segunda-feira, 13 de outubro de 2025

Asas da Poesia * 111 *


Poema de
DANIEL MAURÍCIO
Curitiba/PR

Quem nasceu 
Pirilampo
Não precisa que ninguém 
Lhe segure a lanterna.
= = = = = = 

Poema de
LUIZ POETA
(Luiz Gilberto de Barros)
Rio de Janeiro/RJ

Quando a alma voa, há um poeta dentro dela

A dor insiste, mas o amor não se perverte,
sonhos convertem solidões em paraísos.
Se cada guizo é uma serpente que adverte,
o amor diverte-se com os sonhos imprecisos.

Uns se dedicam à própria sobrevivência,
outros descobrem o tempo da rebeldia,
e quem desfia os novelos da ciência,
adia o tempo infeliz que o desafia.

O amor resiste e se junta à fantasia,
chama a alegria que completa os sentimentos,
nesse momento se sublima a ousadia,
à revelia do que sinta o sofrimento.

Se do lamento, se compõe a melodia,
a harmonia organiza novos tons
e se os neons têm o amor por moradia,
é no sonhar que o coração produz neons.

Tanto poeta se completa num amigo...
quando há abrigo, nem se sente a tempestade,
na amizade, me abençoas e eu bendigo
o que só possa te trazer felicidade.

A dor insiste, mas a alma é passarinho,
cujo caminho é o céu mais azulado.
Pobre coitado que só quer voar sozinho,
quando o amigo lhe oferece um ombro... alado.

Pois que se viva cada instante e que se creia
que a vida é cheia de momentos tão felizes,
que até a dor transfunde amor na própria veia,
quando ela anseia libertar os infelizes.

Em cada flash, uma história é recontada,
alicerçada na pureza da amizade,
assim, no enredo de uma vida abençoada,
o amor insiste em pôr a dor em liberdade.

Quem pinta aquilo que não vê, faz um rascunho
de próprio punho, da revolta que o irrita,
porém, se a dor constrói um falso testemunho,
o amor maltrata-se na dor que nele habita.

Que tu resistas, coração ao que magoa...
quando a alma voa, há um poeta dentro dela
e se a sequela de uma dor não te abençoa,
o amor ecoa na emoção que te revela
= = = = = = 

Poema de
VANICE ZIMERMAN
Curitiba/PR

A Janela e o Tempo

Da janela, vejo a rua,
Observo o tempo de cada pessoa que passa...
O tempo das flores renascerem lindas!
O tempo das folhas de Ipê caindo na calçada...
Da janela, vejo o portão,
sinto o vento, a chuva e sonho...
Espero você chegar,
de uma longa viagem...
= = = = = = 

Quadra Popular

Eu amava-te, ó menina,
se não fora um só senão:
seres pia de água benta
onde todos põe a mão.
= = = = = = 

Soneto de
RAUL DE LEONI
Petrópolis/RJ, 1895-1926

Crepuscular

Poente no meu jardim... O olhar profundo
Alongo sobre as árvores vazias,
Essas em cujo espírito infecundo
Soluçam silenciosas agonias.

Assim estéreis, mansas e sombrias,
Sugerem à emoção com que as circundo
Todas as dolorosas utopias
De todos os filósofos do mundo.

Sugerem... Seus destinos são vizinhos:
Ambas, não dando frutos, abrem ninhos
Ao viandante exânime que as olhe.

Ninhos, onde vencidas de fadiga,
A alma ingênua dos pássaros se abriga
E a tristeza dos homens se recolhe...
= = = = = = 

Soneto de
ANTERO DE QUENTAL
Ponta Delgada/Portugal, 1842 – 1891

Noturno

Espírito que passas, quando o vento
Adormece no mar e surge a Lua,
Filho esquivo da noite que flutua,
Tu só entendes bem o meu tormento...

Como um canto longínquo - triste e lento-
Que voga e sutilmente se insinua,
Sobre o meu coração que tumultua,
Tu vestes pouco a pouco o esquecimento...

A ti confio o sonho em que me leva
Um instinto de luz, rompendo a treva,
Buscando. entre visões, o eterno Bem.

