segunda-feira, 17 de novembro de 2025

Asas da Poesia * 130 *


Poema de
RENATO BENVINDO FRATA
Paranavaí/PR

Decisão
 
 Fiz do coração um forno
Botei nele tampa retrátil
E o aqueci com minha dor.
 
Bastaram poucas horas
E o resultado veio.
 
Com único objetivo:
Queimar letras do alfabeto.
 
Não todas, mas as que me afetam,
E queimei o A, passei para o M, para o O
Para chorar amargamente no R
 
Com o peito vazio e mãos chamuscadas,
Junto as cinzas... disformes do amor.
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Poema de
LAIRTON TROVÃO DE ANDRADE
Pinhalão/PR

A trova do coração

Minha trova tem poesia
colorida de paixão.
Tenho no rosto alegria
e trova no coração.

Todas as trovas que escrevo,
como se fossem missão,
dizer com gala me atrevo:
São trovas do coração.

A trova do coração
tem sempre sinceridade;
até mesmo sem razão,
no sentimento há verdade.

A essas trovas me apego,
pois são de fina emoção;
nelas, amor é que prego
por serem do coração.
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Poema de
VIVALDO TERRES
Itajaí/SC

Lisboa tu és divina
 
Lisboa tu és divina...
Sabes quanto me fascinas!
Quantas vezes te adorei!
Pois és tu que me iluminas.
 
Cidade maravilhosa!
Cheia de amor e carinho...
Quantas vezes te adorei.
Pois estas no meu caminho!
 
Oh Lisboa dos poetas!
E dos grandes escritores...
Como posso te esquecer.
Se sou um dos teus amores!
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Poema de
MARIA LUÍZA WALENDOWSKI
Brusque/SC

Natal
 
A alegria se respira em dezembro:
Vermelhos, verdes, dourados e geada
Presentes tentam expressar afeto
e emoções saltam dos corações.

Por muito tempo, anseiei por um Natal
Uma árvore, um presépio e uma casa decorada
Para sorrir novamente e apagar tantos sofrimentos
Quantas noites poderiam ter sido boas,
Se não fossem os problemas!

Quantos fantasmas e silêncios não sepultados!
Quantos pesadelos não afogados em álcool!
Só peço a Deus: Dignidade, respeito e amor
Lutar para sobreviver nunca foi fácil!

Talvez Deus nos ouça e nos ajude.
Dediquei meu amor a pessoas inocentes com deficiência
Aos idosos, aos doentes e aos esquecidos.

Noite de paz! Noite de amor para todos!
(tradução do espanhol por José Feldman)
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Soneto de
DINAIR LEITE
Paranavaí/PR

Estação final

Ó Deus! para onde foram os meus pais,
No trem, que já partiu com ferro a sina?
A marcha embala fúnebre, a menina,
Vestida em breu, na dor dos funerais.

Triste menina, alheia e tão franzina,
Leva nas mãos, os três galhos florais,
Sem cor, ceifados dos trilhos mortais
Oferta de uma flor cadavérica.

Ao Deus que abriga os mortos desse trem,
Soturnos, Já imóveis e sem vida,
Tais olhos cegos, no trem de partida.

O delelém-dém-dém, funéreo sino,
Avisa e vem o trem! Passa sem tino,
Sobre a menina que embarca também.
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Soneto de
GONÇALVES DIAS
Caxias, 1823 – 1864, Guimarães

Ando abaixo

Ando abaixo, ando acima, e sempre às solas,
Afronto a tempestade, o vento, o frio,
Qual se fora ambulante corropio,
Seguindo o exemplo enfim de outros patolas.

Do meu engenho e arte gasto as molas
Em suspiros quebrar que à luz envio;
E, já por teima só, render porfio
A cabeçuda, por quem rompo as solas.

E a amo, ela me adora com loucura,
Di-lo ao menos; se a beijo não se espanta;
Paga-me até; se insisto... adeus ternura!

