quarta-feira, 19 de novembro de 2025

Asas da Poesia * 131 *


Soneto de
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo/SP

Soneto Melancólico

De nada adianta a lua silenciosa
Iluminando o mar tão graciosa.
De que adianta o céu lindo, radiante,
Cintilando estrelinhas brilhantes.

De que adianta tamanha alegria
Se em meu coração só há nostalgia.
De que adianta pássaros cantando
Sem nós dois felizes, nos amando.

Não adianta viver intensamente
Se o agora já não faz mais sentido.
Perdi o rumo do tempo vivido.

De que adianta o mundo girar, girar,
Se você não está no meu universo.
Sem você, o mundo se fez ao inverso.
= = = = = = = = =  

Haicai de
ALICE RUIZ
Curitiba/PR

por uma só fresta
entra toda a vida
que o sol empresta
= = = = = = = = =  

Poema de
CARMEM ANDREA SOEK PLIESSNIG
Telêmaco Borba/PR

Esteja com Deus

Noite companheira da mente
Acompanha meus momentos 
Alegres, tristes, pensativa…
Quero transformar tudo em paz
Meu pensamento é feito mantra
Da positividade, da luz

Componho em nome do amor 
Acima de tudo: amor divino
Declaro desta forma a Deus
Ele sempre está comigo 
E quando fico em silêncio
Compreenda! Não é desprezo!

É meu coração conversando 
Com Deus, meus anjos guardiões 
E se por ventura, compreender 
Saberá realmente quem sou 
Um serzinho que ama a ternura
Busca harmonia na natureza 

Amo suspirar a presença divina
Que me proporciona tudo de bom 
Aaaah! Grito em meu silêncio 
É fácil ser dócil, amável, respeitar
É fácil ser do bem, fazer o bem 
Sempre haverá vantagens
= = = = = = = = =  

Soneto sobre Filmes, de
FERNANDO ANTÔNIO BELINO
Sete Lagoas/MG

Dio, come ti amo
(Filme: Dio, come ti amo!)

"Não tenho idade para amar-te agora,
 mas, se quiseres esperar, um dia,
terás, em plenitude, essa alegria,
quando surgir do nosso amor a aurora."

"De amar desencontrado, a gente chora!"
"Meu Deus, como te amo! Que agonia!"
Quem vai deter a nuvem fugidia
Ou impedir o rio de ir embora?"

Dois jovens, para o amor, predestinados!
Inúteis velhos medos e cuidados,
Ninguém o seu destino irá mudar."

Da Espanha para o mar napolitano,
O amor desfez as sombras de um engano.
E, enfim,  puderam plenamente amar!
= = = = = = = = =  

Haicai de
ÂNGELA TOGEIRO
Belo Horizonte/MG

No bico do pássaro,
se o sol leva a escuridão,
vaga-lume é inseto.
= = = = = = = = =  

Poema de
MIGUEL TORGA
São Martinho de Anta/Portugal, 1907 – 1995, Lisboa/Portugal

Conquista 

Livre não sou, que nem a própria vida
Me o consente.
Mas a minha aguerrida
Teimosia
É quebrar dia a dia
Um grilhão da corrente.

Livre não sou, mas quero a liberdade.
Trago-a dentro de mim como um destino.
E vão lá desdizer o sonho do menino
Que se afogou e flutua
Entre nenúfares de serenidade
Depois de ter a lua!
= = = = = = = = =  

Trova Popular

Ninguém se julgue feliz
por ter tudo em bom estado,
pois vem a tirana sorte,
faz dum feliz… desgraçado.
= = = = = = = = =  

Soneto sobre Filmes, de
ELVIRA DRUMMOND
Fortaleza/CE

Vida harmoniosa…
(Dialogando com o filme “A noviça Rebelde”, de 1965)

Quem toca ou canta a escala musical, 
prevê melodiar a própria vida…
Ao preparar um simples recital, 
retira d’alma a fibra colorida.

A comunhão de vozes num coral, 
fraternalmente, tece e consolida 
a trama de caráter divinal, 
dispondo os elementos na medida.

Família que cultiva, a cada dia, 
acordes qual acordos de doçura, 
na vida e na canção traz harmonia… 

Vestir de encanto a voz da partitura 
promove um tal efeito de magia, 
que sinto o Criador na criatura…
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Triverso de
CLARICE LISPECTOR
Chechelnyk/Ucrânia, 1920 – 1977, Rio de Janeiro/RJ

Amor à terra

Laranja na mesa.
Bendita a árvore
que te pariu.
= = = = = = = = =  

Poema de
APARECIDO RAIMUNDO DE SOUZA
Vila Velha/ES

Em teu louvor

Quando o tempo passar
Quando passar o tempo,
Hei de guardar
no esquecimento
minhas aventuras em teu louvor...
...para ter-te só, amor,
com dulçor,
no pensamento...
= = = = = = = = =  

Soneto sobre Filmes, de
JERSON BRITO
Porto Velho/RO

Honra para sonhar
(Filme: Homens de Honra)

O sonho, mesmo estando lacerado
no dente sanguinário do opressor,
resiste quando serve ao destemor
do coração que escuta um rouco brado.

Perante a rispidez, no desagrado,
a força colossal do sonhador
supera a queda imposta enquanto for
senhora do caminho planejado.

Alento, a pertinácia capacita
e torna refulgente a história escrita,
capaz de desfazer qualquer barreira.

Na direção do anelo, todo passo
merece festa e o choro, mais escasso,
ressurge na vitória derradeira.
= = = = = = = = =  

Poema de
JOSÉ DA SILVA GARCEZ
Dornes/ Ferreira do Zêzere/ Portugal 

É nos teus lábios

É nos teus lábios
que começa o verão!

Esse sol abrasador
que me queima o corpo.

Suavemente, abandono-me
nas tuas águas.

Mergulho. Acalmo o corpo.
Descanso nas areias ainda mornas.

Espero outro verão!
= = = = = = = = =  

Soneto sobre Filmes, de
LUCÍLIA ALZIRA TRINDADE DECARLI
Bandeirantes/PR

Importa viver
(Filme: Nos vemos em Vênus)

Dos filhos, o anteparo e, até, o suporte,
missão dos pais em parte da jornada.
Se os desafios forem de alto porte,
intentam suavizar-lhes tal largada…

Mas, de repente, ronda pela estrada,
assaz perigo… A vida exposta à sorte!…
Suposta culpa em mente conturbada:
– aquele jovem viu, de perto, a morte.

