sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Monteiro Lobato (Emília no País da Gramática) Capítulo XXIII: Exame e Pontuação

Depois de brincarem por algum tempo naquele jardim de Períodos, e de discutirem novamente a campeação do Visconde, os meninos resolveram ir ao bairro das Sílabas sherlockar o rapto do Ditongo — como dizia a Emília.

— Não ainda — propôs Dona Sintaxe. — Quero correr um exame nos meus alunos. Venham todos cá — e o senhor também, Seu Rinoceronte.

Os meninos e o paquiderme perfilaram-se diante da grande dama.

— Muito bem — disse ela. — Vou agora ver se essas, cabecinhas guardaram o que ensinei, e para isso temos que analisar uma frase.

E voltando-se para um grupo de frases passeadeiras:

— Aproxime-se um Período para ser analisado! Depressa! ...

Apresentou-se incontinenti aquele assanhadíssimo Período que dizia assim: Tia Nastácia faz bolinhos que todos acham muito gostosos.

— Vamos ver, Emília, quantas Orações há neste Período?

— Duas! — respondeu imediatamente a boneca. — A primeira é a Principal e a segunda é a Subordinada.

— Muito bem. E qual o Sujeito da primeira, Pedrinho?

— Tia Nastâcia.

— Muito bem. E qual o Sujeito da segunda, senhor paquiderme?

— Todos — rosnou o rinoceronte com um bamboleio de corpo.

— Muito bem. E qual o Predicado da primeira, Narizinho?

— Faz bolinhos — disse a menina com água na boca, porque estava chegando a hora do jantar.

— Muito bem. E qual o Predicado da segunda, Quindim?

— Acham muito gostosos — respondeu o rinoceronte, lambendo os beiços.

— Muito bem. E qual o Complemento Verbal da primeira, Emília?

— Bolinhos! — berrou a boneca. — Bolinhos é o Objeto Direto do Verbo Faz — quem não sabe disso?

— Muito bem. E qual o Complemento Verbal da segunda, Pedrinho?

— Que.

— Esse Que a que se refere?

— Refere-se a Bolinhos.

— Bravos! — exclamou Dona Sintaxe. — Vejo que não perdi o meu tempo. Podem ir brincar.

Foi uma gritaria, e todos saíram aos pinotes. Emília espreguiçou-se e Quindim deu uma chifrada no ar, de brincadeira.

— E agora? — disse Narizinho. — Ela nos mandou brincar; mas brincar de quê, nesta cidade de palavras? Uma idéia!. . . Vamos ver a Pontuação! Onde fica a Pontuação, Quindim?

— Aqui perto, num bazar. Eu sei o caminho — respondeu o paquiderme.

No tal bazar encontraram os SINAIS DE PONTUAÇÃO, arrumados em caixinhas de madeira, com rótulos na tampa. Emília abriu uma e viu só VÍRGULAS dentro.

— Olhem que galanteza! — exclamou. — Vírgulas, Vírgulas e mais Vírgulas! Parecem bacilos do cólera-morbo, que Dona Benta diz serem virgulazinhas vivas.

Emília despejou um monte de Vírgulas na palma da mão e mostrou-as ao rinoceronte.

— Essas Vírgulas servem para separar as Orações, as Palavras e os Números — explicou ele. — Servem sempre para indicar uma pausa na frase. A função delas é separar de leve.

Emília soprou o punhadinho de Vírgulas nas ventas de Quindim e abriu a outra caixa. Era a do PONTO E VÍRGULA.

— E estes, Quindim, estes casaizinhos de Vírgula e Ponto?

— Esses também servem para separar. Mas separar com um pouco mais de energia do que a Vírgula sozinha.

Emília despejou no bolso de Pedrinho todo o conteúdo da caixa.

— E estes aqui? — perguntou em seguida, abrindo a caixinha dos DOIS PONTOS.

— Esses também servem para separar, porém com maior energia do que o Ponto e Vírgula.

Metade daqueles Dois Pontos foram para o bolso do menino. Emília abriu uma nova caixa.

— Oh, estes eu sei para que servem! — exclamou ela, vendo que eram PONTOS FINAIS. — Estes separam duma vez — cortam. Assim que aparece um deles na frase, a gente já sabe que a frase acabou. Finou-se. . .

Em seguida abriu a caixa dos PONTOS DE INTERROGAÇÃO.

— Ganchinhos! — exclamou. — Conheço-os muito bem. Servem para fazer perguntas. São mexeriqueiros e curiosíssimos. Querem saber tudo quanto há. Vou levá-los de presente para Tia Nastácia.

Depois chegou a vez dos PONTOS DE EXCLAMAÇÃO.

— Viva! — gritou Emília. — Estão cá os companheiros das Senhoras Interjeições. Vivem de olho arregalado, a espantar-se e a espantar os outros. Oh! Ah!!! Ih!!!

A caixinha imediata era a das RETICÊNCIAS.

— Servem para indicar que a frase foi interrompida em certo ponto — explicou Quindim.

— Não gosto de Reticências — declarou Emília. — Não gosto de interrupções. Quero todas as coisas inteirinhas — pão, pão, queijo, queijo — ali na batata! — e, despejando no assoalho todas aquelas Reticências, sapateou em cima.

Depois abriu outra caixa e exclamou com cara alegre:

— Oh, estes são engraçadinhos! Parecem meias-luas. . . Quindim explicou que se tratava dos PARÊNTESES, que servem para encaixar numa frase alguma palavra, ou mesmo outra frase explicativa, que a gente lê variando o tom da voz.

— E aqui, estes pauzinhos? — perguntou Emília, abrindo a última caixa.

— São os TRAVESSÕES, que servem no começo das frases de diálogo para mostrar que é uma pessoa que vai falar. Também servem dentro duma frase para pôr em maior destaque uma Palavra ou uma Oração.

— Que graça! — exclamou Emília. — Chamarem Travessão a umas travessinhas de mosquito deste tamanhinho! Os gramáticos não possuem o "senso da medida".

Quindim olhou-a com o rabo dos olhos. Estava ficando sabida demais. . .
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Continua ... Capítulo XXIV: E o Visconde?
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Fonte:
LOBATO, Monteiro. Emília no País da Gramática. SP: Círculo do Livro. Digitalizado por http://groups.google.com/group/digitalsource

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