Do matrimônio a estátua se levanta,
Negro espectro! ela torna-se brandura,
Eu a imagem do horror que me aquebranta.
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Poema de
VINICIUS DE MORAES
Rio de Janeiro/RJ, 1913 – 1980

Bilhete a Baudelaire

Poeta, um pouco à tua maneira
E para distrair o spleen
Que estou sentindo vir a mim
Em sua ronda costumeira

Folheando-te, reencontro a rara
Delícia de me deparar
Com tua sordidez preclara
No velha foto de Carjat

Que não revia desde o tempo
Em que te lia e te relia
A ti, a Verlaine, a Rimbaud...

Como passou depressa o tempo
Como mudou a poesia
Como teu rosto não mudou!
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Trova Popular

Vossos cabelos na testa
é o que vos dá tanta graça;   
parecem meadas de ouro
aonde o sol se embaraça.
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Soneto de
WILLIER CARLOS PEREIRA
Goiânia/GO

Adão e Eva

 Deus fez a mulher tão bela,
 De uma simples costela de Adão.
 Só Ele pode fazer de uma costela,
 A mulher, símbolo da perfeição.

 E Adão se apaixonou por ela,
 Dando-lhe inteiro seu coração.
 Viu mil e um encantos nela,
 Que perdeu o juízo e a noção.

 Eva era seu verdadeiro paraíso...
 Razão de alegria e de sorriso,
 Por aquela criação tão bela.

 Para ter outras Evas iguais aquela,
 Por certo ele não titubearia:
 Várias outras costelas ele daria.
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Poema de
PAULO LEMINSKI
Curitiba/PR, 1944 – 1989

Amor bastante

quando eu vi você
tive uma ideia brilhante
foi como se eu olhasse
de dentro de um diamante
e meu olho ganhasse
mil faces num só instante

basta um instante
e você tem amor bastante
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Soneto de 
EUGÊNIA CELSO
(Maria Eugênia Celso Carneiro de Mendonça)
São João Del Rey/MG, 1886 – 1963, Petrópolis/RJ+

Meu céu

És para alguns a fúlgida certeza
De outra vida vivida em perfeição,
Uma esperança de compensação
Ao velho mal de toda a natureza.

Felicidade, sem a atroz surpresa
Do amanhã destruidor, eterna união,
Recompensa, esplendor, paz e perdão,
Luz sem ocaso em formosura acesa...

Meu céu, no entanto, a pátria imorredoura
Do sonho de ventura em que me assombro
E meu quinhão de glórias entesoura,

Céu que um reflexo de saudades doura,
Seria se, de novo, no meu ombro,
Pousasses, filho, a cabecinha loura...
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Poema de
DINA SALUSTIO 
(Bernardina Oliveira)
Santo Antão/Cabo Verde

Éramos Tu e Eu

Éramos eu e tu
Dentro de mim
Centenas de fantasmas compunham o espetáculo
E o medo
Todo o medo do mundo em câmara lenta nos meus olhos.

Mãos agarradas
Pulsos acariciados
Um afago nas faces.

Éramos tu e eu
Dentro de nós
Suores inundavam os olhos
Alagavam lençóis
Corriam para o mar.
As unhas revoltam-se e ferem a carne que as abriga.

Éramos tu e eu
Dentro de nós.

As contrações cada vez mais rápidas
O descontrole
A emoção
A ciência atenta
O oxigênio
A mão amiga
De repente a grande urgência
A Hora
A Violência
Éramos nós libertando-nos de nós.
É nossa a dor.

São nossos o sangue e as águas
O grito é nosso
A vida é tua
O filho é meu.

Os lábios esquecem o riso
Os olhos a luz
O corpo a dor.

