
Condenados a morrer
já nós estamos
- mesmo sem castigo.
Ou será a morte
apesar de tudo uma prenda
que nos impede de viver demais?
Isso sim, seria um castigo!
para nós e para os outros.
Difícil é ver a morte
como prenda
no momento de deitar fora o papel
com a morada de um amigo
que morreu,
tenho que me lembrar
de não mandar mais cartas, 
não fazer mais telefonemas,
talvez desistir de conversar em sonhos…
Devo guardar o papel amarrotado
ou recordar o que ele diz?
Há silêncio
na sombra…
Destruo o endereço que ele escreveu
- mas porquê?
Porque o céu com as brasas que se erguem
brilha vermelho – Herodes –
ou porque um pica-pau neste momento
anda por um ramo de pernas para o ar
e cabeça para baixo,
mas o olhar vagueia
pelo céu matinal do abismo.
= = = = = = = = = 

Trova de
LUIZ OTÁVIO
Rio de Janeiro/RJ, 1916 – 1977, Santos/SP

Pergunta a neta, sentida:
"Vovó, como era a mãezinha?"
- Olha no espelho, querida,
tinha esta mesma carinha...
= = = = = = 

Soneto de
OLAVO BILAC
Rio de Janeiro/RJ, 1865 – 1918

Vinha de Nabot

Maldito aquele dia, em que abriste em meu seio,
Cruel, esta paixão, como, ampla e iluminada,
Uma clareira verde, aberta ao sol, no meio
Da espessa escuridão de uma selva cerrada!

Ah! três vezes maldito o amor que me avassala,
E me obriga a viver dentro de um pesadelo,
Louco! por toda a parte ouvindo a tua fala,
Vendo por toda a parte a cor do teu cabelo!

De teu colo no vale embalsamado e puro
Nunca descansarei, como num paraíso,
Sob a tenda aromal desse cabelo escuro,
Olhando o teu olhar, sorrindo ao teu sorriso.

Desvairas-me a razão, tiras-me a calma e o sono!
Nunca te possuirei, bela e invejada vinha,
Ó vinha de Nabot que tanto ambiciono!
Ó alma que procuro e nunca serás minha!
= = = = = = 

Trova de 
ADEMAR MACEDO
Santana do Matos/ RN, 1951 – 2013, Natal/ RN

Meu momento mais doído 
foi perder quem tanto adoro, 
por isso eu choro escondido 
para ninguém ver que eu choro!
= = = = = = 

Poema de 
AMÉRICO TEIXEIRA MOREIRA
Armamar/Alto Douro/Portugal

Como se fosse um punhal doce

Foi quando senti a tua nudez mais perto
que um cais aqueceu o meu corpo.
Foi quando tentei cantar teus olhos perdidos
que a imensidão da tua boca se fechou.
Foi quando louco e escorraçado do teu barco
que as águas do oceano vieram percorrer
com violência o silêncio da tua partida.
Foi quando vindo do infinito da tua pele inundada
que as minhas verdades se desmoronaram
e dissidentes se perderam no equilíbrio
da tua recusa em seres um pântano.
Foi quando no meio de um matagal de vozes
a minha se exasperou na fervura de tantos olhares.
Foi quando os fragmentos de um mundo irônico e
doente de sonho matou de morte o prazer das veias.
Foi quando uma tarde perdida no tempo a
inconstância quis correr mais forte e viscosa,
secreta de raiva, ainda mais sofrida de fogo
que a frescura da razão caiu em mim calada
e triste, o absoluto da solidão me trespassou
como se fosse um punhal doce.
= = = = = = 

Trova de
IZO GOLDMAN
Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP

" O trabalho é que enobrece!" 
Dizem todos ao Raul.
E ele responde: - "Acontece, 
que eu detesto sangue azul!"
= = = = = = 

Soneto de
AMAURY NICOLINI
Rio de Janeiro/RJ

Águas Passadas

Essa mulher que você vê, já foi um dia
muito mais do que é hoje em minha vida.
Já foi a musa que inspirou toda a poesia,
e a razão de cada noite mal dormida.