Se um anjo bom soprar-lhe ao pé do ouvido,
declinará da ideia negativa 
e, ao existir, dará cabal sentido.

Na doação, a incrível descoberta…
Sair de si e, em nova alternativa:
– “Fazer alguém feliz!” – a escolha certa.
= = = = = = = = =  

Poema de
JUDITE DE CARVALHO
Lisboa/Portugal, 1921 – 1998

As portas que batem

As portas que batem
nas casas que esperam.
Os olhos que passam
sem verem quem está.
O talvez um dia
Aos que desesperam.
O seguir em frente.
O não se me dá.

O fechar os olhos
a quem nos olhou.
O não querer ouvir
quem nos quer dizer.
O não reparar
que nada ficou.
Seguir sempre em frente
E nem perceber.
= = = = = = = = =  

Soneto de
PROFESSOR GARCIA
Caicó/RN

Matizes da aurora

Brindo e abraço, na aurora, outra alvorada,
todo dia, da porta do meu quarto,
no silêncio da velha madrugada,
ouço o choro da luz de um novo parto!

Esse raio de luz que eu não descarto,
no meu teto, depressa, faz morada...
Abro portas, janelas, não me farto,
não me canso do olhar da luz dourada!

E essa luz, em silêncio, a caminhar,
traz o brilho da aurora, em seu olhar,
apagando, da noite, a treva ardente...

E entre cantos, sussurro e mil respingos,
põe, nas luzes do orvalho e em ternos pingos,
os matizes da luz do Sol nascente!
= = = = = = = = =  

Hino de 
Porto Velho/ RO

No Eldorado uma estrela brilha
Em meio à natureza, imortal:
Porto Velho, cidade e município,
Orgulho da Amazônia ocidental,

São os seus raios estradas perenes
Onde transitam em várias direções
O progresso do solo de Rondônia
E o alento de outras regiões.

Nascente ao calor das oficinas
Do parque da Madeira-Mamoré
Pela forja dos bravos pioneiros,
Imbuídos de coragem e de fé.

És a cabeça do estado vibrante:
És o instrumento que energia gera
Para a faina dos novos operários,
Os arquitetos de uma nova era.

No Eldorado uma gema brilha
Em meio à natureza imortal:
Porto Velho, cidade município,
Orgulho da Amazônia ocidental.
= = = = = = = = =  

Poema de
MANUEL LARANJEIRA
Mozelos/ Santa Maria da Feira/Portugal, 1877 – 1912, Freguesia de Espinho/Portugal

Na rua

Ninguém por certo adivinha como 
essa Desconhecida, 
entre estes braços prendida,
jurava ser toda minha…

Minha sempre! — E em voz baixinha:
— «Tua ainda além da vida!…» 
Hoje fita-me, esquecida
do grande amor que me tinha.

Juramos ser imortal
esse amor estranho e louco…
E o grande amor, afinal,
(Com que desprezo me lembro!) 
foi morrendo pouco a pouco,
— como uma tarde em setembro…
= = = = = = = = =  

Fábula em Versos de
ANTÔNIO JURACI SIQUEIRA
Belém/PA

Fábula

Num grande tonel de vinho
um rato um dia caiu
e, por não saber nadar,
vinho à beça ele engoliu.
Gritou pedindo socorro:
– Me acudam senão eu morro!
De pronto um gato acudiu.

O ratinho ao ver o gato
falou: – Não posso escolher;
me tira logo daqui,
depois podes me comer.
Prefiro ser agarrado
por ti e ser devorado
do que afogado morrer.

O gato, mais que depressa
do vinho o rato tirou
e este, assim que pôs-se a salvo,
para o gato nem olhou
e sem dar touca ou bandeira,
deu uma incrível carreira
e dentro da toca entrou.

O gato gritou, possesso,
ao ver o rato correr:
– Eu só te salvei do vinho
depois de te ouvir fazer
uma proposta decente
que se salvo, calmamente
deixarias eu te comer.

Grita o rato do buraco
com a maior cara-de-pau:
– Eu só podia estar bêbado
pra fazer proposta tal.
E o gato, desconsolado,
por ser otário ao quadrado,
acabou se dando mal.

Que a história sirva de exemplo
a quem vive dando bola
à qualquer papo-furado,
pois, se é muito grande a esmola,
desconfie e ouça o que digo:
se a proposta é de inimigo,
aí mesmo é que não cola!
= = = = = = = = =

A. A. de Assis (Despejorativação dos animais)


Há várias maneiras de avaliar o grau de civilização de um povo; uma delas é observar a maneira como esse povo trata os animais não humanos. No Brasil já alcançamos algum progresso nesse quesito, porém falta um pouco mais de conscientização.

A lei tem conseguido alguns bons resultados na defesa dos animais silvestres, contudo parece ainda carente de aperfeiçoamento quanto aos animais domésticos. Há dúvidas, por exemplo, com relação aos pássaros que vivem em cativeiro. Dá dó vê-los em gaiolas, porém fica no ar a pergunta: e se eles forem soltos na natureza, será que sobreviverão? O ideal seria então parar de criá-los presos.  

Há também quem pense na situação de outros animais de estimação, como os cães e os gatos. Mas para onde iriam se fossem “libertados”? Eles não saberiam viver nos bosques ou nas matas. 

Tem sido, igualmente, motivo de preocupação o uso de veículos com tração animal. Embora já exista legislação proibindo ou restringindo essa prática, ainda se veem, em muitos lugares, carros de bois e carroças puxadas por burros ou cavalos. Quem dera os nossos netos e bisnetos não vejam mais isso.

E há outra forma de desrespeito, que todavia ainda não foi pensada com a necessária atenção: a pejorativação dos animais. A todo instante ouvimos alguém xingando alguém de burro, anta, baleia, cachorro, cavalo, égua, galinha, jararaca, jegue, jumento, perua, piranha, porco, raposa, vaca...

É um mau hábito arraigado na cultura, um mau costume. No mínimo uma indelicadeza, e em duplo sentido – quando alguém chama alguém de “burro” está ofendendo não somente a pessoa xingada, mas também o próprio burro. 

