Trova de
LUÍZA NELMA FILLUS
Irati/PR
Singela festa de outrora,
olhos puros de criança,
vem-me lágrimas agora,
com essa doce lembrança.
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Poema de
MACHADO DE ASSIS
Rio de Janeiro/RJ, 1839 – 1908
Spinoza
Gosto de ver-te, grave e solitário,
Sob o fumo de esquálida candeia,
Nas mãos a ferramenta de operário,
E na cabeça a coruscante ideia.
E enquanto o pensamento delineia
Uma filosofia, o pão diário
A tua mão a labutar granjeia
E achas na independência o teu salário.
Soem cá fora agitações e lutas,
Sibile o bafo aspérrimo do inverno,
Tu trabalhas, tu pensas, e executas
Sóbrio, tranquilo, desvelado e terno,
A lei comum, e morres, e transmutas
O suado labor no prêmio eterno.
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Poema de
VANICE ZIMERMAN
Curitiba/PR
Há um encanto na melancolia
E a chuva continua...
Do vidro do carro
Observo a
A paisagem líquida
Que em tons de verde e cinza
Passa depressa...
Há um encanto na melancolia,
Dividindo o cristal da taça
Fazendo-me companhia
Nesta tua ausência,
E, na lembrança dos teus beijos
Com gosto e aroma do chá de morangos
Despedindo-se aos poucos,
Há um encanto na melancolia
Que dilacera a alma,
Repleta de uma saudade,
Das tuas poesias,
E mensagens de amor
Que, ainda navegam em imagens
De sonhos...
Há um encanto na melancolia
Qual uma tela com pontilhismo,
Pincelando em meu coração
Um amor tão intenso e impossível,
Repleto de inquietos e alegres
Pontinhos de cores,
Ah, a melancolia encanta-se
Com esse lento passar das horas,
Em que a imobilidade dos sinos de vento
E a ponta quebrada do lápis
Adiam um ponto final
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Poetrix de
FÁBIO ROCHA
Rio de Janeiro/RJ
presas na boca
as pessoas fingem certezas.
certamente
estão presas
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Poema de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal
Eu pintava trezentos arco-íris
(Mário Quintana, in “Rua dos Cataventos”)
Pintaria trezentos arco-íris
No céu de chumbo desse teu futuro
Para que ele não fosse tão escuro
E alegre com a sorte, tu te rires.
É tempo de a tristeza despedires
De veres o que está além do muro
E que o teu sol rebrilhe, grande e puro
Para que à luz te vejas e te admires.
A chuva misturada com o pranto
Vai, da alma, lavar o desencanto
Que em dias já passados tu tiveste.
Enfrenta cada dia sem temer
Que a vida só te paga com prazer
Aquilo que primeiro tu lhe deste.
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Trova de
DOROTHY JANSSON MORETTI
Três Barras/SC, 1926 – 2017, Sorocaba/SP
Na taça de cada dia,
a transbordar de amargura,
cai um pingo de alegria,
e o fel se torna doçura.
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Soneto de
OLAVO BILAC
Rio de Janeiro/RJ, 1865 – 1918
A voz do amor
Nessa pupila rútila e molhada,
Refúgio arcano e sacro da Ternura,
A ampla noite do gozo e da loucura
Se desenrola, quente e embalsamada.
E quando a ansiosa vista desvairada
Embebo às vezes nessa noite escura,
Dela rompe uma voz, que, entrecortada
De soluços e cânticos, murmura...
É a voz do Amor, que, em teu olhar falando,
Num concerto de súplicas e gritos
Conta a história de todos os amores;
E vêm por ela, rindo e blasfemando,
Almas serenas, corações aflitos,
Tempestades de lágrimas e flores...
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Trova de
ADEMAR MACEDO
Santana do Matos/ RN, 1951 – 2013, Natal/ RN
Com minha alma amargurada,
envolto em meu sofrimento,
passo inteira a madrugada
jogando versos ao vento…
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Poema de
JAQUELINE MACHADO
Cachoeira do Sul/RS
A beleza de ser
A beleza de ser,
está na magia de saber sentir...