E tu entendes o meu mal sem nome,
A febre de Ideal, que me consome,
Tu só, Gênio da Noite, e mais ninguém!
= = = = = = 

Soneto de 
AMILTON MACIEL MONTEIRO
São José dos Campos/SP

O sabiá

Em minha casa tem um sabiá
Que canta sempre, desde manhãzinha,
Escondido em um lindo jatobá
Que fica logo atrás de minha cozinha.

Nem os gritos do forte carcará,
À cata de indefesa andorinha,
Na luta para ver quem vencerá,
Sobrepujam essa minha avezinha!

O seu cantar anima a minha vida,
Que vai chegando ao fim de sua corrida,
Pois apesar de triste, é uma doçura...

E consegue alegrar os dias meus!
Creio até que seu canto de ternura
Não mereço, mas ganho de meu Deus!
= = = = = = 

Poema de
ISABELA REGINA NASCIMENTO
Ponta Grossa/PR

Fantasia perfumada

A poesia e a mulher se encontram
Palavra feminina forte
Como música suave que toca
Em sinfonia de almas
Fêmeas arteiras, escrevem
Fantasias perfumadas
Saborosas como frutos
Impressos em tinta
Desenhados no papel da vida
Cada verso, um traço
Instantâneos de emoções
Rastros de sentimentos
Coloridos, vibrantes
Riscos que escrevem
Palavras que nascem
Do coração de quem cria
Do mundo de quem sente
É a música dos versos
Corre viva, pulsante
A fotografia da alma
Impressa na página da vida
= = = = = = 

Trova Funerária Cigana

Quando morreu minha Rosa,
o mundo ficou sem luz,
porém ficou minha mãe
pra carregar minha cruz.
= = = = = = 

Poemeto de 
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo / SP

Lágrimas Sombrias no Vento

Sou no ar frio do outono
sentimento alvorecendo,
a procura da guarida
em caquinhos coloridos,
os raios da tempestade
tecendo gritos em ecos

Sou no ar frio do outono
a leveza em benquerer,
o olhar na sombra perdida,
distante em silencioso
pranto, a prece aquecendo
corações em cacarecos.
= = = = = = 

Poema de 
NÉLIO CHIMENTO
Rio de Janeiro/RJ

Não sei se vou bem ou mal
Mas vou dando o meu jeito 
Para não fazer tudo sempre igual.

Levo sonhos no pensamento,
Esperanças no peito
E o sentimento
De que não sou perfeito,

Mas tenho o entendimento
De que o tropeço é natural
No processo de crescimento.

Não posso é parar no tempo
Para lamentar o contratempo
E parar no que já foi feito.

Tento ser como o rio
Que contorna as pedras do leito
Com a força de seu caudal
Para chegar ao mar, seu destino final.

Vou vivendo e aprendendo
Com o calor da luta,
Com o frio do desafio,

Aproveitando a hora boa,
Superando o trajeto sombrio,
Caminhando na paz de Deus
E corrigindo os defeitos meus.

Quem sabe,
Ao atravessar a minha ponte,
Reconheça a fonte
Que me fez alma serena,
Ao olhar para trás
E dizer: valeu a pena!
= = = = = = 

Soneto do
Príncipe dos Poetas Piracicabanos
LINO VITTI
Piracicaba/SP, 1920 – 2016

"In fine"

Para trás, pela rua do Passado,
foram ficando angústias e alegrias,
na mentira sonâmbula dos dias
feita de um grande sonho espedaçado

Em cada hora , um sonho massacrado,
pelas mãos das mais fundas nostalgias!
E a cada passo, as agulhadas frias
dos sofrimento caminhando ao lado.

Um ano se despede, vem outro ano,
sobraçando esperanças e ilusões
com que mima o teimoso ser humano.

É assim a vida: um ajuntar de dores,
um receber feridas e empurrões,
um triturar de mágoas e de amores…
= = = = = = 

Poetrix de
RICARDO ALFAYA
Rio de Janeiro/RJ

exposição

enxugo dilemas
no varal, toalhas
manchadas de poemas.
= = = = = = 

Poema de
LUÍSA DUCLA SOARES
Lisboa/Portugal

Um amigo para falar comigo.
Um navio para viajar
Um jardim para brincar
Uma escola para levar debaixo do braço
Livro um abraço para além do tempo e espaço.
= = = = = = 

Poema de 
JOÃO PEDRO MÉSSEDER
Porto/Portugal

Um Livro

Levou-me um livro em viagem
não sei por onde é que andei.
Corri o Alasca, o deserto
andei com o sultão no Brunei?
Pra falar verdade, não sei.