Essa mulher eu quis, mas nada dela tive,
a não ser toda a desilusão que virou dor,
uma dor que no meu peito ainda vive
quando alguém me pergunta sobre amor.

Essa mulher, que me olha indiferente,
que mostra que por mim mais nada sente
e se despede assim, com naturalidade,

não nota que eu procuro, e não consigo
vê-la apenas com os olhos de um amigo,
pois esse olhar é o retrato da saudade.
= = = = = = 

Trova do
PROFESSOR GARCIA
Caicó/ RN

Na loucura dos meus versos,
e em quase todos seus traços,
há pedacinhos dispersos
do amor que tive em teus braços.
= = = = = = 

Hino de
IBIPORÃ/ PR

Foi fundada no bruto sertão
Pouco às margens do Rio Tibagi
E crescendo tornou-se o brasão
Deste povo que vibra e sorri.

Tu exalas perfume no ar
Há em ti um gorjeio de prece
Sua história é um hino a cantar
As grandezas que a pátria enaltece.

Salve, salve Ibiporã.
Terra de audazes bandeirantes
Teus cafezais heróico afã
São teus preciosos diamantes.

Vem dos rios, vem dos lares e florestas.
Vem da alma da infância senil
Sussurrando uma brisa de festas
Ao beijar o pendão do Brasil.

Da mais bela e grandiosa matriz
Linda imagem da Virgem da Paz
Abençoa a cidade feliz
E serena-lhes os dias que traz.

Salve, salve Ibiporã.
Terra de audazes bandeirantes
Teus cafezais heróico afã
São teus preciosos diamantes
= = = = = = = = =  

Trova de
LUCÍLIA A. T. DECARLI
Bandeirantes/PR

É madrugada... e eu proponho
que esta solidão me esqueça,
ante os versos que componho
até que o dia amanheça!
= = = = = = = = =  

Soneto de
BENEDITA AZEVEDO
Magé/ RJ

Meu eterno namorado

Esta imensa saudade que ficou,
dos momentos felizes que vivemos,
dos planos para os filhos que tivemos,
tudo isso meu amor concretizou.

A pequenina  casa ainda teremos,
onde possa lembrar o que restou,
dessa história de amor que aqui chegou
e em nossos descendentes viveremos.

Meu coração se aflige ao recordar,
aquele nosso sonho anos sessenta,
sente tua presença ali no altar.

Ouço  ainda teu passo a caminhar
em cada filho nosso, após quarenta
anos o nosso sonho acalentar.
= = = = = =

Trova de
RITA MOURÃO
Ribeirão Preto/ SP

É um velho lar meu legado 
onde o amor gerou bonança
e pôs um filho ao meu lado 
multiplicando essa herança.
= = = = = =

Poema de 
SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN
Porto/Portugal, 1919 – 2004, Lisboa/Portugal

Retrato de uma princesa desconhecida

      Para que ela tivesse um pescoço tão fino
Para que os seus pulsos tivessem um quebrar de caule
 Para que os seus olhos fossem tão frontais e limpos
      Para que a sua espinha fosse tão direita
         E ela usasse a cabeça tão erguida
    Com uma tão simples claridade sobre a testa
 Foram necessárias sucessivas gerações de escravos
     De corpo dobrado e grossas mãos pacientes
     Servindo sucessivas gerações de príncipes
         Ainda um pouco toscos e grosseiros
            Ávidos cruéis e fraudulentos

         Foi um imenso desperdiçar de gente
        Para que ela fosse aquela perfeição
           Solitária exilada sem destino
= = = = = =

Triverso do
HERMOCLYDES SIQUEIRA FRANCO
Niterói/RJ, 1929 – 2012, Rio de Janeiro/RJ

A maré alta devolve
plásticos e pneus,
mas não devolve a "vergonha"!
= = = = = = = = =  

Poema do
ANDRÉ CARNEIRO
(André Granja Carneiro)
Atibaia/SP, 1922 – 2014 , Curitiba/PR