Claro que há também nomes de animais que valem como elogios: chamar a namorada de “gatinha”, chamar um cantor ou poeta de “rouxinol” ou “sabiá”, dizer que o filho é “cobra” em matemática ou que a filha é “fera” em biologia. Mas aí tudo bem.

Daria sim para aos poucos reeducar a linguagem, higienizar o vocabulário, evitando magoar outras pessoas ou desqualificar os animais não humanos. É só uma questão de autodisciplina. 

Espera-se que as próximas gerações aprendam a ver todos os seres como parceiros e amá-los com máximo respeito e carinho.
=================== 
(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá - 31-7-2025)
= = = = = = = = =  = = = = = = = = =  = = = = 
A. A. DE ASSIS (Antonio Augusto de Assis) (92), poeta, trovador, haicaísta, cronista, premiadíssimo em centenas de concursos nasceu em São Fidélis/RJ. Radicou-se em Maringá/PR com 22 anos. Lecionou no Departamento de Letras da Universidade Estadual de Maringá, aposentado. Foi jornalista, diretor dos jornais Tribuna de Maringá, Folha do Norte do Paraná e das revistas Novo Paraná (NP) e Aqui. Algumas publicações: Robson (poemas); Itinerário (poemas); Coleção Cadernos de A. A. de Assis - 10 vol. (crônicas, ensaios e poemas); Poêmica (poemas); Caderno de trovas; Tábua de trovas; A. A. de Assis - vida, verso e prosa (autobiografia e textos diversos). Em e-books: Triversos travessos (poesia); Novos triversos (poesia); Microcrônicas (textos curtos); A província do Guaíra (história), etc.
Fontes:
Texto obtido no facebook do autor.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

Aparecido Raimundo de Souza (Tudo assim, como se minha alma girasse no ar feito um catavento)

“Que fazem as estrelas durante o dia?.”
Mardien Calixte (1935 – 2013), de seu livro “Atlantico!” 

1 – Inconsequente
Chove no telhado — o fim do mundo cochila no colo da flor.

2 – Tecnologia 
Toque na tela fria — a solidão se esconde na luz do visor.

3 – Infância 
Chão de terra e riso — a pipa sobe dançando com sonho no fio.

4 – Madrugada 
O silêncio pingando no copo sujo da pia — a lua vigia.

5 – Amor inesperado 
No ponto vazio do ônibus atrasado — um olhar sorri.

6 – Flor no velório
Um perfume antigo fica no adeus.

7 – Cova aberta à luz 
Uma borboleta pousa sem pressa nenhuma.

8 – Entre soluços
Um verso escorre da dor — nasce poesia.

9 – A magia do retrato 
O tempo apaga sorrisos com dedos de pó.

10 – Último suspiro 
A cortina se move sem vento algum.

11 – Saudade 
No cheiro do chá tua ausência se senta na cadeira ao lado.

12 – Amor desfeito 
Promessas partidas decoram a estante como porta-retratos.

13 – Lágrimas em vão 
Choram meus olhos carentes — atormentam meu coração

14 – Goteira no teto  
Ninguém nota a tempestade dentro do olhar

15 – Monotonia
A brisa da manhã sussurra segredos calmos — folhas balançam.

16 – Eterno
A lua no espelho reflete sonhos antigos na água parada.

17 – Devaneio
O silêncio azul invade o fim da tarde, passa um sabiá.

18 – Inexplicável partitura
O silêncio denso — no vão entre duas notas, a dor se esconde.

19 – Sempre igual
O grito contido pesa mais que tempestade. Cai sem alarde.

20 – Vazio
Nenhum som resta, só o pulsar da ausência na pele da alma.

21 – Sem voz
Chuva no vidro, como lágrimas do céu. Ninguém responde.

22 – Escombros
Entre ruínas, flores ainda resistem. Melancolia.

23 – Sem explicação
Saudade… aquela presença que se faz sentir na ausência. 

24 – Estranho 
Vento no portão, eco do que já foi riso— volta só a brisa.

25 – Álbum de fotografia
No velho retrato, o tempo dorme em silêncio. Saudade desperta.

26 – Mar aberto
No céu da memória brilham os olhos de antes — lágrima e farol.

27 – Sem sentido
Ramo quebrado. O pássaro não volta. Só o vento.

28 – O peso de uma ausência
Chão de folhas. Ninguém passou por aqui. Mesmo assim pesa.

29 – Depois de tudo
A fumaça sobe. O tempo nem responde... Cinza no ar.

30 – Dor ingente
Casa vazia. O som do relógio dói devagar.
= = = = = = = = =  = = = = = = = = =  = = = = 
APARECIDO RAIMUNDO DE SOUZA (72), natural de Andirá/PR,. Em Osasco, foi responsável, de 1973 a 1981, pela coluna Social no jornal “Municípios em Marcha” (hoje “Diário de Osasco”). Neste jornal, além de sua coluna social, escrevia também crônicas, embora seu foco fosse viver e trazer à público as efervescências apenas em prol da sociedade local. Aos vinte anos, ingressou na Faculdade de Direito de Itu, formando-se bacharel em direito. Após este curso, matriculou-se na Faculdade da Fundação Cásper Líbero, diplomando-se em jornalismo. Colaborou como cronista, para diversos jornais do Rio de Janeiro e Minas Gerais, como A Gazeta do Rio de Janeiro, A Tribuna de Vitória e Jornal A Gazeta, entre outras.  Hoje, é free lancer da Revista ”QUEM” (da Rede Globo de Televisão), onde se dedica a publicar diariamente fofocas.  Escreve crônicas sobre os mais diversos temas as quintas-feiras para o jornal “O Dia, no Rio de Janeiro.” Acadêmico da Confraria Brasileira de Letras. Reside atualmente em Vila Velha/ES.
Fontes:
Texto enviado pelo autor. 
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

Irmãos Grimm (Verdurinha*)

* O termo "verdurinha" provavelmente se refere à Rapunzel. No conto dos Irmãos Grimm, a história começa porque a mãe da menina sente um desejo incontrolável por uma hortaliça específica, uma espécie de alface-do-campo (conhecida como Feldsalat em alemão e, em algumas regiões, como "alface Rapunzel") que crescia no jardim de uma bruxa.
================================================

Era uma vez um homem e uma mulher que viviam sós e tristes por não terem filhos. Um dia, a mulher teve a esperança que o bom Deus iria afinal satisfazer o seu maior desejo. A casa onde viviam tinha, na parede dos fundos, uma pequena janela de onde se avistava um jardim maravilhoso, cheio de lindas flores e plantas. Era cercado por um alto muro e ninguém se atrevia a entrar, pois pertencia a uma feiticeira muito poderosa, de quem todos tinham medo.