A exaustão total
O correr do pano
O fim do parto.
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Trova Funerária Cigana

Ao filho que a mão da morte
roubou com desgosto tanto,
contai as tristezas minhas
meu sentimento e meu pranto.
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Soneto de
MARTINS FONTES
Santos/SP, 1884 – 1937

Sol das almas

À última luz que doira as tardes calmas,
À última luz de amor que beija o poente,
Se dá, no meu país, poeticamente,
A denominação de "Sol das Almas"!

Na montanha, a palmeira, de repente,
Brilha! O mistério lhe incandesce as palmas!
Para outro mundo leva o pó das almas
A luminosidade comovente!

Vai morrer e ainda fulge! Ainda! Ainda!
Como um sorriso, finda a claridade,
Como um soluço, a claridade finda!

Adeus! Adeus! É o fim da Mocidade!
Nunca mais! Nunca mais! E era tão linda!
Qual é teu nome, Luz do Azul? — Saudade.
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Poema de
JANSKE NIEMANN SCHLENKER
Amsterdã/ Holanda

Um Pequeno Túmulo

Lá na campina, queria ser flor
para que tua mão me colhesse,

ou ser o capim,
para que pudesses descansar em mim,

ou ser o caminho
por onde voltasses a ser meu,

ou ser um pequeno túmulo
- sem nome e sem data -
á beira da tua estrada
... e só tu saberias onde estou...
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Soneto do “Príncipe dos Poetas Capixabas”
NARCISO ARAÚJO
(Narciso da Costa Araújo)
Vila de Itapemirim/ES, 1877 – 1944

Casa triste

Como está triste aquela casa! Nela,
Meus olhos viam tanta vez, outrora,
Em purpurejos, rútila, a janela
Toda tocada de clarões de aurora.

Ali morou Maria, doce e bela
Conterrânea gentil, mimo de Flora,
Que perfumava, em outro tempo, aquela
Casa que eu vejo tão tristonha, agora.

Como está triste aquela casa! Quando,
Alheio a tudo, longamente a fito,
Uma saudade, dentro em mim chorando,

Recorda o feliz tempo, em que Maria,
Com o rosto alegre, juvenil, bonito,
Era, à janela, um sol que resplendia.
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Hino de Tatuí/SP

Tatuí, Cidade Ternura,
Terra querida onde vivemos
Tens filhos de grandes méritos,
É justo que os louvemos:
Nas letras, Paulo Setúbal,
Recebeu seu galardão;
Na caridade, Chico Pereira,
Foi exemplo de cristão.

No verde-esmeralda das melancias
No amarelo-ouro do abacaxi
Lembramos a Bandeira do Brasil
Nas colheitas de Tatuí.
Tatuí do XI de Agosto
Tatuí da Festa de São Jorge,
A ternura é a tua carga, o coração o teu alforje
A ternura é a tua carga, o coração o teu alforje

No progresso industrial,
Manoel Guedes foi pioneiro;
Na música, Nacif e Bimbo
Brilharam no estrangeiro;
No polo e no futebol,
Na justiça e na arte
No carnaval e no fandango,
Tatuí fez estandarte.

No verde-esmeralda das melancias
No amarelo-ouro do abacaxi
Lembramos a Bandeira do Brasil
Nas colheitas de Tatuí.
Tatuí do XI de Agosto
Tatuí da Festa de São Jorge,
A ternura é a tua carga, o coração o teu alforje
A ternura é a tua carga, o coração o teu alforje
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Soneto de
EMÍLIO DE MENEZES
Curitiba/PR (1866– 1918) Rio de Janeiro/RJ

Pinheiro Morto
(Ao Paraná)

Nasceste onde eu nasci. Creio que ao mesmo dia
Vimos a luz do sol, meu glorioso irmão gêmeo!
Vi-te a ascensão do tronco e a ansiedade que havia
De seres o maior do verdejante grêmio.

Nunca temeste o raio e eu como que te ouvia
Murmurar, ao guiar da fronde, ao vento: - "Teme-o
Somente o fraco arbusto! A rija ventania,
Teme-a somente o errante e desnudado boêmio!

