AMILTON MACIEL MONTEIRO
São José dos Campos/SP
Parte de nós
Criar poema é qual plasmar um filho;
lhe damos todo o amor que houver na gente,
mas, depois que soltamos seu anilho,
quem toma conta dele... é o Onipotente.
Também, quando criamos sonetilho,
queremos que ele seja convincente,
correto, puro e tenha certo brilho;
... nem sempre ocorre isso, infelizmente.
Mas não importa. O que conta é só amá-lo!
Quer fique lindo, ou mesmo um pouco feio,
de porte soberano, ou de vassalo;
Pois é parte de nós, porção de amor,
que quisemos doar ao nosso meio,
por vocação do próprio Criador!
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Soneto de
MÁRCIO CATUNDA
Fortaleza/ CE
O filho pródigo
Chega das noites doidas da orgia
E bate à porta da casa paterna.
O pai o abraça, em transe de alegria.
Faz festa, abre as arcas e a cisterna.
O irmão protesta daquela folia,
Em prol de um frequentador de taberna.
Mas o pai, reprovando-lhe a ousadia,
Declara com argúcia sempiterna;
Ele estava perdido e veio a mim,
Buscando arrimo, querendo guarida
E no encontro nasceu-lhe nova vida.
Que o caminho de casa seja assim
Como colheita de estrada florida,
De rosa, de gerânio e de jasmim.
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Soneto de
ROBERTO COELHO
Fortaleza/CE
Onde florescem os sonhos
Onde realmente florescem os sonhos?
Quais caminhos permeia a fantasia?
Certamente tudo perpassa, suponho,
Pelo mistério e magia pura da poesia.
E nessa espera, buscamos mil estrelas,
muito acima das adormecidas cidades,
na tentativa desesperada de colhê-las,
e ficarmos mais próximos da felicidade.
Dizem; pela manhã os sonhos florescem,
à noite aos enamorados também aquecem,
suaves como uma doce canção de ninar.
Enquanto isso, brincamos de profetas,
pensamos e sonhamos como poetas,
numa vontade incontrolável de amar.
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Sextilha de
THALMA TAVARES
São Simão/SP
É teimoso meu velho coração!...
Aos menores trinados da poesia
ele esquece que deve se aquietar
e, ansioso, cedendo a euforia
vai feliz capengando ao entrevero,
com coragem, com fé, com ousadia.
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Soneto de
ALBERTO DE OLIVEIRA
Palmital de Saquarema/RJ (1857-1937) Niterói/RJ
Lendo os antigos
Vamos reler Teócrito, senhora,
Ou, se lhe apraz, de Teos o citaredo;
Olhe a verdura aqui deste arvoredo
À beira da água... E o sol que desce agora.
Lécio, o pastor, nesta colina mora,
Onde as cabras ordenha. Este silvedo
Guarda de Umbrano à flauta a voz canora,
Como este arbusto a Títiro o segredo.
Esta água... Olhe, porém, como é tão pura
Esta água! O chão de nítidas areias,
Plano, igualado, límpido fulgura;
E tão claro é o cristal que, abrindo o louro
Cabelo, em grupo trêmulas sereias
Se veem lá em baixo neste fundo de ouro.
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Haicai de
LEILA MICCOLIS
Rio de Janeiro/RJ
A abelha tristonha,
fauna e flora devastadas,
produz mel amargo.
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Poema de
ANTONIO AGOSTINHO GOMES DE QUEIRÓS
Belo Horizonte/MG
Desenho
Finda-se o dia.
Linda! abre-se a noite estrelada.
Brisa perfumada passeia pela prata;
Profetisa a chegada da primavera.
Homens jogam damas;
Consomem o tempo desfiando tramas.
Moles mulheres tricotam mazelas;
Reles fiapos do dia.
Vida tal qual tartaruga;
Lida enfadonha, cansativa.
Qual sentido tem essa vida;
Tal não fosse acredita-la?
Cidade pequena... sem muitas ambições;
Felicidade aqui? um arco-íris.
