FEITIÇO
Qual cantiga triste, sussurrada ao vento,
tua voz sonora, em doce lamento,
como som de harpa veio e me encantou...
Qual brisa suave, ao tanger do sino,
tua face meiga, de eterno menino,
como anjo celeste então me cativou...
Qual taça espumante que promete tudo,
teu olhar profundo, de negro veludo,
como vinho antigo me embriagou...
Qual rubra maçã em pomar proibido,
tua boca ardente, num doce gemido,
como vil pecado me atormentou...
Qual cupido alado vindo dos espaços,
teu ser cativante embargou-me os passos
e, como um feiticeiro, me apaixonou…
MOSAICO
Madrugada de abril.
Um vento frio e inesperado
abre, ao acaso, a pagina
de um livro de memórias
há muito guardado.
Inscrita em negra tinta
uma frase: "never more"...
Sob o pó acumulado,
emoldurando os traços
infantis e descuidados,
vê-se ainda o frágil esboço
de um coração, antes inteiro,
hoje feito em pedaços.
MAR
Na concha da mão
adormece uma lágrima.
Pérola escondida.
Na praia, o mar
beijava o teu corpo lasso.
Matutina orgia...
Na espuma clara
do mar deitei meus sonhos.
Dormem no azul.
Duas alvas lágrimas.
Contas ocultas na concha
de um mar de saudade.
MAR II
Verde mar,
verde folha,
verde esperança
que se desfaz,
que se desfolha,
na alva areia,
entre alga e espuma...
Assim, o amor,
concha esquecida
em praia deserta,
no vai e vem
da onda saudade
também se evade,
também se esfuma.
INDAGAÇÃO
Veios d'água
fluíram de dentro de mim,
viraram rios
transbordando limites.
Na vazante
levaram as palavras.
Fiquei vazia de signos.
Só meus olhos,
cegos de sentido,
inundam de porquês.
O LUAR E A NOITE
Raio de luar, raio de luar,
minha sombra infinda vens luarizar
mesmo já sabendo que, chegando a aurora,
vais me abandonar...
Raio de luar, raio de luar,
de luz transitória vens me fulgurar
mas, luzindo o dia, em incerta hora,
sei, vais me deixar...
Raio de luar, raio de luar...
Pela frágil aurora vives a buscar
Quem, indiferente, sempre vai embora
Sem calor te dar...
Raio de luar, raio de luar,
me adornei de estrelas para te esperar.
Não fujas assim, não te vás agora,
de sombras fui feita para te velar
Não tenho a beleza ou o brilho da aurora,
mas berço de paz para te ofertar.
IMAGINÁRIO
Sonho sonhos impossíveis
de um amor imaginário.
E quanto mais eu te vejo,
de perto, assim, tão concreto,
mais te concebo abstrato,
ao meu tímido contato,
como se fosses a imagem,
esmaecida e incorpórea,
de antigo porta-retrato.
E quanto mais te contemplo,
misterioso e galante,
cruzando meus descaminhos,
mais percebo, a contragosto,
que é de estrelas solitárias
o meu sombrio caminho.
E que não cobrirão teu rosto
as vãs espumas de prata
dos meus sonhados carinhos.
SONATA
Vibram as cordas da alma do poeta,
No afã da criação, a rara e completa
arte de versejar então resgata.
Retoma o soneto, a mais dileta
forma de poesia, e a repleta
de tom e suavidade já inata.
Com a arte e a habilidade mais discreta,
de quem modula sons em serenata,
cria sua obra-prima o poeta:
herdeira do soneto, eis a SONATA!
DESTINO
Tranquilos como as águas de um rio
Assim se vão meus dias...
Sou como o verde ramo
Que se deixa levar
Sob o morno sol do estio
Troncos, pedras, seixos,
Nada impede meu caminho.
Apenas o vento me conduz
Em suas asas de pluma.
Para onde? Não sei...
Talvez para a grande foz
Onde todos rios deságuam
E onde o barqueiro me espera
Para a pontual travessia…
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