É no mundo real das coisas não vistas,
mas sentidas, que as belezas ou riquezas são manifestadas.
Amor, caridade, riso, arte, prece,
são manifestações capazes de enaltecer
o encanto desta raça chamada “gente”.
Ou seja, beleza é algo que nasce de dentro para fora.
E não de fora para dentro.
Embora isso também possa acontecer.
Autenticidade é algo raro. E caro.
Tão caro que não tem preço.
Não se importe com o que os outros falam
sobre atitudes sentimentais.
Sinta amor...
Seja belo sendo sentimento.
E não razão.
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Haicai de
GUILHERME DE ALMEIDA
Campinas/SP 1890 – 1969 São Paulo/SP
Mocidade
Do beiral da casa
(telhas novas, vermelhas!)
vai-se embora uma asa.
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Soneto de
MÁRIO QUINTANA
Alegrete/RS (1906 – 1994) Porto Alegre/RS
Este quarto...
(para Guilhermino César)
Este quarto de enfermo, tão deserto
de tudo, pois nem livros eu já leio
e a própria vida eu a deixei no meio
como um romance que ficasse aberto...
que me importa este quarto, em que desperto
como se despertasse em quarto alheio?
Eu olho é o céu! imensamente perto,
o céu que me descansa como um seio.
Pois só o céu é que está perto, sim,
tão perto e tão amigo que parece
um grande olhar azul pousado em mim.
A morte deveria ser assim:
um céu que pouco a pouco anoitecesse
e a gente nem soubesse que era o fim...
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Hino de
ANTONINA/ PR
Salve terra formosa e querida
Que se estende na costa a sorrir
Terra calma onde achamos à vida
Sob a qual esperamos dormir
Salve terra de brisas ciciantes,
Doce gleba que nos viu nascer
Não te esqueças teus filhos distantes,
Esquecer-te é mais fácil morrer.
Estribilho
Antonina, Antonina,
Deitada a beira do mar
Sob a tutela divina
Da Senhora do Pilar
Antonina, cidade das flores,
De suave e finíssimo olor
Tens o brilho de mil esplendores
Para nós que te damos amor
Salve gleba, fecunda cidade
Mais augusta por certo acharás
Deus te encha de felicidade
Para a glória do meu Paraná
Antonina, Antonina,
Deitada a beira do mar
Sob a tutela divina
Da Senhora do Pilar
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Soneto de
BENEDITA AZEVEDO
Magé/ RJ
Festas vespertinas
Nas vespertinas festas, nos domingos,
Quando eu queria muito o teu amor,
Dancei gostoso rock, joguei bingos,
Te esperando namoro me propor.
Dançávamos bolero, ou mesmo tango,
E ao som daquele rock fui dançando...
Para o salão sozinha, e então eu mango
Do teu jeito sem graça rebolando.
Até que um dia escuto teu lamento,
Porque não poderias nem me ver
Assim, me divertindo em tal evento.
Eu era adolescente e bem feliz,
Nas vespertinas festas pude ter
A tua companhia enquanto quis.
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Trova de
CLÁUDIO DE CÁPUA
São Paulo/ SP, 1945 – 2021, Santos/ SP
Sou poeta e trovador,
a inspiração me transporta
às nuvens e, com amor,
nas nuvens minha alma aporta.
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Uma Lengalenga de Portugal
BICHO DA CONTA
Estas lengalengas dirigidas a insetos, eram ensinadas ás crianças para elas dizerem quando encontravam um deles nos campos. Era uma maneira de as ensinar a ter respeito pela natureza.
Debaixo da pedra
Mora um bichinho
De corpo cinzento
Muito redondinho
Tem medo do sol
Tem medo de andar
Bichinho de conta
Não sabe contar
Muito redondinho
Rebola, no chão
Rebola, na erva
E na minha mão
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Quadra Popular de
Serro/ MG
O vento bateu na porta
eu pensei que era a Sinhana,
tive pena de mim mesmo!
Até o vento me engana.
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Soneto de
AFONSO FELIX DE SOUSA
Jaraguá/GO, 1925– 2002, Rio de Janeiro/RJ
Sonetos Elementares XV
E Deus chamou à luz dia; e às trevas
chamou noite: o primeiro dia, feito
de elementos de mortos dias, dia
de madrugadas feito – assim nascera.