Com um livro cruzei o mar,
não sei com quem naveguei.
Com marinheiros, corsários,
tremendo de febres e medo?
Pra falar verdade não sei.

Um livro levou-me pra longe
não sei por onde é que andei.
Por cidades devastadas
no meio da fome e da guerra?
Pra falar verdade não sei.

Um livro levou-me com ele
até ao coração de alguém
e aí me enamorei –
de uns olhos ou de uns cabelos?
Pra falar verdade não sei.

Um livro num passe de mágica
tocou-me com o seu feitiço:
Deu-me a paz e deu-me a guerra,
mostrou-me as faces do homem
– porque um livro é tudo isso.

Levou-me um livro com ele
pelo mundo a passear.
Não me perdi nem me achei
– porque um livro é afinal…
um pouco da vida, bem sei.
= = = = = = 

Hino de 
Ivaiporã/PR

No cenário que a mata se inclina
Ante a força, a coragem e o amor,
Vive em paz, sob a graça divina,
Todo um povo, em ardente labor.

Rio imenso, de rara beleza
Que ao indígena outrora encantou,
Beija e embala a ideal natureza
Que recanto ideal batizou.

Ivaiporã!
Com orgulho e devoção
Repetimos teu nome querido
Que é uma esplendida oração
Sobre o altar deste solo florido.

Ivaiporã!
Tua estrela benfazeja
Para o mundo amanhã mostrará
O tesouro que viceja
No coração do Paraná!

Antevemos teu nobre porvir
No milagre que a terra produz,
Os cereais em contínuo florir
Sobre os Vales, nas ondas da luz.

Cada gota de suor dos teus filhos
Se reflete na grande torrente
Das douradas espigas de milho
Que os caminhos têm à frente.
= = = = = = 

Poema de 
WALLACE STEVENS
Reading/ Pensilvânia, 1879 – 1955, Hartford/Connecticut

A casa estava quieta e o mundo calmo

A casa estava quieta e o mundo calmo.
Leitor tornou-se livro, e a noite de verão

Era como o ser consciente do livro.
A casa estava quieta e o mundo calmo.

Palavras eram ditas como se livro não houvesse,
Só que o leitor debruçado sobre a página

Queria debruçar-se, queria mais que muito ser
O sábio para quem o livro é verdadeiro

E a noite de verão é como perfeição da mente.
A casa estava quieta porque tinha de estar.

Estar quieta era parte do sentido e da mente:
Acesso da perfeição à página.

E o mundo estava calmo. Em mundo calmo,
Em que não há outro sentido, a verdade

É calma, é verão e é noite, a verdade
É o leitor insone debruçado a ler.
(Tradução: Paulo Henriques Britto)
= = = = = = 

Fábula em Versos de
JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry/França, 1621 – 1695, Paris/França

O leão namorado

Leão de alta prosápia*
Passando por um prado,
Certa zagaia viu mui de seu gosto
E esposa foi pedi-la.
Quisera o pai menos feroz o genro.
Bem duro lhe era o dar-lhe:
Mas também o negar-lhe mal seguro;
E que ainda a ser possível
Negar-lhe, é de temer não venha a lume
Clandestino consórcio;
Que amava os valentões a mocetona.
De grado se encasquetam
As moças, de estofadas cabeleiras.
O pai, que não se atreve
A despedir o amante tanto às claras:

«Minha filha é mimosa,
E vós podeis, entre esponsais carícias,
Arranhá-la com as unhas:
Consenti um cerceio em cada garra,
E em cada dente a lima,
Porque os beijos lhe sejam menos ásperos,
E a vós mais voluptuosos.
Que, sem tais sustos, há de a minha filha
Prestar mais meiga a boca.»

