Durante todo o tempo da conversa sintática, Pedrinho e Narizinho estiveram a observar, disfarçadamente, várias personagens da comitiva da grande dama. Ela, afinal, percebeu o joguinho e contou serem as tais FIGURAS DE SINTAXE.
— Figuras de Sintaxe? — repetiu Narizinho sem compreender. — Que espécie de figuras são essas?
A grande dama explicou:
— Eu tenho sempre comigo umas tantas Figuras que me auxiliam no trabalho de trazer bem arrumadinhas as Orações. Vou apresentá-las a vocês.
E dirigindo-se às Figuras:
— Senhoras Figuras de Sintaxe, permiti-me que vos apresente à grande Emília, Marquesa de Rabicó, à menina do Narizinho Arrebitado e ao Senhor Pedrinho. E ali — continuou, apontando para o rinoceronte —, um grande filólogo da Uganda, que se acha de passeio pelas terras da Gramática.
As Figuras fizeram uma graciosa reverência. Em seguida a grande dama passou a explicar as funções de cada uma.
— Este aqui — disse, indicando um jeitoso figurão, é o Senhor PLEONASMO, cujo serviço consiste em reforçar o que a gente diz. Quando uma pessoa declara que viu com os seus próprios olhos, está usando um Pleonasmo, porque se dissesse apenas que viu já a idéia estaria completa. Está claro que ninguém pode ver senão com os seus próprios olhos; mas falando dessa maneira pleonástica fica mais forte a expressão. O Pleonasmo tem de ser discreto e exato; se repete, ou comete uma redundância sem que a força da expressão aumente, torna-se defeito. Tudo quanto é inútil constitui defeito.
Pleonasmo ofereceu os seus préstimos aos meninos e retirou-se, depois duma elegante curvatura.
— Esta aqui — continuou Dona Sintaxe indicando outra . Figura — é a minha amiga ELIPSE, que suprime da frase tudo quanto pode ser facilmente subentendido. Nesta Oração: Gosto de uvas e você, de laranjas, a Senhora Elipse cortou duas palavras sem que o sentido perdesse alguma coisa. Sem esse corte a frase ficaria assim: (Eu) gosto de uvas e você (gosta) de laranjas, mais comprida e menos elegante.
A Senhora Elipse deu um beijinho na boneca e retirou-se.
— E esta aqui — prosseguiu Dona Sintaxe — é a Senhora ANÁSTROFE, que inverte os termos da frase. Quando uma pessoa diz: Acabou-se a festa, em vez de dizer: A festa acabou-se, está se servindo do bom gosto da minha amiga Anástrofe.
A gentil Anástrofe quis também dar um beijo na boneca; mas Emília fugiu com o rosto, pensando lá na sua cabecinha: "Um beijo desta diaba é capaz de inverter os 'termos da minha cara', pondo a boca em cima do nariz, ou coisa parecida".
— Pois é assim, meus meninos — concluiu Dona Sintaxe depois que a última Figura se retirou. — Estas amigas valem por ajudantes preciosos. Graças ao seu concurso consigo dar muita graça e elegância às frases.
— A tal Senhora Anástrofe não será por acaso irmã duma tal Catástrofe? — perguntou Emília, de ruguinha na testa.
Dona Sintaxe riu-se da lembrança e não achou fora de propósito a pergunta.
— Perfeitamente — respondeu. — São duas palavras de formação grega bastante aparentadas. Anástrofe é formada de Ana (entre) e Strepho (eu viro). E Catástrofe é formada de Kata (debaixo) e o mesmo Strepho (eu viro). . . São, pois, irmãs por parte do pai, que é o Verbo Strepho. Uma vira entre. Outra vira de pernas para o ar. Mas ambas viram. . .
A boa dama ainda conversou com os meninos por longo tempo, explicando os muitos trabalhos que tinha na língua para que as frases andassem corretamente vestidas.
— Quer dizer que a senhora é uma espécie de costureira — lembrou Narizinho.
Dona Sintaxe achou que não.
— Costureira propriamente não. Meu papel na língua é de arrumadeira.
— E quanto ganha por mês? — indagou Emília.
— Nada, bonequinha. Trabalho de graça — trabalho por amor à limpeza e ao bom arranjo deste meu povinho, que são as frases. Mas vamos agora ver outra coisa.
Quero que vocês conheçam os Vícios de Linguagem, que eu conservo aqui por perto, presos em gaiolas.