Certa ocasião a mulher, parada à janela, olhando o jardim, avistou um canteiro com as mais belas hortaliças, tão frescas e verdes que teve um grande desejo de as comer.                          

À medida que os dias iam passando, seu desejo aumentava e, como ela sabia ser impossível consegui-las, foi empalidecendo e definhando a olhos vistos. O marido, notando aquilo, assustou-se e perguntou:

- Querida, o que se passa contigo?

- Ah! - respondeu ela - se eu não comer daquelas verduras que crescem no jardim, atrás da nossa casa, na certa morrerei.

O homem, que amava sua mulher, pensou: "Em vez de deixar que ela morra, hei de conseguir as verduras, custe o que custar."

Quando anoiteceu, saltou o muro do jardim da feiticeira, arrancou depressa um punhado de verduras e as levou à esposa. Esta logo preparou uma salada e comeu-a com verdadeiro gosto; e tanto lhe agradou o prato que no dia seguinte sentiu um desejo três vezes maior. Para que ela ficasse em paz, o marido deveria ir mais uma vez ao jardim. Ao anoitecer, o homem repetiu a façanha; mal, porém, desceu do muro, levou um susto enorme, pois de súbito a bruxa surgiu à sua frente.

- Como te atreves  - disse ela, com olhar furioso - a entrar como um ladrão no meu jardim e roubar as minhas verduras? Hás de pagar bem caro!

- Ai! Tenha dó de mim! - implorou o homem.- Só fiz isso por necessidade; Minha mulher avistou da janela as suas verduras e tanto as desejou que morreria se não as comesse.

A feiticeira deixou-se abrandar e assim lhe falou:

- Se é como dizes, permitirei que leves tanto quanto quiseres; só imponho uma condição: terás de me dar a criança que tua mulher trouxer ao mundo. Será bem tratada e cuidarei dela como se fosse a sua mãe.

Amedrontado, o homem concordou com tudo e, quando nasceu a criança, uma menina, a feiticeira logo se apresentou. Deu-lhe o nome de Verdurinha e levou-a consigo.

Verdurinha era a criança mais linda que o sol já vira. Ao completar doze anos, a feiticeira a encerrou em uma torre no meio de um bosque, a qual não tinha porta nem escada, mas apenas uma janelinha bem ao alto.

Quando a feiticeira queria entrar, postava-se ao pé da torre e gritava:

- Verdurinha, Verdurinha!
- Solta essa tua trancinha!

"Trancinha" era um modo de dizer, pois a moça tinha os cabelos longos, finos e louros como se fossem tecidos de ouro. Quando ouvia a voz  da feiticeira, soltava as tranças, prendia-as em volta de um gancho da janela e os cabelos, do comprimento de cem palmos, iam tocar no solo. Por elas a bruxa subia ao alto da torre.

E aconteceu que um dia o filho do rei, andando a cavalo pelo bosque, passou junto à torre. Dali partia uma canção tão maravilhosa que ele parou  a escutá-la. Era verdurinha que, em sua solidão, se entretinha cantando. O príncipe quis subir até onde ela estava e procurou uma porta na torre; como, no entanto, não achou nenhuma, voltou ao palácio. Mas o canto lhe tocara de tal maneira o coração que todos os dias ele ia ao bosque e se punha a escutar. Certa vez, estando assim parado atrás de uma árvore, viu que uma feiticeira se aproximava e a ouviu chamar:

- Verdurinha, Verdurinha!
- Solta essa tua trancinha!

Verdurinha soltou suas tranças e a bruxa subiu até o alto da torre.

  "Se é esta a escada por onde se sobe, - pensou o príncipe - também eu tentarei a minha sorte." 

E no dia seguinte, quando começou a escurecer, dirigiu-se à torre e chamou:

- Verdurinha, Verdurinha!
- Solta essa tua trancinha!

Em seguida as tranças foram jogadas para baixo e o príncipe subiu por elas.

No primeiro momento, Verdurinha assustou-se ao ver um homem à sua frente, pois ela nunca tinha visto um homem em toda a sua vida. Mas o príncipe começou a falar-lhe amavelmente, dizendo que suas canções haviam impressionado de tal modo o seu coração que não descansara enquanto não a tinha visto em pessoa. Verdurinha então perdeu o medo e, quando o príncipe perguntou se o aceitaria como esposo e ela viu que era moço e bonito, pensou: "Este há de gostar mais de mim do que a velha" e, pondo sua mão na dele, respondeu:

- Com muito prazer irei contigo, mas não sei como sair daqui. Sempre que vieres, traze uma meada de seda e eu irei tecendo uma escada. Quando estiver pronta, descerei por ela e me levarás contigo no teu cavalo.

Combinaram que até lá ele a visitaria todas as noites, porque de dia a velha era quem ia à torre. A feiticeira nada havia percebido até o dia em que Verdurinha lhe perguntou:

- Diga-me, D. Gothel, por que será que faço um esforço muito  maior para puxar a senhora do que o jovem príncipe?

- Ah, desgraçada! - exclamou a bruxa. - Que acabo de ouvir? Pensei que te havia isolado do mundo inteiro e mesmo assim me enganaste!

Furiosa, pegou as lindas tranças de Verdurinha, enrolou-as na mão esquerda, apanhou uma tesoura com a direita e, num zás, cortou-as, atirando os lindos cabelos ao chão. E foi tão maldosa que conduziu a pobre Verdurinha a um deserto, onde teve de viver na maior tristeza e miséria.

No mesmo dia em que expulsara a jovem, a feiticeira, de noite, prendeu no gancho da janela as tranças cortadas. Quando o príncipe apareceu e chamou:

- Verdurinha, Verdurinha!
Solta essa tua trancinha!