Meu vulto senhorial queda-se firme. Embala-mo
O tufão e hei de tê-lo eternamente ereto!
Resisto ao furacão quando a aura abate o cálamo!"

Ouve-me agora a mim que, em vez de ti, vegeto:
Já que em ti não pesei, entre os fulcros de um tálamo,
Faze-te abrigo meu nas entraves de um teto!
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Fábula em Versos de
JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry/França, 1621 – 1695, Paris/França

A Gota e a Aranha

Ao dar o inferno à luz a Gota e a Aranha,
«Ufanem-se, lhes disse, filhas minhas,
Em maldade, bem má, ninguém lhes ganha.
Nem feitas de encomenda há tais praguinhas!

Cuidemos de dispor-lhes aposentos.
Dou-lhes à escolha alcáçeres (castelos) dourados,
Choças gretadas ao raivar dos ventos,
Aos lutos, à miséria. Minhas filhas,
Façam, de mútuo acordo, estas partilhas,
Ou louvem-se nos dados.

— Choupana, acode a Aranha, não me agrada.»
A Gota, vendo os paços apinhados
Da raça dos Galenos,
Teve medo a grandezas de pousada.

Cativa-se do menos:
Arma a tenda em casebre esburacado.
Repete-na à larga, a fome ceva
No artelho dum coitado.
«Aqui não falta que fazer, exclama.
Nem conheço Esculápio que se atreva
A trocar-me o fofinho desta cama
Pelo do andar da rua.»
No entanto a Aranha vai urdindo a sua,
Sumida no seu ninho,
Um friso de ouro e azul, tão rija, e fera,
E senhora de si, como se houvera
Aforado a seus donos o cantinho.
Estende a teia e espera.
Quase de gáudio estoura:
Chovem-lhe as moscas do artesão vizinho,
Eis senão quando arranca-lhe a vassoura,
Em punhos de criada,
Teia, esperanças, alegria, tudo!
A cada nova teia, vassourada.
Em vão se muda o nosso animalejo;
Quer recanto mais fundo, e cego, e mudo:
Vem a vassoura, e intima-lhe despejo!

Vai de visita à Gota, que na aldeia
Vive mil vezes mais afortunada
Que a própria Aranha do varrer da teia.
Seu hóspede, um grosseiro,
Sai com ela a sachar (lavrar) de madrugada,
Faz de azemel (carregador), simula de moleiro,
Lida a fartar, pois gota bem lidada,
Dizem que é meia cura.

«Não posso mais, — suspira. A desventura
Prostra-me, irmã e amiga. Se consente,
Troquemos de pousada. Fica assente?»
E a Gota logo: «Aceito.»

Pega-lhe a Aranha na palavra, e a jeito
Se hospeda na choupana,
Onde ri de vassouras e criadas.
E, de sorrate (dissimulada), a mana
Embebe-se nas juntas dum prelado,
Que sepulta em perpétuas almofadas.
Cataplasmas receita a medicina,
Oleoso xarope, amarga quina,
Enxúndias (gorduras) e tisanas (cozimentos):
E vê sem grande pejo, nem cuidado,
Oh, cura inteligente!
Que engorda o mal à custa do doente.

Só lucraram na troca as duas manas.
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José Luiz Boromelo (Orgulho de ser caipira)

O termo caipira tem sido utilizado para designar as pessoas oriundas do meio rural e que apresentam certos comportamentos peculiares que os identificam de imediato, seja no modo de falar, vestir ou de caminhar. O dicionário o classifica ainda como um “indivíduo tímido, acanhado” e afeito às dificuldades da vida na roça. Pelo menos é dessa forma que os compositores há muito descrevem o nosso sertanejo, decerto inspirados no estereótipo do personagem criado por Monteiro Lobato, o “Jeca Tatu”. A postura típica do matuto está igualmente representada de forma acentuada, com ênfase ao exagero de expressões e trejeitos imortalizados pelo impagável Mazzaropi. Essa mistura de componentes resultou na consolidação da imagem de um ser renitente e despojado de cultura, mas com uma carga expressiva de valores morais arraigados na alma, que transmitem uma alta dose de confiança aos seus interlocutores.