Desconhece as tramas dos grandes centros;
Acontece, somente!
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Trova Popular
Naquela noite saudosa
quando de ti me apartei,
cem passos não eram dados
quando sem alma fiquei.
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Poema de
MÁRIO QUINTANA
Alegrete/RS (1906 – 1994) Porto Alegre/RS
Alma errada
Há coisas que a minha alma, já mortificada não admite:
assistir novelas de TV
ouvir música Pop
um filme apenas de corridas de automóvel
uma corrida de automóvel num filme
um livro de páginas ligadas
porque, sendo bom, a gente abre sofregamente a dedo:
espátulas não há... e quem é que hoje faz questão de virgindades...
E quando minha alma estraçalhada a todo instante pelos telefones
fugir desesperada
me deixará aqui,
ouvindo o que todos ouvem, bebendo o que todos bebem,
comendo o que todos comem.
A estes, a falta de alma não incomoda.
(Desconfio até que minha pobre alma fora destinada
ao habitante de outro mundo).
E ligarei o rádio a todo o volume,
gritarei como um possesso nas partidas de futebol,
seguirei, irresistivelmente, o desfilar das grandes paradas do Exército.
E apenas sentirei, uma vez que outra,
a vaga nostalgia de não sei que mundo perdido…
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Poema de
VANICE ZIMERMAN
Curitiba/PR
Inspiração
Tua linda inspiração:
Filigranas em poesia
São centelhas do coração,
Inefável poesia…
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Triverso de
MILLÔR FERNANDES
Rio de Janeiro/RJ, 1923-2012
Com que habilidade
Você estraga
Qualquer felicidade!
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Poema de
ATÍLIO ANDRADE
Curitiba/PR
Arrebol
Naquele arrebol distante
Daquela manhã risonha
Depositei meus sonhos
Abraçando as saudades
E beijando as distâncias
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Poema de
FERNANDO PESSOA
Lisboa/Portugal, 1888 – 1935
Presságio
O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar pra ela,
Mas não lhe sabe falar.
Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente…
Cala: parece esquecer…
Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pra saber que a estão a amar!
Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!
Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar…
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Soneto de
AMAURY NICOLINI
Rio de Janeiro/RJ
Chuva Interior
A chuva cai, lavando estas calçadas,
molhando as plantas de toda a minha rua
como se fosse levando na enxurrada
até o próprio reflexo da lua.
Essa chuva afinal é benfazeja,
e não demora a cessar, serena e mansa,
para que a noite de novo calma esteja
e permita aquele sono de criança.
Tenho inveja da chuva e suas águas,
que colocam no calor um pouco o fim
nesta nova temporada de verão.
Enquanto eu enfrento minhas mágoas,
que chovem sem parar dentro de mim
e acabam me afogando o coração.
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Poema de
JÉRSON BRITO
Porto Velho/RO
Nos Braços do Amazonas
Rabiscando matagais
Com as águas colossais,
Meu Rio Madeira avanças.
Distritos, cidades, vilas
Festam enquanto desfilas,
Apreciam essas danças.
Nas tuas sendas incríveis
Despencas pelos desníveis
Em teu caminho encontrados.
No colo de teus banzeiros
Lá vão troncos e barqueiros
Por teu céu emoldurados.
À frente, finda o roteiro
Num abraço derradeiro
Com o gigante do Norte.
O Amazonas te devora
E, Madeira, nessa hora,
Confundem-se amor e morte...
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Glosa de
GISLAINE CANALES
Herval/RS, 1938 – 2018, Porto Alegre/RS
Alma do cosmos
MOTE:
Quando à noite, o infinito se levanta
à luz do luar, pelos caminhos quedos
minha tátil intensidade é tanta
que eu sinto a alma do cosmos nos meus dedos!
(Quarteto do soneto: AO LUAR)
Augusto dos Anjos
Cruz do Espírito Santo/PB, 1884 – 1914, Leopoldina/MG
GLOSA:
Quando à noite, o infinito se levanta
e surge em seus abraços com as estrelas,
eu sinto, dentro em mim, algo que canta,
que canta, então, feliz por poder vê-las!