A bruxa soltou os cabelos e o filho de rei subiu por eles. Mas, em vez de encontrar Verdurinha, encontrou a feiticeira, que o recebeu com uns olhos fuzilando de ódio e maldade.

- Ah! gritou ela - vieste buscar tua amada, mas o belo pássaro não está mais na gaiola, nem tornará a cantar. O gato o comeu, e a ti te arrancará os olhos. Verdurinha não será tua, nunca tornarás a vê-la.

O príncipe, fora de si, de dor e desespero, atirou-se da torre. Salvou a vida, mas os espinhos, entre os quais caiu, lhe arranharam as vistas. Daí em diante passou a vagar, cego, pelo bosque; só comia raízes e frutos silvestres e não fazia outra coisa senão lamentar a perda da sua amada esposa. 

Vagou assim, alguns anos, até que um dia foi dar no deserto onde vivia Verdurinha, miseravelmente, com seus dois filhos gêmeos, um menino e uma menina. Ouvindo uma voz que lhe pareceu familiar, ele se aproximou; Verdurinha o reconheceu e logo se jogou, chorando, a seus braços. 

Duas de suas lágrimas foram umedecer os olhos do marido e no mesmo instante ele recuperou a visão, passando a enxergar como antes. O príncipe os conduziu ao seu reino, onde foi recebido com grande alegria e todos viveram, ainda por muito tempo, felizes e satisfeitos.
= = = = = = = = =  = = = = = = = = =  = = = = 
Folcloristas e escritores de contos infantis, Jacob Ludwing Carl Grimm (1785-1863) e Wilhelm Carl Grimm (1786-1859) nasceram em Hanau, no Grão-ducado de Hesse, na Alemanha. Receberam formação religiosa na Igreja Calvinista Reformada. Das nove crianças da família só seis chegaram à idade adulta. Os Irmãos Grimm passaram a infância na aldeia de Steinau, onde o pai era funcionário de justiça e Administração do conde de Hessen. Em 1796, com a morte repentina do pai, a família passou por dificuldades financeiras. Em 1798, Jacob e Wilhelm, os filhos mais velhos, foram levados para a casa de uma tia materna na cidade de Hassel, onde foram matriculados numa escola. Depois de concluído o ensino médio, os irmãos ingressaram na Universidade de Marburg. Estudiosos e interessados nas pesquisas de manuscritos e documentos históricos, receberam o apoio de um professor, que colocou sua biblioteca particular à disposição dos irmãos, onde tiveram acesso às obras do Romantismo e às cantigas de amor medievais. Depois de formados, os Irmãos Grimm se fixaram em Kassel e ambos ocuparam o cargo de bibliotecário. Em 1807, com o avanço do exército francês pelos territórios alemães, a cidade de Kassel passou a ser governada por Jérome Bonaparte, irmão mais novo de Napoleão, que a tornou capital do reino recém-instalado, Reino da Vestfália. Essa situação despertou o espírito nacionalista do romantismo alemão. A busca das raízes populares da germanidade estava em voga. Os irmãos reivindicaram a origem alemã para histórias conhecidas também em outros países europeus – como Chapeuzinho Vermelho, registrada pelo francês Charles Perrault bem antes do século XVII. No final de 1812, os irmãos apresentaram 86 contos coletados da tradição oral da região alemã do Hesse em um volume intitulado “Kinder-und Hausmärchen”, Contos de Fadas para o Lar e as Crianças. Em 1815 lançaram o segundo volume, Lendas Alemãs, no qual reuniram mais de setenta contos. Em 1840 os irmãos mudaram-se para Berlim onde iniciaram seu trabalho mais ambicioso: Dicionário Alemão. A obra, cujo primeiro fascículo apareceu em 1852, mas não pode ser terminada por eles. Faleceram em Berlim Wilhelm em 1859 e Jacob em 1863.

Fontes:
Contos de Grimm. Publicados de 1812 a 1819. Disponível em Domínio Público.
Nota = https://www.thespruceeats.com/
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

terça-feira, 18 de novembro de 2025

O Trovadorismo no Brasil (Introdução)

                                                            (organização e pesquisa por José Feldman)
O trovadorismo é um dos movimentos literários mais antigos e marcantes da história, surgido na Europa medieval, especialmente no sul da França, por volta do século XII. No entanto, no Brasil, o trovadorismo não surgiu como um movimento literário formalizado e alinhado às características do trovadorismo europeu, mas foi reinterpretado e adaptado ao longo do tempo. Aqui, as manifestações poéticas com características trovadorescas emergiram principalmente através da influência portuguesa e se desenvolveram de maneira singular, conectando-se tanto à tradição oral quanto à escrita.

INFLUÊNCIAS PORTUGUESAS NO BRASIL COLONIAL

O trovadorismo como movimento literário original não existiu no Brasil colonial, pois ele já havia declinado na Europa antes mesmo da descoberta do país em 1500. Contudo, sua herança foi transmitida ao Brasil por meio da cultura portuguesa. O trovadorismo europeu, caracterizado pelas cantigas de amor, cantigas de amigo e cantigas de escárnio e maldizer, influenciou a literatura oral e popular trazida pelos colonizadores. No Brasil, essas formas de poesia ganharam novos contornos, misturando-se com a cultura indígena e africana, o que deu origem a manifestações poéticas híbridas.

No período colonial, os jesuítas desempenharam um papel importante na difusão da poesia lírica e religiosa, que incorporava traços do trovadorismo. Um exemplo notável é a obra do padre José de Anchieta, que utilizava versos para catequizar os índios. Embora sua produção literária fosse mais voltada para a poesia religiosa e pedagógica, alguns de seus textos apresentavam traços líricos que lembravam as cantigas trovadorescas, com sua musicalidade e simplicidade.

O SÉCULO XVIII E O NEOTROVADORISMO TROPICAL

No século XVIII, com o advento da escola literária conhecida como Arcadismo, alguns poetas brasileiros retomaram elementos do trovadorismo em suas obras. O Arcadismo, com sua valorização da simplicidade, da natureza e do bucolismo, abriga certa afinidade com a poesia trovadoresca, especialmente nas cantigas de amor e amigo. 