Embora com o corpo a debater-se
na sombra anterior, perdi-me ao canto
das aves primitivas, e boiei
entre espumas e o espírito de Deus.
Flores mortas brotaram e eram belas.
A terra toda se transfigurara
nessas ilhas de que só nós sabemos.
Cego sem céu e mar que de repente
recupera as paisagens, segui leve
como um louco cantando entre anjos.
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Poema de
CAROLINA RAMOS
Santos/SP
Boêmio
Boêmio – em turbilhão intenso a vida esbanjas,
escravo de emoções em noites deturpadas.
Teu sol, luz de abajur, a arder envolto em franjas,
tem o álgido livor das frias madrugadas.
Volúvel, novo amor te aguarda em cada esquina,
e insatisfeito vai teu coração repleto
dessa ânsia de viver, que arrasta, que fascina,
alheio à paz de um lar, à placidez de um teto!
Boêmio, a mocidade é curta… logo passa!
A seara, quando má, provém de mau plantio!
Apressa-se o amanhã… o nada te ameaça
e a solidão abraça o coração vazio!
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Trova do
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR
De barro se faz o homem,
e de luz principalmente.
O barro, os anos consomem;
a luz eterniza a gente!
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Décima do
NEMÉSIO PRATA
Fortaleza/CE
Solidariedade!
Oh! Deus meu, que estás no céu,
diga-me, qual o destino
desta menina (ou menino!),
que vive jogada ao léu
sem solado e sem chapéu?
Que Tu me dês, de verdade,
um pingo de caridade
pra que eu leve à esta criança
uma nesga de esperança.
Isto é: Solidariedade!
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Trova de
OLÍVIA ALVAREZ MIGUEZ BARROSO
Parede/Portugal
Quando a esperança se alia
ao conceito de beleza,
há folhas de poesia
a pairar na natureza.
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Soneto do
ADELMAR TAVARES
Recife/PE, 1888 – 1963, Rio de Janeiro/RJ
Francisco, meu pai
Como que o vejo... O chapelão caído
Sobre a cabeça branca de algodão...
Buscando o campo, — o dia mal nascido,
Voltando à casa, o dia em escuridão.
Lavrador, fez da terra o ideal querido.
"Meu filho, a terra é que nos dá o pão",
Dizia-me. E cavava comovido,
A várzea aberta para a plantação...
Mas um dia, eu, pequeno, vi, cavando,
Sete palmos de campo, soluçando,
Uns homens rudes... Tempo que já vai!
"Francisco, adeus"! Diziam repetindo.
Meu pai desceu de branco... Ia dormindo
Fechou-se a terra... E não vi mais meu pai!
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Trova Premiada em Natal/RN, 2009
RODOLPHO ABBUD
Nova Friburgo/RJ, 1926 – 2013
A violência e outras formas
de opressão, mesmo discretas,
não conseguem ditar normas
aos corações dos poetas!
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Gabinete de
OTACÍLIO BATISTA
(Otacílio Guedes Patriota)
São José do Egito/PE, 1923 – 2003, João Pessoa/PB
O povo deseja ouvir
Um Gabinete bonito;
Poeta, só acredito
Se você não me mentir.
Trate de se prevenir
Para poder cantar bem
Eu comprei um cartão
Para viajar no trem:
Sem cartão ninguém vai,
Sem cartão ninguém vem!
Vai e vem, vem e vai,
Vem e vai, vai e vem.
Quem não tem o que eu tenho,
Morre danado e não tem!
Quem estiver com inveja,
Se esforce e faça também ...
Cavalo bom é ginete;
Quem não canta Gabinete,
Não é cantor pra ninguém!
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Trova do
LUIZ POETA
(Luiz Gilberto de Barros)
Rio de Janeiro/RJ
Que trovador desastrado!
… foi direto pro doutor:
Fiz trova de pé quebrado!
Bota um gesso, por favor!
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Soneto de
SÍLVIA ARAÚJO MOTTA
Belo Horizonte/MG
Sol com chuva
No adágio popular ouvi dizer
que quando há sol com chuva...alguém sorriu!