Consente o leão: desmantelada a praça,
Falto de unhas e dentes,
Lançam-lhe os cães, vai-se o leão. Sem unhas
Como há de resistir-lhes?

Quando, Amor, nos agarras, bem podemos
Dizer: «Adeus prudência!»
* * * * * * * * * * * * * 
* Prosápia = linhagem.
= = = = = = = = =  

Contos e Lendas de Portugal (Lenda do Bálsamo na Mão)


 Na freguesia de Chapim, concelho de Macedo de Cavaleiros, existiu outrora um rei mouro que exercia o seu domínio sobre aquela região. Este rei tinha muito mau feitio e aproveitava todas as oportunidades para humilhar os seus súditos.

Um dia, decidiu instituir um novo tributo, diferente de todos aqueles que tinha mandado executar antes: todos os homens que se casassem eram obrigados a entregar-lhe a noiva logo após a cerimônia do casamento. Este tributo tornou-se um hábito que gerou ódios e vergonha. Mas quem se atrevesse a contestar as ordens do rei seria severamente castigado.

Um dia o cristão Joaquim resolveu casar-se com Marianinha, a moça mais bela de toda a região. Marianinha nem queria pensar em pagar o infame tributo, mas Joaquim disse-lhe que não se preocupasse porque tinha um plano e, com a ajuda de Nossa Senhora, Marianinha não cairia nas mãos do cruel rei mouro.

Casaram-se numa pequena igreja e, logo à saída, estavam os soldados à espera de Marianinha. Joaquim convenceu-os a juntarem-se a ele e a alguns amigos com o propósito de levarem ofertas ao senhor mouro daquelas terras.

O rei mouro já tinha ouvido falar da beleza de Marianinha e mal podia esperar para tê-la nos seus braços. Porém, quando lhe retirou o véu, verificou que não era ela mas Joaquim que apertava nos braços.

Desembaraçando-se das suas roupas de mulher, Joaquim retirou um punhal que tinha escondido e cravou-o no peito do rei mouro antes de fugir. Agonizante, o rei pediu as cabeças de Joaquim e de Marianinha para as pisar antes de morrer.

Os guerreiros mouros lançaram-se na caça ao homem. Joaquim e os seus amigos ainda lhes fizeram resistência mas a desproporção era grande e foram quase todos dizimados.

Marianinha prometia fervorosamente um novo templo à Virgem enquanto Joaquim caía no chão ferido de morte. Então, por milagre, Joaquim reparou que nas suas mãos nascia um bálsamo que curava as feridas e começou a gritar aos seus companheiros moribundos que esfregassem as mãos com aquela substância.

Os guerreiros mouros, aterrorizados, viram os mortos e os moribundos a erguerem-se do chão, a pegarem nas armas e entregarem-se à luta com uma paixão desmedida. Apesar da desvantagem numérica, os cristãos conseguiram fazer com que os mouros partissem em debandada.

Desde então, aquela terra conquistada aos mouros ficou a ser conhecida como Terra de Nossa Senhora de Bálsamo na Mão e, mais tarde, Lugar de Balsemão onde ainda hoje existe uma ermida em honra de Nossa Senhora de Balsemão, no alto do Monte Carrascal.

Fontes:
Porto Editora. in Infopédia
https://www.infopedia.pt/recursos/lendas-portuguesas/$lenda-do-balsamo-na-mao
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

Cecy Barbosa Campos (Lançamento de Livro) Dia 21 de outubro em Juiz de Fora/MG

Dia 21/10/25- 3ª feira, às 19 hs. 
Na Biblioteca Municipal.
Av. Getúlio Vargas, 200 (Acesso pela Praça Antônio Carlos)