O cidadão das áreas urbanas desconhece certos valores que o homem da roça cultua a cada dia. Seja no cumprimento espontâneo com um aperto forte de mão, seja no olhar sereno e tranquilo ou na fala pausada e comedida. Essa condição o diferencia do homem urbano que vive a conturbada correria da vida moderna, sem tempo para apreciar as coisas mais simples da vida. O campo oferece uma qualidade de vida muito superior ao da cidade, porém cobra seu preço. A labuta diária é exaustiva e ao mesmo tempo gratificante. As marcas do sol ardente e da poeira da terra são visíveis no semblante do sertanejo, assim como as mãos ásperas, judiadas pelo trabalho incessante e penoso. Mas a satisfação em colher os frutos do esforço constante é um presente divino para quem molha todos os dias a terra fértil com o suor do seu trabalho. Atualmente o campo é servido por quase todos os recursos disponíveis no meio urbano. Energia elétrica, telefone, internet, vias pavimentadas, transporte escolar e outros benefícios predominam na imensa maioria das propriedades rurais, proporcionando excelente qualidade de vida. Até nos rincões mais longínquos o homem encontra algum tipo de comodidade, que ameniza as dificuldades em seu cotidiano.

A figura do caipira tradicional, que andava descalço, fumava cigarro de palha e gostava de dedilhar sua viola nas noites de lua cheia vai lentamente ficando para trás, se transformando em lenda no imaginário popular. A imagem do poeta choroso, que vivia no ranchinho de sapé e exalava nostalgia pela ingratidão da mulher amada vai sendo esquecida. O legado deixado pelos legítimos representantes de uma era impregnada de saudosismo oferece inspiração para os jovens artistas, que acabam regravando antigos sucessos em versões atuais em que a poesia é evidenciada de forma a exaltar os valores culturais da gente da roça. As mudanças também são verificadas nos diversos estilos musicais da atualidade que procuram inserir temas rurais em suas letras. A moda “country” pegou carona na onda rural numa versão bem mais chique, importada e adaptada para o gosto do consumidor brasileiro. Mesmo elitizada e acessível a uma seleta parcela da sociedade, as roupas fazem sucesso em todas as faixas etárias, conferindo um ar de “status” ao consumidor fiel do estilo.

Apesar de toda a tecnologia utilizada nas produções musicais, ainda é possível desfrutar de uma boa música sertaneja de raiz acompanhada somente de violão, acordeom e viola. E ouvir os acordes desses instrumentos sem tratamento de estúdio é um privilégio para poucos nos dias atuais. Isso remete aos tempos do verdadeiro caipira, que com sua simplicidade conquistava quem dele se “achegava”. Por tudo isso, sinto orgulho de ter as raízes no campo, de preservar os costumes da gente da roça como o tradicional chapéu de palha, o fogão a lenha, o moinho de café e de ser chamado de caipira. E como diz a música, “o caipira de verdade, nasce e morre desse jeito”.
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José Luiz Boromelo, é de Marialva/PR, policial rodoviário aposentado, escritor, cronista e agricultor, colaborador da Orquestra Municipal Raiz Sertaneja.

Fontes:
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

Figueiredo Pimentel (A sapa casada)

Reinaldo era um moço estimadíssimo pelas excelentes qualidades, sobretudo por ser honrado e sério. Tinha dois irmãos, e todos três eram filhos de um rico fidalgo.

Os irmãos casaram-se com moças da sua sociedade e posição. Vivia cada um em sua casa, tendo por costume irem jantar o primeiro domingo de cada mês no palacete do velho, onde se reunia toda a família.

