Colombina
Yde (Adelaide) Schloenbach Blumenschein
(São Paulo/SP, 26 maio 1882 – São Paulo/SP, 14 março 1963)
" AQUELE QUE PASSOU "
Vinhas ao meu encontro. E nos olhos trazias
como num livro aberto, o meu destino escrito;
e desde então pensar em ti, noites e dias,
foi toda a minha glória e todo o meu delito.
Para te acariciar, com minhas mãos tão frias,
ao sol eu fui pedir o seu calor bendito.
E até para sofrer porque não me querias
quis ter um coração maior que o Infinito.
Vinhas ao meu encontro . . . em teus olhos de lenda
o destino traçara, à guisa de legenda,
a minha história triste, insípida, banal;
sem lances de paixão, sem gritos, sem violências;
apenas o teu nome, algumas reticências...
uma interrogação e este ponto final!
" BACANTE "
Ergue nas mãos a taça transbordante
do vinho capitoso; em desalinho,
desata a cabeleira luxuriante
sobre o seu corpo nu, de rosa e arminho.
Um perfume oriental, sensualizante,
vai-se impregnando no ar, devagarinho . . .
E, lasciva e pagã, dança a bacante
embriagada de música e de vinho!
Torcendo os rins em lânguidos meneios
derrama sobre os pequeninos seios
a sua taça de cristal boêmia.
E há na volúpia estranha dos seus passos
e nas serpentes brancas dos seus braços
a eterna sedução da eterna fêmea!
" EPISÓDIO "
O reflexo do ocaso ensangüentado
dourava ainda aquele fim de dia . . .
De um frasco de cristal, mal arrolhado,
um cálido perfume se esvaía...
Junto ao teu corpo nu, convulsionado,
que de desejo e de volúpia ardia,
o meu corpo, nessa hora de pecado,
uma ânfora de gozo parecia.
Na quietude da tarde agonizante
um beijo prolongado, delirante,
a flama da paixão veio acender...
E toda a minha feminilidade
era uma taça de sensualidade
transbordante de vida e de prazer!
" ESSE AMOR "
Há um abismo entre nós. E apesar dessa falta
de ventura e de paz, nosso amor continua...
Cada dia é maior, é mais forte, e mais alta
e imperiosa a paixão que em nosso sangue estua.
Longe de ti, meu ser emocionado exalta
em rimas de ouro e sol - cada carícia tua!
E em meu verso integral, canta, fulge, ressalta
o infinito de amor que o teu nome insinua . . .
Não me podes amar como eu quisera. É certo.
Mas não existem leis, nem certidões, nem peias
quando os teus olhos beijo e as tuas mãos aperto.
Tardas... Mas, quando vens, eu sinto que me queres,
que pela minha voz, pelo meu beijo anseias,
e sou a mais feliz de todas as mulheres!
" PASSIONAL "
Voltaste. - E a tua voz novamente modula
o ritmo do meu ser pela sua euforia:
a carícia sensual das tuas mãos açula
em flamas o vulcão que dentro em mim ardia.
Beijas a minha boca... E agora, em nós, a gula
despertada parece uma fera bravia
que, liberta afinal do grilhão que a jugula,
seus recalques de fome e de sede sacia...
Em meu sangue palpita e em tuas veias canta
o desejo da carne, e a tudo mais suplanta
o seu hino imortal de beleza e de vida.
Novamente, a paixão nos arrasta e nos cega,
para que sintas teu meu corpo que se entrega
e eu te acredite meu, sendo por ti possuída.
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Corina Ferreira Rebuá
(Rio de Janeiro/GB, 1900)
" QUE INSÔNIA "
Como faz frio neste quarto agora!
A chuva bate em cheio na vidraça.
E o relógio da igreja, de hora em hora,
soa. Há passos na rua... E a ronda passa . . .
Não consigo dormir. Como demora
esta vigília que me torna lassa!
Se abro um livro, não leio. E lá por fora
chove. Há passos na rua... E a ronda passa . . .
Dormes? Não creio. Eu sei que estás velando,
porque eu pressinto que, de quando em quando,
vem o teu corpo fluídico e me enlaça.
O relógio da igreja está batendo.
São quatro horas. Que insônia! Está chovendo.
Ouço passos na rua... E a ronda passa..'.
Fonte:
– J.G . de Araujo Jorge . "Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou". 1a ed. 1963
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