Florestas queimadas

0 correto é sinuoso.
Atravessar o asfalto de olhos fechados
economiza tardias agonias sem alvo.
Cada palavra gritada
tem dicionário diverso.
Letras deslizam pelos olhos,
o som o dente mastiga,
a vogal mordida perfura o tímpano,
o ‘não’ salta dos lábios
como um rato assassino.
Há um jeito de perfumar sentenças,
mostrar o mel de virgens letras obscenas.
Como os caninos das serpentes,
há letras molhadas
com o ácido corrosivo
do olhar sem brilho.
Calada, sei quando ela
pensa em nuvens macias
ou estrangula insetos
com os pés em curva.
Faço versos com verbetes alheios.
Arrisco confundir
finjo com pretendo,
loucura com a doçura
do momento em segredo,
o espelho no teto e a porta fechada.
Alienígenas sem lábios, canetas e livros
transmitem o que pensam.
Nossas palavras ditas ou escritas
são ininteligíveis fora deste uni
verso de primatas solitários,
sem dinossauros nas
florestas queimadas.
= = = = = = = = =  

Uma Aldravia de
GILBERTO MADEIRA PEIXOTO
Belo Horizonte/MG

amar
é
buscar
um
novo
horizonte
= = = = = = = = =  

Poema do
MÁRIO QUINTANA
Alegrete/RS, 1906 – 1994, Porto Alegre/RS

Este quarto... 
(para Guilhermino César)

Este quarto de enfermo, tão deserto
de tudo, pois nem livros eu já leio
e a própria vida eu a deixei no meio
como um romance que ficasse aberto...

que me importa este quarto, em que desperto
como se despertasse em quarto alheio?
Eu olho é o céu! imensamente perto,
o céu que me descansa como um seio.

Pois só o céu é que está perto, sim,
tão perto e tão amigo que parece
um grande olhar azul pousado em mim.

A morte deveria ser assim:
um céu que pouco a pouco anoitecesse
e a gente nem soubesse que era o fim...
= = = = = = = = =  

Haicai de
SONIA REGINA ROCHA RODRIGUES 
Santos/SP

Borboleta

Encantada, eu paro –
Migração de borboletas
esconde a paisagem.
= = = = = = = = =  

Soneto do
FRANCISCO NEVES DE MACEDO
Natal/RN, 1948 – 2012

A trova

Momento maior de qualquer trovador
é quando ele faz uma trova inspirada,
e evoca a paixão da mulher, a sua amada,
com versos perfeitos falando de amor.

Esteja onde esteja, vá aonde ele for,
a trova será sua luz, sua estrada...
É faixa de luz de si mesmo emanada,
ciência suprema que vem do Senhor!

São só quatro versos com rimas perfeitas
Cruzadas, reais, pelos vates eleitas,
o amor burilado com plena emoção.

Sem trova a poesia seria incompleta,
e o bom trovador tão somente poeta...
Enorme vazio no meu coração!
= = = = = = = = =  

Soneto de
JOSÉ TAVARES DE LIMA 
Juiz de Fora/MG

Poesia, meu refúgio 

Sinto a tua presença nos meus passos,
a tua sombra acompanhar a minha;
e nas horas de insônia e de cansaços,
que a tua mão furtiva me acarinha…
 
Quando curvado ao peso dos fracassos,
a dor dos desenganos me espezinha,
eu te chamo inquieto, abrindo os braços
como quem de loucura se avizinha!
 