Entre os principais nomes desse período está Tomás Antônio Gonzaga, autor de “Marília de Dirceu”. Embora sua obra esteja mais alinhada ao Arcadismo, ela contém elementos líricos que ecoam o espírito trovadoresco, sobretudo na expressão do amor idealizado e na musicalidade dos versos. Outro destaque é “Cláudio Manuel da Costa”, cujos poemas líricos apresentam uma sensibilidade que dialoga com a tradição trovadoresca medieval.

SÉCULO XIX: O ROMANTISMO E A REINTERPRETAÇÃO DO TROVADORISMO

No século XIX, com o Romantismo, o Brasil viveu um momento de forte resgate e reelaboração das tradições literárias do passado. O trovadorismo inspirou muitos poetas românticos, especialmente no que diz respeito à exaltação do amor, da natureza e da melancolia. A poesia romântica brasileira muitas vezes ecoava o lirismo trovadoresco, com sua musicalidade e idealização amorosa.

Entre os principais expoentes desse período, destaca-se Gonçalves Dias, cuja obra poética apresenta traços líricos que remetem ao trovadorismo, especialmente na idealização da mulher e na musicalidade dos versos. Em poemas como “Seus Olhos” e “Canção do Exílio”, percebe-se o uso de uma linguagem simples e direta, com forte apelo emocional e musical.

Outro poeta que dialoga indiretamente com o trovadorismo é Álvares de Azevedo, com sua poesia marcada pela melancolia, pelo amor idealizado e, frequentemente, por um tom confessional. Embora inserido no contexto do Ultra-Romantismo, seu lirismo intenso e sua sensibilidade podem ser associados à tradição trovadoresca.

SÉCULO XX: O RESSURGIMENTO DO ESPÍRITO TROVADORESCO

O século XX trouxe novas formas de manifestações poéticas no Brasil, mas o espírito trovadoresco continuou a se manifestar em diferentes contextos. Durante esse período, o trovadorismo foi reinterpretado e reinventado, especialmente por movimentos literários que valorizavam a tradição oral e a cultura popular brasileira.

Um exemplo marcante é o movimento modernista, que, embora fosse essencialmente vanguardista, resgatou aspectos da poesia popular e da tradição medieval, adaptando-os para um contexto contemporâneo. Poetas como Mário de Andrade e Manuel Bandeira incorporaram em suas obras elementos da oralidade, da musicalidade e da simplicidade que remetem ao trovadorismo.

Além disso, o século XX assistiu ao fortalecimento da literatura de cordel, que, de certa forma, pode ser vista como uma herdeira do trovadorismo. Os cordelistas, com suas histórias rimadas e sua musicalidade, mantiveram viva a tradição de criação poética ligada à oralidade e à cultura popular. Autores como Leandro Gomes de Barros e Patativa do Assaré revitalizaram o espírito trovadoresco, adaptando-o à realidade nordestina e às questões sociais do Brasil.

MODERNISMO E A GERAÇÃO DE 45 (SÉCULO XX)

O Modernismo brasileiro, em suas diferentes fases, buscou a nacionalização da arte e a valorização da cultura popular. Embora a primeira fase fosse de ruptura, a terceira fase modernista, ou Geração de 45, viu um retorno à métrica e à forma fixa, o que ajudou a resgatar a estrutura da trova.

Expoentes desse período:

J. G. de Araújo Jorge: Poeta popular de grande sucesso na metade do século XX, organizou concursos de trovas ("Jogos Florais") na TV Rio em 1959, popularizando o gênero e incentivando novos trovadores.

Adelmar Tavares: Conhecido como o "Rei da Trova", foi um grande expoente e pioneiro na organização do movimento trovadoresco no Brasil, ajudando a fundar a União Brasileira de Trovadores (UBT).

Luiz Otávio: Outro nome importante na organização e difusão da trova no Brasil, também envolvido na promoção dos Jogos Florais.

O TROVADORISMO NAS DÉCADAS RECENTES

Nas últimas décadas, o trovadorismo tem sido reinterpretado por poetas contemporâneos e artistas que buscam resgatar a musicalidade e a simplicidade lírica características do movimento original. Em tempos de globalização e cultura digital, muitos artistas têm se inspirado na tradição trovadoresca para criar obras que dialogam com o passado e o presente.

O trovadorismo também se manifesta em movimentos artísticos ligados à música popular brasileira, onde a poesia e a musicalidade encontram terreno fértil. Compositores como Chico Buarque, Vinícius de Moraes e Caetano Veloso podem ser vistos como "trovadores modernos", cujas obras combinam lirismo, musicalidade e uma profunda conexão com a tradição poética.

EUROPA E BRASIL , DIFERENÇAS

O trovadorismo europeu e o brasileiro apresentam diferenças marcantes, especialmente porque o trovadorismo, como movimento literário formal, não surgiu de maneira autônoma no Brasil. 

O trovadorismo europeu, datado entre os séculos XII e XIV, foi uma manifestação cultural e literária característica da Idade Média, enquanto no Brasil ele foi reinterpretado e adaptado, influenciando diferentes formas de expressão poética ao longo do tempo. 

ORIGEM HISTÓRICA

Europa:
O trovadorismo surgiu na Europa medieval, mais precisamente no sul da França, com os trovadores provençais. Ele se desenvolveu como uma arte poética e musical ligada às cortes feudais, com forte influência dos valores da Cavalaria e do Amor Cortês. Era um movimento literário bem definido, marcado pelas cantigas de amor, amigo, escárnio e maldizer.

Brasil:
O trovadorismo não existiu como um movimento literário formal. Ele chegou indiretamente, por meio da colonização portuguesa, como uma herança cultural. Elementos da poesia trovadoresca foram transmitidos através da tradição oral, da literatura popular e das influências líricas trazidas pelos jesuítas e colonizadores. Aqui, ele foi reinterpretado em diferentes períodos e estilos literários, como o Arcadismo, o Romantismo e a Literatura de Cordel.

CONTEXTO CULTURAL

Europa:
O trovadorismo europeu estava diretamente ligado à cultura das cortes feudais e aos ideais cavaleirescos, como o amor platônico e a exaltação à dama. Era uma expressão elitista e aristocrática, pois os trovadores compunham para as classes nobres, que eram os principais mecenas das artes.

Brasil: 
No Brasil, a poesia com elementos trovadorescos não estava vinculada a uma aristocracia feudal. Ela foi incorporada à cultura popular e adaptada às realidades locais, como o ambiente rural, a religiosidade e as influências indígenas e africanas. Essa adaptação tornou o "espírito trovadoresco" mais democrático e acessível, manifestando-se especialmente na oralidade e nas tradições populares, como a literatura de cordel.