Na despedida vi “viúva” a crer:
-“Marido vivo” em paz, feliz, fugiu...
Mulher tão forte, em tudo, quis vencer!
Enxugou o pranto, teve fé, agiu!
Criou seus filhos, graças viu chover!
Pingos lavaram “alma pura à mil...”
Com seu poder de sol viveu, brilhou...
Sempre enfrentou problemas, mas sorria!
Buscou o saber, destino então traçou.
Chove amizade... só por seu valor!
Ao ritmo dança, canta e faz poesia!
Molhada agora, beija o novo amor.
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Haicai de
ANALICE FEITOZA DE LIMA
Bom Conselho/PE, 1938 – 2012, São Paulo/SP
Uma água barrenta,
pássaros sobre o barranco.
Um rio minguante.
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Poema de
ALICE GOMES
Tabuaço/Portugal, 1910 – 1983, Lisboa/Portugal
Na idade dos porquês
Professor diz-me porquê?
Por que voa o papagaio
que solto no ar
que vejo voar
tão alto no vento
que o meu pensamento
não pode alcançar?
Professor diz-me porquê?
Por que roda o meu pião?
Ele não tem nenhuma roda
E roda, gira, rodopia
e cai morto no chão...
Tenho nove anos, professor
e há tanto mistério à minha roda
que eu queria desvendar!
Por que é que o céu é azul?
Por que é que marulha o mar?
Porquê?
Tanto porquê que eu queria saber!
E tu que não me queres responder!
Tu falas, falas, professor
daquilo que te interessa
e que a mim não interessa.
Tu obrigas-me a ouvir
quando eu quero falar.
Obrigas-me a dizer
quando eu quero escutar.
Se eu vou a descobrir
Fazes-me decorar.
É a luta, professor
a luta em vez de amor.
Eu sou uma criança.
Tu és mais alto
mais forte
mais poderoso.
E a minha lança
quebra-se de encontro à tua muralha.
Mas
enquanto a tua voz zangada ralha
tu sabes, professor
eu fecho-me por dentro
faço uma cara resignada
e finjo
finjo que não penso em nada.
Mas penso.
Penso em como era engraçada
aquela rã
que esta manhã ouvi coaxar.
Que graça que tinha
aquela andorinha
que ontem à tarde vi passar!...
E quando tu depois vens definir
o que são conjunções
e preposições...
quando me fazes repetir
que os corações
têm duas aurículas e dois ventrículos
e tantas
tanta mais definições...
o meu coração
o meu coração que não sei como é feito
nem quero saber
cresce
cresce dentro do peito
a querer saltar cá para fora
professor
a ver se tu assim compreenderias
e me farias
mais belos os dias.
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Trova de
LUCÍLIA A. T. DECARLI
Bandeirantes/PR
Aquela alegre canção,
que, outrora, era de nós dois,
traz, hoje, triste emoção
na solidão de um depois…
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Poema do
J. G. DE ARAÚJO JORGE
(Jorge Guilherme de Araújo Jorge)
Tarauacá/AC 1914 – 1987 Rio de Janeiro/RJ
Poema às palavras
Tem uns homens por aí
com medo das palavras.
Tem uns poetas por aí
segregacionistas.
Tem preconceitos contra
as palavras:
esta não serve - é mestiça,
esta também não - é muito comum,
é do povo, não é importante,
e aquela também - não tem educação
fala muito alto, é palavrão.
Tem poeta por aí cochichando
como gente muito fina
de salão,
falando entre dentes
perpetrando futilidades
e maldades, como comadres.
Tem uns homens por ai
tratando as palavras pela cor
de sua pele:
não cruzam com as palavras, negras
amarelas, mulatas,
só fazem poemas brancos, poemas
puros, poemas arianos, poemas de raça.
Que se danem! Faço filhos
com todas as palavras
basta que elas se entreguem, e me amem
e saiam com o meu verso, à rua
para cantar.
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Quadra Popular
AUTOR ANÔNIMO
Coração entristecido,
por que tanto te magoas?
Se estás cercado de penas,
o que fazes que não voas?
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