segunda-feira, 2 de setembro de 2024

Monsenhor Orivaldo Robles (Eu desisto)

Afirmação até certo ponto ufanista assegura: “Eu sou brasileiro; não desisto nunca”. Tentei levá-la à prática. Foi quando apareceram as faixas de pedestres nas ruas (sinalização horizontal) e, ao lado, placas de advertência (sinalização vertical). Em país civilizado tais placas são dispensáveis. Basta a sinalização horizontal. Mas nós somos diferentes. Abracei a quixotesca tarefa de ajudar pessoas a atravessar a rua. Contribuiria para criar entre nós um clima urbano mais cortês. Do que, aliás, Maringá precisa. Tolo que sou e cabeçudo, ainda por cima, comecei a solitária campanha de levar à observância da faixa de pedestres. Andando a pé por onde não havia sinal luminoso, eu levantava um braço para indicar minha intenção de cruzar a rua, enquanto, com a outra mão, apontava as listras brancas no asfalto. Ocasiões houve em que motoristas educadamente me cederam a preferência. Noutras, a reação foi menos amigável. Dirigiram-me buzinadas raivosas. Ou me homenagearam com gentilezas do tipo “Quer morrer, seu louco?” ou “Está bêbado”?

Quando ao volante ou guidão de veículo motorizado, sentimo-nos donos do mundo. A cidade toma contornos de nosso quintal. Dela desfrutamos conforme nosso alvedrio. Admito que por descuido já invadi faixa de pedestres. Estou-me esforçando para não repetir. Procuro não esquecer que nascemos pedestres, não motorizados. Não é justo entregar a cidade aos carros tornando um inferno a vida das pessoas. Estas são anteriores a eles. Quem chegou primeiro tem direito assegurado.

Por algum tempo sustentei uma inútil disputa. Não contra moinhos de vento, mas contra bólidos motorizados capazes de levar à morte ou ferir com gravidade. Reconheço que me comportei ingenuamente. Não pretendo engrossar com meu nome a extensa lista de vítimas. Cansei. Venho honestamente depor as armas. Aceito a derrota. Sou brasileiro, mas eu desisto.

A gota d’água, que fez entornar o copo, foi vertida por bela e desconhecida jovem, semana passada, numa avenida binária. Ela vinha a uma distância de bons vinte metros. Quatro placas (uma de cada lado de ambas as vias) apontavam-lhe a faixa de pedestres. Pouco antes, dois avisos. Um tinha alertado: “50 km”. A seguir, outro: “Pare”. Ergui bem alto um pacote branco que tinha na mão e entrei na faixa. Julguei seguro. Tanto que um furgão se deteve. Impossível não me ver. A moça – não acredito que nos 50 km/h recomendados – não aliviou. Para não me ferir, teve que frear. Mas parou em cima da faixa; eu passei na beiradinha. Com a face rubra de susto e raiva, me repreendeu gritando: “O senhor não pode ir-se jogando na faixa. Uma hora, o senhor vai morrer por causa disso”. Foi o que falou, mas inconscientemente talvez pensasse outra coisa. Assim como: “Eu sou jovem, bonita, rica e dirijo um carro novo. Você é velho, feio, pobre e anda a pé. Eu sou mais importante do que você. Como ousa atrapalhar minha passagem”?

Não me joguei, apenas passei sobre a faixa, que não é nenhuma Brastemp, mas ainda está visível no asfalto. Se bem que umas mãos de tinta não lhe fariam mal. E não custam nenhuma fortuna.

Desculpe, moça bonita. Você está certa. Pedestre tem mesmo que sempre dar a vez para os veículos. Dirija seu precioso carro como quiser. Para que encher sua elegante cabecinha com ridículas normas de trânsito, não é mesmo?

O nosso português de cada dia (Expressões) = 6


(SABER) DE COR

Expressão usada quando alguém tem um assunto claramente guardado na memória.

Tem origem no latim “cor” que quer dizer coração. Portanto, saber de cor é saber pelo coração, pelos sentidos. Em francês diz-se savoir par coeur, literalmente saber pelo coração.

DEEM-ME UMA ALAVANCA E EU ERGUEREI O MUNDO

A frase é do sábio Arquimedes, 287 - 212 a. C. Foi ele um dos primeiros pensadores que começou a compreender a importância das máquinas para realização de trabalhos, lembrando que o esforço físico era considerado indigno de cidadãos livres no Mundo Antigo. Ele estudou , descobriu e formalizou as leis da mecânica, tendo inventado o sistema de roldanas, a alavanca e muitas outras máquinas. Certa feita, querendo ser compreendido no alcance de seus inventos, disse: "Deem-me um outro lugar onde eu possa colocar-me, e uma alavanca de tamanho adequado, e eu deslocarei a Terra". Baseado no princípio da alavanca, ele inventou a catapulta, que acabou por ajudar, e muito, o seu povo a resistir à invasão dos romanos.

DEITAR E ROLAR

Fazer a festa, divertir-se a valer sem nenhuma preocupação, aproveitar a situação da melhor maneira possível.

A expressão é nórdica. Está ligada às antigas tradições pré-natalinas. Muitos costumes têm a sua origem em antigas festas populares pagãs, quando as celebrações realizadas ao romper do inverno rogavam aos deuses a volta plena da natureza "adormecida" na próxima primavera. Um cortejo - bem barulhento -, se formava para afastar os maus espíritos e os fantasmas. As crianças desejavam que nesta data a cidade estivesse coberta de neve para que pudessem construir bonecos de neve, traçar batalhas brancas ou, simplesmente, deitar e rolar sob os flocos frescos, num cenário feito conto de fadas que modificava radicalmente a paisagem urbana, normalmente cinza e sem graça.