TEMAS E LINGUAGEM

Europa:
Os temas do trovadorismo europeu eram bastante específicos e formalizados:
  - Cantigas de Amor: Amor cortês, idealizado, geralmente com o eu lírico masculino exaltando uma dama inatingível.  
  - Cantigas de Amigo: Relacionadas à saudade e ao lamento amoroso, com o eu lírico feminino.  
  - Cantigas de Escárnio e Maldizer: Sátiras diretas ou indiretas, com críticas sociais ou pessoais.  

  A linguagem era sofisticada, repleta de metáforas e simbolismos, e seguia normas rígidas de composição (versificação, rimas e métrica).

Brasil:  
Os temas ganharam um caráter mais popular e regional. A poesia influenciada pelo trovadorismo brasileiro incorporou o cotidiano, o amor simples, a religiosidade e as realidades locais. A linguagem, em geral, tornou-se mais direta e menos formal, com forte influência da oralidade. Exemplos disso aparecem na literatura de cordel e na poesia popular, que muitas vezes preservam a musicalidade e a métrica, mas com um tom mais acessível e próximo do povo.

MÚSICA E ORALIDADE

Europa:  
O trovadorismo europeu estava profundamente ligado à música. Os trovadores não apenas escreviam poesia, mas também as cantavam, acompanhados de instrumentos musicais, como o alaúde e a viela. A poesia trovadoresca era essencialmente uma arte performática, destinada a ser ouvida nas cortes.

Brasil:  
Embora a poesia trovadoresca europeia tenha influenciado a tradição musical e oral brasileira, a música se desvinculou do poema escrito. No entanto, a literatura de cordel, que pode ser vista como uma herança indireta do trovadorismo, manteve a oralidade ao ser recitada ou cantada pelos cordelistas, especialmente no Nordeste. A música popular brasileira também incorporou o lirismo trovadoresco em canções de amor e sátira.

ESTRUTURAS POÉTICAS

Europa:  
A poesia trovadoresca seguia formas fixas e rígidas, como a balada, a canção e a tenson (debate poético). As cantigas tinham uma métrica específica (geralmente redondilhas maiores ou menores) e apresentavam esquemas de rima bem definidos, com uso de paralelismos e refrãos.

Brasil:  
Embora houvesse influência das formas fixas, a poesia brasileira adaptou-se às características locais. No Arcadismo, por exemplo, a métrica clássica (decassílabos e redondilhas) foi herdada do trovadorismo. Na literatura de cordel, predominam a redondilha e a rima simples, mas com mais liberdade na composição e maior foco na narrativa.

EXEMPLOS DE PRODUÇÃO

Europa:  
Entre os principais trovadores europeus estão:
  - Bernart de Ventadorn (cantigas de amor);  
  - Martim Codax (cantigas de amigo);  
  - João Garcia de Guilhade (cantigas de escárnio e maldizer).  

  Suas obras eram curtas, líricas e altamente estilizadas, voltadas para o entretenimento e a admiração nas cortes.

Brasil:  
Tomás Antônio Gonzaga (Arcadismo), Gonçalves Dias (Romantismo) e os cordelistas nordestinos (como Leandro Gomes de Barros e Patativa do Assaré) mantiveram vivo o espírito trovadoresco. Eles adaptaram o lirismo, a musicalidade e a crítica social ao contexto brasileiro.

CONTEXTO SOCIAL E LITERÁRIO

Europa:  
O trovadorismo europeu surgiu em um contexto de feudalismo, onde a arte era patrocinada pelos nobres e estava diretamente associada à vida nas cortes. Era uma literatura elitista, voltada para um público específico e restrito.

Brasil:  
A poesia influenciada pelo trovadorismo brasileiro se desenvolveu em um contexto muito mais amplo e heterogêneo. Ela foi incorporada à cultura popular, sendo usada como uma forma de expressão coletiva e muitas vezes ligada à luta social, como acontece na literatura de cordel ou na música popular.

A REALEZA DO MOVIMENTO TROVADORESCO NO MODERNISMO NO BRASIL

Adelmar Tavares e Luiz Otávio desempenharam papéis fundamentais na modernização e revitalização do trovadorismo no Brasil. Eles foram figuras centrais no movimento que trouxe o espírito trovadoresco para o século XX, resgatando e adaptando as características medievais do gênero para o contexto contemporâneo. Seus títulos de "Rei da Trova" e "Príncipe da Trova" refletem o reconhecimento de suas contribuições poéticas e de seus esforços para popularizar a trova no Brasil.

ADELMAR TAVARES: O REI DA TROVA

Adelmar Tavares (1888–1963) é uma das figuras mais importantes da poesia brasileira no período moderno. Ele foi um poeta, jurista e membro da Academia Brasileira de Letras. Recebeu o título de "Rei da Trova" pelo seu excepcional talento em construir trovas e pela sua dedicação à forma poética, que o tornou um mestre incontestável no gênero.

CONTRIBUIÇÕES E DESTAQUE NO TROVADORISMO

Resgate da Forma Tradicional: 
Adelmar Tavares destacou-se por revitalizar a trova, trazendo-a de volta à cena literária brasileira em um momento em que a poesia moderna, com suas formas mais livres, dominava o cenário. Ele manteve a estrutura tradicional da trova (quatro versos, redondilhas maiores, rimas rigorosas e musicalidade), conectando-se às raízes do trovadorismo medieval europeu.
  
Temas Universais e Populares: 
Suas trovas exploravam temas como o amor, a saudade, a fé e a vida cotidiana, mas com uma sensibilidade que transcendia os limites da poesia popular. Ele conseguia equilibrar simplicidade e profundidade, atingindo tanto o público erudito quanto o popular.

Reconhecimento Nacional: 
Sua maestria no gênero o levou a ser chamado de "Rei da Trova", um título que reflete o respeito que ele conquistou entre seus pares e leitores. Ele foi celebrado como o maior representante da trova em sua época, sendo uma referência para as gerações posteriores.