Cecy Barbosa Campos nasceu em Juiz de Fora-MG. Possui graduação em Direito e Letras (UFJF), especializaçâo em Teoria Literária, Mestrado em Teoria Literária (UFJF) e diversos cursos de Aperfeiçoamento em inglês em diferentes Centros de Língua, nos Estados Unidos e na Inglaterra, formaram o perfil acadêmico desta brilhante professora-pesquisadora de Língua e Literaturas de Língua Inglesa na UFJF, onde se aposentou em 1991, e no Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora. A esses estudos, acrescente-se a pesquisa que desenvolve sobre escritores afro-descendentes. Sua participação em diversas associações culturais, comissões julgadoras, Congressos nacionais e internacionais e encontros literários. Tem artigos de pesquisa literária pulicados em revistas especializadas e anais de congressos e trabalhos em prosa verso premiados em concursos de várias academias tais como: Academia Pontagrossense de Letras, a Academia Dorense de Letras, a Academia de Letras do Estado do Rio de Janeiro, o Ateneu Angrense de Letras e Artes e outras.
Membro da Academia Juiz-forana de Letras; Academia Panamericana de Letras; Academia Granberyense de Letras, Artes e Ciências; Academia de Letras Rio-Cidade Maravilhosa; Academia Rio Pombense de Letras, Ciências e Artes; Clube de Escritores de Piracicaba; Conselho de Amigos do Museu Mariano Procópio; União Brasileira de Escritores/RJ; Associação de Jornalistas e Escritores do Brasil/RJ; Confraria Brasileira de Letras/PR; International Writers and Artists Association (Estaos Unidos).
Publicou The iceman cometh: a carnavalização na tragédia (2000); O reverso do mito e outros ensaios (2002); Recortes de vida (2009); Crepusculares (2013); Animais encantados na poesia (2014); Caleidoscópio (2014); In…versos (2015); Visões do cotidiano (2016); Redoma de Aldravias (2017); Versos perplexos (2019);
Capítulo na A poética de Conceição Evaristo, que compõe o livro, organizado por Edimílson de Almeida Pereira, Um tigre na floresta de signos: estudos sobre poesia e demandas sociais no Brasil (2010).
Alguns trabalhos em Congressos e Encontros literários: Maya Angelou`s and Conceição Evaristo`s Social Poetry. São José do Rio Preto, 2009; O Teatro do Absurdo nos Estados Unidos: uma visão comparativa. Juiz de Fora, 2008; Escritores Afro-descencentes. Belo Horizonte, 2007; Conceição Evaristo e Toni Morrison: convergências e divergências; Toni Morrison`s Beloved: from novel to film. Fortaleza, 2005; O Teatro Inglês. Muriaé, MG, 2004; A presença ausente de personagens femininas em peças de O`Neill. Londrina,PR, 2001; Women Characters in some of Flannery O`Connor`s short-stories: the reversal of the myth. Gadsden, Alabama, USA. 2000, e outros.
Participação na Coleção Prosa e Verso, do Grupo Sul-mineiro de Poesia e Academia Varginhense de Letras; Modernos Contos Brasileiros; Antologia da Academia Dorense de Letras; Antologia Letras Contemporâneas; Prêmio Missões; Antologia del`Secchi; Antologia da Academia Chapecoense de Letras.

Fontes:
Facebook da escritora.
Biografia na Confraria Brasileira de Letras/PR.
https://confrariabrasilletras.blogspot.com/2023/09/cadeira-n-29-membro-titular-cecy.html

Estante de Livros (“Kalki”, de Gore Vidal”)


1. Contexto e informações gerais

Gore Vidal (1925–2012), escritor estadunidense conhecido por romances, ensaios, peças e forte presença pública. Vidal transitou entre sátira social, crítica política e reinterpretações históricas.

Kalki foi publicado em 1978. Surge no fim da década de 1970, num período pós-Vietnã, pós-Watergate, com crise de confiança nas instituições dos EUA e crescimento de discórdias culturais (direita x esquerda, religião e ciência, etc.).

É um romance satírico/fábula apocalíptica. Vidal emprega humor mordaz, sarcasmo e linguagem erudita para tratar de temas filosóficos e sociopolíticos.

2. Enredo (visão geral, sem revelar todos os spoilers)

Kalki é uma narrativa que mistura política, religião e fantasia filosófica em tom satírico. O enredo gira em torno da figura-título — Kalki — uma espécie de messias ou figura apocalíptica inspirada no conceito hindu de Kalki (o décimo e último avatar de Vishnu, que aparece no fim do kali yuga para restaurar a ordem). Vidal reimagina esse arquétipo dentro de uma trama moderna: líderes, conspiradores e intelectuais que manipulam crenças religiosas, mídia em massa e poderio tecnológico para refazer o mundo. O romance combina intriga internacional, ideologias conflitantes e questões existenciais.