Segue minha alma, assim, pura alegria,
à luz do luar, pelos caminhos quedos.
Vai respirando a Lua, que é poesia
e realizando os seus desejos ledos!
Essa beleza fascinante, encanta
e nesse doce sonho-encantamento,
minha tátil intensidade é tanta
que eu aspiro, a verdade do momento!
Faço da Lua, então, a minha amante,
repartindo com ela, meus segredos,
e, tão contente, fico neste instante,
que eu sinto a alma do cosmos nos meus dedos!
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Hino de
Rio Tinto/PB
De um córrego surgiu seu grande nome
Sobre as águas vermelhas a correr
Do engenho com início de ventura
Diz a história de um povo a crescer
Hoje estás de fronte erguida para o alto
Desfrutando seus sonhos desejados
Com orgulho bradamos em prece
Rio Tinto és o símbolo do nordeste.
Salve ó terra de um povo desejoso
Ao trabalho unidos a lutar
Levantando com impulso da coragem
Hoje vemos sua bandeira desfraldar. (Bis)
Hoje a árvore que te fez com grande impulso
Hoje és branco tal qual a sua flor
Homenagem sinceras desejamos
A quem teve seu início e te criou
Rio Tinto hoje vives na história
Reina sempre no céu o seu fulgor
Prende a brisa a segura luz da aurora
Rio Tinto és a fonte do amor.
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Soneto de
CECIM CALIXTO
Pinhalão/PR (1926 – 2008) Tomazina/PR
Colheita da fé
É pouca chuva! E o sol sem dó castiga
a terra arada que semente espera.
A luta insana não lhe traz fadiga
e nem fenece a singular quimera.
.
A vocação não lhe sugere briga
e nem o ódio o coração verbera.
Chuva madrinha há de lhe dar a espiga
que no paiol o dissabor supera.
.
Vai à capela e de emoção se agita
e ao Lavrador que lá no céu habita
em pranto implora tudo a nova empreita.
.
E a chuva cai… tão silenciosa veio…
para alegria do celeiro cheio
e à gratidão pela integral colheita.
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Fábula em Versos de
JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry/França, 1621 – 1695, Paris/França
O carreteiro atolado
Por caminho apaulado,
Mui barrento e mal gradado,
O seu carro conduzia,
Que trazia
De erva e feno carregado,
Inesperto carreteiro:
Por incúria o desgraçado
Num grandíssimo atoleiro
Enterrar deixou seu gado:
Era longe o povoado,
E não vinha caminheiro
Que o ajudasse e lhe acudisse:
De aflição desesperado,
Se maldisse!
E exclamou todo inflamado:
«Vem, ó Hércules sagrado,
Acudir-me pressuroso;
Pois que já sobre o costado
Sustentaste o céu formoso,
O teu braço vigoroso
Se me acode,
Este carro tirar pode
Do atoleiro.»
Deste modo se carpia
O carreiro,
Quando ouviu uma voz forte,
Que não longe lhe dizia
Desta sorte:
«Se quiseres que te valha,
Mandrião, lida, trabalha,
Examina donde vem
Esse estorvo que te encalha,
Ou detém:
Salta acima desse carro,
E tirando-lhe um fueiro,
De redor lhe arreda o barro;
Bota pedras no atoleiro,
Calça as rodas, e depois
Põe-te à frente, e pica os bois.»
Tudo fez o carreteiro
Que lhe tinham ensinado;
E ficou muito pasmado,
Quando viu surdir avante
O seu carro do lameiro:
«É milagre, exclamou logo,
Ouviu Hércules prestante
O meu rogo,
E evitou-me o precipício!»
Acabando
De falar apenas ia,
Outra voz, em tom mais brando,
Lhe dizia:
«Confiar na Providência
Para obter o que intentamos
Sem que os meios lhe ponhamos,
É demência.
Nada obtém quem não procura;
Que foi sempre a diligência
Mãe da sólida ventura.
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