Reinaldo gostava extraordinariamente de música. Qualquer que fosse o instrumento, apreciava, e seria capaz de ficar um dia inteiro a ouvi-lo.

Uma tarde passeava à margem de uma lagoa. Era ao pôr-do-sol. De súbito, ouviu uma voz deliciosa, cantando uma romanza* que ele desconhecia, de extraordinária harmonia e suavidade.

O moço parou, e deixou-se ficar enlevado a escutar. A voz parecia vir de perto, mas debalde procurou a moça que cantava.

Foi-se entusiasmando cada vez mais, até que, cessando a cantiga, ele exclamou:

– Palavra de honra que me casaria com a dona de tão linda voz, se pudesse vê-la, ainda que fosse uma sapa desta lagoa!

Acabando de dizer isso, Reinaldo viu saltar da água para terra uma sapa enormíssima e horrendamente feia.

– Pois é uma sapa que estava cantando, falou ela. O senhor é um moço sério, e tem de cumprir a sua palavra...

– Fui leviano em pronunciar tal frase, replicou Reinaldo. Entretanto, como só tenho uma palavra, cumpri-la-ei. Vou apenas avisar meu pai, e amanhã aqui estarei.

Saiu e chegou à casa, tristíssimo, narrando o que lhe sucedera. 

O velho fidalgo concordou que ele devia cumprir a promessa, feita sob palavra de honra.

No dia seguinte, o jovem foi à lagoa. A sapa, assim que o viu, falou:

– Entre dentro da água sem receio, e mergulhe.

O rapaz executou à risca aquela recomendação, e viu-se de súbito num deslumbrante palácio, edificado embaixo do lago.

Aí estava tudo preparado para o casamento. Passou-se o mesmo que ocorre em nossas cerimônias, com a diferença que a única criatura humana era Reinaldo. O mais: padre, sacristão, testemunhas, convidados, lacaios, eram sapas e rãs que coaxavam desagradavelmente.

Durante quinze dias o moço viveu satisfeitíssimo. Habitando um palácio real, nada lhe faltava, melhor do que no palacete de seu pai, e tendo ainda por cima, concertos divinos, em que tomavam parte sapos músicos e sapos cantores inexcedíveis, tocando toda a sorte de instrumentos.

Ia se aproximando o primeiro domingo em que sua família – segundo antiquíssima tradição – devia reunir-se no solar paterno.

Reinaldo entristeceu-se, lembrando-se que tinha que ir forçosamente em companhia de sua horrenda mulher. Que não diriam seus irmãos/? Como não haviam de zombar dele suas cunhadas e sobrinhos?

Chegou o dia marcado. Eram onze horas da manhã quando ele e a sapa se puseram a caminho, seguidos de uma infinidade de sapos, sapas, sapões.

Iam em ordem, enfileirados, como se se tratasse de um cortejo real.

No palacete, a família reunida esperava a chegada de Reinaldo, zombando dele, cheia de escárnio e ironia.

Avistaram de longe a multidão dos habitantes da lagoa.

Todo o mundo se ria.

Quando o séquito chegou ao grande pátio do palacete, bateu a primeira badalada do meio-dia.

Nesse instante os sapos, sapas, sapões e sapinhos viraram fidalgos, fidalgas, lacaios, pajens, soldados e cavaleiros, escoltando Reinaldo e uma lindíssima jovem.

A sapa era uma princesa. Encantada por uma feiticeira, só devia volver à forma humana, bem como os seus súditos, se encontrasse um homem que a desposasse.

Reinaldo ficou louco de contentamento, ao passo que seus irmãos e cunhadas desapontaram.

