2.8.1. Tipos
1º. Total. Quando não conseguimos escrever nada, nem começar uma obra nova, nem dar continuidade a partir de qualquer ponto de uma já iniciada ou mesmo mudar o gênero discursivo (por exemplo, muitas vezes nos sentimos bloqueados escrevendo em verso, mas conseguimos produzir se passamos a escrever em prosa).
2º. Específico. Podemos nos sentir bloqueados em algum ponto específico de uma obra em curso na hora de expressar uma determinada ideia, de encontrar uma palavra que falta, um tom, um estilo, de continuar com a construção da psicologia de uma personagem, de um espaço etc.
2.8.2. Algumas causas
1º. Pela falta de conhecimento
Soluções:
- Aprendendo mais sobre o assunto, evidentemente. Através do estudo, da leitura de outros autores que já tenham abordado a matéria, tentando acumular novas experiências vitais...
- Dando tempo ao tempo. Temos que levar em consideração que o inconsciente possui a faculdade de guardar o desejo de expressar algo durante muito tempo. Por exemplo, pode acontecer que em um primeiro momento, não consigamos achar a forma adequada para uma determinada ideia que surgiu. Mas caso ela seja significativa para nós, ficará guardada, como uma semente que espera as condições adequadas para germinar, de modo que o texto definitivo que expresse essa ideia apareça inclusive anos depois do primeiro desejo de materialização.
Às vezes, o texto não sai no momento em que a ideia surge, simplesmente porque ainda não adquirimos a maturidade literária ou vivencial necessárias para isso. A melhor forma de encarar a situação é com tranquilidade e paciência, conscientes de que no futuro o dilema será resolvido e que não haverá problema algum se, momentaneamente, nos ocuparmos com outras questões.
2º. Pelo desequilíbrio emocional ou mental. Estresse, depressão, fadiga, desmotivação, medos etc. A solução é determinar e resolver as causas dos sintomas.
3º. Pelo descenso natural no ciclo da energia criativa. Há épocas que estamos naturalmente mais predispostos para tarefas de introspecção e outras para a extroversão. Este fenômeno é cíclico e perante ele não há outra opção além da espera. Devemos nos adaptar de acordo com a exigência de cada momento.
2.9. Evolução e mudança
Uma das grandes preocupações para o autor costuma ser a sua própria evolução. Diante disto, pode-se dizer que a poesia muda apenas quando o ser do poeta muda.
Claro que, se queremos a mudança, será indispensável um certo grau de abertura para o novo. No entanto, isso supõe um esforço, porque de forma natural tendemos a criar o que se chama “zona de conforto”, ou seja, que queremos desenvolver a nossa ação no mundo dentro de determinados limites espaciais e mentais nos quais nos sintamos à vontade, bem adaptados, inclinando-nos assim a manter estáticos nossos valores e ideias. Sair desta zona significa encarar o desconhecido e isso produz, na maioria dos casos, medo.
Porém, o estancamento associado ao fator mudança pode vir tanto por causa da não ação quanto pelo seu excesso, isto é, quando nos vemos submetidos a estímulos e situações indutoras de mudança a uma velocidade superior à assimilável pela mente. Alguns dos sintomas dessa dinâmica podem ser, por exemplo, os estados de confusão mental, de ansiedade ou de pressa “eterna”.
Tomar consciência de tais processos é fundamental para adquirir domínio sobre eles, para decidir o que deve ser mudado ou não em nós mesmos, quais elementos devem ser incorporados e quais descartados.
2.10. Criação, prazer, coragem
A criação está inerentemente ligada a estes outros dois fenômenos: o prazer e a coragem.
O ato criativo produz prazer na obra vital, mas também quando expressa realidades dolorosas, mesmo que isso possa parecer paradoxal. Podemos encontrar as causas disso em fenômenos como o desabafo, a catarse, o gozo estético, as sensações de verdade e liberdade, o prazer por adquirir conhecimento, de transgredir, de surpreender-se, de resgatar a inocência, de achar e expandir os limites da própria emoção e conhecimento, de levar ao limite a função criadora...