DE VENTO EM POPA

Usada quando as coisas vão muito bem, tudo está favorável.

A metáfora é quase literal. Popa é a parte de trás dos navios. Se imaginarmos um barco a velas, numa época em que a propulsão de barcos grandes era apenas assim, será fácil entender o que significava ter o vento a favor, de trás para diante. Os ventos favoráveis são chamados de barlaventos.

DIABO A QUATRO

Confusão generalizada, várias pessoas falando e/ou fazendo muitas coisas ao mesmo tempo sem que ninguém se entenda.

Nos antigos autos medievais (peças de teatro simples, de um só conflito - normalmente o bem contra o mal - de caráter religioso e moralizante e feita em versos), apareciam normalmente quatro personagens vestidas de diabos fazendo horríveis barulhos com o intuito de aterrorizar os espectadores, alertando-os sobre as penas infernais a que todos estavam sujeitos.

DIAS DA SEMANA

Por que os dias da semana são chamados de segunda, terça, quarta, quinta e sexta-feira, sábado e domingo? Esta, talvez, seja uma pergunta feita por quase todo mundo.

A origem dos nomes em português é essencialmente religiosa:

Domingo: vem do latim Dominus, o dia do Senhor, seria então o primeiro dia de festividade religiosa, da feria, para nós a primeira feira; segunda a sexta, as outras feiras ordenadas; e sábado viria do latim sabbatu, que, por sua vez, viria do hebraico shabbath, significando descanso semanal.

As outras línguas europeias deram aos dias origem pagãs, relacionando os nomes aos astros.

Fonte: Nailor Marques Jr. Será o Benedito?: Dicionário de origens de expressões. Maringá/PR: Liceu, 2002.

Recordando Velhas Canções (Máscara negra)


(Marcha/carnaval, 1967)

Compositores: Zé Keti e Pereira Matos

Tanto riso, oh quanta alegria
Mais de mil palhaços no salão
Arlequim está chorando pelo amor da Colombina
No meio da multidão

Foi bom te ver outra vez
Tá fazendo um ano
Foi no carnaval que passou
Eu sou aquele pierrô
Que te abraçou
Que te beijou, meu amor
Na mesma máscara negra
Que esconde o teu rosto
Eu quero matar a saudade
Vou beijar-te agora
Não me leve a mal
Hoje é carnaval
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A Saudade e o Carnaval: A História por Trás de 'Máscara Negra'
A canção 'Máscara Negra', interpretada pelo icônico sambista Zé Keti, é um clássico do carnaval brasileiro que traz em sua essência a mistura de alegria e melancolia tão característica dessa festa popular. A letra da música descreve o cenário de um baile de carnaval, onde a figura do Arlequim chora por seu amor não correspondido pela Colombina, personagens tradicionais da Commedia dell'arte italiana que foram incorporados ao carnaval.

O eu lírico da canção se identifica como um pierrô, outro personagem clássico, que relembra um encontro amoroso ocorrido no carnaval do ano anterior. A 'máscara negra' que dá título à música pode ser interpretada tanto literalmente, como parte do disfarce carnavalesco, quanto metaforicamente, representando os sentimentos ocultos e a saudade que o narrador sente. A máscara serve como um elemento de anonimato que permite ao pierrô expressar seu amor e matar a saudade através de um beijo, aproveitando a liberdade que o carnaval proporciona.

A música, portanto, captura a dualidade do carnaval: a euforia coletiva e a intimidade dos encontros fugazes. 'Máscara Negra' é um retrato da efemeridade das relações humanas, da alegria passageira e da saudade que permanece, tudo sob o véu da festividade e do anonimato que o carnaval oferece.

Ainda prestigiado pelo sucesso do show “Opinião”, Zé Kéti ganhou o carnaval de 67 com a marcha-rancho “Máscara Negra”. Reproduzindo o lirismo suave que caracteriza o gênero, a composição trata do reencontro de um Pierrô com uma Colombina que conhecera no carnaval anterior.

E, ao contrário de outras canções inspiradas na commedia dell’arte, aqui é o Arlequim quem chora pelo amor de colombina. Tendo acontecido numa época em que a música carnavalesca tradicional saía de moda, o sucesso de “Máscara Negra” pode ser considerado uma façanha.

A propósito, este sucesso chegou a gerar uma polêmica sobre a co-autoria da composição, que seria de Deusdedith Pereira Matos e não de seu irmão Hildebrando, conforme consta na edição. Mas, como os dois já haviam morrido na ocasião, a questão não teve maiores consequências, entrando “Máscara Negra” para o repertório de Dalva de Oliveira como um de seus últimos sucessos 
Fontes:
A Canção no Tempo – Vol. 2 – Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello – Editora 34.

domingo, 1 de setembro de 2024

Varal de Trovas n. 610

 

Newton Sampaio (Funeral)

Damião entrou de mansinho no quarto abafado. Era mesmo verdade. O amigo não poderia resistir mais tempo. Trazia sulcos grandes no rosto. E os olhos, outrora irrequietos quando anunciavam um novo epigrama, restavam mortiços nas órbitas salientes.

O doente notou-lhe a chegada. Esboçou um sorriso em que punha toda a gratidão. E disse, balbuciante:

— Você... Meu velho amigo.