E, se a chamar-te quase sempre vivo
é porque sabes ser o lenitivo
que suaviza aquela dor medonha…
 
E acho em ti, poesia benfazeja,
o refúgio feliz que o aflito almeja,
e o mundo alegre que o poeta sonha!…
= = = = = = = = =  

Epigrama de
PADRE CELSO DE CARVALHO
Curvelo/MG, 1913 – 2000, Diamantina/MG

Se toda ilusão frustrada
se tornasse assombração,
que casa mal assombrada
não seria o coração!
= = = = = = = = =  

Poema da
SUELY BRAGA
Osório/RS

A gota

A gota rola na face
não é colírio
não é orvalho
A gota é uma 1ágrima
vertida
sentida
que expressa dor
ou alegria.
A gota mergulha no oceano
das emoções
das angústias
dos corações
= = = = = = = = =  

Quadra Popular
AUTOR  ANÔNIMO

Com pena peguei na pena
para com pena escrever,
com pena escrevi penas,
com penas hei de morrer.
= = = = = = = = = 

Aparecido Raimundo de Souza (Os cegos e o eterno caos urbano)


DOIS AMIGOS completamente cegos Zeca e Toninho, chegam à beira de uma avenida movimentada no centro de São Paulo.

Zeca:  — Beleza, Toninho. Galgamos a parte mais crítica da nossa missão. 

Toninho: — Que missão? 

Zeca: — Atravessar essa avenida sem virar mais um número na estatística! 

Toninho: — Perfeito. Como vamos fazer isso da próxima vez? 

Zeca: — Eu pensei num plano infalível. 

Toninho: — Tomara que seja melhor que aquele do elevador. 

Zeca: —  O elevador não foi minha culpa. Quem mandou colocarem dois botões iguais no painel que acessam os andares? 

Toninho: — Certo, qual o plano aqui? 

Zeca: — Vamos ouvir as buzinas! 

Toninho: — E como isso nos ajudará? 

Zeca: — Se ouvirmos buzinas muito perto, ficamos parados. Se estiverem mais longe, aí sim, andamos. 

Toninho: — Isso não é um plano. Isso é um pedido de atropelamento em tempo real.

 Zeca: — Confia em mim, Toninho! Eu sou um mestre da leitura sonora urbana!

Nesse momento, ao redor deles, sons de buzinas ensurdecedoras.

Toninho: — Zeca, eu acho que ouvi uma nova leva de trombetas sem noção. Isso foi perto ou longe? 

Zeca: — Perto demais. 

Toninho: — E agora? 

Zeca: — Agora é fé em Deus e passo firme! Em frente...

Ambos avançam com cautela, mas no meio do caminho…

Toninho: — Espera! Tem uma mão no meu ombro! 

Zeca: — O que, Toninho? 

Toninho: — Alguém me pegou pela mão! 

Zeca: — Então pergunta se é um assaltante ou um anjo da guarda! 

Ao ouvir essas palavras, o estranho tenta ser gentil: — Pelo amor de Deus, vocês estão atravessando na frente do ônibus! 

Toninho: — Ah, então é um cidadão preocupado...

Zeca: — Avisa para ele que estamos confiantes. 

Voz Estranha: — Que mal pergunte: confiantes no quê?! 

Zeca: — Na lei da sobrevivência urbana!

O desconhecido arrasta os dois com a maior cautela para o outro lado da calçada.

Toninho: — Ufa, chegamos vivos. 

Zeca: — Vivos, sim… mas cá entre nós, humilhados. 

Toninho: — Esquece. Vamos em frente...

Toninho e Zeca agora em segurança no outro oposto, enfrentam um novo desafio. De repente, uma tempestade de ventos inesperados sopra a todo vapor.

Zeca: — Beleza, sobrevivemos à primeira tentativa. 

Toninho: —  Sim, Zeca. Mas agora temos um problema novo. 

Zeca: — Pelo amor de Deus, qual? 

Toninho: — Tem um cachorro me seguindo... 

Zeca: — Como assim te seguindo? 

Toninho: — Sinto ele aqui do meu lado… tá respirando forte. 

Zeca: — Pergunta se ele tem alguma dica de navegação. Toninho: —  Amigo, você sabe atravessar avenidas? 

Em meio ao burburinho das pessoas, carros e ônibus os dois amigos ouvem apenas latidos. 

Toninho: — Nada útil. 

Zeca: — Talvez seja um guia voluntário. 

Toninho: — Ou só quer um biscoito para mastigar enganando a fome. 

Zeca: — Ignora esse bicho. Vamos continuar...