Influência no Movimento Trovadoresco: 
Adelmar Tavares influenciou diretamente o renascimento do trovadorismo no Brasil ao demonstrar que a trova, mesmo com suas raízes medievais, podia continuar relevante na literatura moderna. Seu trabalho serviu como inspiração para outros poetas, que passaram a valorizar e explorar essa forma poética em suas obras.

LUIZ OTÁVIO: O PRÍNCIPE DA TROVA

Luiz Otávio (1916–1977), pseudônimo de Gilson de Castro, foi outro grande nome da trova no Brasil. Ele recebeu o título de "Príncipe da Trova" por sua habilidade poética e pelo esforço em organizar e promover o trovadorismo como um movimento literário e cultural no século XX.

CONTRIBUIÇÕES E DESTAQUE NO TROVADORISMO

Luiz Otávio é conhecido como o fundador de uma organização trovadoresca que reunia poetas de todo o país, em 1966, promovendo concursos, eventos e publicações dedicados exclusivamente à trova.  Essa organização foi fundamental para a consolidação da trova como um gênero poético reconhecido no Brasil. 

Divulgação e Valorização da Trova: 
Luiz Otávio não apenas produziu trovas de alta qualidade, mas também dedicou sua vida a divulgar essa forma poética. Ele acreditava no poder da trova como uma expressão artística acessível, capaz de tocar tanto os letrados quanto o público em geral.

Estilo Poético: 
Suas trovas destacavam-se pela perfeição técnica e pela sensibilidade. Ele abordava temas como o amor, a amizade, a natureza e a espiritualidade, sempre com uma linguagem clara e musical. Sua habilidade em capturar sentimentos profundos em apenas quatro versos o tornou um modelo para outros trovadores.

Influência no Movimento Trovadoresco:
Luiz Otávio consolidou o trovadorismo moderno no Brasil, não apenas como poeta, mas como organizador e incentivador de outros trovadores. Seu título de "Príncipe da Trova" reconhece tanto sua produção literária quanto seu papel como líder do movimento trovadoresco no século XX. Ele foi o responsável por transformar a trova em um gênero vivo e ativo, com uma forte base de seguidores e praticantes.

OS TÍTULOS DE REI E PRÍNCIPE DA TROVA

Os títulos de "Rei da Trova" para Adelmar Tavares e "Príncipe da Trova" para Luiz Otávio não foram meramente simbólicos, mas um reconhecimento de seus papéis fundamentais na preservação, revitalização e popularização da trova no Brasil. Enquanto Adelmar Tavares foi celebrado como o maior trovador de sua época, Luiz Otávio foi reconhecido como o principal articulador e organizador do movimento trovadoresco moderno.

Adelmar Tavares: Rei pela excelência técnica e sensibilidade poética, ele foi o maior expoente do gênero em sua geração.

Luiz Otávio: Príncipe por sua liderança e pelo papel central na criação de uma comunidade organizada de trovadores, garantindo a continuidade e o reconhecimento da trova como forma literária.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As diferenças entre o trovadorismo europeu e o brasileiro refletem as realidades históricas e culturais de cada contexto. Enquanto o trovadorismo europeu foi um movimento aristocrático e formalizado, o brasileiro reinterpretou essa tradição de forma mais popular e democrática, adaptando-a às influências locais e à diversidade cultural do país. No Brasil, a musicalidade, o lirismo e a simplicidade típicos desse movimento continuam a ecoar em várias manifestações artísticas e literárias.

Embora o trovadorismo não tenha surgido de forma autônoma no Brasil, ele deixou marcas profundas na literatura e na cultura do país. Desde a influência portuguesa no período colonial até as reinterpretações modernas, o espírito trovadoresco continua a inspirar poetas, músicos e artistas. Seja nas cantigas medievais adaptadas pelos jesuítas, na poesia lírica do Arcadismo e do Romantismo, ou na literatura de cordel e na música popular brasileira, o trovadorismo permanece vivo e relevante, ecoando sua musicalidade e lirismo ao longo dos séculos.

Adelmar Tavares e Luiz Otávio foram os pilares do trovadorismo moderno no Brasil. Enquanto o primeiro resgatou o lirismo e a musicalidade da trova, o segundo institucionalizou o movimento, ampliando sua prática e alcance. Ambos não apenas revitalizaram um gênero poético de raízes medievais, mas também demonstraram que a trova, com sua simplicidade e profundidade, podia ser uma forma de arte viva e relevante, capaz de conectar gerações e públicos diversos. Seus títulos, de "Rei" e "Príncipe", são uma justa homenagem ao impacto duradouro de suas obras e ações.
= = = = = = = = =  = = = = = = = = =  = = = = 
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 
JOSÉ FELDMAN, poeta, trovador, escritor, professor e gestor cultural. Formado em técnico de patologia clínica trabalhou por mais de uma década no Hospital das Clínicas de São Paulo. Devido à situação financeira insuficiente não concluiu a Faculdade de Psicologia, na FMU, contudo se fez e ainda se faz presente em mais de 200 cursos presenciais e online no Brasil e no exterior (Estados Unidos, México, Escócia e Japão), sendo em sua maioria de arqueologia, astronomia e literatura. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais. Morou na capital de São Paulo, onde nasceu, em Taboão da Serra/SP, em Curitiba/PR, em Ubiratã/PR, em Maringá/PR. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras, como Confraria Brasileira de Letras, Academia Rotary de Letras, Academia Internacional da União Cultural, Academia de Letras Brasil/Suiça, Confraria Luso-Brasileira de Trovadores, Academia de Letras de Teófilo Otoni, etc, possui os blogs Singrando Horizontes desde 2007, e Pérgola de Textos, um blog com textos de sua autoria, Voo da Gralha Azul (com trovas do mundo). Assina seus escritos por Floresta/PR. Dezenas de premiações em crônicas, contos, poesias e trovas no Brasil e exterior.
Publicações de sua autoria “Labirintos da vida” (crônicas e contos); “Peripécias de um Jornalista de Fofocas & outros contos” (humor); “35 trovadores em Preto & Branco” (análises); “Canteiro de trovas”; “Pérgola de textos” (crônicas e contos), “Caleidoscópio da Vida” (textos sobre trovas), “Chafariz de Trovas” e “Asas da poesia”.


Fontes:  Chafariz de Trovas. Floresta/PR: Plat.Poe. Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por JFeldman com Microsoft Bing