3. Estrutura narrativa e técnica

- Narrador/voz: 
Vidal usa o narrador em terceira pessoa com forte presença autoral — ironia e comentários meta-textuais atravessam o relato. A voz narrativa é muitas vezes ensaística, intervindo para julgar um personagem e tecer reflexões.

- Ritmo: 
Alterna momentos de diálogo afiado e exposição filosófica com episódios de ação e intriga. A cadência é deliberada; Vidal privilegia digressões eruditas que iluminam o pano de fundo intelectual dos conflitos.

- Organização: 
Episódica, com várias cenas que distanciam e aproximam leitores das consequências sociais e políticas das ações dos protagonistas. Há também pequenas unidades — conversas, ensaios dentro da narrativa — que funcionam como micro-exposições de ideias.

4. Personagens principais (arquétipos e função narrativa)

- Kalki (figura-título): Não é apenas um indivíduo, mas um símbolo/força. Representa a tensão entre a promessa de salvação e o risco de tirania messiânica quando poder secular e carisma religioso se combinam.

- Líderes políticos/intelectuais: Servem de contraponto — às vezes cínicos, às vezes idealistas — mostrando como a manipulação de símbolos e do medo pode ser usada para fins de poder.

- Figura(s) feminina(s) e secundárias: São instrumentalizadas tanto para expor hipocrisias quanto para humanizar o enredo; Vidal, porém, foi criticado por retratos femininos por vezes estereotipados ou situados em função do homem.

- Coletivo/“massa”: Mantém papel essencial como receptor da propaganda, da religião e da tecnologia, evidenciando a crítica de Vidal à passividade e ao conformismo.

5. Temas centrais

a) Messianismo e carisma político
- Vidal explora como o desejo humano por salvação e sentido se presta a exploração política. Kalki simboliza a ambiguidade do messias: libertador ou tirano? O romance mostra a facilidade com que sociedades fragilizadas aceitam figuras providenciais.

b) Religião vs. racionalidade
- Conflito entre mitos religiosos e explicações científicas/espírito crítico. Vidal não apenas descreve uma oposição; ele mostra uma fusão perversa: a religião instrumentalizada por estruturas de poder e suportada por tecnologia e mídia.

c) Manipulação das massas e comunicação de massa
- O livro examina a mídia como ferramenta de fabricação de consenso e formação de mitos. A era moderna (a partir do rádio, TV e imprensa) amplia o alcance de líderes carismáticos e cria um ambiente propício para doutrinação.

d) Apocalipse moral/político
- A ideia de um “fim” que será tanto renovação quanto destruição percorre o texto. Vidal penetra no significado do apocalipse moderno: não necessariamente um fim literal, mas um colapso de instituições e valores.

e) Poder, violência e utopia
- Crítica das utopias autoritárias que prometem ordem e progresso, mas exigem coerção. Vidal mostra como discursos de salvação podem mascarar o apelo por controle totalizante.

f) Ironia, cinismo e o papel do intelectual
- Vidal coloca o intelectual como observador crítico — às vezes impotente, às vezes cúmplice. Há uma reflexão sobre responsabilidade moral de escritores e pensadores.

6. Estilo e linguagem

- Linguagem: Erudita, afiada, com saltos irônicos. Vidal mistura referências históricas e filosóficas com brincadeiras satíricas.

- Humor: Sátira cáustica; o humor suaviza a gravidade do enredo, mas também marca o julgamento moral do autor.

- Intertextualidade: Referências a mitologia, história e cultura política ocidental. A escolha do nome “Kalki” é uma recuperação deliberada de mitos orientais para criticar fenômenos ocidentais.

- Didatismo: O romance tem explanações ensaísticas que podem parecer pedagógicas, mas que enriquecem o debate temático.

7. Leituras críticas e simbologias

- Kalki como figura ambivalente: se lido literalmente, é um salvador; simbolicamente, é a personificação do enviesamento humano pelo apelo ao sobrenatural. Vidal sugere que qualquer promessa totalizante de redenção tem potencial destrutivo.

