3.4.3. Associação de nome e adjetivo
Um dos recursos mais sobreutilizados na hora de compor consiste em fazer com que o poema se sustente principalmente sobre a associação de nome e adjetivo. Cabe mencionar também o caso dos poemas de tom surrealista, onde a procura pela combinação insólita entre estas categorias gramaticais predomina.
Se queremos superar esta tendência, a ideia que deve ser incorporada é a seguinte: o autor que procura realmente a versatilidade expressiva não se limita a contemplar o nome e o adjetivo, concede valor a toda palavra, a toda categoria gramatical de palavra, e também à pontuação, às combinações de sílabas, de letras, de silêncios.
3.4.4. Insuficiências na rima
1º. Rima gasta. Alguns dos exemplos mais clássicos são as rimas formadas com as terminações: –nte, -ento, -ava, -ão, -ado, -inho.
2º. Fazer terminar versos diferentes com a mesma palavra. Quando se recorre a isto pelo simples fato de não ser capaz de achar uma rima mais distante, o mais provável é um resultado inarmônico, se bem que há composições nas quais o poeta recorre a isto conscientemente, convertendo assim tal ação em recurso estético.
3º. O rípio. É a palavra colocada no final de um verso que, para fazê-lo rimar com outro, prejudica o sentido e a fluidez do discurso, negando normalmente à rima a sensação de surpresa e prazer estético que produz quando é engenhosa. Porém, existem autores que o utilizam intencionalmente, ficando demasiado óbvio para obter um efeito humorístico.
3.4.4.1. Rimas esporádicas no poema em verso livre
Quando em um poema em verso livre achamos versos próximos que rimam, os sentimos como especialmente vinculados entre si e como ressaltados em relação ao conjunto por causa da intensificação que a rima produz na percepção sensorial das palavras. Por isso, ao não estar distribuída de forma simétrica, o mais provável será sentir que houve uma ruptura na harmonia do tudo, experimentar um incômodo, como se o texto ficasse “atolado" nesse ponto; então, dá a sensação de que falta ao autor versatilidade expressiva, que seu estilo é pobre[8].
No entanto, quando no momento de compor em verso livre fazemos o esforço de não incluir rimas, ou pelo menos o esforço de situá-las suficientemente distantes entre si para que o ouvido não as perceba, o poema oferece uma sensação de "oxigenação", de nitidez e de uma riqueza discursiva mais ampla.
3.4.5. Algumas considerações gerais sobre a rima
Quando o autor ainda não domina a rima pode ser comparado, valendo-me de uma metáfora, ao jóquei que quer domar um cavalo sem a habilidade nem a força necessárias para isso. E em tal caso, o animal se descontrola.
A rima é prazerosa ao leitor quando não é sentida como forçada ou óbvia, quando aparece em um texto que flui com naturalidade, que pode conter as ideias mais profundas, a carga afetiva mais intensa, e mesmo assim, surpreendentemente, “magicamente”, rima.
Quando é bem empregada, a forma pode reforçar o conteúdo, o pensamento que quer elevar-se se eleva ainda mais e a emoção que se queira intensificar, intensifica-se. Aqui, o autor será comparável a um jóquei que domina seu cavalo, tendo sempre em consideração que o melhor é aquele que soube, não apenas domar e guiar seu animal, mas estabelecer uma relação afetiva com o mesmo. O poeta desfruta com e pela rima, dança com ela e esse deleite, essa dança, passará finalmente ao leitor.
Para aperfeiçoá-la, além da prática unida ao auxílio dos dicionários, podem ser procuradas as obras dos melhores rimadores e ler ‘saboreando’ detalhadamente as suas rimas, para interiorizar naturalmente e através do prazer suas cadências e alternâncias.
3.5. Colocar-se na pele do leitor
Os autores que conseguem sensibilizar com suas palavras, costumam ter a faculdade de, além de expressar no texto suas próprias inquietações, levar em consideração o leitor: O que sentirá?... O que pensará?... O que verá?... O que interpretará?...
Quando se escreve dessa maneira, o número de planos semânticos do poema tende a aumentar, ele se faz ressonante, plurissignificativo, tende a ir do “plano” ao “esférico”, do psíquico individual ao arquetípico, a deixar de ser de apenas um indivíduo para ser de todos.