Toninho e Zeca avançam. Todavia, o fazem à esmo. No meio do caminho, surge um motoboy. A criatura freia ao mesmo tempo em que grita.

Motoboy, aos berros:  — Vocês dois são malucos?  

Zeca: — Um pouco, sim! 

Motoboy: — Atravessar essa via assim? Sem ajuda? Querem ver Deus mais cedo?

Toninho: — Se quiser nos ajudar, estamos aceitando. 

Motoboy: — Eu não faço seguro para isso! 

Zeca: — Então, meu amigo só torce por nós e deixa que Deus faça o resto!

O motoboy acelera, buzina e desaparece no trânsito.

Toninho: — Pronto, Zeca. Agora temos duas preocupações. 

Zeca: — Diz ai, Toninho: O cachorro continua no seu pé? 

Toninho: — Continua. Ei espere!  Acho que tem um policial vindo na nossa direção. 

Zeca: — Como sabe? Você é cego ou está mentindo? Deixa pra lá. O policial que está vindo... isso pode ser bom como pode ser ruim... 

Toninho: — Ele está falando no rádio. 

Policial: — "Central, temos dois cidadãos tentando chegar a algum lugar. Parecem perdidos." 

Toninho: — Talvez ele nos dê uma direção. 

Policial: — Senhores, boa tarde.  Precisam de ajuda? 

Zeca: — Depende. Essa ajuda vem com ou sem multa? 

Policial, rindo: — Sem. 

Toninho: — Então aceitamos.

O policial guia os dois rapazes para um outro local. Um prédio com dois bancos na porta de entrada. O cachorro os segue. Quando chegam…]

Zeca: — Fim da linha perigosa! 

Toninho: — Sim! 

Policial: — Vocês sabem que tem faixa de pedestres a dez metros daqui, né? 

Zeca: — Sim… mas seu guarda, onde fica a emoção nisso?

O policial suspira. O cachorro abana o rabo e senta.

Toninho: — E agora? 

Zeca:  — Agora vamos almoçar.

Toninho:  — E o cachorro? 

Zeca: — Ele almoça com a gente.

Nessa altura dos acontecimentos, temos um cachorro aparecido do nada, um motoboy irritado, um policial confuso e uma travessia repleta de risco iminentes. 

Depois de galgarem uma nova avenida com a ajuda do policial, Zeca, Toninho e o cachorro misterioso chegam a uma praça cheia de árvores.  Nela, algo estranho acontece.

Toninho: — Zeca… 

Zeca: — O quê? 

Toninho: — Já reparou que tem uma multidão nos olhando? 

Zeca: — Como assim? 

Toninho: — Eu tô ouvindo cochichos… e palmas. 

Zeca: — Isso significa que acabamos de virar um evento público. 

Toninho: — Ou um protesto, vai se saber agora, com a precisão devida... 

Zeca: — Ou, no pior dos mundos, um “flash mob” espontâneo. 

Toninho: — Ou só uma turma de curiosos achando que atravessar avenidas movimentadas, como fizemos ainda há pouco, apesar de sermos cegos, seja um esporte radical.

Misteriosamente um repórter de microfone na mão e uma câmera surgem do nada.

Repórter: —  Senhores, podem dar uma declaração sobre essa incrível demonstração de coragem? 

Toninho:  — Coragem? 

Repórter: — Sim, meus prezados! Vocês ali atrás enfrentaram o que chamamos de caos urbano e o fizeram sem medo, e agora o público aqui presente quer saber: é um movimento oficial? 

Zeca: — Perfeito. Um movimento oficial… 

Toninho: — Zeca, não faz isso. 

Zeca: — É claro que é oficial! 

Repórter:  — Qual o nome desse movimento? 

Zeca: —“Travessia Sem Medo – “A Revolução Urbana”! 

Toninho: — Meu Deus!

A multidão na praça, vibra. Pessoas pegam o celular para filmar.

Repórter: — E qual é o objetivo da “Travessia Sem Medo?”. Zeca: — Mostrar que São Paulo pertence aos pedestres destemidos! 