— É. Eu vim, Frederico. Eu vim.

— Muito... obrigado...

— Não precisa agradecer, não. Mas não fale tanto, Frederico. Você se vai cansar à toa. É preciso repouso, ouviu?

— Não quero.

— Descanse sim. Vai ficar bom mais depressa.

— Qual! Desta vez...

Passou a língua nos lábios secos.

— Chegou o meu dia.

— Ora. Nem diga isso.

Damião se levantou, a troco de nada. Fazia o possível para não chorar.

Frederico gemeu fundo. A testa brilhava, orvalhada. E o corpo todo queria pegar fogo, de tão quente.

Pediu água, numa angústia.

— Quero água, Damião. Bem... gelada.

— Paciência, Frederico. Não pode ser, não.

— Eu quero... Quero.

— Seja forte, menino.

Limpou-lhe o suor brandamente, e encostou um pano molhado na boca do enfermo.

— Eu quero é água.

— Logo. Logo você vai beber. Logo mais.

Revolvia-se, a todo instante, o Frederico.

Do lado de fora do quarto, a cidade sofrendo o sol medonho de dezembro. E do lado de dentro, a febre consumindo, consumindo...

De repente, levou a mão à nuca.

— Aqui.

— Que é?

— Aqui.

Arregalou os olhos.

— Vai estourar. É agora!... Ele vai estourar, já!

Pensava que ia arrebentar um furúnculo na nuca. Depois era a cabeça que estava aberta de lado a lado. A cabeça subiu, subiu. Pegou a cabeça. Atravessou o dedo no ouvido, e o dedo veio sair nos olhos. Os olhos saltaram. Ficaram dançando no ar. Caíram no chão. Era olho dançador! Era só o direito.

Mas a mulher chegou. Pisou, com raiva. Só viu água. A água estava afogando. Então, o furúnculo rompeu na ponta do nariz. Bem na pontinha. O nariz ficou compridíssimo. Chegou a bater na janela. Montou no nariz e saiu correndo. Voaram pela janela, ele mais o nariz. Mas a calçada era de quadradinhos. Deu com o nariz na pedra. Daí entrou na varanda. Socou um tapa no tio... O tio, que balançava na rede, ficou furioso. Deu-lhe uma sova tremenda. Foi aquela sova por causa do roubo da marmelada. Ora, a marmelada! Enterrou o focinho nela.

Encheu-se dela. E a marmelada virou língua. Uma língua danada, que lambia. Que lambia sempre.

Quando retomou consciência, caiu em prostração.

Damião era que sofria tanto como o amigo. Viveu o resto da tarde ali na beira da cama.

À noite, a febre diminuiu. A velha Luísa achava que aquela era a visita da saúde. A última visita. Mas não dizia, não. Podia assustar o moço...

— Você vai sarar logo. Tenho certeza disso.

— Por que, Damião? Não vou prestar mais pra nada...

— Nem fale.

— Eu sei...

Tirou o cabelo dos olhos.

— Sabe, Damião? Sou um caso perdido. Até à minha consciência eu menti sempre.

— Nada disso.

— Eu me arrependo. Fui um inútil. Paciência! Se acaso existisse uma outra vida, seria capaz de me regenerar, acredite.

Piorou, na manhã seguinte. Um febrão!

— Estou me queimando. Não aguento...

— Coragem, menino.

— Mas eu não quero morrer, ouviu? Não quero não... Me salve, Damião. Por favor!

Apenas passou a crise, tentou brincar.

— A bondade, meu amigo, é monótona. A inteligência é incômoda...

— E o romantismo é cretino (completou o outro, recordando as boas tertúlias do passado).

— Isso mesmo.

Fitaram-se longamente.

— Dê-me a sua mão. Como vou morrer logo... quero despedir-me... do único amigo que deixo na terra.

— Bobagem, Frederico.

— Dê-me sua mão. Assim.

E falou, pausadamente, como se estivesse são.

— Cria de alugado, hein? Você, cria de alugado... Lembra-se da palavra de Goethe? Ele falou mais ou menos assim: “Não creia nunca esquecer as dores da meninice...” Está certo?

— Sou capaz até de dizer a página.

Frederico quis sorrir. Mas uma dor aguda cortou-lhe a intenção. Gemeu alto. E quando dona Luísa entrou no quarto o coração do sulista não queria trabalhar mais...

Damião gastou todas as economias no funeral do amigo. Assim mesmo teve de encomendar um de classe inferior.

Os conhecidos, convidados pelo escriturário, prometeram ir, mas não foram.

O morto não deixara mesmo outras amizades. Até mesmo a Jeanette fujona, fora diabólica...

O carro levava duas coroas. E, atrás das coroas, caminhava Damião, em silêncio.

Dona Luísa — a pobre! — arquejava como quê! Só as vizinhas janeleiras é que estavam achando bom o enterro. Porque todo o pessoal as olhava — as únicas moças do acompanhamento.

Nas pernas do grande amigo do Frederico enroscou-se o Chouriço. O cachorro também sabia sentir a morte do dono.

Chouriço ganiu, longamente.

E Damião jurava que a marcha fúnebre de Chopin não podia ser mais triste, mais angustiada do que o ganido daquele vira-lata cheio de pulgas…

(Publicado originalmente em O Dia. Curitiba, 12/11/1936)

Fonte: Newton Sampaio. Ficções. Secretaria de Estado da Cultura: Biblioteca Pública do Paraná, 2014. Disponível em Domínio Público.