E também está ligado à coragem porque implica que deveremos assumir os riscos de engendrar um objeto suscetível de receber a confrontação de outros indivíduos. O objeto afirma nossa personalidade, a faz visível, e por isso mesmo, nos obriga, para bem ou para mal, a assumir a responsabilidade e as repercussões da sua existência.
3. TRABALHAR O TEXTO
Ama tu ritmo y ritma tus acciones,
Rubén Darío
3.1. Tensão versal
Dentro do poema se produz todo um jogo de tensões e distensões, acelerações e decelerações entre as estrofes, frases, palavras, sílabas, letras e silêncios. Não há regra lógica que possa medir o fato, mas ele pode ser sentido perfeitamente. Por exemplo, a falta de tensão versal é percebida no poema cujo discurso soa “flácido demais”, “sem vitalidade” e o excesso de tensão é sentido naquele que condensa excessivas figuras semânticas e fônicas.
3.2. Ler em voz alta
É o que permite sentir a tensão versal, o ritmo adequado, a harmonia do poema. O verso eficaz, lido em voz alta, oferece uma pronúncia fácil, que flui.
3.3. O ritmo
3.3.1. Ritmo versal e ritmo prosaico
Um fato que distingue radicalmente a poesia de outras formas de discurso é a sua natureza musical. Em síntese, pode-se dizer que a poesia é, seguindo a expressão do gramático espanhol Tomás Navarro y Tomás[3], “palavra ritmicamente organizada”.
O elemento mais importante que lhe imprime um grau de ritmo diferenciado de qualquer outro tipo de expressão verbal é a sua disposição em linhas poéticas ou versos, que apresentam áxis rítmico, ou seja, a última sílaba acentuada em cada verso, onde a curva melódica alcança a sua máxima intensidade, não acontecendo o mesmo na prosa (ver BALBÍN, Rafael de. Sistema de rítmica castellana. Madrid: Biblioteca románica hispánica, Editorial Gredos, 1975[4]).
Além disso, o autor de um poema sabe que a linha do verso pode parar sempre antes do limite que se estabeleceria no parágrafo da prosa. Ele tem “consciência de verso”, o que por si próprio criará uma cadência rítmica que diferencie o poema de um texto em prosa, mesmo se tratando de uma composição visual ou em verso livre. Isto confere ao primeiro caso um sentido de verticalidade/partição que contrasta com o de horizontalidade/continuidade do segundo.
A respeito de certas composições que relativizam estas ideias, cabe mencionar, por exemplo, o caso extremo onde parágrafos em prosa alternam-se ou aparecem inseridos entre versos. Diante de tal fenômeno, podemos afirmar que, estando presentes linhas com áxis rítmico, estas composições deverão ser consideradas poemas.
3.3.2. Ritmos de quantidade, intensidade, timbre e tom
Mencionaremos agora os quatro elementos considerados fundamentais que imprimem ritmo ao poema[5]:
1º. Ritmo de quantidade. Determinado pelo número de sílabas.
2º. Ritmo de intensidade. Determinado pela colocação, regular ou não, dos acentos intensivos no verso.
3º. Ritmo de timbre. Determinado pela rima.
4º. Ritmo de tom. Determinado pelas pausas (que podem ser estróficas, versais, médias, ou constituir cesura). Caso os grupos fônicos sejam longos, o tom do poema desacelera e tende a adquirir um ar mais solene, cerimonioso. Caso os grupos fônicos sejam curtos, o tom se agiliza e tende a adquirir um ar vivaz, popular.
Na cadeia fônica prosaica (prosa), estes quatro elementos de ritmo apresentam uma distribuição livre e assimétrica, já na cadeia fônica rítmica (verso) tendem à regularidade.
3.3.3. Versos em cláusulas silábicas
As cláusulas silábicas[6] são agrupações de sílabas que comumente se formam com duas ou três delas, chegando a quatro em alguns casos (dentro do grupo, pelo menos uma sempre é tônica). No verso, as sinalefas e sinéreses podem ser contadas como apenas uma sílaba.