Salvo honrosas exceções (por exemplo, se acreditamos em Antón Chéjov, que afirmou que não se preocupava nem um pouco com o leitor[9]), quando um autor escreve só para si mesmo, o receptor do texto não sente que a mensagem também lhe concerne e se desinteressa rapidamente.
O eu literário, que pode ser muito diferente do eu pessoal, tende a virar arquetípico, permitindo assim que o leitor se identifique com ele. Quando o eu pessoal exige muita atenção ele pode fazê-lo, recorrendo, por exemplo, à polarização da obra para a expressão em primeira pessoa, ou fazendo óbvia demais a recriação das suas vivências particulares, evidenciando desse modo, uma mera atitude narcisista (o que será suficiente para provocar rechaço). Além disso, é possível que as recriações vertidas ao papel também tendam a apresentar pobreza imaginativa pelo simples fato de ser produto de uma visão de mundo naturalmente muito limitada.
Por último, devemos levar em consideração que nunca será possível, em última instância, um real e objetivo conhecimento do que o leitor captará ( e nem seria salutar, em minha opinião). Quem escreve terá de contentar-se, sem que isto signifique absolutamente um mal resultado, com forjar a imagem do que se chama um “leitor ideal”.
3.6. Deixar repousar o texto
O momento da criação está embebido frequentemente de um estado mental especial, nele, levantam-se emoções intensas, o poeta pode se sentir como “em outra esfera”, ou inclusive, como diziam os antigos, ”possuído pelo numen...”, mas neste momento de “fogo criador”, de “parto”, é pouco habitual conseguir um poema bem acabado. Depois que esse momento criador termina, é recomendável deixar o poema guardado. Passado algum tempo (horas, dias, semanas, meses ou inclusive anos) ao reler o poema novamente, será muito fácil perceber incorreções, pontos que não fluem, que não foram percebidos durante o primeiro ímpeto da criação.
3.7. Corrigir
Frequentemente nosso sentido da razão não é suficiente para decidir quando considerar terminado um poema. Também faz falta atender às próprias sensações, emoções e intuições. Alguns poemas precisam apenas de minutos para ser obra acabada, outros de anos; e há outros que, inclusive depois de anos, não alcançarão uma forma satisfatória.
Alguns autores preconizam uma mínima correção enquanto outros uma correção ostensiva, e em ambos os casos, dependendo da personalidade do autor, podem ter razão. Mas também não podemos deixar de atender aos perigos das duas opiniões: primeiro deixar a obra “verde” (isto é mais provável em quem se sente um “poeta nato”); segundo, anular a vitalidade inicial do poema por excesso de correção (em quem se sente excessivamente inseguro).
Com relação a este ponto, não sugeriria adotar um mesmo padrão para todos os casos, mas simplesmente que cada composição seja considerada individualmente, que o autor “ouça” o que precisa especificamente cada poema.
Alguns procedimentos para a correção: abreviar, amplificar, eliminar, substituir, mudar de posição.
3.8. O fácil e o difícil
Na nossa cultura ocidental, costumamos irmanar as noções de dificuldade e valia: se é difícil, tem mérito. Mas a experiência demonstra que um poema não deve ser obrigatoriamente melhor que outro apenas por apresentar uma estrutura mais complexa. Também existem vozes que desprezam sistematicamente o poema pelo simples fato de ser artificioso.
Diante de tudo isso, seria conveniente não perder de vista que, em última instância, é a necessidade interior do poeta o que deve primar na hora de definir a natureza do discurso. O poema será um objeto vivo, sendo barroco ou minimalista, se estiver em consonância com esta necessidade interior.
Dando continuidade ao que foi colocado anteriormente, gostaria de lembrar a seguinte máxima: “Há um tempo para tudo”. Isto é, para o simples e o complexo, para o profundo e para o trivial.
3.9. Inovação formal
Algumas estratégias:
3.9.1. Através da associação de características formais
Exemplo: a décima espinela[10], do autor espanhol Vicente Espinel, onde se estabelece como forma fixa a associação de 10 versos de oito sílabas a um esquema de rima a b b a a c c d d c.
