sexta-feira, 4 de abril de 2014

André Luiz Alvez (Dias Claros ou Cinzentos)

Nunca gostei de chuva. Quando os silvos impactante dos ventos anunciam dias cinzentos, me tranco em casa com receio da chuva que se anuncia.  Em dias assim, recordo de quando era criança. Ah, quando eu era criança... vislumbro nossa antiga casa, parece que ouço meus amigos me chamando pra brincar lá fora. Quero ir, me aproximo da porta, que não quer abrir, para meu desespero. E cai a chuva que nos obriga a ficar dentro de casa, eu, meus tios e os amigos que correram do terreno tentando escapar dos primeiros pingos grossos.  Era terrível, nossos brinquedos jogados lá fora e nada podíamos fazer.  Sem perceber, tirava à unha a casca de ferida na canela machucada de tanto brincar, não conseguia mais esperar que ela secasse por completo, fazendo o sangue tornar a escorrer. Logo alguém teve a idéia de fazer uns barquinhos de papel e num instante tínhamos à disposição uma frota inteira.  Dependurados nas estroncas da casa, cada um jogava seu barquinho na correnteza da água da chuva, que formou um veio d água abaixo da janela de madeira e ficávamos vendo os barcos partirem lado a lado. Hoje deslumbro aquela cena, que transformo numa alegoria da vida, como se eu fosse atirado junto dos barquinhos, naquela corrente de água sem fim.  E depois veio o sol, um convite para a diversão: corremos lá pra fora já armados dos galhos da árvore que caíram, fazendo deles lápis e desenhando um enorme círculo na terra molhada, um oco ao meio feito com o calcanhar, que se transformou na meta do jogo de bolitas, e assim o dia foi passando naquela alegria de criança. Vários dias claros e outros cinzentos vieram e cá estou perto dos cinquenta anos. O símbolo do remédio que tomo pra controlar a pressão é parecido com o carrinho de rolimã que tive quando criança. As rodas daquele brinquedo um dia se quebraram e o conserto que nele faltou ainda existe em mim. Se pudesse voltar no tempo, trocaria as rodinhas por outras novas, talvez de madeira, e o brinquedo voltaria a funcionar já no dia seguinte. Daria solução ao caso porque hoje, maduro e vivido, tenho respostas para quase tudo.  Certa vez pediram a Nelson Rodrigues um conselho aos mais jovens. A resposta veio certeira: "Envelheçam".  Não concordo. A maturidade não é nada boa, é cinza, começo do fim, basta olhar novamente para o remédio para controle da pressão, ou alisar os óculos que uso para ler, e o constante esquecimento de coisas pequenas. Bom mesmo é ser jovem, embora a experiência de vida nos torne mais astutos.  Hoje consigo farejar as marcas dos pés que se aproximam, percebo quando o assoalho, antes falho e de pedra bruta, se faz encerado e limpo e, assim, consigo distinguir um dia claro daquele outro cinzento, como nesse fim de tarde, quando um bando de passarinhos se recolhe no pé de limão que tenho no quintal, celebram o fim do dia e eu só espero que amanhã não chova. Detesto dias cinzentos.

 Fontes:
O Autor
Imagem = Fabio Junior http://fabioinocente.blogspot.com

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