No lugar onde era a lagoa apareceu um palácio sem igual em todo o país – o palácio que estava no fundo da água, e fora submergido pela fada má.
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* Romanza = Composição sentimental de versos breves e repetidos.
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ALBERTO FIGUEIREDO PIMENTEL nasceu e morreu em Macaé/RJ, 1869 — 1914 foi além de poeta, contista, cronista, autor de literatura infantil e tradutor. Manteve por muitos anos, desde 1907, uma seção chamada Binóculo na Gazeta de Notícias. Publicou novelas, poesia, histórias infantis e contos. Um de seus grandes êxitos foi o romance O Aborto, estudo naturalista, publicado em 1893, e por mais de um século completamente esgotado. Como poeta, participou da primeira geração simbolista chegando a se corresponder com os franceses. Era amigo de Aluísio Azevedo, com quem trocou cartas, enquanto o autor de O Cortiço estava fora do país como diplomata. Poeta, romancista, escritor de literatura infantil, ganhou destaque e se perpetuou nos compêndios da literatura brasileira. A coluna Binóculo, assinada pelo autor na Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro, de 1907 até 1914, obteve grande sucesso entre leitores e leitoras, ditando moda, o que faz de Figueiredo Pimentel o primeiro cronista social da capital. Era ele quem tratava das novidades da moda, do bom gosto, do chique em voga em Paris e que deveria ser aqui aclimatado. Obras: Fototipias, poesia, 1893; Histórias da avozinha, conto - somente em 1952; Histórias da Carochinha; Livro mau, poesia, 1895; O aborto, 1893; O terror dos maridos, romance e novela, 1897; Suicida, romance e novela, 1895; Um canalha, romance e novela, 1895.
Fontes:
Alberto Figueiredo Pimentel. Histórias da Avozinha. Publicado originalmente em 1896. 
Disponível em Domínio Público. 
Imagem criada por Feldman com Microsoft Bing

Mário Rodrigues ( Nosso português de cada dia) “Cabra”

Etimologicamente, cabra significa, segundo todos os dicionários da língua portuguesa, a fêmea do bode.

No dicionário prático ilustrado (Novo dicionário enciclopédico luso-brasileiro publicado sob a direção de Jaime de Seguier, edição atualizada e aumentada por José Lello e Edgard Lello, Porto, 1960), lemos: "Cabra - s. f. (lat. capra) Animal mamífero, da ordem dos ruminantes. Fêmea do bode. Guindaste. Espécie de pequeno peixe avermelhado, também conhecido por cabrita de cabrinra. Fig. Mulher de mau gênio ou que berra muito. Pé de cabra, pequena alavanca de ferro, com uma extremidade bifendida. Cabra-cega, jogo de rapazes em que um deles com os olhos vendados, procura apanhar os outros. Coimbra — Sinete da Universidade. Brasileirismo — mestiço, filho de mulato e negra, ou vice-versa.

Registra o dicionário referido, apenas, o brasileirismo de cabra significando mestiço, mas os nosso dicionaristas definem o termo com inúmeros significados: cangaceiro; guarda-costas; valentão; indivíduo insignificante; mau; imprestável; ordinário; falso; desonesto; bom; leal; de confiança; trabalhador; sabido; enfim, o cabra, tanto pode ser um sujeito da pior espécie como um homem direito no sentido exato do termo.

Cabra bom, diz ainda hoje o "coronel" nordestino ao se referir ao seu "homem" de confiança, pau pra toda obra, capaz de matar e morrer defendendo a própria vida ou a de seu chefe. "Cabra ordinário", diz o mesmo coronel amargurado, quando constata que o capanga em quem depositava tanta confiança, não passava de um medroso ou desleal, que se evadiu à vista do inimigo, deixou de cumprir o "serviço" encomendado, ou passou-se para o adversário, por maior paga, proteção, na hora exata em que seus préstimos eram mais reclamados.

Na região do Nordeste, dependendo do tom em que se emprega o termo, pode a palavra significar homenagem, injúria gravíssima ou adulação e carinho. É muito comum o pai chamar o filho, menino ou rapaz carinhosamente: “cabra, venha cá. Pegue esse dinheiro e vá comprar o que você me pediu”, ou então, encolerizado, carregando a voz, gritar-lhe: “— Cabra, tome jeito, senão dou-lhe uma surra que até o diabo vai ficar com pena de você!”