______________________
Continua ... Capítulo XXI: Os Vícios de Linguagem
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Fonte:
LOBATO, Monteiro. Emília no País da Gramática. SP: Círculo do Livro. Digitalizado por http://groups.google.com/group/digitalsource
— Figuras de Sintaxe? — repetiu Narizinho sem compreender. — Que espécie de figuras são essas?
A grande dama explicou:
— Eu tenho sempre comigo umas tantas Figuras que me auxiliam no trabalho de trazer bem arrumadinhas as Orações. Vou apresentá-las a vocês.
E dirigindo-se às Figuras:
— Senhoras Figuras de Sintaxe, permiti-me que vos apresente à grande Emília, Marquesa de Rabicó, à menina do Narizinho Arrebitado e ao Senhor Pedrinho. E ali — continuou, apontando para o rinoceronte —, um grande filólogo da Uganda, que se acha de passeio pelas terras da Gramática.
As Figuras fizeram uma graciosa reverência. Em seguida a grande dama passou a explicar as funções de cada uma.
— Este aqui — disse, indicando um jeitoso figurão, é o Senhor PLEONASMO, cujo serviço consiste em reforçar o que a gente diz. Quando uma pessoa declara que viu com os seus próprios olhos, está usando um Pleonasmo, porque se dissesse apenas que viu já a idéia estaria completa. Está claro que ninguém pode ver senão com os seus próprios olhos; mas falando dessa maneira pleonástica fica mais forte a expressão. O Pleonasmo tem de ser discreto e exato; se repete, ou comete uma redundância sem que a força da expressão aumente, torna-se defeito. Tudo quanto é inútil constitui defeito.
Pleonasmo ofereceu os seus préstimos aos meninos e retirou-se, depois duma elegante curvatura.
— Esta aqui — continuou Dona Sintaxe indicando outra . Figura — é a minha amiga ELIPSE, que suprime da frase tudo quanto pode ser facilmente subentendido. Nesta Oração: Gosto de uvas e você, de laranjas, a Senhora Elipse cortou duas palavras sem que o sentido perdesse alguma coisa. Sem esse corte a frase ficaria assim: (Eu) gosto de uvas e você (gosta) de laranjas, mais comprida e menos elegante.
A Senhora Elipse deu um beijinho na boneca e retirou-se.
— E esta aqui — prosseguiu Dona Sintaxe — é a Senhora ANÁSTROFE, que inverte os termos da frase. Quando uma pessoa diz: Acabou-se a festa, em vez de dizer: A festa acabou-se, está se servindo do bom gosto da minha amiga Anástrofe.
A gentil Anástrofe quis também dar um beijo na boneca; mas Emília fugiu com o rosto, pensando lá na sua cabecinha: "Um beijo desta diaba é capaz de inverter os 'termos da minha cara', pondo a boca em cima do nariz, ou coisa parecida".
— Pois é assim, meus meninos — concluiu Dona Sintaxe depois que a última Figura se retirou. — Estas amigas valem por ajudantes preciosos. Graças ao seu concurso consigo dar muita graça e elegância às frases.
— A tal Senhora Anástrofe não será por acaso irmã duma tal Catástrofe? — perguntou Emília, de ruguinha na testa.
Dona Sintaxe riu-se da lembrança e não achou fora de propósito a pergunta.
— Perfeitamente — respondeu. — São duas palavras de formação grega bastante aparentadas. Anástrofe é formada de Ana (entre) e Strepho (eu viro). E Catástrofe é formada de Kata (debaixo) e o mesmo Strepho (eu viro). . . São, pois, irmãs por parte do pai, que é o Verbo Strepho. Uma vira entre. Outra vira de pernas para o ar. Mas ambas viram. . .
A boa dama ainda conversou com os meninos por longo tempo, explicando os muitos trabalhos que tinha na língua para que as frases andassem corretamente vestidas.
— Quer dizer que a senhora é uma espécie de costureira — lembrou Narizinho.
Dona Sintaxe achou que não.
— Costureira propriamente não. Meu papel na língua é de arrumadeira.
— E quanto ganha por mês? — indagou Emília.
— Nada, bonequinha. Trabalho de graça — trabalho por amor à limpeza e ao bom arranjo deste meu povinho, que são as frases. Mas vamos agora ver outra coisa.
Quero que vocês conheçam os Vícios de Linguagem, que eu conservo aqui por perto, presos em gaiolas.
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Continua ... Capítulo XXI: Os Vícios de Linguagem
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Fonte:
LOBATO, Monteiro. Emília no País da Gramática. SP: Círculo do Livro. Digitalizado por http://groups.google.com/group/digitalsource
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