3.9.2. Através da associação de características formais e características semânticas
Exemplo: o haicai japonês[11] na sua forma canônica, onde uma estrofe constituída por três versos de 5, 7, 5 sílabas se associa ao kigo, que consiste em fazer referência a alguma das estações do ano.
3.9.3. Através da expansão
1º. Expansão do número de estrofes. Exemplo: adição de estrambotes[12] no soneto.
2º. Expansão do número de versos. Exemplo: À estrutura do haicai são agregados dois versos de sete sílabas e desse modo é obtida uma nova figura constituída por cinco versos de 5, 7, 5, 7, 7 sílabas: o tanka[13].
3.9.4. Através da multiplicação
Exemplo: o renga[14] ou canção encadeada, que consiste em uma sequência de tankas. Normalmente é composta por vários autores que trabalham em conjunto.
3.9.5. Através da condensação
Exemplo: o indriso[15], que surge de um processo de condensação das estrofes do soneto.
Soneto
4
4
3
3
Indriso
3
3
1
1
3.9.6. Através da redistribuição das partes
1º. Redistribuição do número de versos na estrofe. Exemplo: o soneto[16], cujas estrofes apresentaram inicialmente estruturas como 8-6 e 8-3-3, e que terminou se consolidando sob a forma 4-4-3-3.
2º. Redistribuição da posição das estrofes. Exemplos: variantes do indriso[17]. Da forma inicial 3-3-1-1 (indriso ou indriso em sístole) derivam as seguintes:
1-1-3-3: Indriso em diástole.
3-1-3-1: Indriso de duas sístoles.
1-3-1-3: Indriso de duas diástoles.
3-1-1-3: Indriso em sístole interna.
1-3-3-1: Indriso em diástole interna.
3.9.7. Através da imitação
Como no caso dos poemas visuais que reproduzem a forma de objetos físicos.
Exemplo: o blavino[18], forma poética ideada pelos poetas brasileiros Juliana Ruas Blasina e Volmar Camargo Junior. Este reproduz a imagem de um triângulo ou pirâmide, apresentando uma estrutura estrófica 1-2-3-1-3-2-1. O primeiro verso está formado por uma única palavra e os seguintes vão aumentando progressivamente o seu número de sílabas, até alcançar a estrofe de verso único central, que é a linha poética de maior medida. Na segunda metade do poema, a medida das linhas decresce progressivamente até o último verso, que também está constituído por uma única palavra.
3.9.8. Através da oposição
Exemplo: o cânone do soneto em decassílabos com rima consoante ABBA ABBA CDC DCD, provoca em diversos autores a vontade de flexibilizá-lo. Desse modo, surgem variações tanto na rima como nas medidas, tais como o soneto em alexandrinos, em verso livre etc.
3.9.9. Através da fusão de objetos distintos
1º. Fusão de formas poéticas diferentes. Exemplo: a decilira[19], ideada pelo poeta espanhol Juan Ruiz de Torres, onde as estruturas da décima e da lira (ambas as formas procedentes da tradição literária espanhola) aparecem fusionadas de acordo com o seguinte procedimento:
- Estrutura da décima: 10 versos de oito sílabas com rima a b b a a c c d d c.
- Estrutura da lira: 5 versos que combinam versos de onze e sete sílabas seguindo o esquema 7-11-7-7-11 e com rima a B a b B.
- Estrutura da decilira: 10 versos, os cinco primeiros apresentam a mesma medida que a lira e os cinco últimos se combinam de forma especular em relação aos cinco primeiros (7-11-7-7-11-11-7-7-11-7), a rima segue o esquema da décima (a B b a A C c d D c). No nível semântico, os quatro primeiros versos formam uma unidade que apresenta o tema, que será desenvolvido e resolvido nos seis seguintes, seja em um único bloco ou em várias subestrofes.
2º. Fusão de diferentes suportes artísticos. Como nos casos onde a palavra se combina com pintura, música, fotografia, escultura, efeitos de computação gráfica etc. Exemplos disto são as obras do espanhol Joan Brossa[20] e do brasileiro Augusto de Campos[21].
––––––––
Continua…
Fonte:
http://www.indrisos.com/ensayosyarticulos/artepoeticaportugues.html#4
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