Recordando Velhas Canções (Apanhei-te cavaquinho)


(Polca, 1915)

Compositores: Ernesto Nazareth e Ubaldo Mangione

Ainda me lembro,
Do meu tempo de criança,
Quando entrava numa dança,
Toda cheia de esperança,
De chinelinho e de trança,
Com Mané e o Zé da França,
Nunca tive na lembrança,
De rever esse chorinho.

E hoje ouvindo,
Neste choro a voz do pinho,
Relembrando o bom tempinho,
Da mamãe e do maninho,
Hoje sou ave sem ninho,
Sem família, sem carinho,
Mas sou bem feliz ouvindo,
O "Apanhei-te Cavaquinho"!

Hoje cantando o "Apanhei-te Cavaquinho",
Fico louca, fico quente,
Fico como um passarinho,
Sinto vontade de cantar a vida inteira,
Esta vida, eu levo de qualquer maneira,
Ouvindo a flauta, o cavaquinho e o violão,
Eu sinto que o meu coração,
Tem a cadência de um pandeiro,
Esqueço tudo e vou cantando com jeitinho,
Este chorinho,
Que é muito Brasileiro !

Hoje cantando o "Apanhei-te Cavaquinho",
Fico louca, fico quente,
Fico como um passarinho,
Sinto vontade de cantar a vida inteira,
Esta vida, eu levo de qualquer maneira,
Ouvindo a flauta, o cavaquinho e o violão,
Eu sinto que o meu coração,
Tem a cadência de um pandeiro,
Esqueço tudo e vou cantando com jeitinho,
Este chorinho,
Que é muito Brasileiro !...
(bis a 1ª e 2ª)
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A Nostalgia e a Alegria do Chorinho em 'Apanhei-te Cavaquinho'
A música 'Apanhei-te Cavaquinho', é uma celebração nostálgica e alegre do chorinho, um gênero musical tipicamente brasileiro. A letra remete às memórias de infância da narradora, que se recorda com carinho dos tempos em que dançava cheia de esperança, com chinelinho e trança, ao som do chorinho. Essas lembranças são evocadas com uma mistura de saudade e alegria, destacando a simplicidade e a felicidade dos momentos passados com a família e amigos.

No presente, a narradora se encontra sem família e sem carinho, mas encontra consolo e felicidade ao ouvir e cantar o chorinho 'Apanhei-te Cavaquinho'. A música se torna um refúgio, uma forma de reviver os bons tempos e de sentir-se viva e feliz novamente. A letra expressa como a música tem o poder de transformar o estado emocional da narradora, fazendo-a sentir-se como um passarinho, livre e leve, com vontade de cantar a vida inteira.

A canção também exalta a brasilidade do chorinho, destacando instrumentos típicos como a flauta, o cavaquinho e o violão, e a cadência do pandeiro. Ademilde Fonseca, conhecida como a Rainha do Chorinho, traz uma interpretação vibrante e cheia de vida, que captura a essência do gênero musical. A música é uma ode à cultura brasileira e à capacidade da música de trazer alegria e conforto, mesmo nos momentos mais difíceis.

A polca "Apanhei-te Cavaquinho" é a segunda composição mais gravada de Ernesto Nazareth, perdendo apenas para "Odeon". De andamento rápido (o autor recomendava semínima = 100 para as polcas e semínima = 80 para os tangos) é muitas vezes executada em velocidade vertiginosa por músicos exibicionistas, que presumem assim mostrar habilidade virtuosística.

Composta em 1915 e gravada no mesmo ano pelo grupo O Passos no Choro, "Apanhei-Te Cavaquinho" foi dedicada a Mário Cavaquinho (Mário Álvares da Conceição), um exímio cavaquinista, amigo de Nazareth (segundo Ary Vasconcelos, ele inventou o cavaquinho de cinco cordas e a bandurra de 14 cordas).

Em 1930 o autor gravou esta composição em disco de grande valor documental, que passou a servir de referência para novas execuções. Já classificado como choro, ganhou letra de Darci de Oliveira, em 1943, para ser gravado por Ademilde Fonseca.
Fontes: Cifrantiga

sábado, 31 de agosto de 2024

Jessé Nascimento (Trovas em preto e branco)


1
Ah, relógio, meu amigo,
teus ponteiros, como correm!
O tempo voa contigo
e com ele os sonhos morrem…
2
Após tantos desenganos
e conselhos não ouvidos,
chego ao final dos meus anos
sem ter meus dias vividos.
3
Com meus sonhos mais singelos,
embalados na esperança,
venho erguendo meus castelos
desde os tempos de criança.
4
Corres tanto, mocidade,
és pela vida levada:
– amanhã, serás saudade,
serás velhice, mais nada.
5
Dos outros não dependamos,
mas cada um erga a voz;
a paz que tanto almejamos
começa dentro de nós
6
Na dureza da porfia
para moldar minha história,
Deus me abençoa e me guia
para chegar à vitória.
7
Não adormeças teus sonhos,
não os esqueças, jamais;
os dias são mais risonhos
pra aqueles que sonham mais.
8
Não censuro o teu pecado,
não me censures também;
de vidro é o nosso telhado,
pecados... quem não os têm?
9
Navegando nas poesias,
nas ondas da inspiração,
iço as velas de alegrias
deixo o rumo ao coração.
10
Nesta vida, de passagem
sem morada permanente,
numa tão breve viagem,
sou um turista somente.
11
O genro sempre é quem dança,
a minha sogra é um porre;
o nome dela é "Esperança"
que é a última que morre.
12
Sempre fui um sonhador,
sonhos...por que não os ter?
Vivo meus sonhos de amor
porque sonhar é viver.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

AS TROVAS DE JESSÉ NASCIMENTO EM PRETO E BRANCO
por José Feldman

AS TROVAS UMA A UMA

1. Ah, relógio, meu amigo
A metáfora do relógio representa a inevitabilidade do tempo. Os "ponteiros" que correm simbolizam a urgência da vida e a perda de sonhos. A ideia de que "com ele os sonhos morrem" sugere uma reflexão sobre como o tempo pode levar embora as esperanças e aspirações.