- A fusão tecnologia/religião: A modernidade cria novas “milagres” (distribuição massiva de informação, manipulação psicológica em escala), tornando antigas categorias religiosas perigosamente reconfiguradas.

- O papel da performance: Lideranças carismáticas dependem de encenação. Vidal explora o teatro do poder — discursos, rituais, media training — como mecanismo de produção de fé pública.

- Paródia da política real: Embora a ação não trate diretamente de figuras históricas específicas, a sátira remete ao clima político dos anos 1970 (desilusão com elites, medo de totalitarismos, progressões carismáticas).

8. Críticas possíveis / limitações

- Figuras femininas: Crítica frequente em análises de Vidal é a representação das personagens femininas com menos profundidade ou como instrumentos narrativos.

- Tonalidade moralizante: Alguns leitores podem achar o tom demasiado moralista ou didático, com digressões que interrompem a fluidez do romance.

- Acesso cultural: A exploração de um conceito hindu (Kalki) por um autor ocidental levanta questões de apropriação cultural e leitura reduzida de tradições não-ocidentais. A representação pode ser interpretada como instrumentalização do mito oriental para fins retóricos ocidentais.

- Distanciamento emocional: A ironia constante e o sarcasmo podem criar um distanciamento emocional que limita empatia por personagens.

9. Relevância histórica e cultural

Em 1978, Kalki refletia temores pós-modernos sobre liderança messiânica e a fragilidade das democracias ocidentais. O livro ressoa com lutas políticas da época — e antecipa debates contemporâneos sobre populismo, fake news e culto à personalidade.

Hoje, o romance é relevante ao examinar ascendência de lideranças populistas, uso de mídia social para criação de mitos e a conflagração entre ciência, religião e política.

10. Leituras contemporâneas e atualizações interpretativas

- Populismo e redes sociais: A dinâmica mostrada por Vidal se atualiza no contexto das plataformas digitais, onde algoritmos e bolhas informativas amplificam vozes carismáticas e consolidam narrativas apocalípticas.

- Conspiranóias e pós-verdade: A instrumentalização da verdade (ou sua negação) nas mãos de líderes carismáticos é uma continuação temática clara e perturbadora.

- Ambientalismo e apocalipse: Hoje, o “fim do mundo” é frequentemente discutido em termos ecológicos. Kalki pode ser relido como reflexão sobre como, frente a emergências reais, as respostas políticas podem ser autoritárias sob pretexto de salvação.

11. Interpretação final

Kalki de Gore Vidal é uma fábula satírica e filosófica que usa a figura messiânica para criticar a combinação perigosa de carisma, tecnologia e poder institucional. A narrativa funciona como advertência: a busca por salvação coletiva, quando alimentada por medo e fedida de promessas simplistas, abre caminho a regimes autoritários e a erosão das liberdades. Vidal, com sua ironia e erudição, provoca reflexão sobre responsabilidade intelectual, a fragilidade das instituições modernas e o papel da mídia na construção de mitos políticos.

domingo, 12 de outubro de 2025

Chafariz de Trovas * 27 *

 

Newton Sampaio (Estio)

Frederico carrega ao alpendre a velha cadeira de balanço. Recosta-se, indolente.

— Mormaço, hein? Pergunta a mãe.

— É mesmo. Só que eu não estranho muito. O calor de lá me imunizou.

Dona Adelaide franze a testa.

— Já vem você com as coisas do Rio.

(Põe na voz uma intenção misteriosa).

— Você deve mais é esquecer aquilo. Cidade grande não presta. Cidade grande estraga a mocidade.

— Minha mocidade foi feita pra ser estragada. Não me interessa a velhice.

— Credo, menino! Deixe de blasfêmia! Então você quer morrer cedo?

— Mais ou menos.

Dona Adelaide fica perdida. Só sabe repetir.

— Deixe de blasfêmia. Deus castiga.

Frederico toma consciência da resposta imprudente. Iria amargar, inutilmente, o coração da velha.

— Desculpe, mamãe. Eu falava bobagens, só queria brincar.

— Logo vi. Isso não é coisa que se diga. A morte vem quando Deus quer. Ninguém morre na véspera.