Toninho: — Isso vai dar processo... 

Zeca: — Ou um documentário fabuloso.

O policial que os ajudou apareceu de novo e suspirou fundo.

Policial: — Se isso virar moda, eu saio do meu emprego. Toninho: — Faz sentido.

 O cachorro continua seguindo os dois cegos.

Do nada, graças aos dois cegos, tivemos um movimento urbano revolucionário sem qualquer necessidade, tipo uma plateia espontânea e um repórter sedento por manchetes! Em meio a toda essa balburdia, uma “influencer” famosa decidiu aderir à tal da “Travessia Sem Medo” e aproveitando a deixa, fez um vídeo viral. De repente, todo mundo começou a atravessar as avenidas sem hesitação, sem olhar, tanto de um lado, como de outro, enquanto os motoristas entravam em colapso nervoso, tentando entender o que acontecia. Os dois cegos sem alguém explicar os verdadeiros motivos, acabaram presos e levados para uma delegacia nas imediações. Ao serem liberados, horas depois, ao fazerem o caminho contrário, de volta para casa, foram ambos barbaramente atropelados e mortos por uma ambulância a toda velocidade que os pegou em cheio, justamente em frente ao restaurante onde horas atrás, os dois amigos pretendiam almoçar. Quanto ao cachorro o guarda levou para sua casa e o deu de presente à filha de cinco anos.  
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 

Aparecido Raimundo de Souza, natural de Andirá/PR, 1953. Em Osasco, foi responsável, de 1973 a 1981, pela coluna Social no jornal “Municípios em Marcha” (hoje “Diário de Osasco”). Neste jornal, além de sua coluna social, escrevia também crônicas, embora seu foco fosse viver e trazer à público as efervescências apenas em prol da sociedade local. Aos vinte anos, ingressou na Faculdade de Direito de Itu, formando-se bacharel em direito. Após este curso, matriculou-se na Faculdade da Fundação Cásper Líbero, diplomando-se em jornalismo. Colaborou como cronista, para diversos jornais do Rio de Janeiro e Minas Gerais, como A Gazeta do Rio de Janeiro, A Tribuna de Vitória e Jornal A Gazeta, entre outras.  Hoje, é free lancer da Revista ”QUEM” (da Rede Globo de Televisão), onde se dedica a publicar diariamente fofocas.  Escreve crônicas sobre os mais diversos temas as quintas-feiras para o jornal “O Dia, no Rio de Janeiro.” Acadêmico da Confraria Brasileira de Letras. Reside atualmente em Vila Velha/ES.

Fontes:
Texto enviado pelo autor.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

José Feldman (Fábula da Velha Coruja)


Em uma floresta distante, havia uma velha coruja. Ela era uma dos mais antigas e sábios da floresta, tendo visto gerações de animais nascerem e crescerem. Ela era conhecida por sua força e sabedoria, e muitos animais a procuravam para pedir conselhos e orientação.

No entanto, com o passar dos anos, começou a sentir os efeitos da idade. Suas penas começaram a murchar, e suas pernas não eram mais tão fortes quanto antes. Ela precisava de cuidado e atenção, mas seus filhos e netos, que haviam crescido e se mudado para outras partes da floresta, não estavam mais por perto para ajudá-la.

Os animais mais jovens da floresta não tinham mais tempo para visita-la ou ouvir suas histórias. Eles estavam ocupados com suas próprias vidas e problemas, e não tinham mais paciência para lidar com as necessidades de uma velha coruja.

Ela se sentia abandonada e sozinha. Ela havia dado tanto para a floresta e para os animais que viviam nela, e agora não tinha mais ninguém para cuidar dela. Começou a se sentir como um peso para os outros, e sua dor e tristeza aumentaram a cada dia.

Um dia, um jovem esquilo passou pela clareira onde ela estava. Ele notou que a velha coruja estava murcha e sozinha, e decidiu parar para visitá-la. Ela contou a ele sobre como se sentia abandonado e sozinho, e o esquilo ouviu atentamente.