2. Após tantos desenganos
Aqui, há um tom de melancolia e arrependimento. O eu lírico reflete sobre as oportunidades perdidas e conselhos não seguidos. A frase "sem ter meus dias vividos" implica uma vida de experiências não aproveitadas, levantando questões sobre a valorização do presente.

3. Com meus sonhos mais singelos
Esta trova fala sobre a simplicidade dos sonhos infantis e a construção de "castelos" na imaginação. A conexão entre a infância e a esperança sugere que manter a inocência e a capacidade de sonhar é essencial para a felicidade.

4. Corres tanto, mocidade
A juventude é apresentada como efêmera, um período que rapidamente se transforma em saudade. A ideia de que a mocidade "serás velhice, mais nada" ressalta a transitoriedade da vida e a necessidade de aproveitar cada momento.

5. Dos outros não dependamos
Esta enfatiza a importância da autonomia e da responsabilidade pessoal. A paz interna é vista como um pré-requisito para a paz coletiva, sugerindo que a mudança começa dentro de cada indivíduo.

6. Na dureza da porfia
O esforço e a luta para moldar a própria história são reconhecidos. A presença de Deus como guia indica uma busca por força espiritual e moral para superar desafios, culminando em um desejo de vitória.

7. Não adormeças teus sonhos
Um forte apelo à persistência e à valorização dos sonhos. A ideia de que "os dias são mais risonhos" para aqueles que sonham sugere que a esperança e a ambição trazem alegria à vida.

8. Não censuro o teu pecado
Esta estrofe reflete a aceitação da imperfeição humana. O "telhado de vidro" simboliza a fragilidade das relações e a vulnerabilidade de cada um, reconhecendo que todos têm suas falhas.

9. Navegando nas poesias
A poesia é vista como um meio de libertação e alegria. O ato de içar as velas representa a disposição de seguir o coração e aproveitar a inspiração, sugerindo que a arte é uma forma de navegar pela vida.

10. Nesta vida, de passagem
A metáfora do "turista" implica que a vida é temporária e que devemos valorizar cada experiência. A ideia de "morada permanente" reflete a incerteza e a natureza efêmera da existência humana.

11. O genro sempre é quem dança
Aqui, o humor é utilizado para abordar as dinâmicas familiares. A sogra como "Esperança" sugere que, mesmo em meio a desafios, a esperança permanece, destacando uma visão otimista.

12. Sempre fui um sonhador
Esta trova reafirma a identidade do eu lírico como sonhador. A afirmação de que "sonhar é viver" encapsula a mensagem central das trovas: a importância dos sonhos para uma vida plena e significativa.

TEMAS ABORDADOS E SUAS RELAÇÕES COM OUTROS POETAS

As "Trovas de Jessé Nascimento" capturam a essência do tempo, dos sonhos e da vida com profundidade e sensibilidade.

Transitoriedade do Tempo
Em "O Tempo", Fernando Pessoa reflete sobre a passagem do tempo e a inevitabilidade da morte, semelhante à preocupação de Jessé com a efemeridade dos sonhos e a juventude que rapidamente se transformam em memória, assim como Marcelino Freire que explora a passagem do tempo e a efemeridade das experiências, refletindo sobre a vida de maneira intensa.

Esperança e Sonhos
Em seus poemas, Cecília Meireles fala sobre a importância da esperança e dos sonhos, ecoando a mensagem positiva de Jessé sobre a a importância de manter a esperança e sonhar, enfatizando que a vida é mais rica para aqueles que sonham.

Reflexão e Autoconhecimento
Em obras como "Sentimento do Mundo", Carlos Drummond de Andrade explora a introspecção e o autoconhecimento, temas que também permeiam as trovas acima, uma busca por compreender as próprias experiências, arrependimentos e a necessidade de aproveitar o presente. A poesia de Alice Ruiz é marcada por uma busca íntima e reflexões sobre a vida e o amor, dialogando com a introspecção presente nas trovas.

Individualidade e Coletividade
Em suas poesias, Adélia Prado e Rafael Cortez discutem a relação entre o eu e o outro, similar à necessidade de Jessé de encontrar a própria voz e contribuir para a paz interna e externa destacando a relação entre o indivíduo e a sociedade.

Aceitação da Imperfeição Humana
Com um tom leve e humorístico, Mário Quintana aborda a fragilidade humana em muitos de seus poemas, semelhante às trovas de Jessé que enfatizam a aceitação dos erros e falhas pessoais, reconhecendo a fragilidade das relações e a universalidade do pecado, assim como Thiago de Mello, conhecido por sua visão humanista.

