sexta-feira, 4 de abril de 2014

Pedro Du Bois (Navegando nos Versos) 3

APENAS

Você
      pode alcançar
      o inatingível
      mas não quer correr riscos
                         e não sabe gerenciar o tormento
                    ou se alegrar com pequenos gestos

 apática
          aguarda a sua hora   
fosse o estopim e a corda
          ao redor do pescoço
 ou a espoleta sob a pedra

a espera desglorifica o sentido
e a consciência cede ao impulso
                           em quase nada.

TERRAS 

 
A terra entre mãos desperta
a forma e a fome. Sintetiza
e reserva o espaço ao vazio.

Escorre a terra na conquista
           e reconhece na placa
            o nome antepassado.


A terra sobre o corpo em mortalha
na batalha vencida pelo cansaço
e desistência na indolência
do corpo
          superficial
                     da entrega.


A terra morta é abandono
em ávidas carícias.

FEITOS

Feito aço: a lâmina assusta
o corpo indefeso.

O olhar perdido em divagação
ao remoer o espaço


zune a lâmina atravessada
na distância do corpo trespassado.


Feito espaço: o aço é remetida
                       vida em cansaço.

PREFERIR
 

A preferência se apresenta
                          na alteração das cores
                                                 e traços:

 destroços do navio
casco submerso
boias
e botes


             mulheres
                 crianças
                      e ratos.

DESENREDO

                    Chovo
                    o tempo
                    dedicado
                    à seca.

Seco a hora enredada.

Falam em catástrofes: finalizo
                                     o inexistente.

Na esterilidade do planeta
aposto verdes plantas
e azuis marítimos: dói

              a água derramada sobre o solo
castigado em vazios. O relógio desperta
o sono irreparável da espécie.

FUGIR
 

Onde passado
tenso passo
cadenciado

botas sobre pedras
na infância esquecida
em pés n'água
e mãos na árvore

rito e coragem
risco

a vida no mais e menos
da escadaria íngreme
da baixada

pesado passo com que foge
                      de sua vida passada.

REPETIÇÕES

gestos se repetem
na lenta agonia
do olhar sobre a pessoa
que passa ereta e fria

não há o cumprimento formal
no esquecimento e no desânimo
fossem inimigos ou estrangeiros
desconhecidos em árido abrigo

loucos assumidos em  praças
de assustados ladrões
entre árvores

gestos repetidos em adeus
prenunciam a chegada imprópria
e o saber-se longe: é longa
a despedida antes do embarque

CRESCIMENTO

A criança
    chave do crescimento
    hormônio da sempre vida
no orgasmo em que o pai
                   personagem
                   deposita em sua mãe
            fúlgida companheira
                       das primeiras horas
                       em todas as noites

no acelerado infinito
a criança cresce problemas
no desabrochar adulto isento
                                      de culpas
na robotização das letras
inconsumidas em regras
                               e regulamentos

o pai insiste no momento do espasmo
e a mãe se esconde sob o corpo
                    na entrega da razão
                           e na fé dos cometas

ao filho resta remediados efeitos
no tédio da presença em frentes
de batalhas onde se iguala
                           em arrependimentos.

LOUCURA

estranhos anúncios
mal feitos na execução
da ilusão - extrema -
da possibilidade
de mudanças

nada muda: o fogo
e a violência cristalizam
o fim em resultado
inconsistente

o animal se aferra
na derrubada da última
esperança de convivência

FIM
 

Retorcido o ferro
obedece e sustenta
estrutura maiores

oxidado desmancha
no que se deforma

enferrujado corpo
em finas partículas
na dor de quem sabe
que tudo acaba.

PASSADO

Onde armazeno as coisas
 desprovidas de matéria: acode ao cego
                                  a bengala
                                      o cachorro
                                 acorre ao surdo
                            em sinais e gestos
escondo na criança o crescer e a seriedade
em gavetas trancadas
                  o mistério transparece
                  na mão conduzida em chaves

apelo ao senso
           o desuso e a catraca
arrepia o sujo
           a água e a macela
ausentam o corpo
           a matéria e a ilusão
roubam do portador a entrada

forço a gaveta
            minha mão é forte
e avanço lerdo o caminho no instante
atravessado ao mundo
            a conversa e o barulho
acendem o fogo
            na imagem e gosto
jogados aos mortos

a ventura recupera meu medo
em conversas baixas

           o silêncio impera.

AMAR

Sou o castigo
em postiça forma
culpada na tipicidade do ato

amo
   como amam os insanos
   - como os vejo amando -
em inimagináveis fases
de fragmento e enlevo

torço o rosto ao desgosto
da lâmina brilhante sobre a face
no assalto concluído em fuga

fuga de sentimentos
irrealizados em ondas
deletérias de paixão

retoco a tinta no sentido
do vento a balançar a flor
sobre a amurada
da minha ausência

amo
sendo o amor
             agora.
.
Fonte:
O Autor

Um comentário:

Pedro Du Bois disse...

Caro Feldman, mesmo com todo o atraso - pelo que me desculpo, gratíssimo pela divulgação dos poemas. Abraços. Pedro.