Ele percebeu que a coruja não era apenas uma velha coruja, mas uma fonte de sabedoria e conhecimento. Ele decidiu visita-la regularmente, ouvindo suas histórias e aprendendo com sua experiência. Outros animais começaram a se juntar a ele, e logo ela estava cercada de amigos que a cuidavam e a respeitavam.

No entanto, a lição mais importante que ela ensinou a todos foi sobre a importância de cuidar dos idosos. Ela mostrou que os idosos não são apenas pessoas que precisam de cuidado, mas também são fontes de sabedoria e conhecimento.

Moral da história: 
Os idosos merecem respeito, cuidado e atenção. Eles têm muito a oferecer em termos de sabedoria e experiência, e é importante que sejam tratados com dignidade e compaixão. Ao cuidar dos nossos idosos, estamos não apenas ajudando-os, mas também preservando a nossa própria humanidade e garantindo que as futuras gerações possam aprender com a experiência e sabedoria dos mais velhos. Ás vezes, alguns minutos de conversa e um cafezinho podem fazer milagres para a auto-estima de um idoso. Pense nisto, antes de ver ele como um fardo para a sociedade. Eles são seres como os mais jovens e possuem emoções também.
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JOSÉ FELDMAN nasceu na capital de São Paulo. Poeta, escritor e gestor cultural. Formado em patologia clínica trabalhou por mais de uma década no Hospital das Clínicas. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais. Casado com uma escritora, poetisa, tradutora e professora da UEM, mudou-se em 1999 para o Paraná, morou em Curitiba e Ubiratã, e depois em Maringá/PR desde 2011. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras, como Academia Rotary de Letras, Academia Internacional da União Cultural, Confraria Luso-Brasileira de Trovadores, Academia de Letras de Teófilo Otoni, etc, possui os blogs Singrando Horizontes desde 2007, e Pérgola de Textos, um blog com textos de sua autoria, Voo da Gralha Azul e Gralha Azul Trovadoresca. Assina seus escritos por Floresta/PR. Publicou de sua autoria 4 ebooks.. Premiações em poesias no Brasil e exterior.

Fontes>
José Feldman. Gangorra do tempo. Maringá/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

domingo, 18 de maio de 2025

José Feldman (Guirlanda de Versos) * 31 *

 

Silmar Bohrer (Croniquinha) 134


Noite chegando serena. Lua cheia despontando no fim do mundo, longe o horizonte. Ela crescendo rubra, crescendo. Longe as nebulosas, para onde se olha  estão bandos de nuvens avançando.   

Imprevistos? Previsões que podem assustar. Sons, barulhos no leste. A escuridão avança. Os increus descreem. Só barulho, dizem! A natura brinda e castiga. A imprevisão se confirma nos horizontes - noite loguinho contaminada de trevas imensas, raios chegando, chuva iminente.  

A assim seguiu a noite menina por muitos minutos. Piscões, sons distantes que logo chegaram - como a vida, tudo chega!  

Raios rutilantes rompendo regiões rapidamente.  Raios sustos.  Raios do céu. Raios-que-o-parta.  Raios.
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Silmar Bohrer nasceu em Canela/RS em 1950, com sete anos foi para em Porto União-SC, com vinte anos, fixou-se em Caçador/SC. Aposentado da Caixa Econômica Federal há quinze anos, segue a missão do seu escrever, incentivando a leitura e a escrita em escolas, como também palestras em locais com envolvimento cultural. Criou o MAC - Movimento de Ação Cultural no oeste catarinense, movimentando autores de várias cidades como palestrantes e outras atividades culturais. Fundou a ACLA-Academia Caçadorense de Letras e Artes. Membro da Confraria dos Escritores de Joinville e Confraria Brasileira de Letras. Editou os livros: Vitrais Interiores  (1999); Gamela de Versos (2004); Lampejos (2004); Mais Lampejos (2011); Sonetos (2006) e Trovas (2007).

Fontes:
Texto enviado pelo autor. 
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