A Vida como Viagem
Vinicius de Moraes reflete sobre a vida como uma jornada, um tema que ressoa com a visão na trova de Jessé, por intermédio da metáfora da vida como uma passagem ou viagem que sugere a importância de valorizar cada experiência, assim como Bruna Beber, que frequentemente utiliza metáforas de viagem e passagem, refletindo sobre a jornada da vida de maneira lírica e introspectiva.

Relações e Dinâmicas Familiares
O humor e a complexidade nas relações familiares são explorados, especialmente em relação à figura da sogra, como Juliana Leite aborda estas relações e complexidades, trazendo um olhar contemporâneo que ressoa com o humor e a leveza de Jessé.

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

A temática das trovas de Jessé Nascimento revela uma rica tapeçaria de reflexões sobre a condição humana, onde a transitoriedade da vida, a importância da esperança e a busca por autoconhecimento se entrelaçam de maneira profunda. Aborda a passagem do tempo com uma sensibilidade que ressoa em muitos leitores, convidando-os a contemplar a efemeridade dos sonhos e a inevitabilidade das mudanças.

A simplicidade de sua linguagem e a musicalidade de suas trovas tornam suas mensagens acessíveis, permitindo que temas universais, como amor, perda e as complexidades das relações humanas, sejam explorados de forma íntima e profunda. O uso de humor e ironia, especialmente em contextos familiares, oferece uma leveza que contrabalança a seriedade de suas reflexões, destacando a dualidade da experiência humana.

Além disso, o trovador enfatiza a importância da individualidade dentro de um contexto coletivo, sugerindo que a paz pessoal é fundamental para a harmonia social. Essa ideia ressoa fortemente em um mundo contemporâneo repleto de desafios, onde a busca por significado e conexão se torna cada vez mais urgente.

Enfim, as trovas de Jessé Nascimento não apenas capturam a essência da vida cotidiana, mas também oferecem um convite à introspecção e à valorização dos momentos simples. Sua obra se estabelece como um farol de esperança e reflexão, incentivando os leitores a sonhar, a viver plenamente e a encontrar beleza mesmo nas incertezas da vida.

Fonte: José Feldman. 50 Trovadores e suas Trovas em preto e branco. IA Open. vol.1. Maringá/PR: Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

Geraldo Pereira (O Mata-Borrão)

Nesses meus sábados ou nesses meus domingos, imperceptíveis, quase, tal a atribulação do meu cotidiano, faço questão de aproveitar a emergência da inspiração e vou transbordando o coração assim, escrevendo. Há tempo para tudo, está escrito, também, para que a alma seja tomada pelas saudades ou pelas lembranças nostálgicas e tempo para que o espírito se encha de satisfação e plenitude. Como há momentos de quedas do humor e outros, de elevação desses sentimentos! Agora, com um computador novo, ganho de presente, da consorte – Com sorte, sempre! Graças a Deus! –, tenho condições diferenciadas para o meu processo, mais do que simples, de criar o texto, pois que ouvindo Josefina Aguiar e Henrique Annes, antecipando os grandes da música universal, Mozart e Tchaikovsky ou Beethoven e Chopin, vou sendo invadido por essa sensação de paz interior, com a sonoridade dos meus conterrâneos ou com os acordes do inteiramente clássico.

Ora, quem como eu fez uso da velha pena, que molhada no tinteiro a intervalos regulares permitia transferir para o papel o pensamento, é muito diferente sentar diante do monitor e observar as letras se juntando em abraços fraternais, formando palavras, as quais se reúnem nas frases e vão dando gosto ao período. Dantes, quando era menino e usava calças curtas, saía de casa para a escola com a minha caneta Compactor e o meu frasco de tinta, da marca Parker e de qualidade Azul Real Lavável! Mas, fiquei maior e na idade de rapaz cheguei, como todos os meus companheiros e não esqueceram os meus pais da lembrança que fazia crescer, também, no reconhecimento dos colegas, por isso me deram uma Parker 51, de cor azul, com a tampa dourada. Usei por anos a fio e tinha a satisfação de dizer a toda a gente que nunca escarrapichou. Há quem saiba mais que verbo é esse? Nem o computador aceita de bom grado a grafia.

E se tudo está mudado, mesmo, na pós-modernidade do tempo, a máquina de escrever desapareceu do habitual das coisas e só as delegacias de polícia resistem à antiguidade do velho equipamento. Era um sacrifício datilografar, diretamente, as minhas crônicas, nem sempre agradáveis ao leitor, para quem transmito as minhas dores e os meus ardores, os meus amores, igualmente, muitas vezes de maneira tão enrustida, que só os de casa ou aqueles de meus convívios compreendem! 

Sempre usei os dedos todos das duas mãos em meus trabalhos, pois que na década de 1960, nos inícios desses doces anos, quase tirei o diploma de datilógrafo, para me garantir, dizia meu pai, e trabalhar no comércio, se preciso fosse! Se errasse, todavia, era um problema e a borracha de duas cores – azul e vermelha – entrava em cena, apagando o vocábulo e permitindo a nova escrita, mas ficava tudo borrado, sujo, verdadeiramente.

Um belo dia – já contei isso por aqui –, a minha mãe comunicou a todos, na hora do jantar, que tinha visto uma caneta nova, diferente, sobretudo, e trocando o nome, chamou de “Caneta Estereográfica”, cuja característica mais importante, explicou, em alto e bom som, era a de não exigir o tinteiro e a de não esvaziar nunca, senão de uma vez só. Uma beleza! E de pronto, todo mundo no Recife adotou a invenção, com o efeito colateral de ter o bolso, quase sempre, completamente molhado pela tinta da novidade emergente. Eram rodas azuis na camisa de muitos pelas ruas, apontando o defeito dos começos, o vazamento comum desses apetrechos que chegavam. As marcas populares ganharam fama e ainda hoje a Bic anda por aí, mostrando a cor azul-escuro da tampa e o transparente do corpo.