Mas... qual a origem do termo para significar capanga e mestiço?

Diz-nos o historiador Gottfried Heinshich Handelmann, "doutor em filosofia e docente privado de História Contemporânea na Universidade de Kiel", em sua História do Brasil escrita em 1859, que a chamada "Divisão Auxiliar mandada de Portugal para o Brasil em 1821, com o intuito de forçar o príncipe dom Pedro a obedecer as ordens emanadas das cortes portuguesas, era muito orgulhosa, e, convencida de sua superioridade sobre as tropas do Brasil tudo fazia para provocar os brasileiros e demonstrar-lhes sua condição de inferiores". Acrescenta: "Em parte alguma eram essas relações tão poucos amigáveis como no Rio de Janeiro onde as tropas, de ambos os lados em maior número, se enfrentavam, e onde de contínuo se provocavam reciprocamente com alcunhas. Vangloriavam-se os portugueses de serem os "heróis de Talavera" (Nova Castela), por sua participação naquela batalha; também os brasileiros queriam ser chamados "Pernambucanos" porque haviam auxiliado a abafar a Revolução de Pernambuco; ainda mais usualmente eram os portugueses, por causa de seu modo pesado de andar, chamados "pés de chumbo", contra o que os brasileiros, de andar saltitante, eram escarnecidos com a alcunha de "pés de cabra", ou, como mulatos, com o de "cabrada".

Ora, se sabe que as tropas brasileiras que se bateram pela nossa independência, era composta em sua quase totalidade de "forças irregulares", aliciadas, principalmente entre a gente de cor, que formava o grosso da soldadesca. Os brancos, de "boa família", como se dizia, eram os oficiais e não se misturavam muito com os inferiores, isto é, soldado rasos.

Terminada a guerra de independência, desmobilizada em grande parte a tropa, os "soldados" passaram ao serviço dos políticos e fazendeiros, e, daí, talvez, começasse a ser chamado de "cabra", para diferenciá-lo do soldado regular. É possível que as autoridades do interior hajam aproveitado, como aliás, aproveitaram os serviços desses soldados desmobilizados para formarem milícias, polícias e guardas municipais encarregados de manterem a ordem, chamados pelo povo de "cachimbo" ou "manichupas", termos pejorativos para demonstrar o desprezo do povo a tais indivíduos. O fazendeiro que no Brasil sempre teve homens armados em seu redor, desde os tempos coloniais, para a defesa contra a indiada rebelde; acrescendo que essa tropa particular era composta exclusivamente de mestiços, deve ter achado apropriado o termo para designar sua gente, generalizando-se então a palavra "cabra" como significado de capanga, guarda-costas, cangaceiro. Convém salientar, que Domingos Jorge Velho, o bandeirante vencedor de Palmares, designava sua gente mestiça como tapuias e em carta ao rei, reclamando recompensas pela redução do famoso quilombo, dizia que não havia no mundo soldados mais valentes do que seus "tapuias", desde que comandados por brancos.

Outra hipótese para a origem do termo com o significado referido é a seguinte: Era comum, o indivíduo encarregado de armar uma tocaia para assassinar alguém, espreitar sua vítima de cima de uma pedra a beira do caminho. Avistado o infeliz, essa mesma pedra servia de trincheira e de apoio da arma para a segurança da pontaria.

Então, poderia alguém dizer: "estava em pé numa pedra feito uma cabra" — por analogia ao costume desta andar trepada em pedras.

Assim, talvez, haja surgido o termo, antes mesmo da alcunha atribuída aos divisionários portugueses.

Fontes:
Mário Rodrigues, in sessão “Palhoça”, Revista Jangada Brasil. Outubro 2010 - Ano XIII - nº 141. http://www.jangadabrasil/revista/pa14110.asp.htm. Acesso em 28.12.2012 (site desativado)
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