Frederico fez que sim com a cabeça. Dona Adelaide se lembra:

— Vou botar a canjica no fogo. 

— A canjica? Boa ideia.

Olha o céu. Tudo limpinho. Sem uma nuvem. O sol apenas. Medonho, incansável. Tostando as folhas. E coriscando no rio sereno. E pondo diademas na testa do paredão grande.

Vem da outra esquina um som. A oficina do alemão em pleno funcionamento.

O martelo sobe e desce. A bigorna resiste. O ferro em brasas solta faíscas. E obedece: “ten-ten-ten-ten”. Depois o som fica mais agudo: “tin-tin-tin-tin”. O mesmo de vinte anos atrás.

“Tin... tin... ten... ten...”

Recorda a cena cotidiana da meninice. O mormaço pesando; o alemão bigornando, bigornando; e ele, de barriga pra cima, derramando na cama, estudando o céu, estudando.

No retângulo da janela, as nuvens se sucediam lentamente. Fixava uma com vontade. E a nuvem realizava morfologias engraçadas. Virava boi. Depois: montanha, navio, mulher, um leão de boca aberta, um santo puxando duas crianças, outra vez o boi, um leão de boca fechada...

Levava horas assim. Era mesmo que fita de cinema aquele pedaço do céu. A nuvem fazia tudo, desenhava tudo. Os urubus ajudavam de vez em quando. Os urubus descreviam curvas penosas, fechavam circunferências grandes e pequenas.

Um carro de boi canta monotonamente no extremo da cidadezinha. A cantiga do carro pesa, cansa, dá sono.

— Preciso fugir ao sono.

Busca um livro. O livro joga ditirambos à trepidação permanente das coisas, no dinamismo perene das espécies. O livro diz que o movimento é vida e acha que o espírito vive em função da inquietude. O livro exibe argumentos, discute. Mas o céu está sem nuvens. E os urubus, lá no alto, executam de repente uma fermata muito escura. E o paredão grande só sabe reluzir. E o rio é quieto, sonolento, mudo.

E a cantiga do carro cresce em monotonia. E a oficina do alemão não muda: “tin-tin-ten-ten...” E o mormaço desce, aborrece, abafa. “Tintin-ten-ten”... O carro... Os urubus... O céu limpinho, limpinho...

O livro joga ditirambos ao dinamismo permanente das coisas.
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(Publicado originalmente em O Dia. Curitiba, 29/12/1936)
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Newton Sampaio natural de Tomazina/PR, 1913 e falecido na Lapa, em 1938,  foi um médico, ensaísta, escritor e jornalista brasileiro. Newton é considerado um dos mais importantes contistas paranaenses sendo o precursor do conto urbano moderno. Em 1925, saindo da pequena Tomazina foi estudar no Ginásio Paranaense, em Curitiba, e precocemente, passou a lecionar nesta instituição, além de colaborar para alguns jornais da capital paranaense, principalmente o "O Dia". Ao ser admitido na Faculdade Fluminense de Medicina, transferiu-se para a cidade de Niterói. Após formado em Medicina, permanece na capital do país, porém, com a saúde bastante abalada, retornou a Curitiba e em seguida internou-se em um sanatório na cidade da Lapa onde faleceu no dia 12 de julho de 1938. Duas semanas após o seu falecimento, recebeu o Prêmio Contos e Fantasias concedido pela Academia Brasileira de Letras, pelo livro Irmandade. Newton Sampaio pertenceu ao Círculo de Estudos Bandeirantes de Curitiba e como homenagem ao jovem modernista, um dos principais prêmios de contos do Brasil leva o seu nome: Concurso Nacional de Contos Newton Sampaio. Algumas obras:  Romance “Trapo”: trechos publicados em jornais e revistas; Novela “Remorso”, 1935; “Cria de alugado”, 1935; Contos: “Irmandade”, 1938, “Contos do Sertão Paranaense”, 1939; “Reportagem de Ideias”: contos incompletos, etc.

Fontes:
Newton Sampaio. Ficções. Secretaria de Estado da Cultura: Biblioteca Pública do Paraná, 2014. Disponível em Domínio Público.
Biografia: https://pt.wikipedia.org/wiki/Newton_Sampaio
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