Rabisca o bom e o ruim, risca os discursos da elite e faz o jogo do bicho, aposta no carneiro e termina dando touro, converte gente e promove a descrença. É paradoxal, então! 

E o mata-borrão? Há quem se lembre disso? Só os mais velhos. É que depois da frase escrita, havia a necessidade de secar a tinta, de enxugar os excessos e para tanto funcionava o então conhecido papel de natureza porosa, com o poder de sugar os excedentes da mancha gráfica daqueles antanhos. Eram promocionais, inclusive, porque veiculavam propagandas, de remédios, por exemplo. Estas, distribuídas aos médicos, como ao meu tio Hênio, de Campina Grande, faziam a mídia da época. E ele trazia em boa quantidade para nós outros, para o meu pai e para mim, para os meus irmãos e para a minha tia velha, que fazia de suas cartas a forma de resgate dos pretéritos perdidos em terras potiguares. Em casa havia uma peça de madeira bem cuidada, na qual se colocava o mata-borrão, propriamente, fixando-se fortemente e assim era possível usar de maneira mais ampla, no texto por inteiro, quase!

Tudo isso passou! O tempo mudou ou mudaram os homens? E agora, a máquina substitui a criatura, despreza a pena e aposenta a caneta, vai dispensando o papel e diminuindo as distâncias, dando ao penitente do hoje condições de acessar o mundo inteirinho, da baixaria à nobreza, da pornografia descuidada aos textos da ciência. E viva a pátria, o computador e os avanços! Mas, viva, sobretudo, o mata-borrão!

Fonte: Geraldo Pereira. A medida das saudades. Recife/PE, 2006. Disponível no Portal de Domínio Público

Silmar Bohrer (Croniquinha) 120

Quando lembro de Edgar Morin vou logo pensando num dos maiores pensadores das ciências em todos os tempos. Conhecido, admirado, respeitado pelas ideias tantas no campo do conhecimento e do saber. 

O francês chegou aos 103 anos na segunda (08 de junho) nos levando ao sociólogo, filósofo, antropólogo, humanista e educador com propostas como as dos seus "Sete saberes necessários para a educação do futuro". E outras mais... 

Mas quem pensa, pesquisa, escreve e também dissemina, tem sua diversidade de pensares, de interpretações e conhecimentos ligados ao lado pessoal. E nestes três anos de labor pós-centenário devemos lembrar do Morin humanista, relendo o que o também escritor escreveu sobre o viver. A vida de todos nós! 

"Às vezes me sinto esmagado pelo amor à vida. Que beleza, que harmonia, que unidade profunda, que complementariedade e solidariedade entre os seres vivos! Que força criadora para inventar miríades de espécies animais e vegetais singulares! Às vezes me sinto esmagado pela crueldade da vida, pela necessidade de matar para viver, por sua energia destruidora, seus conflitos, sempre com o triunfo da morte. Depois consigo reunir, manter, ligar indissoluvelmente as duas verdades contrárias. A vida é dádiva e fardo, a vida é maravilhosa e terrível ". 

Belos dias, bela vida, quantos ensinamentos!

Fonte: Texto enviado pelo autor 

O nosso português de cada dia (Expressões) = 5

CORTIÇO

Favela, casebres amontados, várias casas simples que dividem o mesmo terreno.

Cortiço é casa de abelhas, a expressão surge por aproximação e foi usada pela primeira vez para essa designação pelo escritor Aluísio Azevedo, em 1890, ao denominar assim um  romance que tratava justo deste tipo de habitação.

(SER) CRICRI

Dizemos de pessoas muito chatas, ranzinzas, que incomodam. 

O adjetivo cricri teve origem onomatopaica no barulho irritante produzido pelos grilos.

(SER) CURVA DE RIO

Pessoa de qualidade duvidosa, mau elemento, indesejado, pilantra.

Sua origem está associada à geografia dos rios que, correndo, viajam em linha reta e também fazem curvas e pela existência da força centrífuga tudo que está à flor da água é jogado para margem quando elas surgem. Portanto, tudo que não presta, tudo que não é água, para ali.

CUSPIDO E ESCARRADO

Duas pessoas que andam ou estão sempre juntas e que se parecem muito,

A expressão é resultado da deformação da original esculpido em carrara. Carrara é uma cidade italiana de onde se extrai, há mais de dois mil anos, um dos melhores e mais caros mármores. Esta pedra era usada como matéria-prima para os escultores renascentistas, que a utilizavam por ser dura, resistente e, depois de polida, ter a aparência de pele humana. Como a arte da renascença, de inspiração clássica, consistia em fazer cópias exatas ou fiéis de seus modelos (basta observar as produções de Michelangelo), o modelo e a estátua eram idênticos, daí dizer que pessoas muito parecidas eram como se tivessem sido esculpidas em carrara.

DA LATA

Muito bom, coisa de boa qualidade.

