sábado, 19 de janeiro de 2013

Maria do Carmo Marino Schneider (Cristais Poéticos 2)


FEITIÇO

Qual cantiga triste, sussurrada ao vento,
 tua voz sonora, em doce lamento,
 como som de harpa veio e me encantou...

 Qual brisa suave, ao tanger do sino,
 tua face meiga, de eterno menino,
 como anjo celeste então me cativou...

 Qual taça espumante que promete tudo,
 teu olhar profundo, de negro veludo,
 como vinho antigo me embriagou...

 Qual rubra maçã em pomar proibido,
 tua boca ardente, num doce gemido,
 como vil pecado me atormentou...

 Qual cupido alado vindo dos espaços,
 teu ser cativante embargou-me os passos
 e, como um feiticeiro, me apaixonou…

MOSAICO

Madrugada de abril.
 Um vento frio e inesperado
 abre, ao acaso, a pagina
 de um livro de memórias
 há muito guardado.
 Inscrita em negra tinta
 uma frase: "never more"...
 Sob o pó acumulado,
 emoldurando os traços
 infantis e descuidados,
 vê-se ainda o frágil esboço
 de um coração, antes inteiro,
 hoje feito em pedaços.

MAR

Na concha da mão
 adormece uma lágrima.
 Pérola escondida.

 Na praia, o mar
 beijava o teu corpo lasso.
 Matutina orgia...

 Na espuma clara
 do mar deitei meus sonhos.
 Dormem no azul.

 Duas alvas lágrimas.
 Contas ocultas na concha
 de um mar de saudade.

MAR II

Verde mar,
 verde folha,
 verde esperança
 que se desfaz,
 que se desfolha,
 na alva areia,
 entre alga e espuma...
 Assim, o amor,
 concha esquecida
 em praia deserta,
 no vai e vem
 da onda saudade
 também se evade,
 também se esfuma.

INDAGAÇÃO

Veios d'água
 fluíram de dentro de mim,
 viraram rios
 transbordando limites.
 Na vazante
 levaram as palavras.
 Fiquei vazia de signos.
 Só meus olhos,
 cegos de sentido,
 inundam de porquês.

O LUAR E A NOITE

Raio de luar, raio de luar,
 minha sombra infinda vens luarizar
 mesmo já sabendo que, chegando a aurora,
 vais me abandonar...

 Raio de luar, raio de luar,
 de luz transitória vens me fulgurar
 mas, luzindo o dia, em incerta hora,
 sei, vais me deixar...

 Raio de luar, raio de luar...
 Pela frágil aurora vives a buscar
 Quem, indiferente, sempre vai embora
 Sem calor te dar...

 Raio de luar, raio de luar,
 me adornei de estrelas para te esperar.
 Não fujas assim, não te vás agora,
 de sombras fui feita para te velar
 Não tenho a beleza ou o brilho da aurora,
 mas berço de paz para te ofertar.

IMAGINÁRIO

Sonho sonhos impossíveis
 de um amor imaginário.
 E quanto mais eu te vejo,
 de perto, assim, tão concreto,
 mais te concebo abstrato,
 ao meu tímido contato,
 como se fosses a imagem,
 esmaecida e incorpórea,
 de antigo porta-retrato.
 E quanto mais te contemplo,
 misterioso e galante,
 cruzando meus descaminhos,
 mais percebo, a contragosto,
 que é de estrelas solitárias
 o meu sombrio caminho.
 E que não cobrirão teu rosto
 as vãs espumas de prata
 dos meus sonhados carinhos.

SONATA

Vibram as cordas da alma do poeta,
 No afã da criação, a rara e completa
 arte de versejar então resgata.

 Retoma o soneto, a mais dileta
 forma de poesia, e a repleta
 de tom e suavidade já inata.

 Com a arte e a habilidade mais discreta,
 de quem modula sons em serenata,

 cria sua obra-prima o poeta:
 herdeira do soneto, eis a SONATA!

DESTINO

Tranquilos como as águas de um rio
 Assim se vão meus dias...
 Sou como o verde ramo
 Que se deixa levar
 Sob o morno sol do estio
 Troncos, pedras, seixos,
 Nada impede meu caminho.
 Apenas o vento me conduz
 Em suas asas de pluma.
 Para onde? Não sei...
 Talvez para a grande foz
 Onde todos rios deságuam
 E onde o barqueiro me espera
 Para a pontual travessia…

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