Existem cinco tipos básicos de cláusulas, atendendo à alternância entre as suas sílabas átonas (o) e tônicas (ó), isto é, ao seu ritmo de intensidade, que pode ser:
1º. Trocaico (ó-o)
Ella enreda piernas, brazos.
E-lla en / re-da / pier-nas / bra-zos.
ó-o ó-o ó-o ó-o
2º. Iâmbico (o-ó)
Rubén, azur navío,
Ru-bén, / a-zur / na-ví-o,
o-ó o-ó o-ó-o
3º. Dactílico (ó-o-o)
Corre mil millas horrísono grito.
Co-rre-mil / mi-llas-o / rrí-so-no / gri-to.
ó-o-o ó-o-o ó-o-o ó-o
4º. Anfíbraco (o-ó-o)
Soñé: una mujer de color de azafrán.
So-ñé: u-na / mu-jer-de / co-lor-de a / za-frán.
o-ó-o o-ó-o o-ó-o o-ó
5º. Anapéstico (o-o-ó)
Tienes ojos de gata de angora,
Tie-nes-o / jos-de-ga / ta-de an-go-ra,
o-o-ó o-o-ó o-o-ó-o
Caso queiramos compor versos utilizando estas cláusulas regulares, não devemos ficar excessivamente preocupados com o cálculo exato das sílabas no momento inicial do surgimento do verso, pois facilmente nos sentiremos bloqueados.
Para conseguir realmente que o verso flua é preciso, antes mesmo de calcular, sentir a cadência rítmica. É indispensável escutar a música do verso: primeiro sentir o padrão rítmico, depois o ritmo chamará a palavra e a palavra conformará a imagem e a ideia. Antes de procurar a frase, o ritmo deve estar bem interiorizado mentalmente. Para isto, a cadência rítmica pode ser inclusive cantarolada antes de começar a inserir as palavras na mesma.
Já em um momento posterior, na hora de refinar o poema, poderemos dedicar especial atenção ao cômputo silábico para conseguir que a distribuição das cláusulas fique perfeita.
Especialmente neste tipo de composição, ritmo, palavra, imagem, emoção, ideia, cálculo, caminham juntos.
Nota: Os poemas correspondentes aos versos dos exemplos, podem ser consultados no artigo de minha autoria Formas del indriso (3. Con uso de cláusulas silábicas)[7], na seção Ensayos y entrevistas em www.indrisos.com.
3.4. Insuficiências poéticas
Não se pretende vetar as formas que aqui serão descritas, mas facilitar apenas a contemplação consciente dos seus possíveis efeitos sobre o poema. Trata-se de inclinações que são parte do processo natural de aprendizagem da maioria dos poetas e que costumam estar presentes, principalmente, durante as fases de formação. Desse modo, sugerimos o auto-exame, ver se as mesmas são identificadas na própria obra e se devem entender-se como algo que deve ou não ser superado.
3.4.1. As palavras “profundas”
Frequentemente, o versificador iniciante tem a ideia errônea de que deve ostentar um pensamento profundo para que o texto seja poético e que, para alcançá-lo, deve incluir vozes tais como: ser, infinito, universo, eterno, alma...
3.4.2. As palavras gastas
Além das que já foram citadas anteriormente, seguem algumas que também estão extremamente gastas, principalmente no poema intimista ou amoroso: rosa, arco-íris, borboleta, sol, lua, céu, mar, estrela, noite, pássaro, beijo, coração, amor, olhos... Ou no poema niilista: morte, grito, escuridão, vazio, Deus, sangue, medo, nada...
A grande maioria dos poetas neófitos recorre às mesmas intensamente, e qualquer leitor que tenha certo conhecimento da tradição literária perceberá o resultado do seu uso como pouco original. Porém, a questão não será apenas utilizá-las ou não, mas como utilizá-las.
Seja como for, servir-se de tais palavras para escrever um poema nos dias de hoje e não incorrer no lugar comum pede, realmente, uma boa dose de maestria.
––––––––
Continua…
Fonte:
http://www.indrisos.com/ensayosyarticulos/artepoeticaportugues.html#4
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