Esta expressão teve origem no fim dos anos 80, depois que o navio Solana Star, foi interceptado pela Guarda Costeira brasileira. A tripulação ciente de que transportava uma grande quantidade de maconha, resolveu jogar a mercadoria ilícita ao mar, para evitar que fossem presos. Dias depois, a muamba que estava acondicionada em latas lacradas, apareceu nas praias do Rio de Janeiro e foi logo recolhida e aproveitada pela população carioca. A notícia correu o Brasil, não só do fato. como da excelente qualidade da droga. Como as expressões se criam com muita facilidade, a partir daí o que é de boa qualidade para o Rio e o resto do país passou a ser da lata.

(USAR) DÁLÍAS

Na linguagem televisiva, "dália" é aquele cartaz que fica ao alcance dos olhos do ator para que ele possa se socorrer na hora em que esquece o texto.

Esse nome, Dália, surgiu depois de um "acidente de cena", muito comum nos tempos da TV ao vivo. Um ator bastante famoso da época, o Fregolente, tinha grande dificuldade em decorar suas falas, por isso, ele as escrevia sempre em pequenas cartolinas e colocava-as junto a um vaso de dálias, que fazia parte do cenário. Um belo dia, o contra-regra, sem querer, acabou levando o vaso com as dálias e, junto com elas, as cartolinas do Fregolente. Na hora em que o programa foi ao ar, na deixa do Fregolente, ele olhou para a mesa, não viu o vaso e, desesperado, falou, em alto e bom som: "Onde diabos meteram as minhas dálias?!" E assim que o nome "dália" acabou ficando até hoje.

(SER) DALTÔNICO

Pessoa com dificuldades de reconhecer cores, principalmente o verde e o vermelho.

ü termo vem do nome do cientista britânico John Dalton que, em 1794, publicou um estudo no qual revelava ter dificuldades para reconhecer as cores verde e vermelha. Após sua morte, seus olhos foram doados para estudos e, a partir daí, os problemas semelhantes receberam seu nome.

DANTESCO

Horroroso, exagerado, diabólico, infernal.

O termo é derivado do nome do poeta italiano Dante Alighieri, 1.265 - 1321, considerado o precursor da literatura renascentista. A associação com o que é horrível diz respeito à sua obra Divina Comédia, mais especificamente à descrição que ele faz do inferno e suas desgraças.

DAR A MÃO À PALMATÓRIA

Reconhecer o próprio erro e aceitar o castigo.

Palmatóría era um instrumento de castigo para alunos até meados do século XX. Consistia num pedaço de madeira firme que terminava com faceta arredondada e chata, cheia de furos. Os alunos ofereciam as mãos e recebiam pancadas nas palmas. Os orifícios do instrumento puxavam a pele e isto provocava muita dor.

Fonte: Nailor Marques Jr. Será o Benedito?: Dicionário de origens de expressões. Maringá/PR: Liceu, 2002.

Recordando Velhas Canções (Noite dos mascarados)

(Marcha, 1967)


Compositor: Chico Buarque de Holanda

- Quem é você?
- Adivinha, se gosta de mim!

Hoje os dois mascarados
Procuram os seus namorados
Perguntando assim:

- Quem é você, diga logo...
- Que eu quero saber o seu jogo...
- Que eu quero morrer no seu bloco...
- Que eu quero me arder no seu fogo.

- Eu sou seresteiro,
Poeta e cantor.
- O meu tempo inteiro
Só zombo do amor.
- Eu tenho um pandeiro.
- Só quero um violão.
- Eu nado em dinheiro.
- Não tenho um tostão.
Fui porta-estandarte,
Não sei mais dançar.
- Eu, modéstia à parte,
Nasci pra sambar.
- Eu sou tão menina...
- Meu tempo passou...
- Eu sou Colombina!
- Eu sou Pierrô!

Mas é Carnaval!
Não me diga mais quem é você!
Amanhã tudo volta ao normal.
Deixa a festa acabar,
Deixa o barco correr.

Deixa o dia raiar, que hoje eu sou
Da maneira que você me quer.
O que você pedir eu lhe dou,
Seja você quem for,
Seja o que Deus quiser!
Seja você quem for,
Seja o que Deus quiser!
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Máscaras e Mistérios: A Essência do Carnaval em 'Noite dos Mascarados'
A música 'Noite dos Mascarados', composta por Chico Buarque, é uma obra que explora a temática do Carnaval, mas vai além da festividade, adentrando nos jogos de identidade e na liberdade de expressão que a ocasião permite. A letra apresenta um diálogo entre duas pessoas mascaradas que flertam e brincam com a ideia de esconder suas verdadeiras identidades, enquanto se permitem viver o momento de festa e sedução que o Carnaval proporciona.

O uso de máscaras é uma metáfora para as facetas que as pessoas podem escolher mostrar ao mundo, especialmente em um contexto de festa onde as convenções sociais são temporariamente suspensas. A música sugere que, sob a proteção das máscaras, as pessoas se sentem mais livres para expressar desejos e sentimentos que, em circunstâncias normais, poderiam ser reprimidos. A interação entre os personagens revela um jogo de adivinhação e charme, onde a identidade real é menos importante do que a experiência compartilhada naquele instante.

A repetição do verso 'Seja você quem for, seja o que Deus quiser!' reforça a ideia de entrega ao momento e à celebração, independentemente das diferenças individuais. Chico Buarque, conhecido por suas letras poéticas e críticas sociais, utiliza a canção para refletir sobre a natureza efêmera da vida e a importância de viver plenamente, mesmo que seja por uma noite de Carnaval. A música se torna um hino à liberdade, ao amor sem preconceitos e à alegria sem limites.